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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Se pudéssemos ver o mundo que não veremos... Ou “minha galinha merece uma medalha de honra ao mérito”

Se pudéssemos ver o mundo que não veremos... Ou “minha galinha merece uma medalha de honra ao mérito”





Este mundo que vemos é produto da evolução e seleção naturais. Entenda-se como “natural” o que é produto apenas das leis da natureza e sua aparente aleatoriedade... O que vemos é um céu cheio de espaços aparentemente vazios palmilhado de astros. Uns raros caem sobre nós, a maioria esmagadora fica lá em cima rodando, girando, “voando” a velocidades fantásticas que não percebemos. Para nós parecem estar todos parados. Por “nós”, entenda-se toda a espécie viva de qualquer dos reinos da natureza, mesmo que aparentemente nos pareça não terem qualquer laivo de inteligência que possa competir com a nossa, a dos humanos. Talvez um dia se chegue à conclusão que “inteligência” é algo que ainda não entendemos muito bem e que os vírus são muito mais inteligentes do que os humanos. Estamos em plena guerra contra eles e pelo que parece, não estamos ganhando. O Ebola é um exemplo e há muitos mais exemplos.




Um dia morreremos e deixaremos de “ver” este mundo, mas ele continuará evoluindo, espécies mais adaptáveis às transformações do ambiente proliferarão mais do que outras, novas espécies surgirão e outras serão extintas ou se extinguirão por falta de condições de adaptabilidade ao meio. Mas...

... Mas se pudéssemos ressuscitar daqui a um milhão de anos, talvez desejássemos voltar para a cova: O planeta Terra ficará irreconhecível, o comportamento humano será muito diferente, os valores sociais, morais, a moda, os hábitos, nosso próprio corpo sofrerá alterações significativas principalmente devido ao uso de “partes” físicas a que hoje chamamos “próteses” para dar a nosso corpo capacidades extras que naturalmente não conseguimos obter. Por outro lado, as modificações genéticas que já iniciamos em vegetais e animais não são fruto de uma “evolução natural”, mas de nossas próprias necessidades. Um ou outro gene escapa para a natureza e de repente nos iremos deparar com novas espécies transgênicas desenvolvidas (agora já naturalmente a partir de alterações que induzimos e que fugiram ao nosso controle) que surgirão da noite para o dia. Passaremos a estudá-las, a reaproveitar seus genes para novas alterações genéticas... E alguns desses genes nos atingirão. Poderemos passar a ser uma espécie “azulada”, esverdeada ou amarelada.




Minha galinha – tanto quanto parece – não tem genes alterados. É uma no meio de quatro que comprei como sendo “caipiras”, e que se juntaram a outras duas e a um galo que eu já tinha. Uma fugiu! Nunca vi galinha voar, mas estas quatro caipiras voavam – literalmente voavam – pulando muros de mais de três metros de altura. Tive que lhes cortar as asas. No segundo mês era-me fácil recolher dois a três ovos por dia, depois escassearam... Vi que comiam os ovos, menos uma, a única branquinha do lote das quatro novas. Quando certo dia a vi deitada no chão por bom tempo, e no dia seguinte também, percebi que estava chocando ovos. Chocava apenas dois ovos. Apanhei então mais cinco ovos dos que havia guardado, e coloquei-os no ninho improvisado. Por umas duas vezes a ouvi gritar: As outras galinhas tentavam comer-lhe os ovos, seus filhotes. Separei então as galinhas. Certa noite veio o gambá por uma fenda na malha de cobertura do galinheiro. Eu tomei conhecimento quando a meio da noite ouvi seu grito lancinante que parecia de gente. Era um grito de dor, mas não apenas de dor. Era um apelo a um “deus”, á natureza, a algo para que a salvasse da morte... Ela tinha uma missão a cumprir e essa missão estava sendo interrompida pela nulidade da inexistência antecipada. Era um pedido de socorro. Levantei-me desperto a meio da noite e abati o gambá. Lamento até hoje a morte prematura do gambá, mas não tive alternativa. A galinha era minha amiga, o gambá um simpático intruso que sempre via passar em cima do muro, tranqüilamente, que vinha comer os restos de frutas que eu lhe deixava. A ele e a seus parentes que vivem algures no condomínio e que nunca procurei saber onde!

Naquela noite, sete dias atrás, o gambá a mordeu de morte. Tem uma mancha sanguinolenta do lado. Está seriamente ferida. Não sei onde arranjou forças, mas se alimenta, bebe água e impressionantemente continuou chocando seus sete ovos. Vi que o gambá estava comendo um ovo quando o abati. Então, ela não só estava chocando os ovos que pusera, como os que coloquei  e mais alguns que as outras galinhas haviam posto antes que as apartasse.

É esta maternidade da natureza que me impressiona e admiro: Nenhuma mãe tem filho feio, nenhum pai se incomoda em criar filhos de genes alheios. Mãe ou pai que se incomodam com genes alheios não são da natureza embora pertençam a ela... São natureza desnaturada.

E se pudéssemos ressuscitar daqui a um milhão de anos, veríamos que “nosso” planeta estará deveras diferenciado. Sinto, porém, que o termo “nosso” está completamente equivocado. O planeta não é nosso, não nos pertence... Nós é que lhe pertencemos enquanto vivemos. E para lhe pertencermos de fato é necessário senti-lo. Quem vive alheio ao meio em que habita não pertence a nada. É um monte de sentimentos desperdiçados. Minha galinha merece uma medalha de honra ao mérito. 

PS- Quase 15 dias decorridos desde que foi mordida pelo gambá, a galinha continua chocando os ovos. Não me atrevi a verificar como está a sua ferida. Não deve ter sido letal e provavelmente ela se irá recuperar. 



® Rui Rodrigues

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Trem Noturno para Paris.

Trem Noturno para Paris.


I - Em algum dos dias de Junho de 1991.




Collor tinha sido eleito presidente do Brasil. Eu havia trabalhado para uma empresa de Consultoria e tinha notícias fidedignas de sua ânsia pelo poder e principalmente pelo dinheiro, além de um comportamento muito próximo dos sintomas de bipolaridade, quase loucura patogênica, meio “hitleristica”. Como previ um desastre na economia, resolvi voltar à “terrinha” para manter minha decência profissional. Com emprego já garantido em Lisboa, resolvi gastar os últimos tostões disponíveis para visitar um amigo de longa data, Jaime Irigoyen, de nacionalidade chilena que estava trabalhando em Madrid para uma empresa inglesa gerenciadora de uma famosa obra de dois prédios inclinados: Altos custos e desperdício de área de construção em favor de uma beleza inusitada e “estranha” feita para impressionar e compensar o fato de que entre os dois prédios passava uma “rua” subterrânea. Como engenheiro só penso como pensam os arquitetos quando tenho necessidade de entendê-los. 




Portanto, fui até a estação de Caminhos de Ferro de Santa Apolônia e peguei o primeiro trem para Madrid. Ainda era dia. Quando passamos pelo Castelo de Almourol em pleno rio Tejo, já a loura no banco em frente ao meu esticava suas pernas sobre os meus joelhos como se estivesse “distraída”, mas eu não estava atrás de aventuras. Quem sabe, talvez eu conseguisse emprego na empresa onde trabalhava o amigo chileno? Precisava estar “focado”, sem compromissos com a loura. Além do mais, não existem ainda “camisinhas” para relacionamentos seguros em trens europeus: Você pode acordar em algum lugar desconhecido sem carteira, nu até a alma. E para completar a imagem, eu era casado do tipo “não desesperado”... Em breve minha família estaria comigo em Lisboa. Por isso, tentei dormir, e quando percebi que os olhos da loura se entreabriram procurando ver se eu já estava dormindo, encontraram-nos semi-abertos justamente quando o trem parava numa estação para recolher passageiros. O que meus olhos viram eram soldados da primeira guerra mundial. Milhares deles, portugueses, embarcando para a Flandres. Provavelmente a estação era em Elvas, quase na fronteira com a Espanha. Da cintura dos soldados pendiam máscaras antigás. Desses soldados portugueses cerca de 2.200 morreriam e outros tantos ficariam abalados física ou moralmente para todo o resto de suas vidas. Quase o contingente inteiro! Serviram de carne de canhão para generais burros tradicionais engordados na paz para justificarem verbas de guerra. Como não entendiam nada de estratégias, ficaram se guerreando em nome de “propagandas” fabricadas que justificavam a guerra para ambos os lados opostos das trincheiras. A linha Maginot não funcionou. Nada funcionou para ambos os lados, até que chegasse a salvação das Américas. Ainda hoje esses generais são considerados como heróis... Pobre imaginação nacionalista!... Enquanto forem considerados heróis serão copiados e nada mudará, por que os generais que na paz atacam as populações para “controlá-las” como se fossem escravas ou galinhas de “granja produtiva”, são os mesmos que declaram as guerras: Ministérios da Defesa que se transformam em Ministérios de Ataque! Ganha quem tiver as melhores forças treinadas, a melhor tecnologia, e nem sempre vence quem merece, até porque ninguém merece numa guerra. Vivemos num mundo completamente equivocado, fruto de tradições, nacionalismos, esperanças vãs.





II – Depois da meia-noite do primeiro dia de alguns dos dias de Junho de 1991.





A Loura, agora que acordei sobressaltado com a parada repentina do trem que ia para Madrid – ou seria Paris? – acenou com a cabeça para mim, no trocar de olhares com um sujeito estranho de pele cor de azeitona. Dos passageiros, alguns eram nitidamente turistas, mas outros eram ou soldados à paisana ou espiões ocidentais, de chapéu negro ou marrom enterrado na cabeça até quase tapar os olhos, gabardine cinza, negra ou bege, rostos patibulares que não denotavam emoção. Estávamos certamente já em terras de Espanha e Francisco Franco recebera ajuda de Hitler para sufocar e exterminar os contrários ao seu regime de ditador espanhol. Ele não deixava passar pela Espanha – neutra na segunda guerra mundial – soldados ocidentais destinados a combater as forças de seu amigo Hitler. Empresas são como países em guerra. Há de tudo nelas, desde soldados a policiais, alguns da “secreta”, espionagem e contra-espionagem. Alguns chegam a propor ou idiotices para que o antagonista perca o posto, ou absurdos corruptos para que o antagonista perca o seu emprego. Estava sem sapatos, a calcinha branca aparecia sob a aba do casaco de veludo aberto estrategicamente. Sempre desconfiei, até nos empregos que tive, de tudo o que me davam de “mão beijada”, a troco de aparentemente nada. Nos trens europeus também. Nos sul-americanos nem ando. Por aqui se acha que trem é... Isto é... Acha-se que trem não serve para nada, apenas e quando muito para transportar gado humano e safras interestaduais de gente rica. Não admira, pois, que entra governo, sai governo, se tenha a esperança de que o comunismo ou o socialismo comunizado pareça a solução salvadora dos que se sacodem ou simplesmente nada podem: Nas eleições votam sempre na esperança, o futuro lhes traz sempre mais do mesmo, mudando apenas as cores das falas, o tom da indignação e da esperança partidária eleitoreira. Para mim estava claro que a loura tinha seu próprio negócio e sócios, um deles com pele cor de azeitona e que viajava no trem, e que a mercadoria seria eu mesmo. Fingi não ver seu sorriso de boas vindas porque estava chegando a Paris e os passageiros se preparavam para desembarcar. Já estavam todos uniformizados com uniformes de guerra americanos, ingleses, franceses... Na gare, mulheres belas, perfumadas, os lábios pintados da mesma cor da vagina, os esperavam com beijos, o corpo tremendo com vontade de ser doado á Juventude. Os soldados tinham entre 18  e 25 anos. Grande parte da Juventude francesa havia perecido na longa guerra de 1939 a 1945. A libertação de Paris era um bom motivo para ter prazer com falos ávidos de vaginas nervosas, lábios nervosos. O que pode haver de melhor para uma mulher ávida senão um jovem cujo falo forte foi impedido de funcionar por dias de martírio sob fogo, tensão, adrenalina que queimava desde as pernas até o mais interno ponto de seus cérebros? Seria sexo contínuo para toda a noite e todo o dia seguinte, coisa que namorados e maridos nunca lhes deram. Para elas, esses eram os heróis, mas Não!!!.. Ouvi mulheres: Esses não eram os heróis. Os heróis morreram no campo de batalha abrindo caminho para a vitória dos vivos que agora chegavam para “libertar”... Humanidade que não aprende, porque aprender não é importante! Aprender parece mais ser uma desculpa. Dá-se valor ao que “interessa” dar valor e não ao que merece. Que mundo queremos nós – homens e mulheres - se nos escondemos da verdade para não nos confrontarmos com a nossa própria imbecilidade?




Quando recolhi minha bagagem do bagageiro sobre minha poltrona de segunda classe, do trem que ia para Madrid, não vi a loura. Desistira da mercadoria. Também a França desistira por várias vezes da Igualdade, Liberdade, Fraternidade até os dias de hoje, depois de guilhotinas, revoluções e guerras. O mundo todo desistiu disso. Até Jean Paul Sartre, um correspondente de guerra, que tinha uma mulher que foi para ele o que ela não queria ser. Simone de Beauvoir, o nome dela, das que apregoam “uma coisa” e fazem outra. Tal como Jean Paul que viveu a vida toda panfletando comunismos e socialismos e ao final da vida os negou mais de três vezes. E com razão! Ambos!...



Não cheguei a Paris dessa vez. Já tinha estado lá por diversas vezes e ainda a visitaria uma vez mais, dessa vez viajando num caminhão que ia buscar mercadorias no porto de Hamburgo. Era a terceira vez que iam buscar a mercadoria que nunca conseguiam retirar. Exercitei meu inglês americanizado e assenti um esporro violento no chefe do porto de Hamburgo apelando para sua incompetência. Naquele fim de tarde meu amigo Rui Lopes retirou a mercadoria, finalmente, depois de duas horas extras de trabalho de gente negra fazendo no porto o trabalho que gente branca não queria fazer: Hitler deixou herdeiros! Deixamos uma gorjeia porreta para os dois neguinhos como se fossem queridas gentes brasileiras, e recebemos dois sorrisos alegres de presente além da mercadoria. Guerras deveriam resolver-se com esporros!


® Rui Rodrigues. 

O Bruxo do Pontal do Peró. Será bruxo?

O Bruxo do Pontal do Peró. Será bruxo? 

Há dias que não parecem dias, em que os grãos de areia empurrados pelos fortes ventos competem por alvos invisíveis, formam dunas, encobrem esqueletos de peixes, aves e répteis, e formam rios de névoa de areia que agitam a praia como se estivesse viva... E é nestes dias em que não se avista vivalma que o bruxo do Pontal aparece, lê as areias, consulta as águas superiores e inferiores em que o mundo está dividido, e do cimo da rocha de onde tudo se vislumbra, se esclarece do porvir... Nada vem sem que o bruxo dele saiba. São falsos os que lêem em vísceras de peixes e animais, nos astros e em borras de café: Têm perfil, mas falta-lhes o conhecimento dos verdadeiros bruxos, das leis que movem o mundo e o Universo. Assim era Nostradamus, o que leu o porvir de tal forma que se interpreta como se quer desde que pareça fazer sentido. O bruxo do Pontal do Peró, não! Ele vê com o conhecimento pleno das ciências, dos subconscientes, dos inconscientes tanto do que é vivo, como do que parece inerte, morto, sem cadáveres.

E viu, num desses dias de fortes ventos que sempre chegam em céus claros de um só tom de azul, o rosto de um velho que não era do Restelo, mas de perto para onde iam as naus que ele, o velho do Restelo acautelava, que lhe mostrou os desenhos dos grãos de areia empurrados para formar dunas, agitar a praia, que se transformou em enorme tela de cinema colorido em cinemascope, como nos velhos anos sessenta do século passado: O velho, que não era do restelo falava como o vento forte, catalisando em sua voz as imagens das areias esvoaçantes:





- Houve tempos em que se definiram as fronteiras, de grandes e sangrentas lutas, em que a humanidade se tentou aniquilar movida por apenas um sentimento: Cada uma das nações que se formava queria prevalecer sobre as demais. Foi a época dos reis que depois se estendeu pela dos presidentes. Uma das nações conseguiu pela primeira e única vez na história dessa mesma humanidade, construir um Império onde o sol nunca se punha. Hoje é uma ilha dividida. Outras nações são ainda maiores e imperiosas pelo futuro. Da primeira nação imperialista ficou a língua, mas para a futura, nova língua de milhares de caracteres se imporá. Não pela força, não pelo derramamento de sangue humano, mas pela paciência. O perigo nunca foi o amarelo, mas a ambição dos homens que copiaram  a ambição dos tais reis e presidentes: Querer dominar outros homens e outras nações pela força dos braços, das armas ou do dinheiro com que se constroem enormes e influentes empresas que compram e vendem os reis, os presidentes, os homens e as nações. E nem só de homens se fazem as nações de hoje, mas de mulheres também, nos destinos do mundo. O mundo já não é o mesmo de ontem, nem do passado.  





(As  areias se agitaram ainda mais. Dunas que não existiam se viram crescer e engolfar as casas. O céu ficou branco. As águas do oceano recuaram mostrando o cadáver do fundo do mar. Uma chuva de cadáveres de aves mortas inundou a areia do novo deserto onde antes era a praia. Barcos naufragados que jaziam num fundo de mar agora exposto se oxidaram instantaneamente. As areias engoliam múmias secas e esqueletos de mamíferos que ainda há pouco viviam numa mata atlântica úmida e verdejante. Não havia corvos para comerem os olhos da vida morta)




- Este que vês é o futuro que não verás! Que importa a política, o comércio, a ambição, se este é o futuro? Seria o futuro diferente se a política, o comércio e a ambição mudassem? Claro que sim!... Mas são demasiado fortes os apelos imediatistas da política, do comércio e da ambição para que sejam alterados pela cegueira dos que detêm algum tipo de poder: Desejam perpetuá-lo! Só a humanidade em uníssono pode alterar esse estado de coisas, mas para um Universo governado por leis que a humanidade não pode controlar, apenas se podem protelar os efeitos, porque o fim será um único! Apenas um fim final e definitivo aguarda este planeta Terra: Será engolido por um Sol moribundo. Não sobrarão pedra sobre pedra, apenas grãos de areia, que, mal comparando, do templo de Salomão ainda sobraram algumas!





(O Sol era agora uma enorme bola vermelha que ocupava 90% de todos os horizontes. A Terra era um planeta sem vestígios de civilizações ou sequer de restos de vida. Um cantil sem tampa derretendo-se pelo calor do Sol avassalador em seu crescimento avermelhado lembrava a secura de um deserto que reinou por milênios e que agora nada mais era do que um pequeno e mísero detalhe de uma Terra completamente desértica.)

- A fartura gera desperdícios. Quem tem muito, desperdiça porque pode pagar os custos do desperdício. Quem não tem, nem pode desperdiçar. Se tivesse, também desperdiçaria. Quem quer impor pelo poder, impõe por pouco tempo até que outros ocupem o poder, mas cada um que ocupa o poder, destrói um pouco do Ambiente em que vive. As tradições mantêm o “status quo”. Não há Terras santas nem santificadas, porque servem aos negócios particulares de particulares. O grande Templo de Salomão, não era o Templo do qual sobrou pedra, mas a Terra da qual nada sobrará engolida pelo Sol. Humanidade despreparada pelo poder que se alimenta da ignorância não terá salvação, porque perecerá junto com o planeta sem meios de fugir para outro. Os Impérios que exilaram o povo do Templo de Salomão, não são os Impérios que exilarão a humanidade da face da terra, mas os novos Impérios da política, do comércio e da ambição. Portanto, vigiai, vós que sois humanidade e não sois tradição, porque há modo de sobreviver ao fim destes tempos e iniciar outros tempos em outros lugares do Universo, mas para isso há que pensar desde já no futuro. O tempo é curto, urge e não tem alternativas.




E o velho e o filme em cinemascope acabaram de repente, tão de repente quanto o vento forte e a corrida dos grãos de areia pela praia do Pontal do Peró. Ainda se ouviu a voz do velho numa última e definitiva frase:

- Corre e conta o que viste como o filho do Homem mandou que se apresentassem os que ganharam milagres, aos senhores do Templo, porque não sobrará grão sobre grão deste Templo de vida chamado Terra! Um outro velho do Restelo terá que aparecer para acautelar as naves que partirão para as novas Terras!

® Rui Rodrigues  

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O tecido das lembranças.

O tecido das lembranças.

Deve ser mesmo algum tipo de tecido, aquele em que guardamos nossas lembranças no mais recôndito de nosso cérebro. Por vezes nos lembramos de coisas de uma época, encadeadas ou não, em seqüência, relacionadas, ou soltas, sem nexo, recolhidas, catadas, aprofundadas num tema, ou simplesmente tão soltas como grãos de areia soprados pelo vento do deserto. Nenhuma tem cheiro. São apenas imagens coloridas ou a preto e branco, raras em três dimensões, muitas parecem filmes sem pretensão a Oscar. Os sons não se escutam, apenas se entendem e traduzem. Sentem-se! Nem sempre nos lembramos das melhores ou piores lembranças. Elas aparecem soltas, segundo uma falta de lógica que só Freud poderia explicar se fossem produto de algum tipo de demência sob análise, mas sendo produto apenas de reflexões do passado antes que ele passe do tecido das lembranças, não são causa de efeitos, mas apenas circunstâncias não relacionadas.



Nunca soube ao certo se alguém apertava um botão para ativar a campainha do recreio ou se eram automáticas. Nunca me preocupei se as aulas eram exatamente de cinqüenta minutos cravados ou se alguma vez demoraram mais ou menos. Eu não tinha relógio. Quando tive, preocupei-me em checar se meu relógio estava “certo” com os dos colégios por que passei, ou se faltava muito para a aula ou o tempo de recreio acabarem. Havia aulas que era uma pena terminarem, recreios que nunca deveriam terminar. A vida é assim, se as aulas forem substituídas por trabalho e o recreio por momentos de prazer e descanso. O tempo é nosso parceiro inconstante por mais apurado e constante que seja o nosso relógio. Com 30 anos de idade aposentei meus relógios. O tempo estava já incorporado em meu modo de ser, sabia que eu era seu escravo, mas não escravo do mecanismo de um relógio por mais fiel e caro que fosse. Aposentei também o anel e o cordão pendurado no pescoço. Há 14 anos que o único relógio que tenho está pendurado na parede da cozinha. O tempo é uma medida de dimensão da qual podemos prescindir. O tempo não deveria ter a mínima importância em nossas vidas. Toda a vida animal ou vegetal deste planeta prescinde de relógios e vive muito bem. Nunca vi uma galinha consultar um aparato desses para botar ovo, nem galo olhar para um relógio para soltar seu canto. Naquele dia não esperei ouvir a campainha gritante dar sinal para o fim da aula, que nem era a última do dia. Minha avó tinha passado mal durante a madrugada. Saí mais cedo do colégio e fui para casa. Ao chegar, o que ouvi foram choros. Ninguém precisava me dizer nada, mas me pediram para não entrar logo em casa. Disseram-me que ficasse no jardim e que voltasse em meia hora. Ela tinha acabado de falecer. Não me importei em pensar se me queriam poupar da cena, ou se haveria algum outro motivo. O que me importava naquele momento era que já não tinha avó. Naquela época do tempo, naquele lugar do mundo a que se chama Europa, os filhos não eram amados como hoje, nem os netos. Não era uma questão propriamente de amor, mas de forma de amar. Filhos e netos eram propriedades. Pais e avós tinham as suas propriedades vivas que preservavam. A vida, essa, continua sendo uma campainha que toca sem relógio ou cronômetro em qualquer reino animal ou vegetal. Tanto vem de repente, como se vai sem sequer tocar para avisar, independentemente de espírito, alma ou religião. Podemos, sob esse aspecto, sermos diferentes em qualquer circunstância, mas não perante a natureza. Aqueles meus onze anos se foram com o tempo. Nunca mais voltaram.



Pelos anos sessenta a juventude usava ternos, calças compridas e paletós, com camisa de gola rolê ou social com gravata ou lenço de seda. Em ocasiões especiais, um cravo branco ou vermelho na lapela. Vaidades para “dar a impressão”. Sextas feiras e sábados à tarde e á noite, eram dias de festa. Sempre havia uma. Naquele sábado ao entardecer numa vila em São Cristóvão minha prima fazia aniversário. Eram tempos em que os aniversariantes davam, isto é, pagavam a festa inteira. Os convidados davam presentes. Durante anos a fio ganhei coleções de colônia pós-barba da Bozzano. Cheguei a pensar em abrir uma loja especializada nesse tipo de presente, mas sempre os agradeci por pura educação como se fosse um grande presente. Também agradeci a meu pai o lindo cobertor que me deu de presente no dia do meu casamento. Deve ter tido algum significado oculto ao decidir que seria um cobertor que me daria de presente de casamento, mas nunca lhe perguntei nem tive vontade de perguntar, porque importante mesmo foi o meu casamento, os dois filhos que nele tiveram origem, e quanto a cobertores comprei muitos com meu próprio dinheiro. Não me lembro do presente que levei para minha prima, mas deve ter sido um perfume bom. Uma prima linda que casou com um cadete da Marinha, irmã de outra prima minha, igualmente linda que casou com um médico nissei que talvez não por acaso também era da marinha. Fui com meu terno azul claro, louco para beijar a prima. A vila estava abarrotada de convidados, músicas atuais saiam da vitrola convidando para dançar, mas a dança não saiu. Era um aniversário de família e não uma soiré dançante, por que assim se dividiam as “diversões”. Dançava-se em gafieiras, em boates, ou em casa quando os pais passavam o fim de semana fora. Carinho de leve beijo na boca entre mãe e filho era “libidinoso”, beijo de pai para filho não era coisa de “homens”. Humanidade burra e preconceituosa há-a em todos os lugares e civilizações, a aprendizagem é lenta como passo de tartaruga sonolenta. O planeta gira á velocidade de milhares de quilômetros por hora, mas nele tudo é vagaroso. Quem corre muito se arrisca a tropeçar nas células da humanidade mais próximas, ou a que lhe passem uma rasteira. Áquela festa  fui com meu pai, minha madrasta e minha pequena meia-irmã. Pela primeira vez provei uísque com guaraná e pedras de gelo que já saiu de moda sem que uma campainha tocasse para avisar. Quando acabou a festa eu estava no meu segundo copo e começava a gostar da mistura, mas as ordens eram ordens. Larguei o copo pela metade e acompanhei a minha nova família até em casa. Nenhuma campainha tocou para avisar que a festa tinha acabado para mim. Voltei a encontrar a prima, recém casada, em Santos. Ainda não tinham filhos por essa altura, mas eu já estava casado e tinha dois. O pai dela era irmão de minha avó, de quem não herdei os olhos azuis claros quase transparentes.


O tecido das lembranças rasga-se muito facilmente por que elas servem como suportes para decisões no futuro, quer para evitar momentos desagradáveis, quer para repetir as condições de momentos de prazer. Lembranças são como gavetas de arquivo que se resgatam quase à velocidade da luz. Elas podem ser verdes de esperança, brancas de pureza, negras de maldades, vermelhas de raivas, de todas as cores e matizes. Se alguém de quem você se lembra, passados anos não se lembrar de você, não dê nenhuma importância. A lembrança desses finalmente ficou transparente.


® Rui Rodrigues

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Crônicas do Pontal do Peró – Antes e depois de Outubro.

Crônicas do Pontal do Peró – Antes e depois de Outubro.



Estamos em 2014. Não é bissexto, mas é um ano diferente, ano de eleições que afetarão certamente o Pontal do Peró. Se antes e até agora não tínhamos serviços públicos – absolutamente nenhum – agora, depois das eleições, teremos muito menos do que nada. Havia quem dissesse que qualquer governo seria melhor que os de Lula e Dilma. Eu era um deles!... Hoje temo pelo Brasil da futura presidente Marina. Ela é revanchista e acha que não é necessário o conhecimento para governar uma nação: Qualquer ignorante o pode! È a sua opinião, seu defeito! Para quê então desejar melhorar a educação deste país?

Mas em certas horas nem interessa se temos que levar nosso lixo nas costas até a portaria, aproveitando para ver se chegou correio, ou se nossa água é de poço porque nada chega até aqui, ao loteamento... O que interessa é que dois pombinhos enamorados passaram por aqui. Uma linda sueca e meu lindo filho! É nessas horas que se sente que o amor é lindo. Uma frase feita para sorrisos espontâneos que brotam a cada palavra, os olhos explodindo de alegria. Não há experiências ruins que determinem o comportamento na juventude a ponto de falsificar sentimentos. Na juventude os sentimentos são puros. A experiência é boa como moeda de seguro e “performance” sexual, dois opostos que não podem conviver por muito tempo. Quanto mais experientes melhor é o sexo, mas pior é o relacionamento, porque “gato escaldado de água fria tem medo”. Quando gatos não foram ainda escaldados, e isso só acontece no cedo início da juventude, até a falta de experiência sobrepassar de longe as delícias pré-fabricadas e mecanizadas da experiência.  



Vieram brancos como cerâmica japonesa. Quando voltaram da praia, depois de uma noite e um dia em Búzios, pareciam dois alegres camarões fritos, o sorriso ainda mais aberto, a postura de quem chegou ao paraíso, vivo, e para quem passado e futuro são detalhes impensados do presente. Sei reconhecer o amor quando o vejo, encontro ou desfruto... Os papagaios que chilreiam por aqui são assim também. Toda a natureza é, desde botões em flor, até papagaios, peixes e onças. Seres humanos é que de vez em quando parecem umas coisas e são outras. Principalmente no carnaval, na política e na hora de venderem algum produto. Índios devem ter achado muita  graça no avermelhamento dos brancos depois de expostos  ao sol. Negros são mais preparados para os efeitos da luz solar e uma mistura é providencial para a sobrevivência da espécie humana. Além de ser uma mistura gostosa, é funcional e necessária num planeta cada vez mais seco!...



Tive notícias diretas da Suécia. Do mundo em geral tenho sempre pela NET de forma indireta: Colhida através de reportagens. Direta porque vem através de uma pessoa. Na Suécia, e nos países nórdicos, socialistas, a extrema-direita toma força. Na França também, e em outros países da Europa. O mundo é como um rio: Desce para o mar pelo caminho mais fácil. O capitalismo selvagem ou não, não atende as necessidades igualitárias da humanidade; o Comunismo só serve para quem está no poder ou para aqueles com os quais o poder está diretamente relacionado; O socialismo não sabe lidar com o dinheiro; o que resta é uma dúvida: O que vem depois? Parece que é a Democracia Participativa, mas partidos políticos falam dela de forma premeditadamente equivocada: Pretendem que o povo “submeta” a votação o que “líderes” populares propõem ou submetem a um órgão intermediário que aprova ou contraria. É assim em Cuba e se dizem democráticos. Pura mentira, puro engodo!

Mas que importa, mesmo jogando o Flamengo contra o Goiás, lá em Goiás? Para um dos pombinhos que é Flamengo, nem caipirinha já pronta, geladinha, interessa... O cansaço é muito grande depois de um dia e uma noite em Búzios. Revi-me nos meus tempos de jovem. Por aqueles tempos, meu olhar era assim. Meu sorriso era sempre o do momento. O ontem seria sempre o hoje e o amanhã também, como se o tempo estivesse parado. Que importavam as eleições, se o que importava era a vida? E foi assim que minha filha nasceu. O filho veio depois, fruto do mesmo amor. Nossos filhos namoram filhos (as) dos outros para o quais seus filhos são como os nossos: O que de mais importante se “fabricou” neste planeta. Razão pela qual o tratamento deve ser igual ao que é dado aos nossos. O mundo se constrói com amor. Sem amor o destruímos! Basta ver o falso amor de Putín pelos russos que vivem na Ucrânia. Eles são usados para uma política revisionista e interesseira da neopolítica de uma República Socialista Soviética revisitada, que nada tinha de socialista: Stalin mandava, matava, calava, mandava para Gulags, sem permitir a liberdade típica e própria da democracia. O casal de pombinhos nem assistiu o jogo, nem tomou caipirinha. Curtiram a pele acamaronada no andar de cima. Primeiro tempo zero a zero! Entra treinador, sai treinador e a defesa do Flamengo nunca foi de excelência. Por que será? Não deve ser função da política. Já era assim na democracia, continuou na democradura, e continua na democradura partidária dos dias atuais onde todo mundo rouba e aumenta os próprios salários sem que o povo possa contestar. Contestar até pode, mas não adianta: Ninguém escuta o povo, mesmo se dizendo “representante” do povo. É uma democradura néscia!



O pão no forno ficou pronto e cruciante, mas os pombinhos voam até dormindo! Amanhã de manhã, será outro hoje sem passado, com futuro desconhecido que não tem a mínima importância! Amanhã, que já é hoje, os papagaios passarão por aqui a caminho da Ilha dos Papagaios. Eles, o casal de pombinhos, já estará no Rio de Janeiro que também é de Fevereiro e Março... Alô, alô Realengo... Aquele abraço! Eu sou Flamengo, tenho uma nêga e não se chama Tereza...

® Rui Rodrigues