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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

1816 – Uma surpresa sem verão



1816 – Uma surpresa sem verão


Por volta de julho de 1815 chegou ao Brasil uma notícia sem muita importância: um vulcão, o Tambora[1], na longínqua ilha de Sumbawa na Indonésia, entrara em erupção em abril lançando toneladas de gases tóxicos, nuvens de poeira, pedras. Diziam que tinha sido uma grande explosão, enorme, a maior dos últimos mil anos, e que as nuvens do vulcão se espalhavam pelo hemisfério norte. Mas que, como tudo passa, a nuvem iria passar também. Era sempre assim e os comentários sobre o assunto cessaram em poucos meses.      


Em 1816, em Portugal e no Brasil não havia telefones nem linhas férreas, e apenas algumas ruas das principais cidades eram parcamente iluminadas com óleos de peixe – principalmente de baleia - ou mesmo com azeite. Em 1808 Hemphry Davy fez uma demonstração unindo dois bastões de carvão fazendo passar por eles uma corrente elétrica. No ponto de encontro dos bastões formava-se uma incandescência. Afastando um pouco os bastões a corrente elétrica continuava a passar, agora pelo ar, formando um arco luminoso e brilhante. Era o princípio para a fabricação de lâmpadas que serviriam primeiro para a iluminação pública, mas isto, no Brasil, somente aconteceria muito mais tarde em 1851. Entretanto, e até lá, a iluminação a óleo foi sendo substituída por iluminação a gás.


O Brasil em 1816 não era uma Colônia. Muito pelo contrário, era sede de um Reino, o principal, de vastas terras ao redor do mundo: Em sua capital, no Rio de Janeiro, residia o rei D. João VI – O clemente - de nome João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança, rei de fato do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. No entanto, como sede do Reino, O Brasil era em 1816 a sede de um Reino Unido que também abrangia Angola, Cabo Verde, Guiné e Moçambique na África, Goa e outros enclaves na Índia, além de Macau na China. E esta situação de uma colônia se transformar em Reino, por aquelas épocas, tinha sua razão de ser, embora única em toda a história universal, e começara exatamente no ano em que D. João VI chegou ao Brasil: 1808, no mês de janeiro a Salvador e no dia 08 de março ao Rio de Janeiro. O mesmo ano em que se fizera a luz elétrica pela primeira vez. A grandeza do Brasil assemelhava-se ao momento da criação: “Fiat Lux”.


Era costume, durante uma guerra, que a vitória numa batalha só seria legitima se o exército vencedor ficasse no campo de batalha por pelo menos um dia, e para ganhar a guerra era necessário que o exército vencedor capturasse o Rei, assim como num bom jogo de xadrez. Em Portugal invadido por Napoleão, e com o apoio da Inglaterra, cuja marinha escoltou o Rei em troca de benefícios comerciais, D. João e cerca de 15.000 membros da corte, tripulantes, soldados, artesão, artistas entre eles o pintor Debret, médicos, engenheiros, embarcam para o Brasil, com as tropas de Napoleão no seu encalço, chegando a Lisboa horas depois. O Brasil começava sua época histórica de reino a caminho da independência como nação, de forma inusitada, única e inteligente.

Como vimos, sem telefones, sem vias férreas, sem iluminação pública, porque o progresso da civilização ainda não o permitia, com viagens marítimas demorando meses, as notícias entre os reinos e o mundo corriam muito devagar, a cidade deitava-se cedo, enquanto os acendedores de lampiões da iluminação pública passavam pelas ruas acendendo-os um por um. Nesse ano de 1816 D. João VI passara por um inverno em Lisboa e enfrentava outro inverno, logo em seguida, embora mais suave no hemisfério Sul, fato devido à inclinação do eixo da terra em relação ao plano da sua órbita ao redor do Sol. Lá na Europa, o povo português preparava-se para enfrentar o verão que prometia ser como sempre fora: quente, com ventos abafados soprando do Saara – o Sirocco - em África, secando os pulmões, mas raros e fracos. Quando fortes, as areias do Saara eram levadas pelos ventos e caíam nos campos do Algarve e Alentejo, imperceptíveis, trazidas pelo Sirocco. Já haviam chegado até a Inglaterra. Por toda o reino europeu os produtores de vinho e azeite faziam as suas contas à produção, quantos tonéis de vinho seriam produzidos e vendidos. Temiam, embora fosse raro, a “chuva de sangue”, provocada pelo Sirocco carregado de areia que em contato com o ar úmido da atmosfera produz uma chuva vermelha como sangue. Seria indício de um verão ainda mais quente do que o normal. Poderia afetar o vinho tornando-o melhor, ou quem sabe, até pior. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, o rei abre os portos do Brasil a todas as nações amigas, exceto à França.


O mundo dos negócios, e da política, é baseado em informações. Por isso, a ambição levava banqueiros a Portugal se a economia ia mal por lá, para oferecer dinheiro a juros mais altos, ou ao Brasil, se a sua economia também ia mal. A Guerra com Napoleão e o custo com a ajuda inglesa tinham diminuído consideravelmente os cofres do Rei, que somente o tabaco principalmente rapé, o café, o açúcar, o algodão, o ouro e os diamantes produzidos no Brasil podiam equilibrar. Longe de Napoleão, vivendo em terra farta onde se plantando tudo dá, até mais de uma cultura por ano, sem as intrigas das cortes européias, sem invernos frios e difíceis, é fácil acreditar que D, João VI se afeiçoara ás terras do Brasil, às suas gentes e que se pudesse, transformaria o Brasil numa nação independente. Mas havia muitas e boas esperanças para o ano de 1816 e seguintes. Nesse ano de 1816, no Rio de Janeiro, a corte e o povo estranhavam a temperatura nos meses de Verão, incrivelmente baixa para a época do ano. Parecia inverno tropical, o que era uma benção que evitava aqueles dias de suor, trocando de roupa várias vezes por dia.  


Quando a notícia chegou da Europa, o tempo de verão em Portugal já tinha passado. Cada viagem ao Brasil demorava quase uma estação do ano. E com a notícia, trazida a bordo de naus, chegaram também os banqueiros e comerciantes. Disseram que, inexplicavelmente, as temperaturas no hemisfério norte tinham baixado de tal ordem, que não houvera verão. Havia fome na Europa. Até Portugal estava exportando o precioso trigo do Alentejo, azeite do norte para o resto da Europa onde a invernia havia sido mais forte. As uvas haviam amadurecido muito tarde e isso se refletira na qualidade do vinho. Traziam também notícias da América do Norte, com o mesmo problema. Em pleno verão surgiram as doenças inflamatórias de Inverno. No Brasil, o verão que iria chegar ainda, não chegou também. A economia de Pernambuco ficou abalada com a queda dos preços do açúcar e do algodão, provocada pela concorrência com as Antilhas e com os Estados Unidos. Além disso, a seca de 1816 arruinou o nordeste.

Naquele ano de 1816 não houve verão, e ficou conhecido na história assim mesmo: “O ano em que não houve verão”. Os efeitos da erupção do Tambora estenderam-se, embora em menor grau, até 1817.  Um padre e advogado da cidade de Braga, Portugal, reverendo José Manuel da Silva Tedim, comentou na época: “Tenho 78 anos e nunca vi tanta chuva e tanto frio, nem mesmo em meses de inverno”.

Naqueles tempos não se conhecia ainda o “inverno nuclear”[2], produzidos quando o excesso de CO2, poeiras, e outros gases impedem a passagem da luz Solar, baixando a temperatura do planeta. Há suspeitas de que um outro vulcão[3] também tenha entrado em erupção pela mesma época, provavelmente localizado na região do Equador já que existem estudos segundo os quais a alteração climática se produziu até 1819, tendo-se iniciado em 1810.  Se isto for verdade, explica-se o despreparo de Napoleão para enfrentar o frio inverno da Rússia quando a invadiu em 1812, incluindo o uso de botões de estanho nas fardas dos soldados. O estanho torna-se quebradiço a baixíssimas temperaturas. Sem botões nas fardas, os soldados alternativamente seguravam nas armas ou puxavam as roupas para se cobrirem do frio.  

D. João VI podia entender o amor do filho Pedro I ao Brasil, e este, o de seu filho Pedro II. A independência veio pouco tempo depois, a sete de setembro de 1822, um dos primeiros países do mundo a livrar-se da colonização, e sétimo[4] na América do Sul.

® Rui Rodrigues




[4] Chile – 1810; Colômbia – 1810; Paraguai – 1811; Venezuela – 1811; Argentina – 1816; Peru – 1821; Brasil – 1822; Equador – 1822; Bolívia – 1825; Uruguai – 1825; Guiana – 1966; Suriname – 1975

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