Crônicas do Peró - A fuga das galinhas
Vivo de bem com a vida. Isto
quer dizer que, de tudo o que vive neste planeta, nunca me veio mal, e muito
menos que fosse significativo. Pessoas, animais, plantas, de qualquer dos
reinos em que se classifica a vida, sempre foram meus parceiros [1].
Tenho ligeiras restrições com os fungos porque alguns poucos me causam alergia,
mas não dispenso um bom prato com cogumelos. E, porque me dou bem com a vida,
não há comida que eu possa dizer “essa eu não como, ou detesto”, trabalho, me
divirto, descanso, e assisto a filmes embora não seja cinéfilo viciado, mas
convenhamos que assistir a um bom filme com uma boa companhia do lado tem seus
bons méritos. Se for em família, o tema serve para discussões de todos os
tipos, e se é numa boa companhia normalmente temos que assisti-lo várias vezes
porque normalmente preferimos as cenas do namoro às do filme. Mau sintoma é
quando sentimos o contrário: Ou o filme é excelente, ou o namoro deficiente.
Assisti ao filme “A Fuga Das
Galinhas”. É imperdível. As galinhas do filme (um desenho animado) são galinhas
absolutamente humanizadas pelo roteirista. Não contarei a história do filme,
mas trata-se de uma população de aviário, maltratada pelos donos, tentando
fugir. Mas, para isso, ou teriam que aprender a voar, ou construir um avião
movido a força das pernas.
Crio algumas galinhas para
me doarem ovos caipiras saudáveis sem hormônios, sem vacinas, sem ração
“bombada”. Aqui comem eventuais restos de comida saudável e muito milho. Na
verdade apenas tinha um galo vermelho transador de próstata gorda e vermelha e
duas galinhas. Ele cantava a noite inteira. Então, seguindo conselhos de uma
amiga, para que o galo não cantasse tanto, comprei mais quatro galinhas
caipiras numa pequena loja de ração no bairro Jardim Esperança. Olha que eu conheço a espécie, mas aquelas
quatro, ainda franguinhas, me chamaram a atenção: Eram esguias, pescoços e
pernas muito altos, agitadas, com uma cauda em forma de leme, alta, como se
fosse um pedaço de tábua colada no traseiro, posta ao alto. Passam o dia num
viveiro de 30 metros quadrados com um arbusto alto no meio que serve de pouso e
de sombreiro, tudo coberto por uma malha plástica na qual o arbusto já abriu
algumas passagens para os muros com três metros de altura. Na frente não há
muro, apenas uma malha metálica. Elas gostam e apreciam.
Quando pela primeira as vi sobre o muro, temi que viessem a fugir. Galinhas não são reconhecidas por sua inteligência. Bem pelo contrário. Só as galinhas novas se acomodavam no topo do arbusto. E, como eu esperava, um dia uma delas desapareceu. Foi a branquinha. Sem tela disponível para fazer os reparos, rezei para mais nenhuma desaparecer. Não rezei por muito tempo. No dia seguinte pela tarde, ela tinha voltado. Mas como teria subido o muro? Logo descobri ao encaminhá-la para o viveiro. Ela simplesmente voou até um pouco mais da metade da malha e trepou o suficiente para caminhar sobre a malha. Encontrou o buraco da “fuga”, desceu pelo arbusto e foi comer o milho que recentemente eu havia jogado. Nas semanas seguintes, as outras três galinhas novas também começaram a desaparecer e a voltar. Mas aonde elas iam? Meu temor eram os gambás que passam todos os dias sobre o muro, fleumáticos e indiferentes à minha presença, a caminho de suas caçadas noturnas. Eles comem os ovos das galinhas e de vez em quando lhes chupam o sangue. Por isso a malha do viveiro. Todas “aprenderam” a fugir pelo buraco da malha e a voltar voando e trepando pela malha. Assim agitadas, creio que os lentos gambás teriam muito trabalho para lhes chupar o sangue. O problema eram os ovos. E por isso fugiam: para construir seus ninhos fora do viveiro. Descobri um entre as plantas de meu jardim, bem na quina do muro, a galinha marrom aninhada. Quando me aproximei ela fugiu, correu jardim afora, e sem errar o caminho ficou de frente para a malha metálica, alçou vôo, trepou o restante do muro, caminhou sobre a malha metálica, encontrou o buraco da fuga, desceu o arbusto e foi se juntar às outras. No ninho deixara três ovos quebrados, sugados pelos gambás. Certamente vou encontrar outros ninhos, porque todas as galinhas novas têm o mesmo comportamento. E o galo, embora transe com todas elas (são seis agora), só dorme com uma, a maior, marrom. Ele tem um harém sem pastor para lhe dizer que é pecado. Longe de mim a intenção de lhe trazer outro galo para lhe fazer concorrência.
As galinhas não assistiram ao
filme “A fuga das Galinhas”. Por isso acredito numa evolução de galinhas caipira,
ou, quem sabe, seu comportamento, tal como o da gata Sarkye, que se deverá ao
“ambiente” de minha casa e arredores, onde nos damos muito bem com este planeta
e a natureza.
® Rui Rodrigues
[1] Tenho uma gata, a Sarkye,
já uma senhora de 12 anos, que não me larga. Literalmente não me larga. Jogo-lhe
uma bolinha pequena, daquelas que se compram com um real (quando lerem o preço
terá subido neste Brasil inflacionário), e ela vai buscá-la, trazendo-a de
volta para mim. Isto só uma das pequenas proezas que ela faz. Outra é vir
correndo para onde estou quando assobio qualquer canção..,
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