As missões[i]
Lawrence da Arábia existiu. Tinha uma missão: Encontrar o
rei Faiçal e saber quais suas intenções a futuro. Lawrence era um oficial
subalterno das forças britânicas estacionadas no Cairo. Nessa época, no inicio
do século XX, o Egito era um protetorado Inglês, o mundo árabe estava dividido
em tribos. Lawrence só tinha a seu favor o fato de ser um sonhador e tinha uma
cultura geral muito boa.
Escrevo este texto enquanto assisto ao filme pela terceira ou quarta vez em toda a minha vida. Olho para a tela quando algo me chama a atenção. Para me lembrar, também, de uma época em que eu recebia missões. Nenhuma missão minha falhou. Eu era bom nisso, reconheço, sem modéstia alguma.
Uma delas, eu tinha 27 curtos anos, foi a de assumir uma
Filial no Sul do Brasil, com população altamente instruída, alto nível de
educação, representando três empresas do maior grupo empresarial da América
Latina naquele tempo: O Grupo Lume. As três empresas eram a Conaltour, a
Conleasing e a Contal. Em particular, eu era também o responsável técnico, o
gerente geral e de construção do edifício mais alto de Porto Alegre: O Edifício
Sede da Embratel. Não parecia tarefa fácil, porque a obra estava atrasada,
saindo da estimativa de custos. A equipe tinha sido admitida por meu antecessor
e era de sua confiança. A pressa para que eu assumisse, face aos atrasos da
obra era tal, que fizeram tudo ao mesmo tempo: Mandaram-me para Porto Alegre
carregado de procurações para comprar, vender, alugar, fazer o que me desse na
telha, abrir conta bancária em meu nome ou no da empresa, enquanto chamavam o
anterior gerente para a demissão ao Rio de Janeiro. Meu chefe. O Mário Amêndola
sabia o que fazia. Eu é que não estava muito certo de que ele estivesse certo. Não
fui sozinho para Porto Alegre. Levei o melhor mestre da empresa, o Miguel
Faustino Perez Galan. Na verdade, quase um engenheiro. Ele era espanhol.
Quando cheguei com a procuração foi uma correria no
escritório. Os olhares do engenheiro da obra, do estagiário, da secretária e do
office-boy – era toda a equipe que tinha sido contratada – demonstravam todo o
receio de serem demitidos. Eu não precisava falar muito. Eles contavam a
história toda. Não me interessava muito a história que tinham para contar.
Tranquilizei-os e os mantive, mas contei-lhes a nossa história: A minha e a da
empresa. A empresa era ainda mais jovem do que eu. Sabíamos muitas coisas, mas
nos faltava experiência. Precisávamos trabalhar em conjunto, de forma unida. O
escritório era muito grande, um casarão e caro. A primeira coisa que fiz foi
mandar retirar um enorme quadro de um alce de farta galhada de cima da parede
bem por detrás da mesa vitoriana de ébano do gerente da filial, do que estava
sendo substituído. E teríamos que mudar urgentemente de lugar. O transito para
a obra era intenso e o escritório ficava longe da obra. Oito dias depois estávamos
em duas salas de escritórios com um banheiro, na Borges de Medeiros, a cerca de
20 metros da obra, o edifício sede da Embratel na Avenida Salgado Filho, uma
transversal da Borges. Contratei um
chefe de pessoal (um RH), um estagiário de economia para os lançamentos de
custos e bancários. Troquei a secretária, a Sônia, que era trilíngue, por uma
muito eficiente, esperta, que sabia o suficiente de matemática, escrevia e
datilografava muito bem, sem ter a mínima ideia de que acabaria por casar com
ela, a mãe de meus dois filhos. Além disso, estudava no primeiro ano de
engenharia da PUC. Já tenho uma neta. Ora isto foi em 1972. Eu também não
imaginava uma crise do petróleo em 1973-1974. Ninguém imaginava, mas a inflação
já estava roendo o meu salário que era atualizado de dois em dois meses. Era um
excelente salário, mas eu estava ainda na fase de soltar a bolsa que estivera
presa por longos 27 anos. Passaria pelo menos uns dois anos de minha vida
gastando tudo o que ganhava para saber o que era o “bom da vida”: Trabalhar
para ganhar dinheiro, para gastar... Uma fórmula muito simples, mas que não
pode durar muito porque cria o hábito e não se junta nada.
Os problemas da obra e das empresas eram resolvidos todos
os dias. Os que esperavam respostas iam para a agenda. Nas paredes do
escritório, um enorme cronograma dava conta de cada etapa controlada dia a dia.
Quem elaborava os contratos e contratava era eu mesmo. Eu era o meu secretário
para assuntos técnicos.
Apesar de advogados de porta de obra aliciando
trabalhadores para causas na justiça, do engenheiro da obra tentar me passar a
perna querendo meu cargo, de outro – um argentino - que roubava na obra e que
tive de denunciar na polícia, a obra acabou no prazo e dentro dos custos, com a
ajuda nos três meses finais de meu padrinho de casamento, o Henrique Rotstein,
que veio do Rio. Faltando um par de meses para terminar a obra, fui a convite
de outra empresa para S. Paulo. Três meses depois, avisei a nova empresa, já em
S. Paulo, que ela iria falir em menos de seis meses e saí dela. A Filial de S.
Paulo da Contal me acolheu de braços abertos. Fui morar num prédio de mármore
em plena Avenida Paulista.
Dias de sol e chuva, todas as manhãs uma esperança de resolver
problemas com as fórmulas que aprendi da vida e algumas que criei, uma
motivação diária, minha filha, minha família uma alegria. O futuro estava muito
longe. Minha vida profissional tinha começado apenas em 1971, dois anos antes,
quando com o paletó pendurado no ombro subi a rampa de acesso á construção do
conjunto habitacional da Morada do Sol, em Botafogo, em frente ao Shopping Rio-Sul
para pedir emprego.
Por aqueles dias não tinha tempo para pensar em política.
Dizia-se que estávamos construindo o Brasil. Pois é... O Brasil tem que ser construído
todos os dias sem nos esquecermos da política. Hoje é a política que afunda o
Brasil, e como toda a política, sua propaganda diz que não, que o Brasil está
bem, cada vez melhor...
Não está não!... Quem tem histórias para contar, tem
histórias para comparar... E eu fiz tudo por um partido enorme chamado BRASIL.
© Rui Rodrigues
[i] Foram
muitas as minhas “missões” em minha vida. Ainda tenho algumas para concluir. O
segredo da vida é termos sempre alguma missão a cumprir, desafios. Até hoje não
perdi nenhum.
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