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sábado, 21 de dezembro de 2013

As missões



As missões[i]



Lawrence da Arábia existiu. Tinha uma missão: Encontrar o rei Faiçal e saber quais suas intenções a futuro. Lawrence era um oficial subalterno das forças britânicas estacionadas no Cairo. Nessa época, no inicio do século XX, o Egito era um protetorado Inglês, o mundo árabe estava dividido em tribos. Lawrence só tinha a seu favor o fato de ser um sonhador e tinha uma cultura geral muito boa.


Escrevo este texto enquanto assisto ao filme pela terceira ou quarta vez em toda a minha vida. Olho para a tela quando algo me chama a atenção. Para me lembrar, também, de uma época em que eu recebia missões. Nenhuma missão minha falhou. Eu era bom nisso, reconheço, sem modéstia alguma.



Uma delas, eu tinha 27 curtos anos, foi a de assumir uma Filial no Sul do Brasil, com população altamente instruída, alto nível de educação, representando três empresas do maior grupo empresarial da América Latina naquele tempo: O Grupo Lume. As três empresas eram a Conaltour, a Conleasing e a Contal. Em particular, eu era também o responsável técnico, o gerente geral e de construção do edifício mais alto de Porto Alegre: O Edifício Sede da Embratel. Não parecia tarefa fácil, porque a obra estava atrasada, saindo da estimativa de custos. A equipe tinha sido admitida por meu antecessor e era de sua confiança. A pressa para que eu assumisse, face aos atrasos da obra era tal, que fizeram tudo ao mesmo tempo: Mandaram-me para Porto Alegre carregado de procurações para comprar, vender, alugar, fazer o que me desse na telha, abrir conta bancária em meu nome ou no da empresa, enquanto chamavam o anterior gerente para a demissão ao Rio de Janeiro. Meu chefe. O Mário Amêndola sabia o que fazia. Eu é que não estava muito certo de que ele estivesse certo. Não fui sozinho para Porto Alegre. Levei o melhor mestre da empresa, o Miguel Faustino Perez Galan. Na verdade, quase um engenheiro. Ele era espanhol.




 Quando cheguei com a procuração foi uma correria no escritório. Os olhares do engenheiro da obra, do estagiário, da secretária e do office-boy – era toda a equipe que tinha sido contratada – demonstravam todo o receio de serem demitidos. Eu não precisava falar muito. Eles contavam a história toda. Não me interessava muito a história que tinham para contar. Tranquilizei-os e os mantive, mas contei-lhes a nossa história: A minha e a da empresa. A empresa era ainda mais jovem do que eu. Sabíamos muitas coisas, mas nos faltava experiência. Precisávamos trabalhar em conjunto, de forma unida. O escritório era muito grande, um casarão e caro. A primeira coisa que fiz foi mandar retirar um enorme quadro de um alce de farta galhada de cima da parede bem por detrás da mesa vitoriana de ébano do gerente da filial, do que estava sendo substituído. E teríamos que mudar urgentemente de lugar. O transito para a obra era intenso e o escritório ficava longe da obra. Oito dias depois estávamos em duas salas de escritórios com um banheiro, na Borges de Medeiros, a cerca de 20 metros da obra, o edifício sede da Embratel na Avenida Salgado Filho, uma transversal da Borges.  Contratei um chefe de pessoal (um RH), um estagiário de economia para os lançamentos de custos e bancários. Troquei a secretária, a Sônia, que era trilíngue, por uma muito eficiente, esperta, que sabia o suficiente de matemática, escrevia e datilografava muito bem, sem ter a mínima ideia de que acabaria por casar com ela, a mãe de meus dois filhos. Além disso, estudava no primeiro ano de engenharia da PUC. Já tenho uma neta. Ora isto foi em 1972. Eu também não imaginava uma crise do petróleo em 1973-1974. Ninguém imaginava, mas a inflação já estava roendo o meu salário que era atualizado de dois em dois meses. Era um excelente salário, mas eu estava ainda na fase de soltar a bolsa que estivera presa por longos 27 anos. Passaria pelo menos uns dois anos de minha vida gastando tudo o que ganhava para saber o que era o “bom da vida”: Trabalhar para ganhar dinheiro, para gastar... Uma fórmula muito simples, mas que não pode durar muito porque cria o hábito e não se junta nada.

Os problemas da obra e das empresas eram resolvidos todos os dias. Os que esperavam respostas iam para a agenda. Nas paredes do escritório, um enorme cronograma dava conta de cada etapa controlada dia a dia. Quem elaborava os contratos e contratava era eu mesmo. Eu era o meu secretário para assuntos técnicos.  



Apesar de advogados de porta de obra aliciando trabalhadores para causas na justiça, do engenheiro da obra tentar me passar a perna querendo meu cargo, de outro – um argentino - que roubava na obra e que tive de denunciar na polícia, a obra acabou no prazo e dentro dos custos, com a ajuda nos três meses finais de meu padrinho de casamento, o Henrique Rotstein, que veio do Rio. Faltando um par de meses para terminar a obra, fui a convite de outra empresa para S. Paulo. Três meses depois, avisei a nova empresa, já em S. Paulo, que ela iria falir em menos de seis meses e saí dela. A Filial de S. Paulo da Contal me acolheu de braços abertos. Fui morar num prédio de mármore em plena Avenida Paulista.






Dias de sol e chuva, todas as manhãs uma esperança de resolver problemas com as fórmulas que aprendi da vida e algumas que criei, uma motivação diária, minha filha, minha família uma alegria. O futuro estava muito longe. Minha vida profissional tinha começado apenas em 1971, dois anos antes, quando com o paletó pendurado no ombro subi a rampa de acesso á construção do conjunto habitacional da Morada do Sol, em Botafogo, em frente ao Shopping Rio-Sul para pedir emprego.



Por aqueles dias não tinha tempo para pensar em política. Dizia-se que estávamos construindo o Brasil. Pois é... O Brasil tem que ser construído todos os dias sem nos esquecermos da política. Hoje é a política que afunda o Brasil, e como toda a política, sua propaganda diz que não, que o Brasil está bem, cada vez melhor...



Não está não!... Quem tem histórias para contar, tem histórias para comparar... E eu fiz tudo por um partido enorme chamado BRASIL.



© Rui Rodrigues




















[i] Foram muitas as minhas “missões” em minha vida. Ainda tenho algumas para concluir. O segredo da vida é termos sempre alguma missão a cumprir, desafios. Até hoje não perdi nenhum.  

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