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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Crônicas dos sete mares – O Grumete do Eisenach.


De uma caixa a um baú, quem guardar lembranças suas e de seus ancestrais pode transportar o tempo passado para o presente e para o futuro. Elas são a base de nossa educação. Foi por isso que encontrei, vasculhando no sótão num dos baús que guardo por lá, outro caderno [1]de um ancestral meu, e resolvi contar uma passagem escrita por ele aos quinze anos de idade, quando já não se é criança, mas ainda não se é “homem feito”. Aos dezesseis, porém, já o era. Foi o modo de ser educado que o fez homem dando-lhe responsabilidade. Seu modo de entender a lei, porém, gerou-lhe revolta. Seria mais um a dar sua contribuição para mudar o mundo, este mundo em que vivemos e que se corrige a cada instante através de nossas atitudes.
Creio ser uma estória que muitos gostariam de ter vivido [2]. Este mundo é feito de estórias e histórias. E a propósito de histórias, de que esta se reveste de fatos bem reais como a seguir será fácil de entender, tive que trocar os nomes de algumas pessoas e do navio, para não arranhar uma parte da integridade familiar. E o erro nem foi assim tão grave, mas lei é sempre lei e deve ser cumprida igualmente por todos. Limito-me a “transcrever” o que estava anotado no caderno, mas quem anotou foi o senhor Acácio que foi meu tio avô. Isto foi lá pelos anos de 1909 a 1917, por aí...


O senhor Acácio era bem visto pela classe da estiva do Porto do Rio de Janeiro em 1917 [3]. Ele era um dos chefes dos estivadores. Ainda que houvesse guindastes no Porto muita carga era carregada nas costas de gente forte. Durante muitos anos ficou pela cidade a fama do “prato de estivador”, aqueles pratos abarrotados de comida, transbordantes. Era preciso comer bem para agüentar o trabalho. Eles sempre reclamavam, mas no fundo ganhavam bem. Muitos tinham carro. Num daqueles dias em que se sai de casa para relaxar, num sábado, o senhor Acácio foi até uma rua perto da Avenida Rio Branco, mas a chuva o apanhou ao chegar ao bar onde se encontraria com alguns amigos. Eram brasileiros e portugueses, negros, brancos, italianos e até um sujeito de Macau, lá da China, meio amarelo [4] que também falava português. Comemoravam o aniversario de um deles. O destino mais certo dos milhares de emigrantes que chegavam todos os anos ao Brasil eram os portos.

A chuva caía forte. Corria o mês de Maio de 1917, havia enchentes pela cidade, mas nada que preocupasse muito. A Avenida Rio Branco era nova, prédios novos, carros novos. A população vestia-se de ternos e de vestidos de bom gosto, quase sempre claros no verão, escuros no inverno. A impressão que se tinha era que não havia pobres. O país todo, imenso, não passava dos 24 milhões de habitantes. Faltava “mão de obra” [5]. Trabalhava-se de gravata até nos açougues e mercearias. Na estiva não, mas usavam calças, camisas de manga comprida e bonés ou chapéus. Não raro saiam do cais arrumados para enfrentar uma gafieira. Os motores a gasolina, até os de navios, estavam substituindo os movidos a vapor. Em 1914, em agosto, os EUA haviam inaugurado o Canal do Panamá. Já em 1912 o Rio de Janeiro possuía 30.000 telefones enquanto São Paulo só possuía 22.000. Isto tudo o senhor Acácio explicava para os seus quatro amigos e esposas. O senhor Acácio tinha o bom hábito de se relacionar com seus subordinados, dizendo-lhes sempre e provando-lhes, que lá no trabalho é uma coisa, porque o trabalho tem que ser feito a tempo e horas, mas que depois do trabalho, haja o que houver, são todos amigos e que não se fala de trabalho. O único lugar certo para falar de trabalho é lá mesmo, no cais da Praça Mauá.

Qiang Wei como seu nome indicava era forte e tinha boa estrutura física. Chegara ao Brasil fugido da revolta dos boxers [6] em 1900. A revolta começara em Agosto de 1898 e Qiang já em dezembro desse mesmo ano saíra de Macau para o Brasil temendo que a revolta se alastrasse. Sua família não era abastada. Seu pai era o motorista de uma família de origem portuguesa, essa sim era rica. Como todos na família gostavam do pequeno Qiang, pagaram-lhe a passagem para o Brasil e ainda lhe deram uns trocados que foram suficientes para sobreviver no Brasil nos primeiros meses enquanto procurava trabalho. O pequeno Qiang crescera junto com os filhos da família abastada. Era como filho. Sebastião Afonso era negro de Minas Gerais. Descendente de escravos. Fizera uma grande amizade com Qiang Wei e, certamente, com o senhor Acácio. Primeiro vieram os méritos no trabalho, depois a amizade. Severino Dantas era pernambucano. Tinha chegado á estiva há pouco tempo, mas se entrosara bem ao grupo. Esperavam ainda a chegada de mais amigos, mas a chuva que apertava cada vez mais provavelmente dificultaria, se é que não impediria, a sua chegada. O senhor Acácio, e só ele sabia então, seria promovido em breve para um cargo mais importante. Por isso, quando Severino mais uma vez lhe perguntou sobre sua vida, como chegara até ao Brasil, resolveu-se a contar de forma superficial.
A vida dele, que até esse dia tinha sido uma incógnita, deixaria de sê-lo.


As esposas destes homens estavam numa mesa separada, bem ao lado da deles. Tinham conversas distintas das dos homens, assuntos diferentes, mas quando ouviram o senhor Acácio dizer que contaria sua estória, pediram ao garçom que lhes chegasse a mesa ainda mais. Acomodaram-se e esticaram os pescoços na direção do senhor Acácio. Acharam que mesmo assim ainda estavam longe. Então pegaram suas cadeiras e cada uma se sentou ao lado de seu marido. Elas também gostavam dele. 


- Que idade tinha quando veio para cá, senhor Acácio? – perguntou Laura a esposa de Qiang. O senhor Acácio respondeu pousando o copo de cerveja, os bigodes ainda com um leve traço de espuma branca.
- Tinha 15 anos quando saí de Lisboa, mas 17 quando desembarquei aqui. Em 1908, em fevereiro, Portugal começou a ficar confuso. Assassinaram o rei D. Carlos I e o filho mais velho, o príncipe D. Luis. A situação política ficou complicada mesmo com a subida ao trono do Rei D. Manuel II o filho mais novo de D. Carlos I que se cercou de gente incompetente em seu governo. Eu tinha 14 anos. Somou-se a isso a crise dos Boxers. Portugal também mandou tropas para a China. Em 1909 houve um grande terremoto que arrasou algumas cidades. A mais afetada foi Benavente. A economia ia muito mal, faltava dinheiro. Um dia esgueirei-me no navio “Eisenach” da companhia alemã Norddenstcher Lloyd que fazia a linha Bordeaux –Lisboa – Rio de Janeiro – Santos -Montevidéu -B. Aires. O navio tinha sido recentemente lançado á água e a tripulação não era experiente. Escondi-me numa chalupa [7] que faria o abastecimento do Eisenach pela escada do Portaló a estibordo, que não era tão controlada como a de acesso de passageiros na beira do cais a bombordo. Passei por entregador e não saí do navio.


- E seus pais? Não os avisou de sua partida? –Perguntou com voz triste a senhora Dantas com seu sotaque simpático do Nordeste.
- Oh sim... Eles me incentivaram. Eram republicanos. No ano seguinte á minha fuga, em 1910, o povo fez uma revolução e instituiu a república, e exilaram o Rei que não servia para nada. A revolução durou apenas três dias. Quem assistiu a tudo foi o presidente brasileiro Hermes da Fonseca que estava em viagem de visita a bordo do encouraçado São Paulo.
- E como se manteve escondido a bordo esse tempo todo? Não o devolveram a terra? – Perguntou a senhora do Sebastião Afonso.
- Eu me apresentei ao comandante no segundo dia, morto de fome. Tinha estado escondido num escaler [8] . Contei-lhe a minha história. Ele então me contratou como grumete até a viagem de volta, mas viajei com ele até me tornar seu imediato. Em 1914, em Agosto, fomos dos primeiros a passar pelo Canal do Panamá, numa viagem que fizemos em extensão de rota ao Chile.


- Acácio... O que carregavam nos porões do navio? Perguntou o Sebastião Afonso.
- Carregávamos armas para o Chile. Essas armas em caixotes ficariam esperando por outros navios alemães que as carregariam no porto de Valparaíso. Não sei para onde as levariam. Por isso invertemos a rota que deveria passar primeiro por portos brasileiros – mas fomos desaconselhados a passar com as armas por lá - depois ir ao Uruguai e depois á Argentina. Foi uma confusão... Indo pelo canal, paramos primeiro na Argentina, depois no Uruguai e chegamos muito atrasados ao porto de Santos. Os passageiros reclamaram, mas demos desculpas, informando que nos desviávamos de submarinos alemães. Quando chegamos a Recife, apreenderam o navio.  Tínhamos carregado salitre puro, com destino á Alemanha, para fazer pólvora, mas as autoridades brasileiras o confiscaram para adubo. O Eisenach foi incorporado ao Lloyd.


- E é muito lindo o Chile, senhor Acácio? Perguntou a senhora Afonso.
- Mar, gaivotas, salitre, cobre, mariscos, vinhos, frutas, peixes, casario predominante de madeira, não vi negros por lá, mas vi muitos descendentes de índios e brancos. São mais ou menos como os argentinos e uruguaios. Por lá não há negros, e no fundo pensam que são uns pedaços da Europa implantados na América do Sul. 
- Mas porque não têm negros por lá? Perguntou a senhora Afonso, dona de uma linda beleza negra.
- Não levaram escravos para o Chile. Na verdade não precisavam. É uma impressão minha. A população é muito reduzida, nem chega a cinco milhões de habitantes, onde todos querem ser donos de seu próprio negócio. São descendentes de emigrantes europeus, e desde pescadores a comerciantes, industriários, todos são suficientes para fazerem o trabalho. Grandes empresas são estrangeiras, a maior parte da população de raiz européia está na marinha, no exército, e na administração pública.
- E como veio parar no Rio de Janeiro? –Perguntou o senhor Qiang.  
- Queriam me repatriar. Então peguei minha trouxa, lá em Recife, e me engajei na tripulação de um navio que viajava para o Rio de Janeiro. Aqui entrei em contato com pessoal ligado á embaixada e consegui me legalizar. Comecei a trabalhar no cais do Porto como carregador. Dizem por aí que existe uma árvore das patacas, que, em se abanando, cai dinheiro... Ainda não a vi, mas em se trabalhando, vive-se bem. E estava em marcha uma imensa greve geral. Note-se pelas roupas dos grevistas - do movimento operário de 1917 - como deveria ser o padrão de vida de então. 


Fizeram um brinde. A noite já estava chegando, ainda teriam o domingo para descansar, curtir as crianças nas vilas em que viviam em São Cristóvão. Havia sempre festas de aniversário. Nesses dias dançava-se na vila, depois que se retiravam as mesas onde era servida comida que o dono da festa pagava sem “rachar” com ninguém. Em qualquer sistema político o que conta na população é o desejo de “progredir”. Trabalha-se duro para isso.Por aqueles dias de 1917, a primeira guerra mundial estava terminando, mas ninguém ainda sabia. Terminaria no ano seguinte. Os sindicatos, a exemplo dos congêneres americanos, adquiriam força. Lá, nos EUA a força era da máfia. Por aqui era política. Foi então que os rumores  se confirmaram quando a notícia apareceu nos jornais. A Rússia fizera uma revolução comunista e tinham prendido a família do czar. Nascia a URSS que terminaria seus dias pouco tempo depois da queda do muro de Berlim. O comunismo ideológico terminou em poucos anos em todas as nações que se diziam comunistas. O comunismo passou a ser uma cenoura vermelha de esperança que se põe em frente aos olhos de asnos para que continuem “trostkiando” e empurrando a carroça dos políticos. Agora querem apenas “passar bem” com o trabalho do povo. Não entendem nada de economia.Naquela época nenhum dos amigos estivadores sabia para onde o mundo iria. Nós também não sabemos para onde vai...
O Eisenach servira também á marinha portuguesa sob o nome de “Santarén”, uma forma afrancesada por estar a serviço da companhia francesa “Compagnie Générale Transatlantique”. Esta embarcação, o Eisenach, é um livro de histórias e serviu também á marinha italiana.


A estória de Acácio não tem enredo nem é verdadeira em todos os aspectos contados. É apenas uma estória como se fosse uma foto de uma década em que muitas coisas aconteceram no mundo. É o que aparece aqui no “Bar do Chopp Grátis”, tal como nos contam. Mas duvido que exista povo mais misógino do que o português.Convive bem com todos os povos do planeta.  

® Rui Rodrigues



[1] Já tinha encontrado outro caderno, de outro ancestral que tinha vivido nos EUA em 1860, e tinha um saloon na Califórnia. Ele conheceu Johnny “Crisp” Lend. Se desejar ler, veja no link,  http://bardochoppgratis.blogspot.com.br/2015/09/o-caderno-do-senhor-kent.html
[2] Não havia televisão, nem celulares, nem Internet, nem radares, nem fast-food.
[3] A construção do novo Porto do Rio de Janeiro na Praça Mauá foi concluída em 1910.
[4] A escravidão era uma “mentalidade” proveniente do atraso moral da humanidade, assim como hoje se escraviza com juros anuais de 400% quem deve a Bancos. Também se prefere o funk a outras músicas, as roupas não são as mesmas, O mundo muda e com ele as “modas”. Quase o mundo inteiro já foi um dia socialista e comunista. Já não é! Macau na época era uma possessão portuguesa ao lado de Hong-Kong na China. O colonialismo também se acabou na moda das “filosofias”.
[5] Hoje somos mais de 200 milhões e não conseguimos crescer o suficiente para mantermos o mesmo padrão de vida do tempo da “árvore das patacas”.  Nosso “crescimento” perdeu-se em corrupção no bolso de “boas-vidas” doidivanas que assumiram cara teatral de “políticos sérios” e fizeram fortunas pessoais.
[6] Revolta originada na pobreza rural chinesa levada a cabo por gente experimentada em artes marciais que acreditavam ser imunes a balas. Eles lutavam sem armas de fogo. Em Beigin cercaram embaixadas e mataram ocidentais. Uma força internacional formada por quase todos os países europeus incluindo a Rússia e o Japão pôs fim á revolta depois de centenas de milhares de mortes.
[7] Embarcação de pequeno porte a remos ou á vela.
[8] Bote salva-vidas.

sábado, 19 de setembro de 2015

O velório do “Homem” [1].



O velório do Homem (individual).



A criança estava febril. Ardia em febre há dois dias. A mãe fazia o que podia para baixá-la, passando panos úmidos pelo corpo da criança. Sabia que a evaporação da água fazia baixar a temperatura. Tudo o que ela mais queria era que o marido conseguisse chegar a tempo á vila mais próxima e trazer o doutor. Provavelmente faria uma sangria na criança, ou quem sabe, trouxesse sanguessugas para evitar incisões. As sanguessugas chupam o sangue e fazem quase o mesmo efeito. Se o médico fizesse sangria, então sim, o caso seria grave. Até a vila eram dez quilômetros por uma estrada de terra nua e crua por onde passavam carruagens com passageiros, cavalos e condutores insensíveis. Não paravam nem acenando. Por segurança, as carruagens não viajavam á noite. O marido fora a pé por aquela estrada de terra nua e crua, por onde não passam carruagens á noite e que nem parariam mesmo que se lhes acenasse, sujeito a ataques de lobos [2]e assaltantes, para trazer o médico que não sabe se o atenderia. Tudo para salvar seu único filho. Quando a mãe sentiu a mão do filho esfriar ficou satisfeita. Finalmente a febre cedera. Passou-lhe a mão pela testa. Estava gelada!... Foi então que se deu conta da morte do filho. A criança estava morta. Culpou e maldisse o marido que estava atrasado, mas reconheceu que o coitado tivera que ir a pé porque o único cavalo que tinham estava com a pata quebrada. 

O marido nunca chegou a saber que a criança falecera e que sua esposa ainda jovem, ficaria viúva, voltaria a casar, e teria um filho de outro homem. Seu cadáver foi encontrado á beira da estrada espancado por bandoleiros, as carnes esfaceladas pelos lobos.
Uma senhora das redondezas, numa visita de solidariedade em que levou á viúva o ultimo presente que lhe daria, um pão que pesaria mais ou menos um quilo, comentou que a vida era assim mesmo, que deveríamos ser fortes e solidários, e que se precisasse de alguma coisa que ela estaria “ao seu dispor”... Meses mais tarde a viúva até precisou, mas a vizinha do pão não tinha mais nada para lhe poder oferecer. 

A vida realmente era assim. Nem houve velório porque as casas eram muito distantes umas das outras, o padre não ia á Igreja todos os dias, só uma vez por mês e o dia de voltar estava ainda longe, e o que o marido tinha deixado era uma pequena propriedade onde cultivavam o essencial, cheia de dívidas, além de uma fama de família honesta, trabalhadora e boa pagadora até então. Depois da morte do marido, até a fama seria enterrada, como ele, em cova rasa na parte dos fundos da propriedade. A lua daquela noite nada tinha de romântica. A essência dos momentos e a disposição é que fazem o romantismo. Mas isso foi em 1825 lá nos pampas do Rio Grande do Sul, numa pequena propriedade do quinto distrito de Piratini, entre um capão e outro dos tantos que se vêm por lá. A ultima ovelha foi a abate logo na semana seguinte. A viúva não tinha mais nada. Só a pequena propriedade cheia de dívidas. Para a carne durar mais teve que salgar boa parte.

O velório do Homem (particular).

Em 1971, 150 anos após o incidente, um órgão, apresentado como o pênis de Napoleão, apareceu no Christie's Fine Arts Auctioneers, em Londres.

Lá no meio do salão de velórios do cemitério, havia muitas flores em vasos, coroas de outras com fitas letradas encostadas no esquife, de madeira envernizada escura, com alças douradas que jazia, mais imóvel que o próprio defunto, sobre pedestais de mármore branco luzidio. Flores, defunto e vivos, tinham todos aquele aspecto amarelado de coisa morta, o cheiro das flores sobrepondo-se á dos perfumes franceses da França ou franceses do Paraguai. Apenas o cachorro estava sentado ao lado do esquife. De vez em quando dava uma volta ao redor, levantava o nariz, cheirava, gania, e voltava a sentar-se. Lá no meio da gente sentada em confortáveis cadeiras, uma senhora idosa, toda vestida de azul noturno, incluindo o chapéu e os sapatos de veludo, perguntou para um senhor a seu lado de terno cinza, camisa cor pérola, gravata preta, lenço preto no bolso pequeno do paletó, chapéu preto, sapatos pretos, cabelo preto e bengala de ébano, num luto total:
- Morreu de quê?

- De assalto. Os bandidos furaram o meu amigo com uma faca de cozinha chinesa, dessas que soltam o cabo e não cortam nada depois do primeiro uso. Foram umas seis facadas. Ele estava no ponto do ônibus e foi assaltado. Ele que sempre anda de carro... Ele tem um carro, mas estava no conserto... Que infelicidade, não é minha senhora? Que azar...
- Muito... Ele era rico?
- Não... Ou melhor, era sim minha senhora, foi! Melhor dizendo, e na verdade, foi rico, mas só deixou dívidas.  
- É... Sim... Mas que fazer... Sabe me dizer se há mais alguma sala de velórios neste cemitério?
- Há sim, minha senhora! Agora mesmo estão velando um sujeito que a mulher cortou em pedaços, pôs dentro de três malas e enterrou perto de uma placa de trânsito á beira da estrada. Porque perguntou?
- Porque esse é que é o defunto que vim velar, o da esposa que esquartejou o marido. Pensei que fosse este. Sabe... Não conheço ninguém. Eu era a amante dela.
- Acho que a senhora não ouviu bem. Não se trata “dela”. Quem morreu foi “ele”, que era empresário e tinha uma fábrica de salsichas. Dizem que as salsichas da fábrica dele têm mais pasta de papel reutilizado e aromatizantes que carne, e mesmo sobre a carne têm dúvidas sobre a procedência.  
- Ouvi muito bem, meu caro senhor. O senhor é que não entendeu. Eu era amante “dela” - a viúva dele - mas ela é que era “ele” na minha relação com ela. Entendeu agora?
E sem esperar resposta, a senhora de azul noturno levantou-se da cadeira e caminhou com um andar de roçar os dois lábios vaginais um no outro, até a sala vizinha onde se velava outro defunto, também alheio a tudo, cercado de flores e gente amarelada, mas sem cachorro amigo que soubesse prantear. Em vez do cachorro havia uma criança correndo pelo salão. Um senhor se acercou dele e perguntou:
- Você deve estar muito triste por ter perdido o papai, não é, pobre criança?
- Eu não sou pobre. Vou ser muito rico. Minha mãe está presa por ter esquartejado meu pai, que está irremediavelmente morto, olha só pra ele ali no caixão, e a fortuna deles vai ser só minha. Minha mãe tinha uma amante que era igualzinha a meu pai, porque discutiam muito. Um dia vou esquartejar ela. Olha ela lá...
E apontou para uma senhora que entrava no salão do velório, toda vestida de azul noturno desde o chapéu aos sapatos de veludo. O senhor olhou para a mulher, bela, certamente sem sombra de dúvidas, e perguntou ao garotinho:
- Você a odeia?

- Não moço...Mas quando puder ainda farei sexo com ela. Deve ser muito gostosa. Depois é que esquartejava. Quando se  é de menor não se vai preso. É apreendido. Se eu demorar muito, vou preso. E não conta nada do que eu te disse pra ninguém, senão solto os meus cachorros lá da comunidade...
Mas isto é coisa do mundo atual. Evoluimos muito mas não sabemos nem para onde nem para quê.










O velório do Homem (múltiplo)



A professora de antropologia mostrou para a turma um velho esquema da evolução do homem. Realmente os desenhos mostram um “homem” supostamente “macho” desde quando caminhava em quatro patas até seu andar bípede em cujo trajeto muita coisa mudou incluindo a perda de grande parte da pelagem. Hoje em dia, na vã esperança de uma evolução mais rápida, homens e mulheres raspam todos os pelos escondidos para parecerem mais “limpos”. Deve ser por estarem - supostamente, coisa de Freud - cercados de muita sujeira de todos os tipos físicos e morais. A turma toda ao ver as imagens já sabia que elas se referiam á espécie “homo” e não homem, incluindo homens e mulheres, cujas diferenças físicas principais são apenas na genitália, nas mamas (são mamíferos) e nos contornos do corpo. No restante são iguais. Nas diferenças no “pensar” é apenas uma questão de educação tradicional, porque a moral muda a cada era ou período geológico. Ao longo dessa evolução houve bilhões, trilhões de velórios. Outros, a maioria, foram enterrados em cova rasa sem cruz nem nome. Cruz é geometria recente. Nenhum dos mortos veio á luz reclamar de coisa alguma do seu tempo. Mortos não falam. Políticos sabem muito bem disso. Inteligência e esperteza são dois atributos animais muito diferentes. Os ignorantes pensam que esperteza é inteligência, porque não conhecem a inteligência em todo o seu esplendor. Os inteligentes, evidentemente, aceitam a esperteza, mas lidam com ela como os gatos lidam com ratos: Primeiro brincam, depois os comem. O que se muda hoje, e se mudou ontem, será mudado amanhã, porque homens e mulheres vivem de moda para “experimentar” e muito pouco da moda atual sobra para os tempos do futuro. Ao fazermos apologia da moda, estamos descuidando do principal, que é a razão e a inteligência, e enquanto nos preocupamos com a moda, vamos poluindo rios, oceanos, atmosfera, preparando, então sem flores, o velório do “homo sapiens”. Os espertos não sabem de onde surgiu o homo sapiens. Apenas sabem que existe e nem percebem que já mudou. Somos o “homem inconseqüente” ou “homo temerarium”. Não somos Sapiens... Só alguns!E se a vida fosse "perfeita" não seria necessária a evolução. 

® Rui Rodrigues






[1] “Homem” é um termo geral. Talvez tenha que ser substituído por “macho” para que se estabeleça uma diferença que delimite os diversos e infinitos graus do que se possa entender por “ser homem”. O termo “hetero” já parece ser uma corruptela de “macho” na terminologia do mundo gay.
[2] Lobo Guará. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Com corrupção e má administração nem placas adiantam.


Quando se passa por cima da constituição, das leis, se rouba, vai preso, e só se devolve menos que meio centésimo de tudo que foi roubado, placas proibitivas não adiantam nada. O primeiro pensamento que prevalece é que se eles podem, o problema não é de moral, nem de ética, é da forma como se aplica e interpreta a lei. O povo está pau da vida por causa disso.

Aqui no Bairro das Dunas do Peró – antigo Loteamento Caravelas do Peró - há duas placas: Uma dizendo que a área é da APA do Pau Brasil, e que impede uma antiga trilha de “motocociclanagem” sobre as dunas de areia, e outra que deveria impedir o acesso de automóveis á praia. De vez em quando aparecem alguns veículos que vão desde a Ponta do Pontal até a das Conchas, no outro extremo. Volta e meia aparecem “motociclistanas” que por serem sacanas contornam a placa só pra não sofrerem acidente. Para ambos, motociclistas e automobilistas passadas as placas o caminho está livre em qualquer sentido. Deve haver muita gente nas prefeituras que trabalham fora da “alocação” indicada, porque não se vê ninguém para fiscalizar. Há “trilhas” pela APA, e não são de onças, antas, cotias ou tatus... Onde moro não faz parte da APA. É um Loteamento legalizado. Pagam-se e devem-se impostos, assim como também se devem obras de infra-estrutura e não é uma: São todas as obras de infra-estrutura. Nem água potável tem, nem linhas de telefone fixo nos lotes mais perto da praia. Fiz uma consulta na Oi para instalação de linha fixa, o que facilitaria a instalação de Internet: Fui avisado que não há viabilidade no meu bairro. Como não há, se a linha seria fixa, através de fio? Assim como não posso obrigar a que coloquem fiscais para que se ponha ordem no lugar, também não posso obrigar a que a OI instale linha fixa aqui. Governos incitam a que “façamos a nossa parte” para se eximirem da culpa... Quando “fazemos a nossa parte” dão desculpas para não continuarem atendendo. Política se transformou em sinônimo de Mentira. Temos governos “desculpistas”, e se reclamamos e pedimos impeachment, dizem que somos golpistas... Ora não é ela, a suprema governanta, que tem o apoio dos governadores, ávidos por grana como filhotes de Cuco, de boca aberta e ávida, e traseiros gordos, para que se aumentem impostos como a CPMF? Precisa de dinheiro? Que use a CREFISA – crédito para negativados... Mas quando o (des) governo quer dinheiro tira de você, cidadão, e te empurra para a CREFISA, a “salvação” dos negativados...


As eleições estão chegando. O pesadelo Dilma não dura mais de três anos e meio, se tanto... E vão nos empurrar goela abaixo os candidatos que os partidos querem, daquela velha guarda surrada, viciada em tudo e em ambição de qualquer tipo, e seremos obrigados a votar...

Não entenderam – isto é, não quiseram entender - nada das reivindicações das ruas... Dilma não é ANTA... Antas somos todos nós... Ela é outra coisa que não se sabe se é ou não é, nem o que é, melhor lugar seria em circo junto com o homem anão, a mulher barbada, e o homem com pés de elefante. Quanto á natureza, por estes dias de ressacas, ela deu um jeito: Levou areia da praia, tornou-a mais baixa, as dunas foram cortadas como que por maquina de terraplanagem, formando um “paredão” que por vezes passa dos dois metros de altura impedindo a entrada de automóveis na praia. Na próxima ressaca o mar trará de volta a areia que levou e com acesso ao loteamento, os carros na praia. Tem sido sempre assim ano após ano, e já lá vão onze anos sem que a maré da "boa vontade" - que impere sobre a da OBRIGAÇÃO - da Prefeitura se tenha estendido até este Loteamento. Só temos energia elétrica cara e um pouco de iluminação de ruas. Do resto, não temos absolutamente mais nada!...


® Rui Rodrigues   

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Selos, economia e beleza comparada.



1.   Para que servem os selos que “selam”?

Ainda não aprendemos a falar com a natureza... Não aprendemos nem a língua dos passarinhos, não sabemos o que dizem as vacas quando mugem, os carneiros quando balem, as baleias quando emitem aqueles sinais sonoros que são composições musicais, obras de arte...

Nem sabemos porque temos pés, membros, cabeça, olhos, nem como "ficamos assim" como somos, se foi uma obra da natureza, ou se "evoluímos assim". Há quem nem pense nisso de tão complicado que parece ser. Assusta!... Para simplificar, uns dizem que "fomos feitos assim"... Para complicar, porque nesta vida nada é assim tão simples que possa ser tão simplificado como E=mc2, Darwin disse que "evoluímos"... Mais tarde Freud veio complicar ainda mais o entendimento da "evolução"... O "Efeito Freud-Darwin"' é devastador nas mentes mais simplistas em terráqueos....Todos amam o simples, por um motivo muito simples: Não é nada complicado!

E estamos aqui nos perguntando sobre os lacres, suas necessidades. É obvio que um lacre não rompido significa que é íntegro, secreto, não foi violado... Entendemos isso desde cartas trocadas entre governantes, até pacotes de produtos de supermercados... É importante, não é? Todos – homens e mulheres - gostam de “coisas” só para nós...

Mas... E o hímen, o tal selo da natureza?

Várias espécies de mamíferos têm hímen, como as éguas e as fêmeas de hienas, toupeiras e porquinhos-da-índia, baleias, golfinhos e dugongos (um parente do peixe-boi).
Porque a natureza colocaria hímen nestes mamíferos? São eles capazes de entender o significado do hímen e classificar as suas fêmeas? Ter hímen significa que a espécie é inteligente e pode perceber, quando se acasala, os aspectos morais da "virgindade" ? Ou não há aspectos morais, isso nem interessa?

Conheceram-se na roça, namoraram durante anos, casaram,e ficou uma mancha no lençol... Na Itália era costume colocar esse lençol manchado de sangue na janela após a noite de núpcias... Depois a virgindade perdeu a importância e ninguém põe lençóis ensanguentados nas janelas...

Mas não estamos falando de "casamentos" nem de moral... Isso ficou tão banalizado, que qualquer dia se poderá casar com uma anta, uma lula, um veado, um ratinho da índia, uma arara... Não. Não estamos falando de casamentos... Estamos falando de Himens, incluindo os complacentes.
Para que serve um selo e um hímen, que também é selo, como se fosse um atestado? Esta pergunta só tem um começo. Não tem um fim...
  
2.   Crônica a jato de Cabo Frio - 10 setembro de 2015

Não sei se me transformei num índio aculturado ou num caubói indianizado, mas hoje fui á cidade e fiz extravagâncias. Comprei um Lucky Strike, um Cabernet Sauvignon, um camembert, que o pão já tinha. Isso foi depois que o motorista de táxi me assustou: Disse-me do alto de sua atualidade política:  
- A Dilma vai acabar com o décimo terceiro salário. 
Ele sabia tanto quanto eu, o que não esperava é que já fosse de domínio público. Quando a moça quer jogar o povo contra o governo ela joga. É o caso dela levar o povo a pensar que é o “governo” que não a deixa ser socialista nem comunista, e que será preciso fazer uma revolução para acabar com o “governo” que não a deixa governar, mantendo-a no governo... 
Como estratégia é muito similar ás dos Rapanui da Ilha de Páscoa, que se comeram uns aos outros, se bem que a Páscoa ainda esteja longe, mas por aqui, tudo acontece sem tempo nem hora, sem previsão das condições atmosféricas. Na minha ignorância lhe perguntei, ao motorista - que ela nunca nos diz nada nem coisa com coisa - se sabia de mais alguma coisa:
- Ela vai proibir ser investigada, e os políticos vão votar e aceitar...
Bem... Já não se dormia como antigamente, de modo que um pouco menos de sono já nem faz diferença...Mês que vem comprarei menos batatas, menos tudo e menos de cada coisa, mas hoje tinha que dormir de porre.
Mas alegre, porque quem pariu o Mateus que o embale, e vai ter que passar muitos anos dizendo entre dentes: - Nana neném... Nana neném que a Bruxa vai chegar... Vai te comer bem na hora de jantar...
O fato de o comércio por aqui estar ás moscas é atribuível ao fato de ser inverno. Prometem as autoridades que no verão que se aproxima, haverá nuvens de moscas... Já ninguém acredita! Eu acredito... Tudo ás moscas...
Mas o que o motorista não sabia é que Freud já decifrou Dilma Rousseff quando ela fala em "golpe": É uma "projeção". Coloca seus defeitos nos outros. Quem quer um golpe real contra um golpe imaginário, é ela. Ficaria para sempre no poder. 


3.   A beleza exposta e propagandeada.


Little Freud é uma cidadezinha muito pequena que fica na cabeça de cada um de nós... Freud nunca esteve lá, porque estava na dele...
Estive lá quando, trazendo compras, um amigo se ofereceu para ajudar a carregar e eu dispensei alegando que precisava fazer exercício. Consegui carregar o bujão de água numa mão só. e depois o de gás da mesma forma...
Freud só apareceu quando o amigo me convidou para ir numa balada. Disse-lhe que estava meio velho pra isso e que estava trabalhando num conto... Aí Freud incorporou no cara que me disse:
- “Simbora cara, que o mulherio tá dando solto.. Antigamente homens e mulheres iam pra baile, se arrumavam o melhor que podiam, rebolavam pra caramba, e acabavam chamando a atenção de Kojac... Aí vinha o Ricardão e Créu!!!! Vinha a Ricardona e Créu... Babaca levava a mulher pro baile pra ser apreciada pelos malandro... As muié diziam que se arrumavam pra agradar aos marido.. Poha nenhuma!... Era para os pretendente”...
Fui fazer meditação transcendental, liguei para minha analista e disse:
- Dá pra dar... (ia dizer "uma passadinha aqui", mas ela interrompeu)
- Dou... Espera-me que estou chegando...
Minha analista é casada, tem dois filhos e ama o marido.
Contei-lhe o que se passara...Disse-me assim num “tête à tête”: - Quem gosta de pureza, casa com virgem... Quem gosta de experiência, casa com puta. Mas cuidado... Tem muita puta pura de alma, e muita virgem com uma vontade danada de ser prostituta. Ambas podem casar.
E continuamos transando, eu e minha analista, até o amor daquele dia acabar. Amanhã seria outro dia. Veríamos se ainda nos amaríamos.

(João Pintassilgo, comerciante da Rua Augusta - Mil novecentos e carcalhada)


® Rui Rodrigues 

A sexta extinção - Crônica da Terra.


Estava á porta do supermercado “Extra” em Cabo Frio, recém chegado de Niterói e que fica no quarteirão ao lado da rodoviária. Os supermercados são os maiores antros de coisas mortas concentradas neste planeta. Têm cadáveres de tudo, desde peixes, vacas, porcos, galinhas, até centeio, milho, couves e laranjas. Tudo morto e preservado em plásticos, papelões, cartelas, latas, salgados ou arrumados em lingüiças. O cheiro só é atraente ao olfato por causa dos temperos e aqueles conservantes químicos, cuja maioria provoca câncer. Morre-se de câncer transmitido de todas as formas, ora por causa dos poluentes que provêm da queima de combustíveis fósseis, ora por causa dos agrotóxicos. O planeta que nos alimenta também nos mata. Não é curiosa esta dualidade, e até para se falar de modo mais científico, esta assimetria em que tanto se nasce quanto se morre, mas com vantagem patente dos nascimentos? É evidente que quanto mais comida disponível houver pelo mundo, mais nascimentos haverá. Como nosso planeta não infla, há limites para a produção de alimentos e mortes em grande quantidade por inanição. Quanto mais produzirmos alimentos, mais nascerão, mais morrerão. Não será hoje, será num desses amanhãs terríveis de conturbações mundiais até que se estabilize uma proporção razoável que permita a vida dos que sobrarem em um novo equilíbrio. Estas perturbações, nas condições atuais em que nos encontramos, serão sempre por efeitos de nossos “efeitos” sobre nosso modo de viver e do Ambiente em que nos encontramos. Somos a causa.
Há um nome para guardar enquanto pudermos lembrá-lo em nossa memória: Antropoceno [1]. Trata-se do nome dado por alguns cientistas ao período mais recente da história de nosso planeta. Faz sentido. É um período relacionado com a espécie humana, o tipo de vida que predomina, de forma inteligente – ou não - no nosso nada querido planeta, porque se fosse querido e amado realmente, cuidaríamos dele devidamente. Aquele amor do “eu te amo meu amor”, sem os necessários cuidados, não é amor. É conveniência.
Já tinha feito minhas compras e esperava o táxi que havia chamado, do meu amigo Anselmo, quando se acercaram as duas senhoras que logo reconheci, esposa e filha de um amigo meu que morou no condomínio. Houve tempos em que batíamos grandes papos sobre o futuro do lugar á beira-mar plantado. Depois resolveu construir uma casa em Jardim Esperança e saiu do condomínio. Quando perguntei ás duas por meu amigo que até me havia dado de presente uma bermuda de linho branco, das antigas com duas pregas por cima dos bolsos, e que não se usam mais, deram-me uns sorrisos tristes. O meu amigo havia-se extinguido. Não geneticamente, por que seus genes estão nos filhos e nos netos. Mas todas as suas células faleceram há um mês e dois dias. Não fiquei chocado porque aos 70 anos faço agora parte de uma fauna com alto índice de mortandade. Como reflexo da humanidade, não penso muito nisso. A humanidade também não pensa. Todos acham que o mundo sempre foi assim, que está um pouco complicado, mas que sempre será. Não! Nunca foi assim, já se extinguiu várias vezes – ou quase – e estamos á porta da sexta extinção. Ela já bateu á porta e quer agir, deixando apenas meia dúzia de espécies que criarão novas formas de vida pela evolução inerente aos seres vivos. Para quem crê que “Deus” fez o homem, talvez algum dia no futuro surja uma civilização que possa dizer – ao descobrir nossos ossos fossilizados enterrados – “E Deus fez o segundo homem, e homem e mulher os fez - pela segunda vez - sem quebrar as costelas de ninguém”. Mas não será igual ao primeiro. Será muito diferente, porque todas as espécies extintas são exemplos: Espécies que se extinguiram jamais ressurgiram.
A filha do amigo morto tem uma pequena fábrica caseira de vestidos e roupas femininas. Ela quer vender para poder se alimentar e ter um padrão de vida. É uma pessoal normal como todos nós. Todos nós trabalhamos para termos um “padrão” de vida. Lê-se pouco, sabemos pouco, estamos geralmente interessados em comprar um carro novo, ir ao baile funk, comprar novos tipos de esmalte para as unhas, fazer uma plástica, ir a todos os jogos do Flamengo, comprar o álbum das celebridades, prepararmos novas armas para guerrear. Vivemos num planeta “alugado” por tempo determinado e não temos a mínima preocupação em manter a casa equilibrada. Quando muito nos preocupamos – e ensinamos as crianças – a coletar o lixo, a plantar arvorezinhas, mas não a consumir menos. Ganham presentes de ultima geração os quais, para serem fabricados, obrigam a mover montanhas em busca dos materiais, despejar toneladas de CO2[2] e outros produtos químicos na atmosfera, consumir água potável que é desviada do consumo popular. Vacas e bois criados largam bosta, urina e peidam, enchendo o planeta de gás metano. Estão poluindo mais que os dinossauros. Já somos sete bilhões e meio de seres humanos poluindo indiretamente este planeta através de nosso consumo a qualquer nível e de qualquer tipo de poluição. Não há lugar para todos nós, nem podemos sustentar o crescimento populacional que estamos apresentando. Mais crescimento, mais consumo, mais poluição, mais aquecimento global, mais rapidamente virá a sexta extinção, porque nosso planeta já entrou numa fase de modificação sensível de suas características. Até o ano de 2.100 teremos apenas 50% das espécies atuais. O resto se extinguirá. Considerando que foi a partir da revolução industrial iniciada entre 1760 e 1840 e o ano de 2.100 em que teremos apenas 50% das espécies ainda vivas, e muitas desta porcentagem em processo de extinção, somente a do K-T há cerca de 65,5 milhões de anos terá sido processada num período de tempo tão curto, em escala de tempo universal quase do dia para a noite. A extinção do K-T ao final do Jurássico acabou com 60% da vida na Terra incluindo os dinossauros e não durou mais que dois ou três invernos. Foi provocada pela queda de um meteoro. Todas as demais foram provocadas por alterações na atmosfera terrestre. As mais famosas[3] foram a do Cambriano (há 488 milhões de anos), Ordoviciano Superior (444 milhões de anos) Permiano (251 milhões de anos), Triássico Superior (há 200 milhões de anos) Cretáceo-Paleogeno (K-7 há 65,5 Milhões de anos).
Recentemente descobriu-se uma “bomba ecológica” no Ártico: CO2 e gás metano que estavam comprimidos pela camada de gelo no leito do oceano, com o degelo a espessura da camada diminuiu gerando menos pressão. Cientistas dizem que o oceano “borbulha” com estes gases letais. Amostras cilíndricas de gelo colhidas no Ártico e na Antártida mostram os bilhões de toneladas de metano, CO2 e outros gases tóxicos que foram lançados na nossa atmosfera a partir da revolução industrial. A essas teremos que somar as que serão liberadas das profundezas do Ártico por derretimento da camada de gelo.
Acabar com a queima de combustíveis fósseis é louvável, mas é fazer muito pouco. Reciclar lixo é muito pouco também. Pedir a criancinhas que aprendam a plantar árvores para renovar o planeta, é muito pouco. Decretar pena de morte para quem invadir reservas e explore madeira nativa, seria muito pouco, embora tudo isto pudesse ajudar.
A China quer crescer mais. Deveria conter-se. Todos os países deveriam conter o crescimento. Não precisamos crescer. Precisamos viver e tornar este planeta habitável para todos os que nele vivem e venham a viver, tantos quantos o planeta suportar. Estamos numa casa alugada que gira ao redor do Sol. Mas muito mais do que isso precisamos encolher nossa população mundial urgentemente. Somos a causa de nossas próprias desgraças. As causas devem ser controladas.        
  
® Rui Rodrigues





[1] Também chamado de Holoceno.
[2] Dióxido de Carbono.
[3] Alguns cientistas ainda têm dúvidas sobre algumas delas. Uma das dúvidas deve-se á evolução. Algumas espécies “extintas” teriam apenas evoluído para outras espécies dando a impressão de serem novas espécies. Isto porque a extinção se deu ao longo de períodos muito grandes de tempo.