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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O que existe para lá da vida...






O que existe para lá da vida...


Não sabemos. Temos pistas, mas não sabemos realmente. Cada religião acredita em algo diferente de umas para as outras. Vivemos especulando o que realmente existirá. Por isso não entrarei no mérito de sequer tentar explicar porque razão uma religião seria mais “certa” do que outra.

Tudo o que se tem lido é fruto de deduções que são influenciadas pelos conhecimentos da época em que foram deduzidas e pela idiossincrasia dos povos que as elaboraram. Esses “videntes” acreditavam ter condições para afirmar o que julgavam existir para além da vida. Em particular, embora se tenha notícia de descobertas de túmulos de milhões de anos atrás em que já se enterravam os mortos com flores e em posição fetal, virados de lado, como que denotando uma vida para além da morte, foi com os egípcios que se começou a delinear uma religião em que toda a nossa vida seria avaliada num além, julgada, e premiada ou castigada. Isso acontecia no tribunal do deus Osíris. São tantas as religiões, quantas as variáveis sobre uma pretensa vida após a morte.

Uma coisa é certa: as religiões, baseadas na esperança, proporcionaram uma estabilidade nos governos, uma facilidade política para governar. Podemos deter-nos na História Universal para vermos como Estado e religião sempre estiveram intimamente ligados, apoiando-se mutuamente. Em troca, as igrejas podem receber esmolas sem ter que pagar impostos ou declarar faturamento, e não são obrigadas a aplicar o dinheiro que recebem. Porém, com a evolução da democracia e o advento das mais modernas tecnologias, a importância das religiões no controle emocional das populações vem diminuindo. Assim, no passado as igrejas chegaram a dominar as populações sob governos teocráticos, depois passaram a eleger e a ungir os reis que diziam ser descendentes divinos, deuses terrenos, depois somente a indicar, e finalmente já não indicam ninguém para o governo. Pelo contrário, a Constituição Européia não contém uma única palavra referente a “deus” ou a “Deus”. A democracia encontrou um caminho mais fácil para conter, controlar, adestrar, dominar, encaminhar, dirigir, as suas populações, através de programas específicos que proporcionam um relativo “bem estar” das populações, em troca do pagamento de impostos e uma folgada liberdade de atuar em nome do povo. O que existe para lá da vida, perdeu a importância relativa que possuía no passado. A esmagadora maioria da população mundial nem pensa nisso por décadas a fio: Não sente a necessidade da “justiça” de haver um prêmio ou um castigo para além da vida. Está “confortável”...

A percepção de que algo existe para além da vida, é uma função decorrente da importância que nos damos a nós mesmos. Como somos “importantes”, “filhos de Deus”, não poderíamos aceitar que seria suficiente - para Deus - que tivéssemos a oportunidade de sentir e avaliar nossa existência. Precisávamos acreditar em algo mais importante que isso: uma segunda oportunidade de “viver”, mesmo sem sabermos como seria essa “vida”. Evidentemente, cada religião pensa de uma forma. Mas ter fé em algo, não significa que esse algo exista, ou sequer seja como pensamos. Em teoria, podemos, com certa benevolência, raciocinar sobre o assunto, não à luz das religiões, mas à luz de uma teoria que não tenha apenas a fé como ferramenta de entendimento, mas a lógica do que conhecemos. Não podemos raciocinar sobre o que desconhecemos, sem que usemos os nossos conhecimentos. É fato. É lógico.

A primeira linha de raciocínio nos coloca frente a frente com a necessidade da existência de outra vida. Não seria esta suficiente? Porque queremos ou mereceríamos uma nova vida? Como prêmio de nossa bondade, ou condescendência para com as nossas maldades praticadas? Evidentemente que nossa azáfama dos trabalhos diários e a necessidade premente de tomar soluções, nos têm “obrigado” a tomar atitudes que não foram “boas” para os que nos cercam ou para o meio que nos cerca. De certa forma todos nós pecamos contra o próximo de uma forma ou de outra. Uma segunda vida nos permitiria “consertar” o que fizemos de errado nesta. Não temos porém nenhuma indicação de que Deus  seja tão benevolente ou esteja minimamente disposto ou interessado nisso. Nem se Deus está interessado em “salvar” a humanidade, ou se espera que esta se salve pelos próprios méritos.

A segunda linha de pensamento é mais prática. Não importa se Deus nos daria uma nova oportunidade ou não. Importa apenas que acreditemos na possibilidade de existência de uma nova vida após a morte, e tentar descobrir como poderia ser. Muitos exemplos se podem buscar na farta literatura que existe a respeito. É imensa, antiga, e recente, sob o enfoque de qualquer filosofia ou religião. O mais lógico seria partirmos da pressuposição de que não exista apenas um paraíso, um inferno, mas muitos céus e muitos infernos, cada um de acordo com o que cada um de nós possa merecer. Para uns, paraíso pode ser um lugar onde 7 virgens o esperem, ou sete machos fogosos e jovens, também virgens para as mulheres que cheguem ao paraíso. Para outros, pode ser um lugar sobre as nuvens, tocando harpa o dia inteiro, tomando suco de maracujá e comendo algodão doce com doce de leite. Para outros, uma viagem eterna ao redor do universo. Para a maioria, um lugar de encontro com todos os membros da família de quem gostassem, com os demais no inferno. Para outros ainda, uma imensa praia com belas mulheres permissivas, deitados numa rede, tomando água de coco, sandálias de dedo, bermudas e uma prancha de surf, com um bom som ligado ouvindo Bach, Beethoven, ou um rap para os espíritos que vieram ao mundo mais recentemente. Maconha para uns, paz de espírito e diga não às drogas para outros. Paraísos devem ser segundo a vontade de cada um de nós, e não um paraíso comum, socialista, onde nos digam que o que é bom para um tem que ser bom para todos... Assim não seria paraíso e muitos viveriam contrariados como se estivessem no inferno.

Não sabemos em que paraíso Jesus estará sentado à direita de Deus, nem em que paraíso Deus estará, mas na forma como a humanidade parece caminhar, devem estar vazios os paraísos, cheios os infernos, com filas intermináveis para o banho quente diário de lava derretida. Se Deus se irritasse novamente com a humanidade como se irritou com Sodoma e Gomorra, certamente todas as mulheres se transformariam em estátua de sal, e Lot não teria para onde se mudar...

Rui Rodrigues

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

As asas dos anjos




“Anjo[1] (do latim ângelus e do grego ângelus, mensageiro), segundo a tradição judaico-cristã, é uma criatura celestial – que, na generalidade, a maioria dos crentes das religiões fundadas na revelação bíblica acredita ser superior aos homens – que serve como ajudante ou mensageiro de Deus. Na iconografia comum, os anjos geralmente têm asas brancas de pássaro e uma auréola. São donos de uma beleza delicada e de um forte brilho, por serem constituídos de energia, e por vezes são representados como uma criança, por terem inocência e virtude. Possuem influência sobre todo o plano orgânico e elementar, sendo assim eles têm como uma de suas missões ajudarem a humanidade em seu processo de evolução.
A palavra anjo deriva do latim, ângelus, e do grego, ângelus (γγελος), com o significado de mensageiro.
Segundo a Tradição Católica, são citados apenas três Arcanjos dos quais se saberia o nome: São Miguel (Quem como Deus), São Rafael (Deus Cura), e São Gabriel (Enviado de Deus). Os demais seriam invenções do povo, bem ou mal intencionado.
Afirma ainda que os Anjos não possuem maneiras de conhecer o futuro, possuindo sim uma inteligência muito mais desenvolvida que a nossa, podendo “prever” eventos que fisicamente poderão acontecer, visto que conhecem com precisão todas as regras físicas, como gravidade, densidade, velocidade etc.
Dentro do Cristianismo Esotérico e da Cabala, são chamados de “anjos” os espíritos num grau de evolução imediatamente superior ao do homem e imediatamente inferior ao dos arcanjos.”

E sempre, sempre, anjos descritos e esboçados ou pintados com asas. Anjos teriam o poder de voar... Todos os seres vivos que voam, têm peso, e as asas se destinam a “aliviar” o peso, de forma a que não caiam como pedras, sustentando-se no ar, flutuando no ar, locomovendo-se no ar.

Mas anjos não têm peso, por não serem seres materiais. Nem precisariam de asas para flutuar, locomoverem-se no espaço. Imagino também que, estando eu no fundo do oceano, a bordo de um submarino e precisando de ajuda do meu anjo da guarda, não seria possível a um anjo descer até o submarino usando suas asas. O anjo teria que transformar suas asas em barbatanas e seus pulmões em guelras... Porque não desenham anjos com barbatanas?

Com os progressos da tecnologia, e podendo o homem habitar até o espaço sideral, precisamos rever a descrição dos anjos e passarmos a defini-los como seres “anfíbios”.

Alguns anjos têm a forma de crianças aladas, outras de adultos. Eu prefiro anjas peitudas, vestidas sumariamente ou até nuas, com meias arrastão, bundinhas arrebitadas, chamando-me com olhares lânguidos, boquinha em “o” com batom cor de cereja...

Rui Rodrigues



[1] texto entre aspas "...."  foi extraído do site http://anjosdedeus.wordpress.com/significado-de-anjos/)

domingo, 22 de janeiro de 2012

Chega de hipocrisia política - Basta !



Somos um lindo, belo, inteligente, empreendedor, progressista e rico País. Um país de negros, construído com mão de obra escrava negra e índia durante séculos, enquanto os senhores que tinham dinheiro – e, portanto, podiam empreender, fundar empresas, possuir terras a perder de vista– se deliciavam com os progressos da civilização ao poder da chibata, mandando seus filhos não bastardos para estudar na Europa. Possuíam as terras com o mesmo fervor animal com que possuíam as belas moças da senzala. Invariavelmente, estas carregavam seus filhos bastardos e mulatos como podiam. A hipocrisia não reconhecia o trabalhador negro como cidadão, os senhores das senzalas não reconheciam os filhos bastardos, os políticos governavam para os senhores das senzalas. Definitivamente, o governo não representava a sociedade e isso era tido como normal: Os brancos dominavam.


O tempo passou, e embora se constate que os governos – em geral - não representam as populações, ainda que sob o nome de democracia representativa, assistimos à continuação da hipocrisia como mola perversa da política, quer o governo seja socialista, republicano, democrata ou tenha qualquer outro nome pomposo e ilusório de forma de governo: o povo, a população, não está devidamente representada nos governos.Temos uma população constituída por cerca de 53,8% de brancos, 45,3% de pardos e negros, 0,5% de amarelos, com aproximadamente cinqüenta por cento de homens e 50% de mulheres. Nosso Senado, nossas câmaras de vereadores e de deputados não expressam esta realidade: a maioria é essencialmente de brancos, homens.  

Como sabemos vereadores, deputados e senadores, votam de acordo com as determinações dos respectivos partidos políticos, mas como estes são constituídos etnicamente? Além disso, quem representa então as etnias que constituem a nação brasileira?

Precisamos de menos hipocrisia para que nos possamos sentir representados, e fica a pergunta: A quem ou o que representam esses senhores brancos no governo?


Rui Rodrigues

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Vérsico Um




Vérsico Um


Olhei teus olhos límpidos, lânguidos, úmidos,
Olhavas-me no mais fundo de minha alma,
Buscavas sermos um em mim,
Como esperavas que fossemos um em ti,
As mãos suaves percorrendo nossos corpos,
Buscando as nossas intimidades para dar prazer,
Para sentir o que se sente quando se ama, se deseja, se quer.

Teu corpo ficou suave, mole, entregue, como se não houvesse amanhã,
Tuas pernas se abriram, teu corpo era uma viagem,
Tua boca sedenta era demasiado pequena para a tua ânsia,
Teu corpo tremia, tua pele colava-se à minha,
Éramos um só, um prazer só, um gozo só, um suor só, um tremor só.

Mas isso foi há muito tempo.

Depois disso, começaste a comparar os meus olhos com outros olhos,
Minha alma com outras almas,
Minhas mãos com outras mãos,
Minhas intimidades com outras intimidades
Meus desejos com outros desejos, com outros amores, com outros quereres,

Tua carne ficou endurecida pela tensão do haver um amanhã,
Tuas pernas abertas queriam fechar-se como num fim de viagem,
Tua boca já seca era demasiado grande para quem não tem ânsia de sede,
Teu corpo estava rígido em tua pele seca,
Não éramos um só, porque muitos estavam presentes.

Então, quando o camareiro do tempo bateu na porta e disse: O tempo acabou!
Arrumamos os nossos sacos das más lembranças que levamos para o amanhã.

Deixamos as boas lembranças no Motel do tempo, esquecidas, para não haver arrependimentos.

Rui Rodrigues

Ensaio sobre a Esperança



sobre a esperança

Para uma criança de 10 anos no inicio da década de cinqüenta, em Lisboa, uma viagem de ônibus de pouco mais de quarenta km, contando a volta, era uma aventura de descobrimentos de paisagens e coisas jamais vistas, apreciadas, como um copo de café com leite em Caneças [1]com queijo saloio[2] e pão de casca quente e quebradiça. Era uma verdadeira aventura, principalmente na saída, quando tudo poderia acontecer e a expectativa era muito grande. Invariavelmente, fui me habituando à monotonia das viagens de ônibus normais em que nada acontecia. Nenhum empecilho, nenhuma dificuldade, nem um simples desastre sem feridos. Era tudo normal, seguro, sem aventura alguma. Aventura era coisa das revistas em quadrinhos e dos filmes de desenhos animados. Revistas havia muitas. Televisão sabia-se que já existia no Reino Unido e nos EUA, mas ainda não em muitos países do mundo. Os desenhos animados, somente podiam ser vistos em cinemas, em “Cinemascope” a ultima novidade colorida das telas de cinema.  

Foi assim que percebi o que nos movimenta no mundo: a esperança em que algo aconteça ou vá acontecer no dia seguinte. Quem não esperar nada de diferente ou gostoso para o dia seguinte, está morto ou em franca depressão. Pelo menos temporariamente, até que tenha esperança de algo de bom aconteça no dia seguinte, como por exemplo, uma viagem de ônibus de cerca de quarenta km, a lugar desconhecido, incluindo a volta. Na ida se vê a paisagem de um lado da estrada, e na volta o outro (há que tomar cuidado para não voltar olhando o mesmo lado da paisagem de ida). Porém, em nossa vida, fazemos uma viagem apenas de ida. Nascemos para uma grande viagem, durante a qual só vemos um lado da estrada. O outro permanecerá oculto para todo o sempre, porque não há viagem de volta, pelo menos, de forma consciente. Em particular, se apostar minha vida na esperança de um dia poder fazer a viagem de volta de forma consciente, estarei perdendo todas as perspectivas desta minha viagem, porque não há notícia de quem tenha feito a viagem de volta. Minhas esperanças devem, portanto, concentrar-se nesta minha viagem única, tentando torná-la o mais agradável que me for possível. Se, para tornar a vida de outrem agradável, tiver que transformar a minha vida num inferno, terei um grande e grave problema: doar o que Deus me confiou apenas para mim, de forma realmente egoísta. Evidentemente que tenho consciência de que devo – e tenho a obrigação – de tornar a vida daqueles que me cercam o mais feliz que me seja possível, mas não a ponto de tornar-me infeliz. Se o fizesse, seria um suicídio de minha felicidade, anulação dos princípios da vida, coisa que até qualquer religião proíbe a seus fiéis, muitos deles de fidelidade questionável.

Sem esperança, não vamos a lugar algum. Cruzamos os braços e esperamos a morte chegar, deprimidos, sem sabermos para onde ir, o que fazer. Sabendo disso, os governantes, ao longo da história, têm nos brindado com as melhores e mais atraentes doses das mais diversas esperanças, uma delas, a mais “gratificante”, a de que podemos obter um lugar no “céu”, lugar paradisíaco, sem problemas, apenas com tudo o que almejamos ter na vida e não conseguimos obter. Faço-me sempre a mesma pergunta: O que pode almejar no céu, quem aqui na terra já teve de tudo? Obtenho sempre a mesma resposta: Provavelmente desejará o inferno, na esperança de que possa ter algo que ainda não teve. Para esses, sua esperança reside em que, ao final desta viagem, se depare com um inferno cheio de novidades.

O que será para cada um de nós, leitores, ao final desta vida?

Céu, inferno, ou purgatório, onde purgamos não sabemos o quê, porque razão, para que fim, sem ao menos sabermos o que tem no céu, no inferno ou no purgatório...

Creio que precisamos urgentemente rever as nossas esperanças nesta viagem na vida sem bilhete que nos garanta a viagem de retorno. Haverá alguma esperança de que possamos entender que esta vida é a única oportunidade que temos de estarmos conscientes, e de que não podemos fazer absolutamente nada de que possamos nos arrepender? E que se o fizermos, devemos compensar quem prejudicamos?

Rui Rodrigues



[1] Caneças é uma vila nos arredores de Lisboa.
[2] Saloio é sinônimo de campestre, trabalhador do campo.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Um dia!

Um dia cansativo, pesado.
Chuvoso, escuro.
O sorriso da mulher amada,
Uma música bonita.
Um gesto, um aceno.
Um beijo.

Como as coisas mudam!
Como as cores surgem.

Ah, um dia!
Um dia em que a mente do poeta viajou.
Andou nas nuvens, no passado.

Nele, os erros, os enganos, 
No beijo da mulher amada,
A luz que ilumina um dia cinzento do poeta.

Um abraço, Paulo!

Crônicas do Pontal do Peró - Comandantes de naus!


Crônicas do Pontal do Peró

(Comandantes de naus, navios e outros artefatos náuticos que por um segundo de arco num segundo de tempo, se afastam da lógica para mostrar alguma coisa sem muita lógica)


O circulo tem 360 graus, cada grau dividido em minutos e segundos de grau. Os rumos da navegação terrestre, naval ou aérea, são expressos desta forma. Uma mudança de rumo de poucos segundos de grau, mantida durante uma hora, pode resultar em distâncias de quilômetros do alvo que se pretendia atingir.  Isto tem sido causa de muitos desastres na história da navegação, em qualquer lugar do mundo, em qualquer época da história das civilizações. O tempo também se mede em minutos e segundos, mas no sistema sexagesimal, isto é, cada minuto tem sessenta segundos, mas para não caírem numa solução de continuidade, resolveram que os segundos do tempo deveriam ser medidos em centésimos, milésimos, milionésimos, misturando dois sistemas de medição: o sexagesimal e o decimal... Não os culpo por isso, embora eu ache que deveria haver coerência. O dia deveria ter dez horas, divididas em cem minutos e cada minuto em cem segundos. Cada segundo em tantos “... lhonésimos” quantos quiséssemos... A vida nossa de cada dia seria muito diferente da que temos hoje, e a garotada que começa a aprender lógica nas escolas, não ficaria engasgada com estas incoerências... Ainda hoje nos perdemos por completo com o sistema de subdivisões incoerentes da Libra Esterlina do Reino Unido pela mesma absoluta razão. Tenho certeza absoluta que o Banco da Inglaterra não vai mudar as subdivisões da libra tão cedo, assim como ninguém irá mudar a hora para conter cem minutos e cada minuto cem segundos. Há muitas coisas neste mundo que ninguém está disposto a mudar pelo simples motivo de que não há uma aparente “boa” razão para mudar.

Mas o que isto tem a haver com o Peró?

Tem muito...

Lá pelo ano de 1.500, um comandante de navio saiu da rota, equivocou-se e descobriu um continente imenso: o Brasil, que depois de ser dividido entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, com a benção do Papa, passou a chamar-se América do Sul, por causa de um imediato chamado Américo Vespúcio que veio com a frota de 1501 e fundou uma feitoria aqui em Cabo Frio. Os comandantes, como se pode ver, equivocam-se muito nas rotas, descobrem terras ou pedras, mas não emprestam seu nome para os lugares que descobriram. Nem o famoso Cristóvão Colombo, mas este ainda teve um pouco de sorte: um país, a Colômbia, honrou-lhe o nome. Hoje seria inimaginável chamar os Estados Unidos da América do Norte, de Estados Unidos da Cristóvânia do Norte. Seria um absurdo, que jamais ocorrerá mesmo que fosse por questões de reposição da justiça: beneficiar a memória do nome do comandante descobridor em detrimento do nome do obscuro imediato que só recebia ordens do comandante.

Naquela época não havia comunicação por rádio, e usar pombos correio para distâncias tão grandes, era inviável. Uma carta mandada do Brasil para a Europa demorava aproximadamente seis meses, e a resposta para chegar, outros seis... Mas se já houvesse esse tipo de comunicação – poderia ser um celular - talvez pudessem ter gravado uma conversa como esta, referente ao desvio de rumo de Pedro Álvares Cabral, o comandante da frota que ia para a Índia, do outro lado do globo e se desviou tanto que deu com os botes nas águas calmas e lânguidas – até hoje – das baianas terras de Baía Cabrália:

(Porto de Lisboa- Centro de Comando da Expedição para a Índia- Comandante João Garfo)

Comandante João Garfo: - Está? É o senhor comandante Cabral?

Comandante Cabral – Sim, sou eu mesmo. Em que posso servi-lo?

Comandante João Garfo – Desejo saber se já chegou ao Cabo da Boa Esperança, a caminho das Índias...

Comandante Cabral – Não, não... Muito longe disso, um oceano inteiro de largura longe disso. Estou na Terra dos Papagaios, também chamada de Vera Cruz, ou do Pau Brasil...

Comandante João Garfo – Advirto Vossa Excelência que esta conversa está sendo gravada. Volte logo para o caminho das Índias. O senhor desviou-se muito da rota. Se houver algum desastre a culpa é sua.

Comandante Cabral- Ora a culpa é minha!... Onde já se viu uma coisa dessas? Porque não me avisaram que minha frota se estava desviando da rota? Só agora que cheguei ao Brasil é que me avisam? Isso não é justo.

Comandante João Garfo – Fica Vossa Senhoria avisada que deve voltar agora mesmo para a rota das Índias porque se não o fizer, vou fazer da sua vida um inferno. Será excomungado e sua Alteza Real, o Rei, o desterrará para a sua terra natal onde será esquecido. Volte para a R-O-T-A das Í-N-D-I-A-S já. Porra! Está me desobedecendo?

Comandante Cabral – Não. Não estou desobedecendo, mas há um oceano muito grande pela frente até chegar ao Cabo da Boa Esperança e depois ainda temos o Oceano Índico para atravessar. Não vou chegar a tempo de assistir aos jogos olímpicos de Calcutá...

Comandante João Garfo – Como castigo por sua falta de atenção aos rumos, comandante Cabral, e sua relutância em retomar o caminho das Índias, o Continente se chamará América do Sul. América, em homenagem ao seu estúpido imediato Américo Vespúcio que nunca teve o mérito de ser convidado para comandante de frota alguma. Nem de venezianos, nem de portugueses, espanhóis ou mesmo ingleses, franceses ou holandeses.

Como sabemos, Cabral retomou a rota das Índias, quando lhe deu na telha e não quando o comandante João Garfo o intimou. Talvez como vingança pelo esporro e pela desconsideração sobre o uso de seu nome para identificar o continente, somente seis das treze naus chegaram às Índias. As sete naus afundaram por tempestades, fogo a bordo, rochedos pelo caminho...

Recentemente, agora em janeiro de 2012, um italiano ao navegar no Mediterrâneo comandando o “Costa Concórdia”, navio de turismo, deu-se conta da situação econômica da Itália, do congelamento dos salários, da redução dos benefícios de aposentadoria, mas os preços das viagens não baixaram e os navios continuavam cheios, abarrotados de turistas. Perguntou-se muitas vezes onde estava essa tal de crise que ele não via nenhuma, mas por conta da auto-sugestão coletiva de que havia crise, os cidadãos italianos estavam pagando por um pato fantasma: o pato dos homens do governo que exauriram as reservas italianas.  Perguntou-se se Silvio Berlusconi teria ficado menos ou mais rico com a tal crise, mas não teve tempo para obter a resposta. O comandante sentiu que estava sendo enganado, e pensava exatamente nisso quando o Costa Concórdia bateu numas rochas e afundou pela metade. Para o comandante, embora talvez não tenha sido a intenção, o barco ficou nas fotografias como o “seu” monumento resposta popular á crise internacional das finanças.

Ao caminhar pelas areias da praia do Peró, nesta manhã, fiquei com a certeza absoluta de que não se pode brincar muito com comandante quando a administração sai do rumo...

Rui Rodrigues

Para consultas:




terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Crônicas do Pontal do Peró - Sentidos



CRÔNICAS DO PONTAL DO PERÓ

(A direção e a intensidade do sentido)


Fui um bom garoto, um bom adolescente, um bom cidadão, e vivo no Pontal do Peró. Nem sempre, mas quase sempre. Quando preciso de um pouco de inferno, em maior ou menor grau, saio daqui e vou a Búzios, Cabo Frio, Rio de Janeiro. Mas como tudo é relativo, há vários graus de inferno, o norte não dista tanto do sul, a esquerda por vezes se confunde com a direita ali pelo centro, e a diferença entre céu e inferno não é tão gritante para quem está tão longe de um quanto do outro.

A praia é grande, tem cerca de sete km de extensão, e se estende da praia das Conchas ao Pontal da praia do Peró. Dunas de um lado, mar do outro, ora à esquerda umas, á direita o outro, dependendo pra onde se vai. Muitas gentes que visitam ou vivem num destes lugares, nunca visitaram os outros, e já se vão muitos anos de vida por aqui, mas as notícias chegam de todas as partes do mundo, de forma virtual. Notícias verdadeiras chegam de forma virtual ao Pontal do Peró. Amor virtual pode ser verdadeiro no Pontal ou qualquer outro lugar do mundo. A diferença entre a virtualidade e o real, depende apenas da forma e da intensidade com que se sentem as coisas que nos rodeiam e nos atingem como raios iônicos, materializando-se num fenômeno incontrolável a que chamamos tempo. O tempo é intocável, indefinido, mas existe em qualquer lugar imaginável ou inimaginável, á esquerda, á direita, no céu, no inferno, em cima, embaixo, na praia das conchas, e ao longo dela, até o Pontal do Peró. Não há mau tempo. Há tempo apenas, puro, simples, indecifrável, sem peso, velocidade determinável. Nossa contagem dos segundos é pura convenção, uma forma de medir. Em outros sistemas solares, um minuto não é igual a minuto igual ao nosso, a não ser se medido pelo césio, mas na vida real, ninguém tem a mínima consciência disso. Provavelmente nem terá a mesma importância que lhe damos.

Os animais, autóctones, donos do lugar, transitam entre as Dunas e a reserva de matas virgens defloradas pela ambição humana, pelo progresso com desordem como é natural e intrínseco aos desejos de felicidade dos humanos. Nem todos os animais transitam pelas matas. Alguns já foram extintos, como as onças, que já não vêm beber água junto às pedras do Pontal.

O tempo é como as ondas do mar que por vezes são mais fortes, mais altas, mas rápidas, outras vezes parece que nem existem. Movemo-nos em vários mares, em várias águas, numa vida que é particular a cada um, e da qual ninguém mais sabe quase nada, apenas que existimos e que somos alguma coisa parecida com o que pensam que somos julgando por meia dúzia de atos que nos viram cometer e pelos quais nos julgam. Impossível verem ou saberem de todos os nossos atos, e no entanto, tentam avalizar-nos todas as vezes que nos encontram, reavivando a memória, tentando lembrar-se de atos passados, imagens que guardaram em arquivos perecíveis que, eles mesmos, se distorcem ao longo desse mesmo tempo em que nos movemos. Perdemos então a noção do que é virtual e do que é real, exceto em relação a nós mesmos, a quem conhecemos muito bem, porque dominamos todos os nossos atos desde o primeiro instante em que nos olhamos e sentimos que existíamos. Desde então, temos mantido um “eu” de que gostamos e que chegamos a admirar. Basta olhar para o passado, e do quanto nos arrependemos, ou não, do que fizemos. Somos quase que os donos do nosso tempo. A casa pode ser nossa por mais ou menos tempo, e o carro, e a roupa, e os amigos, mas só o tempo é realmente nosso até que ele mesmo se separa de nós. Alguns chamam a isso de “alma” ou “espírito”. Eu chamo de tempo. Quando o tempo nos deixa – ou nós deixamos o tempo, que na teoria da relatividade não importa o que deixa o quê – tudo se apaga, e somente durante algum tempo ainda perduramos no imaginário – virtual – de alguns que se dignam recordar-nos, até que mais ninguém se lembrará. Nomes num livro de história, mesmo que com algumas imagens, não definem o que fomos, e sempre estará sujeito á limitação do pouco que conheceram de nossos atos. Por isso não podem julgar-nos em nenhuma instância ou em alguma circunstância. O tribunal de Osíris já foi fechado, e as almas, ou “kas”, já não são pesadas em função do que fizemos de coração ou de imaginação.

Não sei se as ondas do mar estavam fortes agora á noite, nem se vinham com velocidade ou apenas murmuravam sussurros nas areias da praia. As noticias da Europa ainda marolam na crise originada nos EUA e como qualquer tsunami, chegarão à América do Sul. Dei-me conta de que continuo sendo o bom garoto que foi um bom adolescente, um bom cidadão, e que merecia algo diferente de ontem: entrei na Internet mais uma vez, apenas para apanhar uma receita de molho branco com noz moscada, creme de leite, queijo ralado e pimenta do reino que não por acaso tinha em minha despensa. Espero uma amiga de visita para quarta-feira e sei que aprecia um bom prato. Assim, resolvi adiantar a receita, hoje, terça-feira, para aproveitar todo o potencial de cozinhar com vontade de agradar. Cortei batatas às rodelas grossas e coloquei no fundo de um pirex. Por cima, coloquei lascas gordas de bacalhau que previamente cozi. Por cima de tudo, um refogado de alho e cebola em azeite virgem. Por cima de tudo, o molho branco e ovos cozidos em rodelas, que espalhei aleatoriamente. Levei ao forno por vinte minutos. O prato será servido como surpresa, exceto por um pequeno pedaço que faltará, mas não numa amizade á qual não falta pedaço algum. Nada é perfeito, mas ficou muito bom, sem falsa modéstia. Brindei sozinho hoje, esperando o dia de amanhã, com um vinho tinto, forte e aromático como o bacalhau, forte como as ondas fortes do mar forte, como as esquerdas quando lutam contra as direitas, como os céus quando lutam contra os infernos.

Ainda fico impressionado com algumas coisas que ainda descubro da vida, e da mesma forma me impressiono como levamos tanto tempo para perceber como é simples e fácil ser-se feliz. Infelizmente também me impressiono pelo modo fácil com que nos deixamos levar por ondas de moda, de princípios, de lastimáveis princípios que, em nome de falsos objetivos, nos encobrem a nossa felicidade aos nossos próprios olhos e nos obrigam a passar grande tempo de nossa vida em trajetória errônea em busca de uma pretensa felicidade que alguns de nós jamais encontramos por milênios que pudéssemos viver.

Quem fez este universo o fez com leis fáceis e simples, belas, simétricas ou quase, perfeitamente estáveis, sem nada que complique.

E quando se descobre o véu do que nos é encoberto, teimam em desprezar e bloqueiam a constatação para que nada se altere no que pensam ser o ambiente estável da vida que lhes dá esperança eterna de felicidade. Só esperança.


Rui Rodrigues

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Corruptos e analfabetos políticos

Shakespeare, célebre conhecedor da natureza humana, faz com que Ângelo, em Medida por medida, pronuncie as seguintes palavras:
“Uma coisa é ser tentado e outra coisa é cair na tentação. Não posso negar que não se encontre num júri, examinando a vida de um prisioneiro, um ou dois ladrões, entre os jurados, mais culpados do que o próprio homem que estão julgando. A Justiça só se apodera daquilo que descobre. Que importa às leis que ladrões condenem ladrões?” (SHAKESPEARE, 1994:129)
O espetáculo da corrupção enoja e torna a própria atividade política ainda mais desacreditada. Os que detestam a política – como diria Brecht, os analfabetos políticos – regozijam-se. Os podres poderes fortalecem os argumentos pela indiferença e o não envolvimento na política. É o moralismo abstrato e ingênuo que oculta a ignorância e dissimula a leviandade egoísta dos que não conseguem pensar para além do próprio bolso.
O analfabeto político não sabe que sua indiferença contribui para a manutenção e reprodução desta corja de ladrões que, desde sempre, espreitam os cofres públicos, prontos para dar o golpe à primeira oportunidade que surja. Os analfabetos políticos não vêem que lavar as mãos alimenta a corrupção.
Quem cultiva a indiferença, o egoísmo ético do interesse particularista, é conivente com o assalto ou é seu beneficiário. O que caracteriza a república é o trato da coisa pública, responsabilidade de todos nós. Como escreveu Rousseau (1978: 107): “Quando alguém disser dos negócios do Estado: Que me importa? – pode-se estar certo de que o Estado está perdido”.
Eis o duplo equívoco do analfabeto político: nivelar todos os políticos e debitar a podridão apenas a estes. Os políticos, pela própria atividade que desempenham, estão mais expostos. No entanto, não há corrupção, sem corruptores e corrompidos. Pois, se a ocasião faz o ladrão, a necessidade também o faz.
Não sejamos hipócritas. Exigimos ética dos políticos como se esta fosse uma espécie de panacéia restrita ao mundo – ou submundo – da política. Mas, e a sociedade? Se o ladrão rouba um objeto e encontra quem o compre, este é tão culpado quanto aquele.
Ah! Não fazemos isto! E os pequenos atos inseridos na cultura do jeitinho brasileiro não são formas não assumidas de corrupção? Quem de nós ainda não subornou o policial rodoviário? Ou não vivemos numa sociedade onde honestidade é sinônimo de burrice, de ser trouxa, etc.? E como correr o risco de ser bobo quando a sociedade competitiva premia os mais espertos, os mais egoístas, os mais ambiciosos?
A bem da verdade, o ladrão aproveita a ocasião. Quem de nós nunca foi tentado? Quem de nós não cometeu algum deslize quando se apresentou a ocasião? Quem foi tentado e não caiu em tentação? Quem conseguiu manter a coerência entre pensamento e ação, discurso e prática? Os homens são julgados por suas obras e apenas através delas é que podemos comprovar a sua capacidade de resistir à tentação. Afinal, como afirma Shakespeare (1994: 201), através de Isabel, sua personagem: "A lei não alcança os pensamentos e as intenções são meros pensamentos". 
O analfabeto político demoniza a tentação da política. Seu prêmio é a ignorância. E, muitas vezes, enojados e cansados diante do espetáculo propiciado pelos governos que se sucedem, somos tentados a imitá-lo e sucumbir à rotina do cotidiano que consome nossos corpos e pensamentos e nos oferece a substância anestésica capaz de dar a ilusão da felicidade.
Bem que tentamos ficar na superfície das aparências e nos contentarmos em, como os demais animais, simplesmente consumir e reproduzir. Mas só as bestas de todo tipo não refletem sobre a sua situação no mundo. Por mais alienado que seja, o ser humano tem condições de pensar criticamente, de compreender e de projetar seu próprio futuro. Esta pequena diferença em relação aos demais animais é que o torna o único animal capaz de produzir cultura e de fazer sua própria historia.
Não basta apenas criticar os que caem em tentação, é mister superar o comodismo do analfabetismo político. Pedagogicamente, educamos pelo exemplo. Não podemos exigir ética na política ou formar uma geração cidadã, consciente dos seus direitos e deveres e capaz de assumir a defesa da justiça social, se nossos exemplos afirmam o oposto. Afinal, mesmo os ladrões têm a sua ética. O personagem shakespeareano tem razão...

Acredite nos que buscam a verdade... Duvide dos que encontraram! (A.Gide)

A NOBRE FAMÍLIA LEÃO E AS HIENAS (resposta à Fábula da Galinha Vermelha)

Tenho recebido e-mails mil com uma certa Fábula da Galinha Vermelha, enviada - que coincidência! - Brasil e da Venezuela. Reconta a velha história da galinha que se empenhou em fazer pães, ninguém quis ajudar, mas com os pães prontos todo mundo quis comer. Só que nesta versão um agente do governo obriga a galinha a dividir os pães com quem nunca fez nada - e a mensagem é óbvia, né?

A mensagem ainda diz que essa fábula foi popularizada pelo brilhante... Ronald Reagan (!), que teria aumentado a arrecadação reduzindo a carga tributária, e conclui amaldiçoando os seguintes  "animais que não gostam de trabalhar": Sem-Terra, Sem-Teto, Quilombola, Com Bolsa-Escola e Sem Escola, Puxa-sacos, Cotistas, Com indenização de Perseguido Político, Sem Vergonha... [sic]

Sem discordar de que a carga tributária brasileira seja mal distribuída, o fato é que (metáforas grosseiras à parte) eu nunca conheci nenhuma galinha rica. E aí comecei a pensar numa fábula que explicasse melhor a realidade que eu conheço da minha experiência. Acho que talvez pudesse ser A verdadeira história da nobre Família Leão e das hienas ("verdadeira" em contraste com a versão manipulada da Disney, claro). Poderia ser assim:

A NOBRE FAMÍLIA LEÃO E AS HIENAS

O leão até que comia bem com as suas caçadas, mas achava que era pouco em relação ao cansaço que lhe dava. Um dia, enquanto palitava dos dentes a carne de uma gazela com um osso de coelho, lhe veio a idéia: "O que falta é or-ga-ni-za-ção! Precisamos fundar uma Sociedade."

Foi até o outro lado da floresta, onde as hienas viviam em comunidade, e falou que estava na hora de vencer os antigos preconceitos de classe, de fazer um pacto social em benefício de todos. Pra mostrar sua sinceridade distribuiu para elas as sobras da sua última caçada - e propôs que da próxima vez as hienas, que eram muitas, fizessem o trabalho bruto da caçada enquanto ele traçava as estratégias e supervisionava a execução.

A caçada foi um sucesso! O leão ficou contentíssimo, chamou toda a sua família pra comer, e jogou alguns ossos e carcaças para as hienas. Estas ficaram espantadas, mas o leão explicou que, caso se dedicassem fielmente à sua Sociedade, logo haveria de sobra para todos.

E mais: pra garantir o sucesso da sociedade, comunicou que, em toda a floresta, seria perseguido quem insistisse em caçar para si mesmo: todos deveriam caçar para a Sociedade - pois o caminho do Progresso era esse.

Como ninguém discute com família de leão, ficou assim. E qual era a situação alguns anos depois?

As hieninhas jovens estavam cansadas de ver papai e mamãe chegarem em casa arrebentados, e com uma porçãozinha de caça que não dava para todos. As mais boazinhas pensavam: "eu vou crescer e vou mostrar pro meu pai que eu sou capaz de trabalhar muito melhor, vou conquistar uma posição melhor na Sociedade e trazer bastante comida para casa."

Mas outras reparavam que tinha uma multidão de hieninhas à espera de vaga na Sociedade, especialmente depois que fizeram uma "reengenharia" para melhorar a eficiência do sistema. Essas começaram a desconfiar que nunca nenhuma hiena iria se dar bem na Sociedade. Ou quando muito uma em cem. E como tinham amor pelos irmãos e irmãs, não queriam ser o 1 que se dá bem às custas de 99.

Começaram a se recusar a ir para a escola onde lhes apregoavam o dia inteiro a importância da Sociedade e do Progresso sem nunca explicarem o porquê de nada. Papai e mamãe não podiam faltar no trabalho, nem tinham tempo e forças pra tentar fazer alguma coisa, então as hieninhas vagavam em bando pela floresta, umas comendo o que encontrassem, outras mendigando, outras atacando qualquer um que passasse descuidado.

Mas... e quanto à família do leão?

Bem, papai leão trabalha mesmo feito um louco na administração da Sociedade. Ele diz que faz isso pra que os filhos não precisem passar pelo que ele passou.

Mamãe leoa se divide entre jantares beneficentes e tardes na Daslu, onde comprou uma coleção de bolsas de couro ma-ra-vi-lho-sas, de tudo que é animal - inclusive de hiena e de leão, vejam só a ousadia! Ah, as manhãs ela passa na terapia da moda - antes foi psicanálise, agora é meditação. Pra ver se dá um jeito numa angústia besta, que ataca sem nenhuma explicação.

A leozinha mais velha foi estudar artes em Nova York. Voltou e fez uma exposição que ninguém achou graça mas foi um baita sucesso de crítica. Afinal, todos donos de jornais são amicíssimos do leão.

Tem uma que estuda administração e pretende substituir o papai no comando. Sua intenção é começar dando fim numa série de concessões inaceitáveis que o velho acabou fazendo às hienas ao longo dos anos.

Um outro se formou em direito mas não sabe bem o que quer fazer. Atualmente passa os dias enviando pela internet a Fábula da Galinha Vermelha. Fora isso, nunca trabalhou, mas assim mesmo ganhou enormes elogios do papai: "É isso mesmo, meu filho! Quem sai aos seus não degenera!"

Ah, já ia esquecendo, tem um outro, só que ninguém fala dele. Quando criança ele começou a fazer amizade com as hieninhas na rua. Como a segurança do prédio não deixava as hieninhas entrarem pra brincar, começou a ir brincar na casa das hieninhas na favela. Incrível, nunca deixaram de dividir com ele a pouca comida que a mamãe e o papai traziam de noite! Começou a achar que a história estava mal contada e foi estudar sociologia.

Ficou louco, coitado. Foi morar na favela e vive num aperto de dar dó. Mas se recusa totalmente a voltar a viver entre os leões. Disse que no último jantar de família teve uma crise de vômito incontrolável. A conversa na mesa versava sobre os absurdos que o governo anda fazendo com suas ações paternalistas pra agradar as hienas, quando é evidente que essa gente vive assim por opção, pois não querem pagar o custo de trabalhar.

E é claro que mamãe leoa que passa as tardes na Daslu, filhinha que faz arte em Nova York, filhinha que estuda na faculdade mais cara e o filhinho que passa os dias na internet postando a Fábula da Galinha Vermelha... só puderam concordar com entusiasmo!

Y... colorín colorado, este cuento se ha terminado.
Floresta-São-Paulo, agosto de 2009
Zé Ralf do C-do-Mundo 
 

sábado, 7 de janeiro de 2012

Ensaio sobre este admirável mundo novo do sexo quase livre



Ensaio sobre este admirável mundo novo do sexo quase livre

Quem pensa que o mundo está mudando, não leu nada do que autores do passado escreveram, ou leram e não deram a mínima importância ao que liam, porque o fizeram sob a ótica da religião ou da política, e assim justificaram os meios do que liam sem sequer desejar entender: a essência da humanidade.

Por isso, quando Abraão – o pai bíblico - disse ao rei filisteu Abimeleque que Sara, sua esposa, era sua irmã, este a tomou embora ela já tivesse 90 anos. Também, vendo as coisas sob ângulo livre, Jacó se oferece para trabalhar durante sete anos para pagar por Raquel. Como ele é enganado e acaba fazendo sexo com a irmã dela, Léia, ele tem que trabalhar durante outros sete anos para pagar por ambas. Podemos até imaginar um Jacó extremamente motivado para ser enganado e ficar com as duas... Quem pode garantir que não foi isso o que aconteceu realmente?

Podemos ler muito na Bíblia sobre sexo, traição, libidinagem, sodomia, tudo legalizado sob as bênçãos de Deus, se praticadas do “lado certo”. A humanidade não mudou nada sob este aspecto. O que parece ter mudado, foram as leis, mas estas não mudam a essência humana, porque apenas a põem á prova circunstancial e temporária: a moral muda com os tempos e volta sobre si mesma, reavivando o passado, tornando-se moda para depois cair na reprovação popular, em ciclos de maior ou menor duração. È fashion!

Os seres humanos já transitaram livremente completamente nus, compartilhando os mesmos problemas que hoje existem quanto às saias curtas, aos perfumes “atrativos” impregnados de almíscar, ou de roupas que sexualmente atraem. As próprias roupas femininas, de cor rosa, vermelha ou lilás, reproduzem as cores das genitálias femininas, um convite á prospecção masculina. As mulheres deixam os homens loucos com suas cores rosa, cor de seus sexos, mas negam a aproximação para aqueles que não desejam, porque, contrariamente aos homens, podem controlar seus desejos sexuais de forma muito mais fria e eficiente do que eles. O homem dá logo. A mulher controla e dá para quem quer.  

Do pouco que conheço de antropologia, e face á ascensão da mulher aos postos chave dos governos e á “igualdade” dos sexos perante a lei, os novos tempos são promissores para ambos os sexos, no que pese a velha guarda que dirá que tudo está mudando para a dissolução da família, dos costumes, do “status quo”. Ora, o status quo já vem mudando há séculos, renovando, alterando, mas voltando sobre si mesmo, aos velhos costumes que sempre existiram no “modus operandi” da convivência humana: o ser humano gosta de sexo, pelo prazer indescritível que nos dá, dádiva divina, que se não fosse para ser usada, nasceríamos assexuados, todos nós, homens e mulheres.

Mas então, alguns moralistas resolveram “legislar” sobre o sexo, segundo o seu enfoque: proibiram uma porção de coisas, que a humanidade continua desfrutando em surdina, na calada da noite, eternamente, desde os primeiros tempos de que temos conhecimento através da escrita. Tudo na base da resistência surda, como acontece com o contrabando: é proibido, mas existe há milênios e nunca se acabou com ele.

Quem não sabe ler e assume ares e linguagem pseudo-erudita de doutor "honoris causa" não é apenas analfabeto: É tendencioso, xiita, tapado, inocente, ignorante, convencido, presunçoso, limitado, imbecil, e de muitos outros atributos etecétricos, porque não vê o que é realmente verdadeiro e está na frente de nossos olhos de forma escancarada, renitente, não corrompível ao longo dos séculos: homem e mulher quando querem dar, não tem quem segure. Quem não acredita nisto, casa. Quem acredita, fica solteiro, gozando das delícias da liberdade. Essa coisa de que “tu és só minha, e eu sou só teu”, só funciona na perspectiva de crenças como em papai Noel, em duendes, em ressurreições, em fantasmas, em representatividade de senadores, deputados e vereadores, ou de governadores e presidentes.

Quem achar que estou errado, que me atire uma pedreira, uma chuvarada de granizo, ou raios que me partam. Perdoarei a todos porque não sabem o que fazem e principalmente o que lêem...

₢ Rui Rodrigues

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Carla, minha amiga!

Carla, minha amiga,

Imagino um mundo com muito mais espiritualidade que religião,
Com muito mais paz que disputas inúteis, irracionais, absurdas até,
Em que imbecis, travestidos de líderes religiosos,
Tentam provar para outrem que seu deus é melhor, senão único.
Penso, minha cara, nesse mundo de paz e vida e espírito.
Penso num mundo em que ninguém poderá ser perseguido ou morto,
Por idiotices, feito a cor da pele, o nome de seu deus, o lugar que mora,
Como gosta de fazer sexo, ou se come carne numa determinada sexta feira do ano.
Ah, minha cara, penso num mundo em que o homem seria realmente racional,
E, sendo racional, veria sim um Deus, pode ser na face de um Cristo louro europeu,
Negro africano, índio americano, amarelo asiático, ou moreno palestino.
Talvez, minha cara, esse Deus se mostre pra gente todos os dias na luz do dia,
Na lua da noite, no vento que carrega sementes,
Talvez, no sorriso de uma criança, no andar de uma idosa,
Penso num mundo utópico, onde as janelas ficariam abertas,
Onde o prato de pão não precisasse ser repartido pois, nesse mundo utópico,
Todos, minha cara, todos mesmo,teriam o mesmo direito!

Um imenso abraço, Paulo César Pacheco, 30/12/2011.