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segunda-feira, 17 de junho de 2013

História Infantil – Maya em Londres

História Infantil – Maya em Londres

Maya já sabe fazer uma porção de coisas. Ela sabe cozinhar, dançar, e já aprendeu a escrever o nome dela. Fala algumas palavras em inglês. Adora brincar e gota muito de seus amiguinhos e amiguinhas da creche. Uma das coisas que gosta muito é de visitar o avô Rui, e também já andou de avião. Gosta de aprender e de aventuras. Um dia foi com a mãe e o vôvô Rui ao jardim zoológico do Rio de Janeiro. Era um lugar muito bonito, cheio de animais todos diferentes.  Sentiu pena que alguns deles estivessem numa jaula, sem poderem sair, sempre presos, o dia inteiro. A melhor coisa do mundo era a liberdade de poder fazer alguma coisa sem ficar preso dentro de gaiolas com grades. Ela gostaria de viajar um dia para o lugar de onde aqueles animais vieram e ver como eles viviam. Os únicos animais que conhecia mesmo eram umas vacas, uns cavalos, algumas ovelhas e porcos lá do Rio Grande do Sul, e uma gata do vôvô e dois galos e duas galinhas que o vôvô tinha lá no galinheiro e que punham ovos gostosos. Pássaros sempre via. Mas os outros animais do zoológico, não via nenhum pelas ruas. Um dia chegou cansada da escola. Ainda pegou seu patinete, colocou o capacete e as joelheiras pensando que iria descer um pouco para brincar, mas não agüentou e foi para a cama. Antes de dormir sempre conversa com a mãe. Então perguntou:
- Mãe... Podemos sonhar com o que queremos?
- Algumas pessoas podem. Mas tem que treinar, porque durante o sono a nossa cabeça arruma todas as informações que recolhemos durante o dia, e nessa arrumação as informações se misturam de maneira maluca que não entendemos e isso é que faz o tal do sonho. Sonhamos com coisas absurdas ou não.
- Hoje eu queria sonhar com Londres.
A mãe sorriu e perguntou:
- Você conhece Londres?
-É uma cidade muito grande, mãe. Tem uns guardas com uns capacetes pretos e uma farda vermelha cheia de botões dourados tem uma ponte, um rio e um enorme relógio que chamam de Big-Ben. Há... E ônibus de dois andares. Vi no filme da Mary Poppins aqui em casa.
- Então já sabes muito sobre Londres. Mas agora tem também uma enorme roda gigante de onde se vê toda a cidade. Quem sabe podes sonhar com Londres... Tenta pensar na cidade. Quem sabe...

E Maya adormeceu depois que desistiu de pensar em sonhar com Londres.

Quando acordou, estava no aeroporto de Heathrow na Inglaterra, na cidade de Londres. Estava com uma roupa de frio, mas estava sozinha. Não gostou disso. Gostava de estar com a sua mãe que sempre cuidava dela. Mas também aprendera a resolver os problemas quando estava sozinha. Um sujeito simpático, com farda de policial perguntou em inglês, a língua que ela já conhecia, para onde ela ia. A primeira coisa que lhe ocorreu foi ver os animais de Londres. Disse ao sujeito que ia ao Zoológico, depois que ia comer doces e que depois ia a uma festa de aniversário no palácio de Buckingham porque ela também era uma princesa.
O guarda sorriu...
- Minha querida princesa... – disse o guarda - Não vou duvidar que consiga, mas a Rainha está no palácio de Buckingham e não vai receber ninguém porque está com uma grande dor de cabeça.
Maya parou para pensar. Será que queria tanto sonhar com Londres e aquilo era apenas um sonho?... Se fosse um sonho, não estava bom, porque estava sozinha em Londres. Então pensou: Se eu olhar para os lados e vir meus amiguinhos da creche, eu não estarei sonhando. Acho... E olhou... Ficou surpresa. Lá estavam suas amigas Gigi e Maria, e seus amigos João Faraco e João Pedro. Como poderiam estar ali? Então não estava sonhando? Ou estaria... E que importava se estava ou não? Estava era muito bom o sonho.
-Olha... Disse Maya para o guarda. Estou com meus amigos. Pode nos levar ao palácio... Duvido que a rainha não nos receba.
O guarda assentiu. Iria levar o grupo ao palácio só para eles verem que não podiam entrar. A rainha era simpática, mas estava sempre indisponível para visitas.

A Rainha soube que havia um grupo de crianças do Brasil que queria visitá-la. Como gostava muito do Brasil e das crianças brasileiras, agradeceu ao guarda e disse:
- Muito obrigado senhor guarda. Parece que adivinhou que hoje o melhor que eu poderia fazer era conversar com crianças do Brasil. Olhe... Tome lá um algodão doce do palácio, e um chupa-chupa para alegrar o seu dia.
E lá foi o guarda comendo o algodão doce. O chupa-chupa ele guardou para quando chegasse em casa, para os seus filhos.

- Senhora Rainha...- Disse Maya. Eu e meus amigos estamos aqui para conhecer Londres. Como a senhora é a rainha, pode nos ajudar? O que podemos ver?
- Bem... Eu não mando nada na Inglaterra nem em Londres. Quem manda são uns senhores que o povo elege e que se chama de Parlamento. Eu sou uma figura decorativa que o povo ama e adora. Mas posso colocar a minha carruagem à vossa disposição para que conheçam a cidade. Esperem um pouco.
A rainha então olhou para um senhor de casaca que esperava muito calado, em pé, com o nariz empinado para cima, olhando para o teto. Maya não sabe como, mas o senhor, o mordomo, não olhava só o teto, e saiu da sala. Ele já sabia o que fazer, e em cinco minutos em que Maya, seus amigos e a rainha tomaram um chá com biscoitos, saíram todos para uma carruagem linda que estava esperando na porta do palácio. A rainha disse:

- O que preferem? Visitar a cidade na minha carruagem, ou irem de guarda chuva junto com a Mary Poppins? – As crianças gritaram todas ao mesmo tempo.
- Com a Mary Poppins... E de guarda-chuva!
- Então eu levo vocês até a roda gigante e lá vocês se encontram com a Mary Poppins.
Chegaram à Roda Gigante, despediram-se da agradável rainha, entraram nas cadeirinhas, amarraram os cintos de segurança e a roda começou a rodar. Cada vez subia mais. Parecia um helicóptero subindo muito lentamente, os prédios ficando cada vez menores. Quando chegaram lá no topo, a roda parou com um tranco. As crianças se assustaram com o tranco. Todo mundo lá embaixo olhou para cima, quem estava lá em cima olhou para baixo. Então se ouviu um OH... Enorme, de uma multidão lá embaixo. Maya e seus amigos pensaram que a roda ia cair. Agora Maya pensou que era melhor que fosse só um sonho. Mas logo se arrependeu quando ouviu uma voz cantando que dizia:

- Olá crianças, vamos passear, ioreléri, ioreléri, ioreleritiiiiiiii...

Era a Mary Poppins em pessoa, com uma mala na mão e um guarda-chuva. E lá foram todos, puxados pela Mary Poppins, voando sobre Londres.

- Mary Poppins... Disse Gigi... O que tem na mala?
- São docinhos chamados Petit-Maibi. Tem uma porção deles. São os mais gostosos da cidade, fofinhos... Doces... Quentes ou frios. Estes estão frios. Vou levar vocês até a ponte. Lá vão se encontrar com um grande amigo meu: Peter Pan e Sininho. Vamos passear no barco pirata do capitão Gancho e de seu imediato o Barrica num passeio pelo rio Thames.
Deram um lindo passeio por Londres. Depois entraram numa estação de Metrô, e viajaram mais uma meia hora, comendo os docinhos Petit-Maibi com leite de chocolate. Chegaram ao cais da cidade e lá estavam Peter Pan, o capitão Gancho, Sininho e o capitão Barrica. Então apareceu um enorme tubarão que queria engolir o barco pirata. O Capitão Gancho com medo de perder outro braço – já tinha perdido um com um tubarão enorme no passado – fugiu para o seu quarto. Sininho voou e ficou tremendo, batendo as asas lá em cima, perto do mastro maior do barco. O capitão barrica encolheu-se no convés do barco, junto à amurada. Peter Pan não sabia o que fazer, voando de um lado para o outro do barco. As crianças pareciam estar perdidas. Então Maya falou...

- Bobinhos todos... Isto é um sonho. Agora sei que é um sonho, porque o rio Thames não tem tubarões... Tubarões não nadam em rios.

E acordou rindo, às seis horas da manhã, para se aprontar para ir para a creche. Era segunda feira e o domingo tinha sido muito bom. Sonhar era muito bom. Ia pensar em que sonhar nos próximos dias, mas tinha que aprender muitas coisas, para não ficar com medo como A Mary Poppins que tinha desaparecido quando viu o tubarão, todos os outros ficando cheios de medo, porque não sabiam que em rios não há tubarões...



© By Rui Rodrigues. 

O Brasil é uma enorme jangada de pedra.



O Brasil é uma enorme jangada de pedra.

Nos supermercados, nos pontos de ônibus, nas feiras livres, pelas ruas se vê os estragos da inflação e as bênçãos da inflação.

O povo menos bafejado pela sorte, onde se incluem os pobres e miseráveis deste país, cada vez têm menos capacidade de comprar alimentos, de se vestirem, de pagarem aluguel de suas casas. A inflação veio da administração do PT que, como governo, não investiu no setor produtivo da nação, dedicando-se a fazer alianças com outros partidos que levaram à proteção mútua e à distribuição de “vantagens”, nomeando ministros incompetentes, indicados por esses partidos não por competência, mas porque são de “confiança”. De confiança dos partidos, não do povo.

O Bolsa-família cada vez compra menos, os custos estão mais caros porque as estradas ficaram esburacadas, os portos estão ineficientes provocando desistências de compras de produtos nacionais, a insegurança deu lugar à segurança, morrem necessitados nas filas da saúde pública, a polícia bate em professores que reclamam nas ruas, em usuários de ônibus que reclamam nas ruas, em estudantes que reclamam nas ruas.

Os  governos Lula e Dilma que tinham arrecadado fundos para pagar toda a dívida externa, agora devem mais do que antes, e os pobres que tiraram da miséria foram apenas substituídos por outros que agora estão na miséria.

Não se pode reclamar, porque unilateralmente o governo diz que todos os que reclamam são arruaceiros. Vivemos numa ditadura. E nos transformamos no país que mais consome crack, num dos últimos países em educação. As empresas de serviços públicos cobram o que querem e não há medidas do governo para sanar a roubalheira. Somos obrigados a entrar com reclamações na justiça que nos consomem tempo e paciência por falta de ação do Estado.

E como nunca arrecadamos tantos impostos como agora, a pergunta que temos que fazer é: O que fazem realmente com o dinheiro de nossos impostos? Vai todo para quem governa, isto é os políticos e suas empresas coadjuvantes?

Temos que estender uma certa lei imposta de forma ignorante, que rasgou a gramática da língua portuguesa estabelecendo o termo “presidenta” por decreto e não por acordo gramatical da língua por quem a entende, não só á presidência como à competência para que se possa dizer com toda a propriedade, dentro da gramática, que A PresidentA é IncompetentA e IgnorantA.

Já foi vaiada em Brasília e tal como jangada, empurra a América do Sul para o meio do oceano onde pode afundar. Ela e a América do Sul. Chile, Colômbia e México, já não dão a mínima importância ao Mercosul, porque Dilma mostrou, no caso do Paraguay e da Venezuela que Dilma age sem critério justo ou técnico, movida apenas por ranços de revanche guerrilheira.  Dilma precisa ir para o analista com urgência: Recomendo o analista de Bagé, que costuma dar joelhaços.


Rui Rodrigues. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Da nobre arte de varrer até o “socialismo” entre nações.

Da nobre arte de varrer até o “socialismo” entre nações.


Varrer é uma coisa. Juntar lixo e pó é outra. A boa varredura obriga muitas vezes a umedecer primeiro o piso e só depois varrer para não levantar poeira. Este método deve ser usado por quem tem alergia a poeira. Um alérgico a poeira tem que estar sempre varrendo, senão pode ter um ataque asmático. Existem vassouras de todos os tipos e esfregões para limpar um piso, mas nem todos nesta vida os conhecem. O ato de varrer não é um ato comumente conhecido como um ato social. Deveria, sim, mas não é. Nos tempos modernos, se uma vassoura tivesse vida, diria que a humanidade é vassourofóbica e que ela não teria culpa de ser piaçaba-descendente, pelo simples fato de o ato de varrer ser associado a um servilismo atávico, machista, discriminatório, quase um ato de castigo. Mas há como enfrentar este ato, normalmente solitário, num hino de guerra ou de esperança, numa obra de arte, e dar-lhe a importância que merece.


Albina Maria - Albina Maria é uma diarista que trabalha na zona sul do Rio de Janeiro. Sempre que passa por garis no meio da rua sente arrepios. Ela sempre compara as montanhas de lixo juntado pelos garis nos meio-fios das ruas com o que recolhe numa simples pazada no apartamento da madame do “Quintas”, onde trabalha. Lixo que cabe numa pá, quase não tem pó nem poeira. Mesmo assim, sempre que varre, atividade que acha indecente e até deveria ser paga à parte por ter características de trabalho com periculosidade, ela canta canções para distrair e pensa sempre no salário mensal. Quando a madame lhe pediu suave e gentilmente num grito que bradou aos céus para parar de cantar, Albina Maria passou a cantar para dentro, para si mesma, em surdina. O que não poderia era perder o emprego e para mantê-lo teria que cantar durante a varredura para suportar o incômodo.  Enquanto varria, sonhava.

Se um dia fosse presidente da República colocaria nos principais postos de comando da nação todas as suas amigas empregadas. Elas sim, é que sabiam o que era a vida. Seu primeiro ato de governo seria aumentar os salários de todas as empregadas domésticas e selvagens. Sim, porque havia empregadas domesticas, e as selvagens. As primeiras eram como ela, as selvagens roubavam sempre um copo de arroz, um punhado de massa, um ovo, e tal como formigas se somassem todos os desvios no final do mês, dariam uma compra de supermercado daquelas que se fazem para uma família, para o mês inteiro. Albina Maria entendia o problema. Também a essas chamaria para o seu governo porque precisaria de alguém com opinião. As selvagens sempre davam desculpas para faltar ao trabalho, ganhavam mais roupas das patroas, e só saíam da casa com ação na justiça contra os patrões. Precisaria de alguém que tivesse opinião e soubesse “fazer acontecer”.

Sousa Nunes – Sousa Nunes Loivo é um executivo que tem uma empregada maravilhosa chamada Albina Maria. Ele trabalha numa empresa de telefonia móvel num posto de fiscalização do governo, indicado pelo governo. Ele não entende nada de economia, direito, relações humanas, ou se do que for e muito menos de telefonia móvel. O negócio dele é dar dicas para o governo no sentido de saber quanto a empresa fatura e se ela deposita a porcentagem de praxe onde deve depositar. Não é pouca coisa: São vinte por cento do faturamento. A empresa tem que enrolar muito os clientes para reaver os 20% que distribui entre os marmanjos e entre as marmanjas. A espécie dos “homo marmanjus” tanto tem machos como fêmeas como dissidentes e divergentes. Os primeiros são de outros partidos, os divergentes não procriam. Só em tubo de ensaio depois de umas masturbações sem calendário de porta de loja mecânica, onde se consertam os automóveis. Mas ele não dá importância a isso. Acha que todos têm direito a fazer sexo com quem ou o que quiserem, até com uma melancia, um mamão, ou um pé de bananeira. Separou-se da mulher porque a mulher era “bimbo” – e ainda que o dicionário não tenha ainda sido atualizado com a lei Dilma, tanto há bimbas entre os homens como bimbos entre mulheres. E detestava varrer quando a Albina Maria não aparecia para trabalhar por ser a folga dela. Até que a Albina Maria era bem apanhada de corpo. Já pensara em varrer a perereca dela com seu pau de vassoura, bigodudo, mas sempre temia que ela o delatasse por assédio sexual. Como eram as coisas... Se ele fosse bimba, ela espalharia a notícia e podia até perder o emprego ou a moral e perder a importância que tinha na empresa. Já se ele fosse uma mulher bimbo, sua voz seria ampliada pela situação sexual.
Se um dia fosse presidento, porque agora já há também presidentas, chamaria para ajudá-lo a governar todos os seus amigos. Pena que não tinha quase nenhum. Ninguém gostava dele porque era um dedo duro do faturamento da empresa, e lá fora bastava falar que trabalhava numa empresa de telefonia para que só faltasse lhe jogarem tomates, agora que já estavam a preço de banana. Pena que o preço da banana também subiu para que o preço dos tomates não ficasse parecendo ser tão alto.  Se ele fosse bimba, teria o nome de presidente, que é o termo neutro para presidento e presidenta.

Delma Roscoff – Delma tinha sido guerrilheira em sua juventude. Sustentava-se com o dinheiro que recebia de Cuba e da ex União Soviética, agora mais desunida do que nunca. Nunca precisou varrer nada, embora nunca tivesse sido intelectual da guerrilha. Também não articulava nada politicamente. Ela entrara pelo ideal de querer morrer por uma causa, sair de casa, abandonar aquele mundinho desgraçado da casa de seus pais. Ela não era comunista. Seus pais é que apreciavam o capitalismo e até tinham emigrado da Europa comunista por uns tempos. Quando o comunismo acabou, voltaram para sua terra. Viram a filha na hora do parto, conversaram com ela muito raramente porque passava os dias na rua, uma desgarrada que não tinha família realmente porque não queria. Ela passou a odiar tudo que se mexesse com mais de vinte reais no bolso, mas também aprendeu que, sem o dinheiro da ex União Soviética e de Cuba, teria que se virar para conseguir um bom emprego e, sobretudo, se aliar aos que tinham muito mais do que dois milhões de reais no bolso. Vinte reais nem dava mais para odiar. A inflação subia o valor de tudo, muito mais do que o dos tomates. Arranjou um diploma e os amigos lhe arranjaram um emprego. Para varrer, tinha uma empregada cujo nome não se lembra mais, mas que tinha uma filha chamada Albina Maria e que até indicara para seu amigo Sousa Nunes.

Se um dia viesse a ser presidenta da republica, não saberia o que fazer. Teria que pedir conselhos a alguém que soubesse: O tesoureiro de seus tempos de guerrilha, o capitão do mato que corria atrás de dissidentes da guerrilha, e mais uns bostas que só queriam sair de casa, ter um ideal, odiar qualquer coisa que se mexesse e tivesse mais de vinte reais no bolso. Aliás, agora s juntavam também a quem tinha mais de vinte milhões de reais. Além das verbas públicas, que até já eram muito poucas, a grana maior estava no bolso dos banqueiros, das empresas de telefonia e das construtoras. E se fosse eleita, vestiria aqueles vestidos que nunca tinha vestido, gastaria horrores que nunca tinha podido gastar porque o tesoureiro da guerrilha lhe dizia que um dia ele seria tesoureiro com muito mais grana disponível, mas esse dia nunca chegara. Ele agora era tesoureiro de um cara desconhecido, um borra-botas que fundara um partido, um ignorante, mas que caíra no agrado da plebe ignota. Ele que mandava, e ela, que aprendera a obedecer a guerrilheiros e não a seus próprios pais, tinha que alinhar com ele se quisesse dar asas à sua ambição de ser gente grande. Pena que não tivesse o carisma, o conhecimento, mas quem se importa quando a plebe é ignota? E mais, pagaria a dívida aos países que a ajudaram, emprestando e perdoando dívidas, emprestando e perdoando dívidas. Alguma parte teria que lhe cair no bolso. Seria o socialismo se expandindo não só entre os povos, como entre as nações. Imporia uma lei para que o governo, ou seja, ela mesma, pudesse gastar sem ter que dar satisfações, uma outra para que não lhe vasculhassem as contas, e uma outra impedindo o Supremo de investigar.


Apanágio da Silva - Apanágio da Silva é aposentado e tem uma filha que trabalha como empregada na casa de um doutor chamado Sousa Nunes. Odeia multiplicadores, que em sua opinião, modesta por sinal, deveriam ser chamados de inibidores. Ele se refere a isso sempre que pensa em seus dois salários mínimos que, por causa dos multiplicadores e da inflação desmedida, a cada dia lhe permitem mais curtir a fome, ausentar-se da vida social, porque dois salários mínimos multiplicados por inibidores, lhe permitem a cada dia entrar para o grupo enorme dos pobres, dos necessitados, dos miseráveis. Diz o governo que tira uns da pobreza, mas não diz que põe outros na pobreza. Tira da pobreza os que ainda se movimentam para votar e lhe dão os votos. Põe na pobreza e na miséria os aposentados que já perderam o tesão de votar. Varre a casa todos os dias, sempre cheia de pó, e não tem empregada. Quem dera. Embora sofra de asma não precisa gastar água, muito cara, para umedecer o piso. As lágrimas já o molham bastante. Se um dia fosse presidento, encostava todos os políticos num paredão e não os mataria. Ficariam lá, acorrentados ao muro, de bunda à mostra para o povo que passasse, com um cartaz dizendo: “Roubei pra caralho”. Mas já está muito velho para isso.

Pedro Loivo, o “Oi” - A vida para Oi era uma beleza, digna de ser vivida. Tivera um pai filho da puta, um tal de Sousa Nunes, que nem sabia onde andava. Era filho de uma transa entre ele e uma empregada lá do escritório onde o pai trabalhava. Sua falecida mãe lhe dissera o nome do pai e até o mostrara para que ele soubesse de quem era filho. Para o pai, que abusara sexualmente da filha, irmã de Oi, o que importava na via era conseguir o que se queria. O “como” não importava, porque os fins justificavam os meios.  Seu pai era mesmo um grande filho da puta, mas reconhecia que ele tinha razão em alguns aspectos. Fora ele que nos tempos difíceis da guerrilha, quando Cuba e a ex-União Soviética pararam de mandar divisas, pôs em contato alguns guerrilheiros com o tráfico de drogas. Não sabe no que isso deu, porque não acompanhou. Juntou-se ele próprio a um chefe de morro, um traficante que agora até está preso mas continua a comandar a vida fora do presídio por celular. Para ele não interessa quanto tempo durará sua vida. Depois de morto não se pensa, e o eu ficou para trás também morreu. Assim, que importância tem se morrer com vinte, trinta ou cem anos? Não importa nada.  O que importa é que as drogas que vende estão livres do controle da saúde pública e pode até misturar bosta seca de vaca à maconha para ter mais lucro, ou farinha ao crack. Mas o mais maravilhoso é que não paga impostos. Move milhões de reais por semana, de vez em quando chama uma de suas mulheres para lhe fazer um boquete e varrer o barraco, muito bem montado, aliás. Com seu passaporte falso e uns amigos que tem no aeroporto, viaja por semanas para o exterior. Um dia, se for presidento, chamará para governar todos os seus amigos do tráfico. Comprarão todos os políticos e continuarão expandindo os seus negócios.



Ó Pátria Amada...Ó céus... Ó mar, tudo de anil, que pode não ser, mas que parece ser, parece... os nomes evidentemente são fictícios. 

© by Rui Rodrigues

quinta-feira, 13 de junho de 2013

O mendigo ilustrado


 Papo particular com Drummond
O mendigo [1] ilustrado


Não sabem o que é o inferno de passar todas as semanas três dias seguidos sem dormir, trabalhando numa REVAMP. Revamp é a reforma contínua de uma fábrica sem que ela pare de produzir: Os trabalhos se realizam nas interrupções para manutenção e aquela era enorme, lá em Cubatão numa época em que era o esgoto do mundo, de tão poluída. Por vezes, se os trabalhos de reforma demorassem até um dia mais, podia negociar-se com a produção da fábrica esse dia a mais para trocar outros equipamentos até então não previstos, mas planejados como alternativas. Trabalhar sem cochilar, sem tomar qualquer remédio ou droga exige força de vontade, determinação, e a atenção têm que ser redobrada para que não nos aconteça nada de grave subindo e descendo escadas de marinheiro, passando por debaixo de equipamentos, aspirando gases letais ou tocando num cabo energizado desencapado. O alívio vinha quando ia para casa descansar, completamente arrebentado. Havia, a meu nível, quem fosse para casa dormir, e voltasse de madrugada. Passava a mão numa estrutura suja de fuligem e graxa e passava no rosto. Mas os olhos não estavam fundos, havia 450 operários que nem os viam pelo empreendimento, testemunhas caladas porque em nada lhes atrapalhava a vida. Um dia foram contar que o sujeito roubava rolos de fios de cobre e cabos além de outros utensílios. Descobriram até a loja onde eles vendiam esses artigos em Minas Gerais. A Revamp era em Santos, mas eu já não estava mais na REVAMP... Saí quando faltava apenas 30 dias para terminar. Meu saco havia torrado. O salário não era condizente. Mandei a empresa e os filhos da puta tomarem no cu e desapareci na noite a bordo de um ônibus com minha mulher e meus dois filhos. O que mais me marcou em Santos não foi a obra nem o inferno que era. Foi uma notícia de radio que ouvi sobre uma reportagem de uma emissora santista, sobre a população de mendigos na cidade. Em alguns fins de semana que tive que passar por lá, num apartamento alugado pela empresam de frente para a praia, e que quase não usava, aproveitei para bater um papo com uns mendigos. Nesses dias receberam uma gorda ajuda. Há algo que me identificava com eles: A dúvida do que vale ou não a pena, mas só eles tinham certezas. Desses, conto a história de um.

A barra na gata[2] era pesada e eu dividia o apartamento de Santos com um boliviano. O boliviano não entendia nada de montagem metalo-mecânica, não sabia como dimensionar uma solda nem como calcular uma treliça. A maioria dos engenheiros comia na mão dos encarregados e mestres. Naqueles tempos já de final de ditadura, as admissões se faziam ora por indicação, ora por imposição “comercial” de mandados de soldados de patente, mesmo que o diploma de engenheiro fosse comprado, falsificado. Eu me garantia com as cadeiras de Estruturas Metálicas e de Mecânica, do meu curso de engenheiro civil da Fluminense. O boliviano que dava suas saídas para descansar mesmo durante o dia, só tinha duas coisas boas: Não me roubava nada e se preocupava comigo, aconselhando-me a não trabalhar tanto. Eu entendia o seu ponto de vista. Um dia, desabafei com ele quando saí da Usina, numa sexta feira em que tinha que fazer plantão no sábado e no domingo. Estes plantões exigiam apenas olhos atentos e percorrer todas as instalações para verificar se tudo estava em ordem, porque somente havia pessoal da limpeza e algum pessoal de escritório colocando seu trabalho em dia. Disse ao boliviano:

- Bolívar... Estou de saco cheio e vou sair desta merda...
- Não faça isso... Disse-me sorrindo. Tem família, não tem?
- Claro que tenho.
- Então pensa na tua família. Eu tenho a minha em Santa Cruz de la Sierra que já não vejo há três meses. É duro, mas o sustento está garantido. E vou te dizer uma coisa... Se você sair essa obra pára. Nunca vi ninguém como você ter moral para ir ao puteiro de Kombi, tirar o encarregado de cima da garota no motel, e trazer o cara para trabalhar às duas da manhã... O que você deveria fazer era pedir aumento de salário. Agora era a hora.
Não me lembro do que lhe respondi, mas lembro-me do que me disse em seguida.

- Vem comigo... Vou te apresentar a um amigo que fiz aqui em Santos.

E me levou duas quadras abaixo, em plena avenida até chegarmos perto de um bar cheio de gente. Pela calçada, havia mendigos. Poucos, mas havia. Um deles abriu um sorriso quando viu o boliviano e olhou depois para mim, como quem diz: Quem é este? A barba estava crescida, maltratada, seu cabelo era gorduroso e poeirento, a pele dava sinais de crostas escuras de sujeira. Trazia um pulôver que já deveria ter sido moda e agora já era apenas quente. Os pés descalços, a bainha da calça lustrosa cheia de fiapos. Ele mesmo era um fiapo de uma coisa muito grande chamada humanidade. Seu cenho se franziu imediatamente, adotando o olhar de cachorro pidão, e pediu:

- Bolívar... Tem um trocadinho[3] hoje para o amigo? Tem?

Bolívar olhou para mim, enfiou a mão no bolso e tirou uma nota que já tinha preparada. Estendeu-lha dizendo para ter cuidado e não ir gastar em cachaça. O mendigo sorriu. Difícil não beber com uma vida daquelas. Bolívar tirou do bolso um sanduíche embrulhado em papel celofane e deu-lho também.
Não lembro dos detalhes iniciais a seguir, mas a conversa se estendeu. Fomos parar num banco de calçada da avenida, de frente para a praia. O mendigo nos contou a sua historia.
Tinha sido casado. Tinha filhos, não sabia onde a família estava nem queria saber. Por vezes sentia saudades das crianças que já eram adultos, e suas lembranças eram sempre de quando eram pequenas. Nem queria imaginá-las adultas. Trabalhara feito um filho da puta como médico até os quarenta e cinco anos. Agora vivia de esmolas há 12 anos, desde então. 
- E o que o fez largar a profissão? – Perguntei.
- Olha... Uma série de coisas... Nada que acontece na vida se deve a uma causa só. É como desastre de automóvel. Só estar bêbado não produz desastre. É preciso que venha outro distraído perto de você, ou um poste ou gente no caminho e os freios façam o carro parar no tempo certo. Foram muitas coisas que se sucederam. Casei e não consegui entrar em sintonia com minha mulher. Pelas minhas contas o dinheiro deveria sobrar, mas ela, que cuidava da casa, sempre dizia que não dava. Quanto menos dava a grana, mais plantões eu fazia, e quantos mais plantões fazia, mais tempo ficava longe de casa. Volta e meia ela me dizia que eu não ia para casa porque tinha que ter algum caso no trabalho ou fora dele. Não era verdade. Eu chegava cansado, e ao ouvir críticas injustas, eu perdia a vontade de transar. Ela se aproveitava disso para me criticar e me fazer perder ainda mais a vontade. Ela estava jogando na relação e eu não. Depois vim a saber que ela tinha não só um amante, como também já tivera vários. Mas quando eu soube disso, já tinha perdido a vontade de continuar trabalhando para fazer mais patrimônio que teria que dividir com ela, os filhos já estavam com a cabeça feita pela mãe que sempre dizia que eu estava errado, ou que o que eu dizia não tinha importância. Suas palavras eram sempre como facas. Agindo dessa forma ela tinha sempre a sua “consciência” tranqüila, de que o cafajeste era eu. As crianças também achavam embora não me dissessem nada, mas quando eu lhes pedia para fazerem alguma coisa, notava-lhes uma inconformidade ou um questionamento nos olhares dispersivos. Todos pensavam que me enganavam. Claro que quando a clínica em que eu trabalhava me pôs na rua, eu já estava preparado. Lutar para quê? Só para mim? Ora... Só para mim, a rua era o bastante...
Ficamos todos em silêncio por uns momentos, questionando-nos a nós próprios sobre o que era a vida e a motivação para vivê-la ou torná-la muito extensa.  Sobretudo, e depois conferimos, tanto Bolívar quanto eu pensávamos não na mulher e filhos porque tudo estava bem conosco, assim esperávamos e tínhamos confiança nisso. O que nos preocupava era o tal do “pontapé na bunda” da clínica, no caso do médico mendigo, ou da gata onde trabalhávamos. Isso poderia acontecer a qualquer instante. Certamente que nos relatórios escritos ou verbais diários, o mérito do trabalho deveria ir para os caras que passavam a noite em casa, e pela madrugada passavam fuligem no rosto. Esses caras falam muito e trabalham pouco. São espertos. Detectam uma falha mesmo sem importância e a relatam aos superiores. Inquirido, o cara que trabalha duro e eficientemente, mas não sabe disso, pode ser apanhado sem choro nem vela. Eu não tinha falha e os 450 homens e algumas poucas mulheres que trabalhavam sob minhas ordens poderiam atestar o meu trabalho, e o atestariam se inquiridos, mas esse dia poderia chegar assim mesmo. Quando cheguei a Cubatão, os salários estavam atrasados assim como as horas extras. Foi um trabalho duro conseguir que os pagassem, mas consegui. Sempre se lembravam disso. Companhias que trabalham para o governo têm sempre as costas quentes com a justiça do trabalho. Quando as obras com o governo terminam, têm que enfrentar o mercado privado, e então se deparam com um enorme problema: Não estão preparadas para enfrentar a concorrência, para trabalhar de forma mais honesta.

Não sei o que foi feito do bom Bolívar, do bom mendigo que ainda vi mais um par de vezes tentando convencê-lo a voltar para a ativa, e só muito mais tarde soube que a gata tinha encerrado suas atividades logo que o mercado mudou do estado para a iniciativa privada.

Mas eu já tinha saído há muito tempo e já estava na Colômbia. Quando a gata investiu numa empresa de Gerenciamento de Construção, também não estava preparada e também encerrou as portas mais um par de anos depois.

A vida constrói-se com atitudes do dia a dia, em torno do pilar de vida que somos nós próprios. Nada pode cair. Nem nós nem a família, embora sempre haja um “pobre” dentro de cada um de nós, até dos mais ricos. E, se viver com a família, for de todo impossível, então que se abandone o ninho quando todos estiverem aptos para voar.

© by Rui Rodrigues















[1] Os nomes são fictícios para evitar constrangimentos.
[2] “Gata” era o nome dado às empresas que nos contratavam... Trabalhava-se na gata. Minha gata era a Montreal Engenharia, na REVAMP da Cosipa.
[3] Trocadinho, notas pequenas, moedas, de pouco valor como se fossem um “troco” de alguma compra. 

terça-feira, 11 de junho de 2013

Sociedades em transformação e o Mundo Gay


Sociedades em transformação e o Mundo Gay

 Vista do Espaço não se adivinha o que vai pela Terra
A humanidade tal como pensamos que a conhecemos, parece tão complicada quanto o ser humano em si, e se já é tão difícil entender todo o perfil de um ser humano e suas características, podemos imaginar como será ainda muito mais difícil entender a humanidade, um enorme ser composto de pequenas células a que chamamos de “seres humanos”, nem com tanta propriedade, ou pelo menos com propriedade duvidosa. Somente por volta de 1915 com o aparecimento de Sigmund Freud a complicada mente humana começou a ser desvendada. Hoje já sabemos onde se encontram os centros de memória, que a metade esquerda do cérebro comanda o sistema nervoso do lado direito de nosso corpo, que as enzimas têm papel fundamental nas sinapses - que são as comunicações entre neurônios - que existem substâncias que se produzem no cérebro que nos dão alegria ou tristeza conforme a nossa percepção pessoal. E um infinito de coisas que ainda são muito poucas para que tenhamos a descrição completa de como funcionamos. Só recentemente os EUA empreenderam uma pesquisa para mapear todo o cérebro humano a exemplo do projeto Genoma.
 Votos para as mulheres - Londres
Acreditava-se antigamente que ser homossexual era uma doença, tal como a síndrome de Down, que também não é doença. Também se acreditava que com eletro-choques se poderia curar uma “doença” a que chamavam de “histeria” e toda a “anormalidade”, acreditava-se, poderia ser curada com eletro-choques. O escritor Paulo Coelho foi mandando para um hospital, o Pinel, porque tinha “desvio” de comportamento. Acreditava-se em muitas coisas que nem vale a pena enumerar porque somente iria provar que as verdades de ontem já não são necessariamente as de hoje porque a humanidade evolui onde não existam governos que tolham o pensar, solapem a iniciativa privada, restrinjam a educação, matem a esperança de evoluir. Aparentemente estivemos andando à deriva durante milênios e só agora entramos no futuro, e sabemos quase tudo. Ledo engano. Nossos ancestrais pensavam exatamente como nós pensamos hoje. Pensavam que sabiam tudo e que pouco haveria para descobrir. Voar era um sonho impossível só reservado às aves, golfinhos eram peixes como os outros, mulheres tinham que usar cintos de castidade e homossexuais eram a vergonha da tribo, do bairro, da nação, eram apedrejados, condenados à morte. Há sociedades que evoluem mais rapidamente do que outras, porque neles há mais das liberdades a que me referi acima.  E a humanidade muda devagar, mas sempre cada vez mais rapidamente. Chegaremos a um estágio de progresso que não poderemos acompanhar. Depois de sairmos das Universidades como os mais brilhantes e atualizados cientistas, podemos ficar fora do mercado dez anos depois, porque as pesquisas técnicas evoluirão de tal forma que nesse espaço de tempo nos teremos transformado em analfabetos técnicos, completamente defasados das ultimas inovações tecnológicas.
Stephen Jay Gould - PaleontólogoComecei a gostar das obras de Freud ao ouvir falar dele quando tinha aproximadamente meus doze anos, mas só pude lê-lo aos dezoito através de uma obra de Emílio Mira Y López, um discípulo seu. Passei meus anos seguintes cavoucando em livros de biologia, astrofísica, paleontologia, lendo tudo o que podia e que achasse que iria complementar o que já aprendera. Quando passei os olhos pela obra de Darwin, o mundo ficou menor ainda do que depois de ler sobre Freud. O mesmo aconteceu quando li Jay Gould. E o mundo se encurtou ainda mais ao ler Stephen Hawking sobre a sua mecânica do universo.  Quando consegui entender melhor – mas jamais definitivamente - o mundo que me cercava, vi que tudo estava entrelaçado e a teoria do Caos estava no contexto do tudo. Quando vi que as mulheres estavam indo para as guerras como parte de corpos de exército, o ventre materno tinha perdido definitivamente a consideração que tinha antes e já nem tinha a mesma importância: Podiam ser abatidos em combate como qualquer pênis. O aparecimento da pílula não foi o grande passo ou o pretexto para a independência feminina, mas uma boa alavanca, seguindo um trabalho feito anteriormente pelas sufragettes na França e na Inglaterra, quando saíram às ruas exigindo o direito de votar. Hoje as mulheres israelenses saem às ruas pelo direito de orar a D’Us no muro das lamentações, coisa que por oito mil anos foi apenas privilégio dos homens. Não há nenhuma religião que não seja machista, e já podemos adivinhar que, não por falta de fé, mas por lógica divina, as religiões deverão ser abertas ao público feminino. Não se pode imaginar uma guerra real entre sexos, que possa fazer parecer uma brincadeira a “guerra fria dos sexos” a que estamos já habituados desde que Mary Quant subiu a bainha das saias de quase um metro.
Charles DarwinMas a humanidade não muda por “moda” ou modismos, seguindo as mulheres do Afeganistão o comportamento das americanas nem as malinesas as de Israel ou da França. A humanidade não muda porque aparece um “líder” com novas idéias filosóficas e todo mundo corre atrás. O futebol é o esporte preferido dos homens, mas não em todo o mundo. É que este evolui mesmo, para valer, e a lógica do “caiu a ficha” acaba por bater à porta de todos nós. O que faz sentido e aparenta ter lógica, seguimos e fica conosco para quase sempre, acarinhado, cultivado como filho, até que a evolução nos permita dar mais um passo. Mas há algo muito importante e que não é visível: O Subconsciente coletivo. O Subconsciente coletivo é um conjunto de premissas fundamentais que não percebemos de forma consciente, mas que reside no mais profundo de nossa mente. É por isso que uma guerra nuclear total jamais acontecerá. Por mais que se ameace, se finja que haverá guerra total, há no subconsciente coletivo o “espírito de sobrevivência”. A humanidade não se quer extinta a si mesma. Em todas as guerras que já houve no mundo, o fim da guerra apareceu no ultimo segundo em que uma nação iria desaparecer – Nação como perfil psicossomático, a identidade de um grupamento social, uma nação sob uma bandeira de pano ou uma bandeira genética. Por mais terríveis que possam ter parecido, e foram, as guerras até nossos dias, nada nem ninguém se extinguiu. Da mesma forma, por mais que devastemos as florestas, a vida na Terra não acabará por causa disso, nem que a humanidade seja varrida do mapa. Há um equilíbrio na natureza, leis na natureza que a preservam, não importa quem ou o que sobreviva, desde que algo sobreviva. A vida neste planeta já foi praticamente extinta por três vezes, com 98 por cento da vida extinta realmente. Os dois por cento que sobraram deram origem a toda a diversidade que conhecemos hoje.
A humanidade sabe que a superpopulação na Terra traz problemas como os que foram verificados em testes com ratos por Pavlov. Manipuladas as áreas de vida, a alimentação e a superpopulação, criando situações de extremo estresse, os ratos se comeram uns aos outros em lutas ferozes nem sempre por alimento. A humanidade não quer de forma subconsciente que se chegue a uma situação dessas vendo familiares tombarem e serem comidos em nome da sobrevivência. Precisamos provar que somos humanos e não apenas animais. Tudo no universo está interligado e tem uma explicação.
Stephen HawkingOnde estão os homossexuais que controlam de forma subconsciente a natalidade em qualquer lugar do mundo, nos países de religião muçulmana? Estão lá. Escondidos, calados, dissimulados para não sofrerem punição.  No entanto, os respectivos governos dizem que isso é proibido pela religião. Pelo contrário, no mundo livre ocidental grande parte da população está preocupada com o numero crescente de homossexuais e transexuais, dividindo o mundo em homossexuais e homofóbicos sem considerar quem aceita a homossexualidade como eu, mas não é homofóbico. O mundo não tem que se preocupar com isso. Ninguém tira o lugar de ninguém e o equilíbrio necessário à humanidade será encontrado e estabelecido sem perigo de extinção da espécie. Mulher é um ser muito gostoso se usada com carinho, atenção, amor, e sempre haverá algumas disponíveis que gostam de homens ou preferem homens.

Parece haver algo ainda mais profundo que advém dos princípios de Darwin, de Freud, da Mecânica Quântica, da Astrologia e da Teoria do Caos quando analisadas em conjunto: O universo é assim, porque desde o principio foi regido por leis que o tornaram assim, permitindo o surgimento deste planeta com a vida que nele vemos, tal como. No fundo, ao olharmos para uma floresta, seu aspecto nos parece caótico, tudo desalinhado. A natureza do mundo vivo é assim, mas há lugares de vida onde não nos parece tão desorganizada, tão desalinhada. È o mundo dos seres humanos com suas fileiras organizadas de exércitos, criando leis para a vida, a exemplo das leis do universo. Porém, no mundo inerte das rochas, vemos cristais com seus átomos tão alinhados e organizados, que chegam a ser transparentes, brilhantes, diamantes. E nós apreciamos tudo isso. A desordem, a ordem, a anarquia e as leis. Em algum lugar, em qualquer instante um pouco disto e daquilo são sempre necessários, ora como num vulcão que nunca se sabe – ainda - quando vai entrar em erupção, ora como as águas calmas de um lago. Ou ainda como a seriedade britânica de seu parlamento ou a bandoleiragem do senado em Brasília, na Grécia, em Portugal, na Espanha e em muitos outros países do mundo, onde até tramitam condenados da justiça, mas isto de condenados da justiça só em Brasília. Porém o mundo evolui e haverá mudanças.   
Parada gay 
Tenho orgulho de não ser homossexual, nem senador neste país, mas tenho orgulho de quem é homossexual. Sou democrata, parece-me que entendo o mundo em que vivo e creio na humanidade porque não há alternativa para ela. As leis da natureza a impedem do suicídio. A Terra não tem o nome de Gaia à toa. Os livros - sagrados ou não - devem ser revistos para não criar divergências ignorantes entre fiéis que não têm condições de entender o mundo que os cerca.

Um brinde à vida, um brinde a todos os seres hetero, homo, ou o que quer que sejam, até abstêmios sexuais. Mas como em tudo, é necessário perceber o entorno e o contorno da “moda”. Mudar de apetite sexual na senilidade pode significar que se trata apenas de uma desilusão, uma falta de opção com o sexo oposto, um modismo para ficar na onda, um desejo de experimentar e depois se defrontar com a realidade de não encontrar saída a menos que se mude de bairro, cidade ou nação.

© by Rui Rodrigues   

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Novela - Cidade Esburacada - cap III -

Cidade esburacada.
Obs.. Capítulos anteriores nesta mesma página, do início para o fim.

Capítulo III – Cidade esburacada e roscas noturnas.

... Cidade esburacada é pouco. O país é um buraco só. As estradas estão todas esburacadas e o trânsito é lento. De repente o solo abate-se e abrem-se imensos buracos que engolem prédios, automóveis, pessoas. Inundações e deslizamentos em todos os estados, abrindo buracos nas encostas. Garotinhos recém desmamados portam armas e saem dando tiros por todo o lado, enchendo casas, carros e pessoas de buracos. Os capacetes de motoqueiros estão esburacados, os carros esburacados, e carro forte ou caixas de banco  horas são uma piada que se conta com um par de bananas de dinamite que abrem enorme rombo de onde sacam a grana. Até postos de polícia estão esburacados por balas de todos os calibres, mas como o país é grande, nem se fala em calibre 22. É de 45 pra cima. Os produtos mais vendidos na economia mundial são armas e drogas. As drogas esburacam qualquer economia doméstica. Nenhuma das duas mercadorias paga impostos, o que abre enorme rombo nos orçamentos anuais. Pior ainda, o lucro das duas sai do país para os cofres dos respectivos exportadores, lá fora... A economia inflacionária também está esburacada. A vida de Robson parecia estar num buraco onde se abria novo buraco onde o enterrariam. Sempre que pensava nesta situação caótica, lembrava-se sempre de uma frase dos anos 70: A vida era assim, “PT-saudações”.

Alguém desligou o rádio na padaria onde de madrugada Robson tomava seu café com leite e duas rosquinhas do tipo donuts. Robson era tarado por rosquinhas. Primeiro dava uma mordida, depois molhava a rosca no café com leite. Comia duas todas as manhãs. Limpou a boca num guardanapo de papel, pagou no caixa e saiu da padaria a caminho da casa do doutor Fausto ainda amassando o guardanapo de papel que acabou guardando no bolso para não sujar a rua. Tinha umas coisinhas para lhe dizer a respeito da esposa no hospital. Fausto concordara em recebê-lo.

Pegou o ônibus quase cheio que ia para a zona sul da cidade. Na Haddock Lobo subiram três garotos de uns quinze anos de idade, mal encarados, com olhar preocupado. Robson conhecia este perfil, os três trocando olhares como se perguntando mutuamente se a hora era agora, naquele instante. Robson previu um assalto e acariciou sua arma enfiada no cós das calças, na cintura, em suas costas. Um dos garotos acertou o motorista com um soco logo que parou na próxima parada, e os dois outros começaram a gritar histéricos que era um assalto. Mostravam suas armas, dois revólveres 38. Robson sacou a arma e atirou sem nem dizer o nome da mãe do garoto. O ônibus parou instantaneamente. Para Robson, menor de idade não pode usar arma. Quando usa uma já não é menor de idade, e é sinal mais que evidente de que tem idade para usar uma. O garoto desapareceu tombado no piso do ônibus entre gritos de passageiros que Robson nem escutou. Um dos outros garotos apontou a arma na direção de Robson, mas ficou sem saber o que aconteceu em seguida. Ficou eternamente sem saber. O terceiro, desarmado, deixou um cheiro pestilento no ônibus, e pulou pela janela. Já na rua, ainda fez um sinal para Robson, com os dedos, como quem dispara um tiro, uma informação de que não descansaria enquanto não pegasse o detetive à queima roupa e o fuzilasse. Criança do crime e bandido só choram quando perdem. Quando ganham são valentes. Robson não os suporta e acha que a lei tinha que ser mais violenta do que os violentos que a afrontam. Aproveitando a confusão que se instaurara no ônibus, Robson saiu e afastou-se. Pegou um táxi que ia passando e sumiu na cidade. Ninguém do ônibus o denunciou quando a polícia começou a perguntar quem tinha salvo o pessoal do ônibus e o motorista. Nenhuma das descrições de sua imagem batia uma com a outra. Antes de sair do ônibus, colocara disfarçadamente um bigode postiço com cavanhaque, uns óculos escuros, tirara o paletó e colocara um boné. Ninguém o reconheceu quando saiu. Fora tudo tão rápido que os passageiros tinham ficado em estado de choque.  

O doutor Fausto em pessoa veio recebê-lo à porta. Não o deixou entrar. Fechou a porta do apartamento, fez-lhe um sinal de silêncio com os dedo indicador na vertical do nariz, o dedão meio curvado, e entrou pela porta da cozinha. Teria sua reunião com Robson em particular na cozinha. A conversa foi breve.
- Detetive Robson, quero mostrar-lhe umas fotos que terá de memorizar. Veja... Reconhece em alguma delas o homem alto, de cabelos grisalhos que perseguiu e desapareceu enquanto seus comparsas, presumivelmente, tentavam liquidar o senhor?

Robson olhou atentamente para as fotos. Reconheceu o sujeito, mas não demonstrou que sabia quem era. Aguardaria a oportunidade certa. Sua vida corria perigo e não queria acelerar os acontecimentos. Havia varias fotos. Naquela em que reconhecia o sujeito, ele estava num bar da zona sul que Robson conhecia muito bem, acompanhado de um animado grupo. Na foto apareciam também alguns personagens famosos do quotidiano carioca e nacional, como artistas, esportistas, empresários, jornalistas. Havia alguém que não deveria estar ali, naquela foto. Era Nicéia, a sua “chuchu”, aliás, Paula... Em face de sua negativa, Fausto disse-lhe:
- Muito bem... Já eliminamos um sujeito. E nesta outra foto? E mostrou-lhe mais uma. Robson também não reconheceu o tal homem. Então Fausto deu-lhe instruções para ir ao hospital e na polícia tentar saber de detalhes da noite da tentativa de assassinato de sua mulher. Fausto ainda enfatizou que se pudesse falar com a mulher dele, de qualquer modo, que o fizesse. Fausto precisava de um nome.

- Pretende viajar nos próximos dias, doutor Fausto? – Perguntou Robson.
- Não. Porquê?
- Preciso de um adiantamento para reparar o meu carro. O seguro não paga o conserto e preciso dele.
- Faremos melhor... Vou apanhar as chaves de um carro meu que está sempre disponível. Espere aqui. Se alguém o esburacar, não se preocupe com ele. Preocupe-se com você mesmo... E saiu da cozinha.  

Quando voltou Robson já tinha feito as suas investigações no aposento. Havia uma agenda com anotações. Ia haver uma festa à noite no apartamento de Fausto. Pelo menos parecia pelo tamanho dos pedidos de bebidas e salgadinhos. Com sua câmara digital fotografou várias páginas. Quando recebeu as chaves, foi até a garagem, apanhou o carro e saiu. Aquele não tinha os dispositivos de segurança que instalara em seu carro agora todo furado. Junto com as chaves viera um envelope com trinta mil reais. Dava e sobrava para o conserto.
Sua Chuchu, pelos vistos, relacionava-se muito bem. Onde estaria deslocada? Na peixaria ou no lugar das fotos? Paula, Nicéia, chuchu... Que outros nomes ela teria? Era uma mulher incrível. Tanto poderia passar por uma militante do MST como por uma madame deslumbrada da zona sul. Pegou seu celular, teclou alguns dígitos e ligou para ela.


- Estou a fim de comer uma rosquinha agora...
Paula nem o deixou continuar – A que horas?
- Agora, disse Robson...
- Topo... No seu atelier?
- Não... Paula... Isto é... Sim... Não... Refiro-me a roscas da padaria. Não estou com muita fome... Daqui a meia hora.
Paula riu do outro lado da linha...
- Cê que sabe... As duas estão disponíveis... Só pra você. Se quiser come uma rosca só, se preferir come duas... Depois me diz de qual gosta mais, ta?


E dirigiu para a padaria. Estava na dúvida se comia três rosquinhas. Sorriu ao perceber como rosquinhas combinavam com uma cidade esburacada. 



Capítulo II – A noite é uma criança desmamada e chora.


A geringonça funcionara. Embora Robson N.F. fosse detetive particular, seu carro estava registrado em nome da firma, mas não da firma de detetive particular. Como era autônomo de qualquer coisa, comprara o carro em nome de sua empresa particular de vendedor ambulante da qual era diretor e único sócio presidente. Desconfiava que o seguro não lhe pagaria o conserto do carro, todo furado de bala, O melhor era mandar tapar os buracos com essas colas de argamassa, cor cinza, dar uma raspada, pintar da mesma cor e passar o carro adiante. Ia matutando nisso a caminho de seu quarto no Beco do Arco do Teles. As empresas não davam lucro na declaração de imposto de renda, porque os lucros eram todos gastos em pequenas coisas do dia a dia e no seu conforto. Descera do ônibus que o deixara na Praça XV e caminhava absorto pensando num possível freguês para vender o carro quando viu uma mulher de vermelho encostada ao famoso Arco. Era Nicéia, que detestava o nome de registro civil, porque nunca foi batizada. Dizia que se chamava Paula, e não deveria estar ali àquela hora. Robson a conhecia de suas noites de tapa buraco. Quando ele ou ela precisavam tapar um certo e conhecido buraco, se encontravam, marcavam para “logo mais” e  ele a esperava em seu “atelier” dormitório. Bastava um piscar de olhos e o outro já sabia para que era. Trabalhava numa peixaria na esquina da outra rua ali perto, quase chegando à 1º de Março. Acercou-se bem devagar, cozido com as árvores da praça. Ela o viu e veio em sua direção. Disse-lhe:
- Biscoito... Fiquei aqui até agora. Nem fui pra casa. Meu marido pensa que estou em dia de mercado noturno de peixe, e nem me espera mais, mas temos um probleminha. Entraram em tua casa, reviraram tudo e nem saíram. Estou até fedendo a peixe e precisando de um banho. Eles nem repararam porque passei por eles rodando a bolsinha e pensaram que eu era uma piranha. Até levantei um pouco a saia, para ver se eles se interessavam, mas estavam muito preocupados e determinados. Vamos dormir aonde?
- Lá em casa. Me espera aqui que já volto. Amanhã nem vou trabalhar. Meu dia foi difícil. Guenta que já volto, Chuchu. Cê viu algum cara forte, cabelos grisalhos, alto pra caralho?
- Não biscoito... Vi um magrelo que deve ser o da faca ou do trêsoitão, um negão tipo carregador de piano, e o motorista que está lá mesmo em frente à peixaria num daqueles que eu queria pra mim, lembra?...

Robson sabia. Foi até a peixaria. Colocou o silenciador no cano da 9 mm e rezou para o carro não ser blindado. Não era. Viu o vidro se despedaçar em pequenos, brilhantes e sanguinolentos diamantes vermelhos. Um olho ficou pendurado no limpador de pára-brisas que ficou zanzando de um lado para o outro com o olho pendurado olhando para todos os lados. Passou pelo carro, olhou o cadáver sem cabeça, retirou-lhe a carteira do bolso do paletó que nem olhou e a enfiou em seu bolso. Foi direto para o seu ateliê.  Chegou em silêncio. 
Quando estava bem perto, tirou o paletó, botou a camisa para o lado de fora das calças, apanhou uma lata vazia de cerveja e começou a cantarolar o funk do “ai se eu te pego”, com voz enrolada de bêbado. Com sua visão angular, percebeu quando a janela se abriu e uma cabeça assomou para ver quem estava bêbado por ali. Certamente pensaria que poderia ser ele, o Robson. Fosse quem fosse, demorou uns escassos segundos para ver se aquela figura era mesmo o tal de Robson. Era o carregador de piano. 
Não teve tempo para mais nada. Sumiu da janela empurrado por duas balas de aço inoxidável, daquelas de arrebentar osso de rinoceronte, implante de concreto armado. Um olho ficou grudado na janela entreaberta. Coisa horrível. Pensou que teria que mandar lavar os vidros até o amanhecer, mas a Chuchu faria isso. Então, meteu a chave na porta e deixou-a aberta. Postou-se na escuridão do outro lado da rua. Fosse quem fosse, ligaria para o celular do motorista. Sem resposta, ficaria impaciente e desceria as escadas para ir para a rua. Não demorou cinco minutos e o seu vulto apareceu armado na portaria perscrutando ao redor para ver se via alguém. Não viu ninguém, nem sequer teve tempo para ver os dois clarões que partiram da nove mm de Robson. Seu corpo caiu para trás como se empurrado por um piano. Meia hora depois, ele e a Chuchu com seu vestido vermelho, tentador, haviam limpado o vidro da janela, que por sorte ficara intacto, descido o cadáver para a rua, que juntou ao do magrelo. Quando subiram para o atelier, já havia um bando de moscas procurando farra.
- Biscoito... Tu é fodão... Falou que ia dormir aqui e vamo dormir aqui... Gostei.
- Chuchu... Sei que cê gosta de sushi quente... Tenho um aqui pra tu... To carente e meio sem forças. Cansadão...


E Chuchu provou o sushi quente até derreter em sua boca quente, úmida, gostosa.  Mas nem naquele dia Robson dispensara o bacalhau à Chuchu, uma delícia da terra. Chuchu gemia de prazer parecendo que chorava baixinho. A noite era uma criança recém desmamada que chorava. Seu nome era Chuchu. Só para ele e o marido dela. Bem a propósito, como se ouvisse seus pensamentos, Niceia disse-lhe antes de adormecer:

- Já disse alguma vez que te amo?
-Não, respondeu Robson.
- Nem vou dizer. Contigo só quero o bem-bom, fuzarca. Pode me usar como quiser, quando quiser.Pra meu marido, que respeito muito, só dou beijinho, bem na frente dos amigos dele. Eles ficam babando, mas com eles não tenho caso. Só com tu.. Pede que eu dou. Diz, que eu faço.

Então Robson adormeceu com a sua mão nos peitos ainda latejantes de Chuchu. No dia seguinte veria as identidades dos presuntos. Com a eficiência da polícia da cidade, só lá pelas seis da manhã a polícia apareceria para fazer perguntas. Tinha tempo para tirar um cochilo naquela cidade toda esburacada.   



© by Rui Rodrigues


Capítulo I – A geringonça

Eram duas horas da tarde. O shopping estava cheio. Robson deu uma ultima olhada numa vitrine, tirou as chaves do carro do bolso, e saiu para o estacionamento. Olhos atentos veriam que do outro lado do enorme corredor de lojas, uma moça saía de uma loja de roupas e se dirigia com as chaves do carro também na mao para o estacionamento.

Robson Filho Neto trabalha como detetive particular no Rio de Janeiro. Mora num pequeno quarto no Beco do Teles, na parte mais antiga da cidade, ali pela Praça XV, uma parte da cidade que costuma morrer às nove da noite, porque não é uma zona residencial. Por lá só passam transeuntes que saem de todos os pontos da cidade exceto às sextas-feiras quando o pessoal fica até mais tarde tomando umas e outras, paquerando algumas e azarando quaisquer que lhes passem pelo ângulo de visão. O tipo de pessoal cujos órgãos que mais trabalham nessas horas são os lábios e as mãos para tomar chopes, e os olhos para zoar, azarar, paquerar. Só se vêem olhares pidões, de carência sexual, e garçons trazendo mais chope e alguns salgadinhos. Nesse dia, Robson não viu nenhum freguês, nenhum bar ou restaurante aberto. Chegou muito tarde.

Às duas e quinze da tarde, no Shopping da Zona Norte da cidade, Robson chegou ao estacionamento, abriu a porta do carro e sentou-se ao volante. Viu a moça do Shopping sair com seu automóvel. Então ligou a ignição e seguiu-a. Foi forçado a admitir que seu cliente tinha bom gosto. A mulher era de uma beleza cativante, desejável até pelo mais frio dos mortais. Um pecado ambulante que se movia fazendo realçar todas as curvas do corpo. A moça dirigiu por uma meia hora e chegou a um Motel a caminho da Barra da Tijuca. Robson parou seu carro a uma distância considerável, tirou rapidamente sua máquina fotográfica do porta-luvas onde guardava também sua pistola 9 mm, e fotografou-a quando entrava no Motel. Depois, pacientemente, preparou-se para esperar pelo menos uma hora. Uma curiosidade o despertou: Quem seria o felizardo que deitava e rolava com aquele corpo macio, sedutor, que deveria deixar qualquer um com um desejo de posso irreprimível? Robson sabia que aquilo a que normalmente se chamava de ciúme não era exatamente ciúme. Era medo de perder o pitéu. Ninguém tem ciúmes de mulher feia ou mal ajambrada. Então esperou com os olhos bem abertos, a câmara ligada para não perder a imagem da saída se por acaso se distraísse.

Eram quase seis da tarde quando viu chegar dois carros da polícia e uma ambulância. Deu-se conta que a moça ficara muito tempo no Motel. Se ela saísse nesse exato momento, para chegar em casa no outro extremo da cidade, na zona sul, provavelmente demoraria mais de uma hora e o marido já estaria em casa. Ela não era assim tão descuidada. Começou a temer o pior. Saiu do carro e caminhou na direção do Motel, a tempo de ver que uma maca saía empurrada por dois enfermeiros. Passou perto e viu. Era ela na maca. Estava ensangüentada. Alguém fizera um trabalho para acabar com a vida dela de forma nada profissional. Aquilo parecia passional. Afastou-se uns passos e ligou seu celular. Discou um numero e do outro lado atenderam.
- Dr. Fausto... Aconteceu algo a sua mulher. Está sendo levada de maca numa ambulância. Estou na entrada de um Motel na zona norte da cidade...
Do outro lado, uma voz rouca deu instruções.
- Por favor, veja para que hospital vai e me avise que chegarei em seguida. Com quem estava?
- Não sei. Fiquei do lado de fora esperando que saísse...
- Então se concentre em saber quem estava com ela. Só me diga qual o hospital para onde vão levá-la. E desligou.

Robson dirigiu-se ao motorista da ambulância.
- Sou repórter – Disse. Qual o hospital?
- Carlos Chagas. Não há lugar nos outros. Tudo lotado.
Enquanto caminhava para a portaria do Motel, Robson voltou a ligar e informou o nome do Hospital. Guardou seu celular no bolso das calças e falou com o porteiro.
- Polícia. E mostrou o distintivo. Qual o quarto da moça que acabou de sair?
- Quarto 112, á direita. Dali, da portaria, Robson podia ver o trabalho lento dos policiais entrando no quarto 112, anotando, fotografando. Um policial vinha caminhando na direção da portaria.
- Com quem estava?
- Com um sujeito alto, cerca de um metro e oitenta, grisalho, forte, branco. Assinou como Antônio Sousa, mas não deve ser o nome real dele.
- Viu-o sair?
- Não senhor não vi.
Robson afastou-se rapidamente da portaria antes que o guarda chegasse, dirigiu-se a seu carro e deu partida. Foi direto para o hospital. Logo ao chegar viu o Doutor Fausto. Deu-lhe a descrição do sujeito e perguntou se ele conhecia alguém com aquela aparência. Ele disse que não.

Então Robson voltou ao Motel. O tal Antonio Sousa tinha que estar ainda no Motel, em algum lugar, provavelmente em outro quarto. Provavelmente tinha um comparsa que tanto já poderia ter saído, como ainda estar por lá também. Preveniu-se colocando sua 9 mm no coldre sob o sovaco. Esperou a troca de turno do pessoal do Motel e esperou mais um pouco. A polícia já havia saído há muito tempo. Primeiro viu sair um carro com um casal. Logo a seguir, um carro com apenas um sujeito ao volante. Era forte, alto, grisalho, visto à luz do néon de propaganda colocado bem acima da saída, na rua oposta à de entrada. Segui-o. Foi obrigado a parar num sinal a caminho da zona sul da cidade quando se viu abordado por dois indivíduos, um de cada lado do auto, um terceiro pela parte detrás. Eram mal encarados. Estavam armados. Um deles, o que estava a seu lado, ainda lhe mostrava a arma no coldre da cintura, quando lhe fez sinal para baixar o vidro. Robson sabia que deveria preocupar-se mais com o sujeito que estava na traseira do auto. Esse era o perigoso que poderia disparar à queima roupa, as balas atravessando o vidro traseiro, os dois bancos e acertando-lhe a coluna. Robson então levou a mão esquerda para a manivela de abrir o vidro e seu dedo direito tocou levemente num botão na parte detrás do volante. Imediatamente se ouviram dois estampidos violentos e os dois sujeitos voaram cada um para o seu lado afastando-se do carro. Mal viu o sangue jorrar dos estômagos dos dois, e já pisava no acelerador aproveitando uma fração de segundo de pasmo do sujeito que estava na parte detrás do auto. Quando começou a atirar, já Robson dirigia em ziguezague a toda a velocidade.  Seu mecanismo de defesa embutido nas portas funcionara. Na verdade uma geringonça instalada por um amigo seu: Uma arma cuja bala era um cone pontudo de aço, disparada automaticamente de um furo disfarçado na parte externa de cada porta. O sujeito de cabelo grisalho havia desaparecido na noite. Seu carro quase novo estava tão esburacado como as ruas descuidadas da cidade.

Continua...

₢ by Rui Rodrigues