A citânia quando estava abandonada.
Esclarecimento: Os celtiberos são um produto de miscigenação entre celtas que chegaram na Península Ibérica vindos muito provavelmente dos Alpes suíços com os iberos que já lá viviam, antes da chegada dos gregos e dos romanos. Os celtas se estendiam por toda a Europa até a atual Turquia e viviam em "Castros", casas circulares de pedra cobertas por palhas, reunidas em aldeias com proteção de muros de pedra. Eram profundamente religiosos, amavam as artes e sabiam usar o ferro, domesticavam animais e falavam uma língua derivada do proto-celta ou celta comum, uma língua indo-europeia. A separação da língua celta deu-se entre 1200 e 800 A.C., antes das invasões romanas. No norte de Portugal falava-se o Galaico e pouco mais a sul o Lusitano conforme referido em documentos romanos. Atualmente fala-se algum tipo de língua celta apenas em regiões limitadas da Grã-Bretanha, Ilha de Man, irlanda, Ilha Cape Breton, Bretanha (na França) e Patagônia (incrível isto, uma vez que a Patagônia foi descoberta por Fernão de Magalhães. Provavelmente a língua celta foi levada por emigrantes). O lusitano foi completamente extinto. Agora imagine-se uma pequena "Citânia" (celta)com casas de pedra, pináculos de telhados a fumegar na hora de fazer a comida em meio a uma azáfama romana de "romanização" da Península Ibérica. Vale notar que os Celtas primeiro tiveram que se entender com os iberos que já viviam na península, depois com gregos, e na sequencia com fenícios e cartagineses, depois com os romanos. Eram principalmente pastores, mas faziam de tudo. Depois dos romanos vieram suevos, alanos, alamanos, godos, visigodos, judeus e árabes.
Alguns residentes celtas da Citânia ornamentados para a guerra.
Este conto, saga ou crônica fictícia, passa-se no ano zero, exatamente, nem antes nem depois do nascimento de J.C. e fazia 30 anos que os romanos haviam chegado e fundado a Lusitânia. Vinte e nove para ser exato, mas não haviam chegado ainda a todos os lugares do Norte. Os nomes usados são de origem Celta.
Nasce o Celtibero
Na Citânia
Na Citânia
Ano Zero A.C. e Zero D.C.
(Os romanos não conheciam o dígito zero)
Altar celta de sacrifícios de Panoias. O sangue escorria pelos buracos
Rodrix era um nome de origem nos celtas que haviam chegado há muitas e muitas luas vindos de lá das enormes montanhas de neve, onde o dia nascia primeiro. Buscavam terras mais quentes e melhores para encontrar minerais e cultivar. Tinham ouvido falar. Era filho de Gael e Alexia que tinham se juntado sob a proteção dos deuses celtas, mas os romanos não conheciam o zero. Para eles, os romanos, Rodrix o recém-nascido ainda não existia. Nem a citânia porque não a haviam ainda descoberto, mas isso era uma questão de tempo.
Todos levavam uma vida monótona, agora que se escondiam dos invasores, muito limitados em sua liberdade de andar pelos campos, temendo encontros com as legiões. O chefe da citânia cogitava de se unirem aos romanos. Dizia-se na citânia.
Rodrix diria um dia, como todos os celtas e iberos: "Orávamos a Tutatis e Belenos, e sempre que apanhávamos soldados romanos perdidos os imolavam no santuário de Panóias. Se os deixássemos ir, eles podiam denunciar a citânia e viriam com mais soldados para nos matarem a todos, estuprar as nossas mulheres". Os celtas de Panoias, vieram da Panônia, nas margens do rio Ister (Danúbio).
(Jesus Cristo nascera no ano zero que os romanos não conheciam)
Rodrix gostava de comer carne de cabra, ovelha, porco, queijos, mel, e aqueles fungos que os porcos encontravam enterrados, presos a raízes de árvores nas florestas, as trufas. Tomava sempre leite de cabra e gostava também de misturar-lhe pão de bolota migado. De vez em quando via hordas de romanos passarem lá embaixo margeando o rio e sabia o que significava: Encrenca! Ouvira falar e estava sempre atento ao que falavam. Felizmente não os tinham ainda descoberto porque era muito raro passarem por ali. Um dia teria uma falcata bem afiada, muito melhor que o gládio romano, e seu labrys, um machado de duplo corte, do mais afiado e duro ferro. Chegava a temer mais por Gael e Alexia do que por ele mesmo. Ainda não conhecera a dor, mas sentia aquela dos tempos de insegurança no seu peito. Orava a Ares, o deus da guerra. Um dia seria um grande guerreiro sem medo de morrer. Os carnutes ou Dehieroskópos como os gregos chamavam aos sacerdotes, o haviam ensinado a não ter medo. Adorava quando chovia e todo o Castro se quedava em meditação. Por isso esmagavam as cabeças dos inimigos para lhes extrair o "pensamento". Um dia vira um inimigo ser perfurado no ventre, ainda vivo, e seu sangue jorrar em pequenas poças abertas nas pedras cinza duras, escorrendo para a terra através de pequenos sulcos. Os carnutes leram depois o que diziam as vísceras do homem, que eram iguais às dos porcos. Temia e exultava por isso. Os sacerdotes deveriam saber o que faziam, mas bem que poderiam ler nas vísceras dos porcos, nas entranhas de peixes.
Ano X D.C.
Uma anta celta ibérica.
Agora tenho 10 anos pelo ciclo do Sol, como aprendi com os druidas. Com mais uns 30 de vida estarei morto, e com sorte enterrado numa Anta junto com minhas armas, se os do castro me julgarem valente. Os romanos começaram a chegar e tomaram conta de tudo. Os fenícios nunca mais apareceram com suas mercadorias, os gregos nunca mais voltaram. Há gentes que chegam com língua parecida com a nossa e a que chamam bárbaros, mas são diferentes dos cartagineses que nos convencem a lutar contra Roma. Dizem ser Godos. Sei que sou Celta, amo a minha família e a defenderei onde for preciso. Tememos uns barcos que quando chegam, muito raramente, não é pra comerciar. Eles chegam do Norte e são louros. Chamamos-lhes de godos e chegam para nos roubar. Aquele homem que vira os sacerdotes perfurarem e sacrificarem quando eu tinha 5 anos era godo. Também não gostamos dos romanos e aprendo rápido a lutar com armas de ferro. Os romanos são invasores, e muito organizados. Acham que a morte é uma fatalidade e morrem sem reclamar dos deuses. Todos no mundo dizem que os Celtiberos e os lusitanos são os melhores guerreiros da península. Talvez me junte a cartagineses se voltarem a passar por aqui, mas não aparecem há cerca de 146 ciclos do sol. Gosto de Roxana, terceira casa a subir, do lado direito, mas não sei como levá-la quando sair desta terra. Sinto-me muito preso nesta citânia e não muito seguro. Eles atacam quando vamos ao rio ou mais longe ao mar para pescar. Quero correr mundo como aqueles que nos visitam para comerciar. Comecei a ter consciência que os cartagineses nos usaram para atacar Roma,e agora sofremos dois tipos de ataques: A vingança dos romanos que querem acabar com os ataques a Roma e nos chamam de bárbaros, e os que vêm para nos roubar os metais e nos fazerem de escravos.
Roxana era assim, mas bem mais loura
Quinze anos eu tenho agora. Dois anos atrás os guerreiros começaram a me deixar participar da defesa de nossa tribo. Pela primeira vez me deixaram ir até o rio para a colheita de trigo e milho. Alguns de nós cuidavam das mulheres enquanto outros as ajudavam na colheita. Os rituais de minha iniciação sexual estavam programados para este ano durante o Equinócio da primavera, na festa do "Hiero Gamos", para me casarem com Roxana, mas numa das idas ao rio não quisemos esperar e nos casamos escondidos. Foi tão bom, que não posso mais ficar longe dela. A festa em si foi uma orgia com mandrágora que nos deixava inebriados, e nos fazia fazer amor com todas. As mulheres ficavam na caverna ao redor junto às paredes, uma fogueira no meio, os homens iam percorrendo as mulheres uma a uma. Diziam que na primeira vez ela sangrava, mas não sangrou. Isso foi muito bom porque não lhe doeu nada. Alguém já a preparara para me agradar. Ela me dava prazer até com a boca. Eu retribuía. Depois da iniciação ninguém mais deita seja com quem for, mas se houver problemas, podemos nos separar. Os anciãos da citânia entendem isso. Eu não quero me separar dela. Matei meu primeiro romano invasor dois dias antes de meu aniversário solar de 15 anos. Foi frente a frente. Ele não viu minha adaga falcata. Roxana lutou a meu lado. Meu outro medo era que os romanos viessem para levar Roxana como gladiadora para lutar nas arenas de Roma. Preferia vê-la morta e eu junto. A vida era a natureza. Porque teimavam em transforma-la num inferno, gentes que hoje ganham e amanha sabem que vão perder???... Quando cheguei da beira do rio hoje, meus pais tinham feito uma bela sopa com pão de bolota e carne assada de cabra. Defenderia minha citânia contra tudo e contra todos.
Foi logo depois de ter cumprido meu 15o ano de vida, a caminho dos 20, que a tribo da citânia, meus pais e os pais de Roxana resolveram que seria melhor casarmos e irmos para longe da influência do mundo romano para nos pouparem da escravidão, da morte, e podermos continuar a nossa descendência. Embarcamos num barco fenício que se dirigia ao continente negro e depois voltaria ao mediterrâneo e ao oriente médio. Pensávamos ficar na Grécia ou em Bizâncio. Éramos apenas 5 pessoas com o barco cheio de alimentos para trocar por marfim antes da costa dos esqueletos: Três marinheiros fenícios, eu e Roxana. Quiseram-nos pagar largas somas em ouro para fazerem amor com Roxana. Se não precisássemos de marinheiros os teríamos matado. Parte da carga era da citânia, que nos fora doada em dote de casamento. Com esse dinheiro viveríamos. Tínhamos assim que vender a carga em Africa, comprar marfim em troca, levar para Bizâncio, e vender por lá sem sermos assaltados.os lucros seriam suficientes para comprar escravos e viver em Bizâncio. Sempre que aportávamos escondíamos Roxana debaixo da carga para não gerar maus pensamentos. Conseguimos comprar boa carga de marfim com os Nok da atual Nigéria. Borramos o marfim com lama para não dar nas vistas, e depois de jogarmos feno em cima, cobrimos com tecido grosso. Trouxemos também uns minerais de ferro que caíra do céu, para fazer adagas bem mais duradouras e duras. Chegamos a Bizâncio quase dois anos depois, e abrimos uma empresa de comércio marítimo. Achamos por bem trocar nossos nomes e aprendemos a ler e a escrever com escravos celtas da Betica, começamos a usar roupas iguais às dos romanos. Tivemos três filhos. Éramos romanos de coração celta, ou celtas de coração romano.
Barcos bizantinos de comércio.
O Celtibero
Os negócios nos levam às origens.
Ano XXV D.C.
As religiões são uma desgraça, jogando uns contra os outros. O jogo dos extremistas é sempre descobrir os "traidores das religiões" para extorquirem dinheiro, casas, bens em geral. A religião é usada para extorquir dinheiro até pelos nossos druidas da Citânia. Em Bizâncio é a mesma coisa. Por isso usamos os fenícios, que são "religiosamente" neutros. Financiamos barcos fenícios ou bizantinos, mas sempre com fenícios na tripulação contratados por um fenício que é o nosso testa de ferro e que nos presta contas. Ninguém ataca os fenícios e a menos que os barcos afundem, sabemos exatamente qual o lucro. Um dia aproveitamos uma viagem para a "ilha Cassiterita", ou Britânia, uma ilha que fica enviesada a norte de nossa citânia ibérica, e ocupamos um segundo barco para levarmos as crianças para conhecerem os avós. Íamos pegar uma carga de estanho. Foi uma viagem perigosa, mas a vida também era. Estamos no ano 25 D.C e os romanos ainda não chegaram à Britânia. A viagem decorreu sem incidentes. Levamos nossos pais para a Britânia. Livramo-los assim dos romanos. A vida na península estava impossível. Deixamos nosso filhos com eles e voltamos a Bizâncio para vendermos tudo e irmos para a Britânia. Sempre fiquei na duvida se fizemos bem ou mal, agora que nossos filhos eram gente de um grande império, o romano, mas não podíamos conviver com a hipótese de virem a fazer parte de uma legião romana, serem destacados para a Ibéria e matarem seus familiares ou serem mortos por eles sem nunca virem a saber. Deixamos as crianças com uma dor no coração, mas certos que a vida é cheia de dores nos corações. Temos que ser fortes!
Santuário na Britânia. Antes havia uma cobertura parte com madeira coberta de palha, parte com pedras. No piso inferior se faziam sacrifícios.
O Celtibero
Todo este tempo vivendo em Bizâncio e fazendo comércio com barcos fenícios. Recebemos noticias da família na Britânia através de tábuas de madeira escavadas com letras. Íamos fazer uma casa nova aqui em Bizâncio e encontramos dois esqueletos de mãos dadas. Pelos objetos que tinham sido enterrados com eles pareciam ser celtas. Roxana e eu combinamos de sermos enterrados assim, de mãos dadas. Morrendo um, o outro se mata, mas só se as crianças já forem maiores de idade. Pensando bem, este casal que encontramos não deveria ser celta. Não tinham flores enterradas no túmulo. Um celta nunca esquece as flores.
Os piratas que ficam nas ilhas do Mare Nostrum, o mediterrâneo, atacaram nossos navios por diversas vezes. A cada perda, aumentamos os preços para compensar o prejuízo anterior. Roxana disse-me:
- Rodrix, está na hora de abandonarmos tudo e irmos para a Britânia e salvar as crianças antes que fiquemos sem fortuna.
Achei que ela tinha razão e vendemos tudo. Dissemos na vizinhança que íamos mudar para Roma, mas na surdina combinamos juntar todos os nossos barcos, enchê-los de nossas riquezas, e rumar com todos eles para a Galécia, que muitos confundem com Lusitânia, e nem nós mesmos sabemos se nossa original citânia ficava num lugar ou noutro. Partimos. Quando chegamos a Roma, e em troca de umas influências pagas a peso de ouro, conseguimos obter um atestado do Imperador Tibério para ocupar exatamente a citânia onde nascêramos e que agora estava abandonada. Todos nossos amigos tinham sido passados a fio de espada, menos os que puderam fugir e os que salvamos quando levamos nossa família. Tibério governava com intrigas, espalhava o terror. Só ele parecia não saber mas todos achavam que um dia iam matá-lo.
Deixei Roxana na Citânia preparando tudo e contratando escravos, e fui apanhar a família de volta da Britânia. Além dos rumores de assassinato de Tibério, corriam rumores que o senado de Roma preparava uma grande invasão: Na Britânia, justamente. Voltei com a família e as crianças, que registramos como "romanas", e passamos a "tocar o negócio" com os barcos e a tripulação fenícia desde a nossa citânia que agora tinha um nome romano: "Callaeci Bracari" (que atualmente chamam de citânia de Briteiros) onde se reunia o Conselho de cidadãos, o "Consilium Gentis" que se sentavam em bancos de pedra na casa maior da citânia. Se não voltassem a aparecer os cartagineses, ou outros, e a menos de guerra civil, agora éramos protegidos de Roma eternamente. De qualquer forma, nos identificamos mais com os lusitanos que vivem um pouco mais a sul do que com os Callaeci (galegos), a que pertencemos. Eles têm a mente mais "aberta".
Tenho muita coisa para contar, mas não por agora. Posso adiantar que cultivamos a vinha, largamos um pouco a cerveja e os negócios vão bem. Cheguei aos quarenta anos. Roxana tem 35 anos. Nossos filhos estão na idade do "Hiero Gamos". Tibério era pedófilo e convocava criancinhas para o seu leito. O povo o detestava. Morreu de causas naturais há três anos atrás, em 37 DC, mas o povo gritava "Tibério ao Tibre". Foi pena realmente não ter sido terrível e cruelmente assassinado. Ele merecia! Esta semana carregaram barcos com legiões a caminho da Britânia. Quem governa Roma agora é Calígula, outro pedófilo que era convocado para a cama do falecido Tibério, seu tio. Desta vez devem assassinar o Imperador porque matou seu primo para assumir o Império. Os imperadores mudam sem mudar na essência, mas Roma muda muito mais embora pareça que não.
Seja como for, gostamos demais dos animais para que se construam circos romanos em terras lusitanas ou Gaélicas.
Rui Rodrigues
(Os romanos não conheciam o dígito zero)
Altar celta de sacrifícios de Panoias. O sangue escorria pelos buracos
Rodrix era um nome de origem nos celtas que haviam chegado há muitas e muitas luas vindos de lá das enormes montanhas de neve, onde o dia nascia primeiro. Buscavam terras mais quentes e melhores para encontrar minerais e cultivar. Tinham ouvido falar. Era filho de Gael e Alexia que tinham se juntado sob a proteção dos deuses celtas, mas os romanos não conheciam o zero. Para eles, os romanos, Rodrix o recém-nascido ainda não existia. Nem a citânia porque não a haviam ainda descoberto, mas isso era uma questão de tempo.
Todos levavam uma vida monótona, agora que se escondiam dos invasores, muito limitados em sua liberdade de andar pelos campos, temendo encontros com as legiões. O chefe da citânia cogitava de se unirem aos romanos. Dizia-se na citânia.
Rodrix diria um dia, como todos os celtas e iberos: "Orávamos a Tutatis e Belenos, e sempre que apanhávamos soldados romanos perdidos os imolavam no santuário de Panóias. Se os deixássemos ir, eles podiam denunciar a citânia e viriam com mais soldados para nos matarem a todos, estuprar as nossas mulheres". Os celtas de Panoias, vieram da Panônia, nas margens do rio Ister (Danúbio).
O Celtibero
O começo do conhecimento
Ano V D.C.O começo do conhecimento
(Jesus Cristo nascera no ano zero que os romanos não conheciam)
Rodrix gostava de comer carne de cabra, ovelha, porco, queijos, mel, e aqueles fungos que os porcos encontravam enterrados, presos a raízes de árvores nas florestas, as trufas. Tomava sempre leite de cabra e gostava também de misturar-lhe pão de bolota migado. De vez em quando via hordas de romanos passarem lá embaixo margeando o rio e sabia o que significava: Encrenca! Ouvira falar e estava sempre atento ao que falavam. Felizmente não os tinham ainda descoberto porque era muito raro passarem por ali. Um dia teria uma falcata bem afiada, muito melhor que o gládio romano, e seu labrys, um machado de duplo corte, do mais afiado e duro ferro. Chegava a temer mais por Gael e Alexia do que por ele mesmo. Ainda não conhecera a dor, mas sentia aquela dos tempos de insegurança no seu peito. Orava a Ares, o deus da guerra. Um dia seria um grande guerreiro sem medo de morrer. Os carnutes ou Dehieroskópos como os gregos chamavam aos sacerdotes, o haviam ensinado a não ter medo. Adorava quando chovia e todo o Castro se quedava em meditação. Por isso esmagavam as cabeças dos inimigos para lhes extrair o "pensamento". Um dia vira um inimigo ser perfurado no ventre, ainda vivo, e seu sangue jorrar em pequenas poças abertas nas pedras cinza duras, escorrendo para a terra através de pequenos sulcos. Os carnutes leram depois o que diziam as vísceras do homem, que eram iguais às dos porcos. Temia e exultava por isso. Os sacerdotes deveriam saber o que faziam, mas bem que poderiam ler nas vísceras dos porcos, nas entranhas de peixes.
O Celtibero
Meu mundo em guerraAno X D.C.
Uma anta celta ibérica.
Agora tenho 10 anos pelo ciclo do Sol, como aprendi com os druidas. Com mais uns 30 de vida estarei morto, e com sorte enterrado numa Anta junto com minhas armas, se os do castro me julgarem valente. Os romanos começaram a chegar e tomaram conta de tudo. Os fenícios nunca mais apareceram com suas mercadorias, os gregos nunca mais voltaram. Há gentes que chegam com língua parecida com a nossa e a que chamam bárbaros, mas são diferentes dos cartagineses que nos convencem a lutar contra Roma. Dizem ser Godos. Sei que sou Celta, amo a minha família e a defenderei onde for preciso. Tememos uns barcos que quando chegam, muito raramente, não é pra comerciar. Eles chegam do Norte e são louros. Chamamos-lhes de godos e chegam para nos roubar. Aquele homem que vira os sacerdotes perfurarem e sacrificarem quando eu tinha 5 anos era godo. Também não gostamos dos romanos e aprendo rápido a lutar com armas de ferro. Os romanos são invasores, e muito organizados. Acham que a morte é uma fatalidade e morrem sem reclamar dos deuses. Todos no mundo dizem que os Celtiberos e os lusitanos são os melhores guerreiros da península. Talvez me junte a cartagineses se voltarem a passar por aqui, mas não aparecem há cerca de 146 ciclos do sol. Gosto de Roxana, terceira casa a subir, do lado direito, mas não sei como levá-la quando sair desta terra. Sinto-me muito preso nesta citânia e não muito seguro. Eles atacam quando vamos ao rio ou mais longe ao mar para pescar. Quero correr mundo como aqueles que nos visitam para comerciar. Comecei a ter consciência que os cartagineses nos usaram para atacar Roma,e agora sofremos dois tipos de ataques: A vingança dos romanos que querem acabar com os ataques a Roma e nos chamam de bárbaros, e os que vêm para nos roubar os metais e nos fazerem de escravos.
O Celtibero
Para que se vive?
Ano XV D.C. Para que se vive?
Roxana era assim, mas bem mais loura
Quinze anos eu tenho agora. Dois anos atrás os guerreiros começaram a me deixar participar da defesa de nossa tribo. Pela primeira vez me deixaram ir até o rio para a colheita de trigo e milho. Alguns de nós cuidavam das mulheres enquanto outros as ajudavam na colheita. Os rituais de minha iniciação sexual estavam programados para este ano durante o Equinócio da primavera, na festa do "Hiero Gamos", para me casarem com Roxana, mas numa das idas ao rio não quisemos esperar e nos casamos escondidos. Foi tão bom, que não posso mais ficar longe dela. A festa em si foi uma orgia com mandrágora que nos deixava inebriados, e nos fazia fazer amor com todas. As mulheres ficavam na caverna ao redor junto às paredes, uma fogueira no meio, os homens iam percorrendo as mulheres uma a uma. Diziam que na primeira vez ela sangrava, mas não sangrou. Isso foi muito bom porque não lhe doeu nada. Alguém já a preparara para me agradar. Ela me dava prazer até com a boca. Eu retribuía. Depois da iniciação ninguém mais deita seja com quem for, mas se houver problemas, podemos nos separar. Os anciãos da citânia entendem isso. Eu não quero me separar dela. Matei meu primeiro romano invasor dois dias antes de meu aniversário solar de 15 anos. Foi frente a frente. Ele não viu minha adaga falcata. Roxana lutou a meu lado. Meu outro medo era que os romanos viessem para levar Roxana como gladiadora para lutar nas arenas de Roma. Preferia vê-la morta e eu junto. A vida era a natureza. Porque teimavam em transforma-la num inferno, gentes que hoje ganham e amanha sabem que vão perder???... Quando cheguei da beira do rio hoje, meus pais tinham feito uma bela sopa com pão de bolota e carne assada de cabra. Defenderia minha citânia contra tudo e contra todos.
Falcata celta ibérica.
O Celtibero
Quem me muda assim a vida?
Ano XX D.C. O Celtibero
Quem me muda assim a vida?
Foi logo depois de ter cumprido meu 15o ano de vida, a caminho dos 20, que a tribo da citânia, meus pais e os pais de Roxana resolveram que seria melhor casarmos e irmos para longe da influência do mundo romano para nos pouparem da escravidão, da morte, e podermos continuar a nossa descendência. Embarcamos num barco fenício que se dirigia ao continente negro e depois voltaria ao mediterrâneo e ao oriente médio. Pensávamos ficar na Grécia ou em Bizâncio. Éramos apenas 5 pessoas com o barco cheio de alimentos para trocar por marfim antes da costa dos esqueletos: Três marinheiros fenícios, eu e Roxana. Quiseram-nos pagar largas somas em ouro para fazerem amor com Roxana. Se não precisássemos de marinheiros os teríamos matado. Parte da carga era da citânia, que nos fora doada em dote de casamento. Com esse dinheiro viveríamos. Tínhamos assim que vender a carga em Africa, comprar marfim em troca, levar para Bizâncio, e vender por lá sem sermos assaltados.os lucros seriam suficientes para comprar escravos e viver em Bizâncio. Sempre que aportávamos escondíamos Roxana debaixo da carga para não gerar maus pensamentos. Conseguimos comprar boa carga de marfim com os Nok da atual Nigéria. Borramos o marfim com lama para não dar nas vistas, e depois de jogarmos feno em cima, cobrimos com tecido grosso. Trouxemos também uns minerais de ferro que caíra do céu, para fazer adagas bem mais duradouras e duras. Chegamos a Bizâncio quase dois anos depois, e abrimos uma empresa de comércio marítimo. Achamos por bem trocar nossos nomes e aprendemos a ler e a escrever com escravos celtas da Betica, começamos a usar roupas iguais às dos romanos. Tivemos três filhos. Éramos romanos de coração celta, ou celtas de coração romano.
Barcos bizantinos de comércio.
O Celtibero
Os negócios nos levam às origens.
As religiões são uma desgraça, jogando uns contra os outros. O jogo dos extremistas é sempre descobrir os "traidores das religiões" para extorquirem dinheiro, casas, bens em geral. A religião é usada para extorquir dinheiro até pelos nossos druidas da Citânia. Em Bizâncio é a mesma coisa. Por isso usamos os fenícios, que são "religiosamente" neutros. Financiamos barcos fenícios ou bizantinos, mas sempre com fenícios na tripulação contratados por um fenício que é o nosso testa de ferro e que nos presta contas. Ninguém ataca os fenícios e a menos que os barcos afundem, sabemos exatamente qual o lucro. Um dia aproveitamos uma viagem para a "ilha Cassiterita", ou Britânia, uma ilha que fica enviesada a norte de nossa citânia ibérica, e ocupamos um segundo barco para levarmos as crianças para conhecerem os avós. Íamos pegar uma carga de estanho. Foi uma viagem perigosa, mas a vida também era. Estamos no ano 25 D.C e os romanos ainda não chegaram à Britânia. A viagem decorreu sem incidentes. Levamos nossos pais para a Britânia. Livramo-los assim dos romanos. A vida na península estava impossível. Deixamos nosso filhos com eles e voltamos a Bizâncio para vendermos tudo e irmos para a Britânia. Sempre fiquei na duvida se fizemos bem ou mal, agora que nossos filhos eram gente de um grande império, o romano, mas não podíamos conviver com a hipótese de virem a fazer parte de uma legião romana, serem destacados para a Ibéria e matarem seus familiares ou serem mortos por eles sem nunca virem a saber. Deixamos as crianças com uma dor no coração, mas certos que a vida é cheia de dores nos corações. Temos que ser fortes!
Santuário na Britânia. Antes havia uma cobertura parte com madeira coberta de palha, parte com pedras. No piso inferior se faziam sacrifícios.
O Celtibero
ROMA, um problema
Ano XXX D.C. Todo este tempo vivendo em Bizâncio e fazendo comércio com barcos fenícios. Recebemos noticias da família na Britânia através de tábuas de madeira escavadas com letras. Íamos fazer uma casa nova aqui em Bizâncio e encontramos dois esqueletos de mãos dadas. Pelos objetos que tinham sido enterrados com eles pareciam ser celtas. Roxana e eu combinamos de sermos enterrados assim, de mãos dadas. Morrendo um, o outro se mata, mas só se as crianças já forem maiores de idade. Pensando bem, este casal que encontramos não deveria ser celta. Não tinham flores enterradas no túmulo. Um celta nunca esquece as flores.
Os piratas que ficam nas ilhas do Mare Nostrum, o mediterrâneo, atacaram nossos navios por diversas vezes. A cada perda, aumentamos os preços para compensar o prejuízo anterior. Roxana disse-me:
- Rodrix, está na hora de abandonarmos tudo e irmos para a Britânia e salvar as crianças antes que fiquemos sem fortuna.
Achei que ela tinha razão e vendemos tudo. Dissemos na vizinhança que íamos mudar para Roma, mas na surdina combinamos juntar todos os nossos barcos, enchê-los de nossas riquezas, e rumar com todos eles para a Galécia, que muitos confundem com Lusitânia, e nem nós mesmos sabemos se nossa original citânia ficava num lugar ou noutro. Partimos. Quando chegamos a Roma, e em troca de umas influências pagas a peso de ouro, conseguimos obter um atestado do Imperador Tibério para ocupar exatamente a citânia onde nascêramos e que agora estava abandonada. Todos nossos amigos tinham sido passados a fio de espada, menos os que puderam fugir e os que salvamos quando levamos nossa família. Tibério governava com intrigas, espalhava o terror. Só ele parecia não saber mas todos achavam que um dia iam matá-lo.
Deixei Roxana na Citânia preparando tudo e contratando escravos, e fui apanhar a família de volta da Britânia. Além dos rumores de assassinato de Tibério, corriam rumores que o senado de Roma preparava uma grande invasão: Na Britânia, justamente. Voltei com a família e as crianças, que registramos como "romanas", e passamos a "tocar o negócio" com os barcos e a tripulação fenícia desde a nossa citânia que agora tinha um nome romano: "Callaeci Bracari" (que atualmente chamam de citânia de Briteiros) onde se reunia o Conselho de cidadãos, o "Consilium Gentis" que se sentavam em bancos de pedra na casa maior da citânia. Se não voltassem a aparecer os cartagineses, ou outros, e a menos de guerra civil, agora éramos protegidos de Roma eternamente. De qualquer forma, nos identificamos mais com os lusitanos que vivem um pouco mais a sul do que com os Callaeci (galegos), a que pertencemos. Eles têm a mente mais "aberta".
O Celtibero
Um final feliz
Ano XL D.C. Um final feliz
Tenho muita coisa para contar, mas não por agora. Posso adiantar que cultivamos a vinha, largamos um pouco a cerveja e os negócios vão bem. Cheguei aos quarenta anos. Roxana tem 35 anos. Nossos filhos estão na idade do "Hiero Gamos". Tibério era pedófilo e convocava criancinhas para o seu leito. O povo o detestava. Morreu de causas naturais há três anos atrás, em 37 DC, mas o povo gritava "Tibério ao Tibre". Foi pena realmente não ter sido terrível e cruelmente assassinado. Ele merecia! Esta semana carregaram barcos com legiões a caminho da Britânia. Quem governa Roma agora é Calígula, outro pedófilo que era convocado para a cama do falecido Tibério, seu tio. Desta vez devem assassinar o Imperador porque matou seu primo para assumir o Império. Os imperadores mudam sem mudar na essência, mas Roma muda muito mais embora pareça que não.
Seja como for, gostamos demais dos animais para que se construam circos romanos em terras lusitanas ou Gaélicas.
Rui Rodrigues