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sábado, 14 de dezembro de 2013

7- O paraíso



7- O paraíso
























O outono chegara alguns dias atrás e ontem chovera. Hoje, com nuvens no céu fiquei em casa. Faria um frango assado, tomaria um copo de vinho, frutas de sobremesa. Fui ao pomar e apanhei umas goiabas, dois limões, um mamão e um cacho de bananas no ponto. Em dois ou três dias tudo estaria maduro. Dei milho às galinhas que me acolheram com ansiedade. Alimentei minha gata. Mesmo com a porta do galinheiro aberta, as três galinhas e o galo não saíram de seu paraíso. Minha gata acompanha-me para onde vou no meu, até para colher frutas. Numa associação simples de ideias, pensei em Adão e Eva no paraíso. Conforme conduzido a aprender na Bíblia como seria o paraíso, o meu não era tão diferente antes de Adão ter perdido uma costela para que se construísse uma Eva. Por aquela época, Adão nem sabia que era imortal. Soube-o bem mais tarde, quando comeu o fruto da árvore da ciência e da vida. Outras árvores deveriam existir no paraíso, como por exemplo, A da Religião e da vida após a morte, a das Artes e Letras, a do Comércio e Indústria, a do amor e amizade, a da navegação e construção e muitas outras. Adão comeu de todas as frutas. Eva também. Os animais eram dóceis e não os molestavam. Claro que o paraíso de Adão era muito parecido com o meu, salvo as exceções, mas como Adão não sabia da única realmente perigosa, posso dizer que ele se sentiria como eu. Nem mais nem menos, exceto pelas idas ao supermercado, e não cultivo a vinha porque o terreno é pequeno e o solo impróprio.
Mas então o que será o Paraíso e onde se situará ou situaria?
Ao que tudo indica, o Paraíso era mesmo aqui na Terra, numa região situada entre um rio que se dividia em quatro: Pichon, Guion. Eufrates e Tigre, todos eles ricos em minerais nobres, como o ouro, o bdélio, o ônix. Havia já uma preocupação com a riqueza ao descrever os rios do paraíso. O taoismo também tem um paraíso: ficaria nas montanhas Kunlun, que se estendem por mais de 3.000 km, e onde ficaria o palácio de jade. Existem outros conceitos de paraíso, porém, quer o Taoismo, quer o judaísmo imaginaram um paraíso neste planeta. No caso do judaísmo, ele deixou de existir quando Adão foi expulso. No caso do Taoismo, ainda existe nas montanhas Kunlun. Seja como for, imaginado em que época tenham existido independentemente dos povos que os imaginaram, os paraísos são uma referência do que seria ideal em confrontação com a realidade que vivemos. O paraíso teria sido um benefício perdido, passível de recuperação de acordo com o comportamento de cada um. Mas é difícil julgar do comportamento próprio e do comportamento de cada um. São muitas, aparentemente, as injustiças com que nos deparamos neste mundo. A ser assim, não me admiraria se todo o ser vivo vier um dia a passar sua existência complementar num paraíso feito à sua vontade.
Almocei o frango assado com molho de laranja e um suco de limão, comi as goiabas e um par de horas depois me encostei na cama e adormeci pensando no paraíso. Então obtive a resposta.
- Nunca houve um paraíso como os descritos nos livros de qualquer religião. Houve “paraísos” sim – disse ele - mas o eram em outras circunstâncias. Para o povo judeu o Paraíso entre o Tigre e o Eufrates, refere-se à civilização babilônica, a qual admiravam, quando Israel não existia ainda e todo o povo judeu vivia em pequenas tribos em pequenas vilas, sendo caçados pelos babilônios para fazerem escravos. Este mesmo povo, o babilônio, invadiu Israel e expulsou toda a classe dominante israelita, incluindo comerciantes, sacerdotes e artesãos para os servirem nas suas cidades. As espadas flamejantes dos anjos eram espadas e lanças do exercito babilônio refulgindo ao sol, tecnologia que o povo hebreu ainda não tinha. O paraíso é uma referência comportamental e de ideal de vida.
E continuou:
- Mesmo nos primórdios da evolução humana, quando os primeiros primatas percorriam a terra em busca de frutas, legumes e caça, havia dias de paraíso e dias de inferno, quando, alternativamente, encontravam fartura e paravam nesse lugar até esgotar as disponibilidades, ou encontravam feras que devoravam algum deles. Feras não fazem carnificinas como os humanos, de modo que não morriam mais do que um ou dois humanos por ataque. Outros povos que viviam nas costas do mediterrâneo ou dos oceanos tinham uma vida um pouco mais tranquila, porque podiam entrar no mar para fugir das feras. Em cada grupo qualquer problema se resolvia, mas a ideia de um paraíso começou quando os humanos se defrontaram com as primeiras grandes e insuportáveis injustiças que causavam imensa dor: o confrontamento entre grupos diferentes de humanos, cada grupo evoluindo de forma a afastar-se de uma língua mãe, de preferências, de hábitos, na forma de pensar. Isto aconteceu quando o território de cada grupo começou a ficar limitado pelo território adjacente de domínio por outro grupo. Adão e Eva representam um desses grupos que deram origem a uma etnia, uma raça, um povo. Entre os primeiros hominídeos coletores e caçadores, até a época em que se formou a primeira etnia judaica, a dos hebreus, decorreram cerca de quatro milhões de anos, ou quarenta mil séculos. Judeus, cristãos e muçulmanos falam do paraíso de formas diferentes de acordo com o seu imaginário. Assim também os Vedas, os Taoistas, xintoístas, budistas, Sioux, Tupis. Todos os povos do mundo sonham com um paraíso primordial, quando a vida não lhes parecia que fosse tão difícil como nos dias de qualquer época. Não pode haver satisfação com injustiça.
E concluiu:
- Haverá um paraíso para cada ser humano e cada animal, e cada planta que tiver o mérito de a ele ter direito. Esse paraíso poderá ser aí mesmo, nesse planeta que habitas, tão lindo, um verdadeiro paraíso que já existe e que alguns daqueles que detêm o poder, teimam em mantê-lo como predadores que escravizam a floresta, dejetam nos rios, lagos e mares, enjaulam a vida. O paraíso pode ser aí, nesse planeta Terra, longevidades de séculos, milênios, eternos até, mas é necessária a vontade da maioria para que governem a Terra como os humanos querem e não como uma meia dúzia no poder quer.


Não me lembro de quando acordei, mas era o sétimo dia e me acontecia pela sétima vez.


₢ Rui Rodrigues


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