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sábado, 9 de novembro de 2013

Crônicas de Cabo Frio (O E-mail do meu velho tio francês).

Crônicas de Cabo Frio
(O E-mail do meu velho tio francês).


Eu não tenho nenhum tio francês. Se tivesse seria inglês, mas o sujeito é um dos poucos franceses que conheço, que não tem o nariz empinado. Chamo-o carinhosamente de tio, porque aos 75 anos de idade ainda chega a ter torcicolo só de se virar para olhar uma bela francesinha com lábios fazendo biquinho quando dizem “Je t’aime”...

O tio era socialista e agora é não sabe ainda o que será. Anda enraivecido com os impostos na França, com as perspectivas futuras de um socialismo que se demonstrou mais nazi-capitalista do que se poderia imaginar algum dia. Arrebentaram com os serviços sociais franceses, o povo economiza em tudo como se fosse nos velhos tempos da segunda guerra mundial e não conseguem manter as “vitórias” do passado. Pior ainda, vêm a Alemanha cheia de dinheiro, com uma economia fortíssima, e quando vão ao Panteón ver o túmulo de Napoleão, já há quem reze por uma nova revolução francesa, desta vez para implantar de uma vez por todas o tri-termo “liberdade, igualdade, fraternidade”, tão falado e tão pouco usado. Para ele o mundo está ficando cada vez mais complicado, o champanhe impossível de comprar, as Coquilles-St Jacques cada vez mais envergonhadas nos pratos de acepipes dos restaurantes do Quartier Latin. Em alguns podia até comer uns escargots nos bons tempos, e não raro levava umas meninas simpáticas para transar no Maxims, na boa e velha rua Censier.  ‎Sempre sob as vistas da Catedral de Notre-Dame, construída lá pelos anos de 1212. Onde estava a França? O que fizeram com ela?  Já nem as ruas se lavavam com jatos de água, porque a água estava muito cara. Estava quase ao preço do vinho. Um dia lavariam as ruas com vinho, e tomariam porres com água.

Meu tio francês, o Gilles Gorge D’Auvergne iniciara seu e-mail pela política provavelmente para que eu tivesse uma noção do “estado” geral da nação e de seu próprio estado de espírito, mas o assunto era outro. Queria vir para o Brasil. Parece que o estou vendo falar com aquele seu sotaque de “francêsguês”: Dizia-me:

“As mulheres recatadas, essas não sei onde andam. Não é que não existam, mas não consigo encontrar nenhuma adequada ao meu desejo. As que encontro são todas da minha idade ou mais velhas. Aquelas das quais se podia esperar um certo recato, um pouco de amor, romance para levar pelo menos por um par de anos, sem correr o risco de sentir o perfume de outro macho ao beijar-lhes as coxas, ou ver escorrer esperma antes que as penetrássemos, naqueles encontros de supetão, às pressas... As mais dadivosas agora competem com as putas e quase não se diferenciam umas das outras. Para as putas é uma competição desleal.

Para as dadivosas, a prostituição tinha que acabar para não serem confundidas com as putas. Algumas perguntavam se podiam levar uma amiguinha e ficavam lá, se beijando uma à outra. Ele transava com as duas, mas era diferente de antigamente. Maridos já nem se importam se as mulheres transam por fora, pais e mães, idem. Dizem que o negócio é ser feliz. Acabou-se aquele espírito de aventura sexual em que se saía com a mulher dos outros, ou a com a filha santinha preservada com todo o esmero dos dentes dos lobos-maus... Esse tesão do “perigo” acabara, e o sexo fora banalizado. Por isso queria vir para o Brasil. Segundo ele, as brasileiras são mais “família”, mas amorosas, mais compreensivas. Queria casar.

Fiquei preocupado com o velho tio. Aos 75 anos, querendo casar, mudar de vida, vir para o Brasil, encontrar um amor... Isso era aventura pura. O velhinho ainda ia partir o coração de muitas mocinhas. Eu não acreditava realmente em suas tão nobres e límpidas intenções. Além do mais as coisas por aqui também já andavam mudando muito. Não sabia se ele encontraria o que buscava. Mandei-lhe um e-mail de volta, perguntando em que estado ele pretendia viver. Disse-me que pelo clima, o melhor seria Cabo Frio, além de que ficava perto do Rio de Janeiro, e tinha muitas variedades de peixe e mariscos. Queria construir um barco e velejar para suas pescarias.


Chegou semana passada. Fui apanhá-lo no aeroporto e à noite, depois de o levar para a pousada de uma amiga minha, o apresentei a umas amigas de bom caráter. O velhinho fez o maior sucesso. Elogiou o perfume das mulheres, a simpatia, os sorrisos francos. Senti que ele teria bastante tempo ainda para escolher a que lhe arrumaria as flores no caixão...

Mas pelos vistos, Gilles Gorge chegou bem disposto, alegre, pronto para uma nova vida. E nós teríamos tempo para trocar algumas idéias. Eu aproveitei a oportunidade e fiquei aquela noite em Cabo Frio na pousada da amiga. Provavelmente ficarei alguns dias. A vida é uma criança, Gilles é um neném, eu sou um recém–nascido e as mulheres são todas meninas bem dispostas, cabeças feitas, descomprometidas e com larga experiência na vida.

Segura peão, que o mar não está morto e a tainha está pulando! Vamos ver como meu tio francês se comporta por aqui...



© Rui Rodrigues

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

N. York e o Lindy Hop - Pintando Outro quadro.



É comum que pintando um quadro sobre um motivo não se pinte o segundo e o terceiro, como que para matar as saudades e melhorar o que se fez. Assim, comprei duas telas menores, estas com 40 x 50 cm, para rever o ambiente do Lindy Hop... Nos anos entre 1930 e 1943, em New York. O quadro foi iniciado em 07 de novembro de 2013. 

Eis o esboço 

Fase 1- Esboçando 



As  distorções na verticalidade dos edíficos se deve ao efeito de minha câmara, marca "rasca"...

Fase 1-a - Esboço dos personagens





Fase 2- Pintando os planos de fundo 




Claro  que sem a Sarkye eu não conseguiria pintar quadro algum desde 2002... Ela me orienta... 




É preciso que saibamos o que estamos pintando e o que queremos realmente pintar. Se pintamos algo de época, é interessante que sejamos o mais fiéis que nos seja possível, mesmo que nossa arte seja desconstrutora  a exemplo de Picasso quando pintou Guérnica ou suas belas mulheres. Lindy Hop pe uma dança nascida nas ruas do Harlem de Nova Iorque e que teve seu ponto máximo – passando a disseminar-se pelos EUA e pelo mundo – quando um sujeito comum que dançava de forma incomum, inventou um passe aéreo para um tipo de swing que se dançava por lá, e que evolucionara a partir do Charleston.  Isto foi pro volta de 1929. O dançarino chama-se Manning, ainda é vivo, e depois que largou a dança, porque a moda se foi, passou a trabalhar nos correios de N. York.
Se os anos 20 foram os “anos loucos”, de completa reviravolta social, mulheres exigindo pelas ruas do mundo o seu direito de votar, as ruas se enchendo de automóveis movidos a gasolina, aviões de passageiros mais confortáveis, geladeiras e televisões invadindo os lares, os anos 30 foram de apreensão. Vivia-se uma crise econômica sem precedentes surgida em 1929. Em 1939 eclodiu a segunda guerra mundial.

É preciso entender o povo americano, assim como é preciso entender qualquer povo deste planeta. Fundado por dissidentes religiosos que fugiam de perseguições também religiosas – das fogueiras e das torturas da inquisição – sua ânsia de liberdade é indescritível.  Chegam a pensar que são responsáveis pela liberdade do mundo, embora seu gosto pela guerra tenha outras componentes, como o desenvolvimento bélico, a manutenção de uma indústria que mantém o emprego em épocas de crise, lhes dá segurança. Devemos-lhes, dentre outras coisas, além do desenvolvimento cientifico, a libertação do mundo das garras de Hitler, o nazista – sendo “nazi” o nome do partido político dos trabalhadores que Hitler fundou e o levou ao poder.  Políticos, de modo geral, mentem. Por isso não creio em nenhum partido dos trabalhadores, quando muito no britânico.

Em 1943, os EUA já estavam na guerra desde 1942, mas agora a indústria florescia, não havia desemprego, as mulheres ocupavam o lugar dos homens que haviam partido para  frente de batalha – assim como muitas mulheres – em fábricas de automóveis, de aviação, em trabalhos que geralmente eram reduto exclusivo dos homens. As viúvas, muitas com filhos, tiveram que aprender a sobreviver. O mundo das “oportunidades” do American Way of Life, progredia a pleno vapor. A morte era uma questão certa, era preciso viver, e em plena guerra, no final dos anos 30 e década de 40 foram ainda mais loucos do que os anos 20. A indústria cinematográfica de Hollywood progredia com estrelas famosas, e só no ano de 1943 foram lançados os seguintes filmes [1].

Documentário
 1943
 Drama

 1943
 Comédia / Musical

 1943
 Drama

 1943
 Suspense
 1943
 Documentário
 1943
 Guerra
 1943
 Guerra

 1943
 Clássico

 1943
 Drama / Romance
 1943
 Terror
 1943
 Faroeste

 1943
 Drama
 1943
 Ação
 1943
 Musical

 1943
 Comédia
 1943
 Aventura
 1943
 Musical / Drama

 1943
 Romance / Drama
 1943
 Drama / Guerra

 1943
 Comédia

 1943
 Ação / Aventura
 1943
 Terror / Clássico
 1943
 Terror
 1943
 Comédia

 1943
 Clássico
 1943
 Clássico

 1943
 Comédia / Romance

 1943
 Guerra

 1943
 Drama
 1943
 Ação / Drama / Guerra
 1943
 Policial

 1943
 Ação / Aventura
 1943
 Ação / Aventura

 1943
 Musical

 1943

De notar os filmes sobre Hitler e os nazistas em profusão, e em espeial Sherlock Holmes e a arma secreta, O fantasma da Ópera, Jane Eyre, Por quem os sinos dobram e Lassie e a força do coração que daria origem a uma série vista ainda nos anos 60.

Este é o ambiente em que pinto meu quadro, sem esquecer um filme de época chamado “Verão de 42”, lançado um par de décadas depois.

E com a ajuda da Sarkye, a fase 2-a está assim...



Hoje é dia 09 de novembro. Não se pinta durante todo o dia. Somente quando se tem muita vontade, e isso depois de olhar para o quadro, perguntar o que ele quer que se pinte, como, com que cor e tom, e mesmo assim, a pintura só se inicia depois que consulto a minha gata Sarkye... por enquanto pinto janelas de prédios... E está assim

Fase 2-b



A Sarkye avisou-me que era melhor dar umas pinceladas nos personagens a modos de fazer um estudo de cores. Aceitei a ideia  depois que ela me deu umas lambidas, e olhou para mim com aqueles olhos transparentes, amarelos. E ficou assim a fase 2-c

Fase 2-c



Esta é a fase em que não dá mais para parar.. Todos os minutos disponíveis são para olhar o quadro à minha frente- sempre -e ir retocando conforme as suas solicitudes, os conselhos da Sarkye, e minhas opções... 

Eis a fase 2-d



E ainda hoje, 10 de novembro, dei mais umas pinceladas... Pintar um quadro tem que ser como beber um bom vinho... Aliás... Ainda não parei de tomar alguns goles de vez em quando... A Sarkye arregala os olhos, mas entende. Ela é abstêmia. Completamente. 

Hoje ela nem quis ver como ia a pintura... Devo ter pintado alguma coisa errada. Amanhã vejo!


Fase 2-e -




Em 12 de novembro o quadro está assim.. (parece jogo dos sete erros, para descobrir o que mudou em relação à imagem anterior)...



Quase pronto, faltam retoques nos rostos, algo mais que me tenha passado desapercebido, mas o quadro está chegando ao final...

Fase 3 - finalização 

  


© Rui Rodrigues





[1] Extraído do Site que fornece a lista de lançamento de filmes ano a ano    http://www.interfilmes.com/listaporano_1943_1.html