Arquivo do blog

sábado, 9 de junho de 2012

O urso, o ateu e Deus


Um ateu estava passeando em um bosque, admirando tudo o que aquele "acidente da evolução" havia criado.

- Mas que árvores majestosas! Que poderosos rios! Que belos animais! Lá ia ele dizendo consigo próprio. À medida que caminhava ao longo do rio, ouviu um ruído nos arbustos atrás de si. Ele virou-se para olhar para trás. Foi então que viu um corpulento urso-pardo caminhando na sua direção. Ele disparou a correr o mais rápido que podia. Olhou, por cima do ombro, e reparou que o urso estava demasiado próximo. Ele aumentou mais a velocidade. Era tanto o seu medo que lágrimas lhe vieram aos olhos. Olhou, de novo, por cima do ombro, e, desta vez, o urso estava mais perto ainda. O seu coração batia freneticamente. Tentou imprimir maior velocidade. Foi, então, que tropeçou e caiu desamparado. Rolou no chão rapidamente e tentou levantar-se. Só que o urso já estava em cima dele, procurando pegá-lo com a sua forte pata esquerda e, com a outra pata, tentando agredi-lo ferozmente. Nesse preciso momento, o ateu clamou:
- Oh meu Deus!....
O tempo parou. O urso ficou sem reação. O bosque mergulhou em silêncio. Até o rio parou de correr. À medida que uma luz clara brilhava, uma voz vinda do céu dizia:
- Tu negaste a minha existência durante todos estes anos, ensinaste a outros que eu não existia, e reduziste a criação a um acidente cósmico. Esperas que eu te ajude a sair desse apuro? Devo eu esperar que tenhas fé em mim? O ateu olhou diretamente para a luz e disse:
- Seria hipocrisia de a minha parte pedir que, de repente, me passes a tratar como um cristão, mas, talvez, possa tornar o urso um cristão?!
- Muito bem - disse a voz. A luz foi embora. O rio voltou a correr. E os sons da floresta voltaram. E, então, o urso recolheu as patas, fez uma pausa, abaixou a cabeça e falou:
- Senhor, agradeço profundamente, por este alimento que me deste e que agora vou comer. Amém.

Falando sério... Sobre o amor




Falando Sério...
Sobre o amor  e não é piada.


Aqui no Bar do Chopp Grátis passam tipos de todos os tipos, caras com várias faces, sujeitos sem predicado e outros sem complemento do sujeito, seres que são, outros que parecem e que não são, outros que perderam o rumo e nem sabem onde estão. Alguns bebem muito, outros pouco, e outros ficam na conversa segurando um copo vazio, vendo se ainda lhes sai fumo dos dedos. De vez em quando se confessam como se estivessem diante de um padre. Talvez por causa de minha roupa preta e branca de barman me confundam com padres. Mas também não sou barman, embora de vez em quando vá para detrás do balcão. Se me descobrem logo me levanto e para disfarçar, começo a preparar umas Margueritas, Bloody Mary, Irish Coffee. O que tiver á mão. Pisco Sauer, Caipirinha ou traçado para matar. O Traçado, para quem não conhece, é uma mistura, sem chacoalhar, de cachaça com Martini Rosso sem azeitona, sem cereja, sem nada. Depois de uns quatro ou cinco, podem chamar a ambulância que vai dar coma alcoólica.

Ela vai para o caixa, sorrateiramente, também para disfarçar.

Pedro Barbosa costumava vir ao bar acompanhado de uma gringa loura, bonitaça, peituda, uma bunda almofadada, pele cor de rosa e um sorriso maroto de lábios grossos, sempre olhando por detrás dos ombros do Pedro Barbosa, com toda a cautela para não levantar ciúmes. Ele estava apaixonado e não reparava em nada. Ela reparava em tudo com uma memória fotográfica. Ele jamais perceberia os bilhetes que outros me pediam para passar àquela bela mulher. Eu concedia o favor porque os bilhetinhos sempre vinham acompanhados de uma nota poderosa do tesouro nacional ou internacional. Minha consciência estava quieta lá no seu canto, descansando das problemáticas da vida. Estas coisas nunca acontecem conosco.

Um dia, Pedro Barbosa chegou sozinho. Calado, macambúzio. Sentou-se, pediu um traçado. Achei que a coisa estava feia mesmo. Sempre pedia umas Margueritas. E logo pediu mais um, como se competisse com ele mesmo para ver quem agüentava mais. Lá pelo sexto traçado, Pedro Barbosa levantou-se sem dizer nada, deu um impulso na direção do banheiro e voltou a sentar-se. Pediu mais um que deixou em cima da mesa, inerte, inteiro e começou a contar-me uma história. Como estávamos a sós resolvi atender a sua necessidade de falar. Eu não estava fazendo nada mesmo, porque o bar estava quase vazio.

- Paquito... (nunca entendi porque me chamava de Paco no diminutivo, se nem bigode eu tenho e não uso chapéu mexicano)... Lembra aquele mulherão que eu sempre trazia aqui? Ela foi-se, a Sofia!... (Eu já desconfiava)... Estou triste! ...Quer dizer... Nem estou!

(deixei rolar o silêncio)

- Cara... Já vi de tudo. Já traí sem ser traído, já traí e me cornearam. Mulher é um bicho doido. Uma viveu comigo cinco anos. Tínhamos dois filhos. Um era meu. Descobri que o outro não era porque suspeitei e pedi a um amigo que fizesse um teste de DNA, porque desconfiava de um sujeito... Já tínhamos trabalhado juntos nessa cidade e achei o moleque parecido com ele... Mas afora isso nem tinha motivo sério para desconfiar. Fui até essa cidade distanciada uns dois mil quilômetros e consegui arrancar uns cabelos do braço dele passando-me por veado... Não deu outra. O moleque era filho dele. Num falei nada. Arrumei as malas e zarpei fora. Soube que ela botou o cara na justiça e ganhou uma renda mensal. Quer dizer... Se eu não descobrisse a tramóia, ela ia deixar que trabalhasse a vida toda feito um filho da puta pra cuidar de outro filho da puta... E o cara lá no bem bom...  Chamava-se Alice. Rodou.

(Eu deixei rolar o silêncio. Quem estava mais distraído era eu que não estava bebendo, absorto pela narrativa dele. Digo isso porque me pediu mais um traçado. Olhei o copo dele e estava vazio. Juro que nem vi quando tomou o copo. Deve ter sido de uma vez só)

- Paco... (Olhou pra mim)... Tu é casado? (senti uma sapatada na cara, como se o sapato tivesse sido atirado por catapulta, á queima roupa)

- Não, senhor Pedro Barbosa. Nunca fui... (resolvi descontrair) E para que veja que não está sozinho nessa aflição, conto-lhe que  namorei um menina com 19 anos, e a peguei dando o traseiro, que sempre me negara, para um sujeito que nem cheguei a conhecer. Tava ela lá de quatro na cama, gemendo: Ai... Ai... Assim você me mata... Deu-me vontade de dar uns sopapos na cara do sujeito – que estava de costas - e acabar o serviço que ele estava fazendo, mas me contive. Saí de fininho, nem me viram. Nós nos encontrávamos no apartament de uma amiga dela, independente, que dava umas saídas estratégicas quando nos encontrávamos. Já que disse o nome da sua, esta chamava-se Maria. Ela me avisava sempre que se alguém batesse á porta, para não atender. A amiga tinha um namorado ciumento que aparecia de vez em quando (nem me passou pela cabeça contar-lhe que no apartamento havia uma geladeira que quando o termostato ligava, ela fazia barulho e me assustava).

- ha... ha... ha... (disse ele lentamente, sem sorrir)... Já passei por essa também!... Cara... (agora eu já não era Paquito nem Paco)... Duvido que tu tenha mais experiência que eu nessas coisas... Quer ver? (e continuou).

- Conheci uma, calminha, toda recatada que vivia com os pais. Também tinha 19 anos e dizia que era virgem, quando a conheci. Eu tinha 22 e não acreditei. Quando transamos a primeira vez, ela sabia todas. Foi uma loucura. Fiquei meio surpreendido e vi nos lençóis uma manchinha de nada, esmaecida, diluída, cor de sangue. Pensei:... Deflorei a menina! Agora vou ser pai, não posso mais estudar. Minha vida foi pro esgoto. E vou ter que casar, porque ela é filha de boas famílias e vive com os pais. Passei assim uma semana mais ou menos. Um amigo meu me tranqüilizou. Disse que sabia que ela já tinha tido uns caras, escondido dos pais, e que não contara para ninguém que a vira ir acompanhada com um deles para a casa de uma amiga que saía para que eles ficassem lá. Não queria que houvesse falatório da menina por causa dele. Cara legal.

(Pedro Barbosa olhou para mim e disse): – Era costume naquela época ter uma amiga que facilitava as coisas, né?... Ela chamava-se Maria. A partir desse dia, abusei mesmo. Fiz tudo com ela. Certa vez em que nos encontramos no aprtamento começou a dizer que se alguém batesse á porta era melhor ficar caladinho e quieto, porque a amiga tinha um namorado muito ciumento que costumava ir lá procurá-la. Se ninguém atendesse, ele iria embora. Ainda continuo com ela. É a minha garota de fé.

- Olha que coincidência, Paquito... (o Pedro Barbosa olhou-me intrigado, quase rindo)... A sua era Maria, tinha uma amiga que cedia o apartamento, que tinha um namorado ciumento... Só falta dizer que a geladeira dava um tranco quando o termostato a ligava... Tomei muito susto com isso...

Eu já ia no décimo traçado quando ele ligou o celular pedindo um táxi.

Logo que saiu, Sofia saiu de trás do balcão e veio sentar-se ao meu lado no sofá

Rui Rodrigues

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O meu tio Miguel Ângelo




O meu tio Miguel ângelo - A segunda “grande” viagem da minha vida

Não posso falar da segunda sem antes fazer uma referência à primeira.

Eram assim os combóios naquele tempo.

A primeira aconteceu quando eu tinha cerca de quatro anos de idade. Lembro-me do cheiro do trem, misto de comida, de farda de soldados, de fezes de porco e de galinha, vapores de uma fábrica que me passava pela janela quando despertei. 



Foto da Estação de Peso da Régua.

Tinha embarcado á noite em Peso da Régua e ia para o Porto, para depois fazer o traslado para Lisboa. Dormi por bom tempo, porque estava nascendo o dia quando vi a tal fabrica passar pela janela bem devagar. O trem era a vapor, apitava, e nos túneis nos enchia de fumaça, a ponto de todos correrem a fechar as janelas. Olhei à minha volta e vi umas senhoras idosas no banco de trás. Uma estava levantada, ajeitando a sua bagagem na prateleira. Ela ria, todos riam, porque um porquinho que ela levava numa caixa resolveu urinar em cima das pessoas que estavam em baixo. Com o alvoroço, e os comentários, galinhas cantaram. O cheiro de fardas do exército, cinzas, com cintos e botas pretas enceradas com banha de porco provinha dessa mistura. Lembro-me a chegada à Campeã, e a chegada a Lisboa. Eu viajava com minha avó. Possivelmente com mais alguém, mas essa viagem deve ter sido traumática, porque não me lembro de mais ninguém de família ou de amigos nesse trem, a pesar de minha excelente memória. Nem do resto da viagem. Provavelmente estava muito entregue a meus pensamentos ou dormindo de cansado. lembro sim, do transbordo na estação do Porto, para pegarmos o combóio para Lisboa.


A foto é da Av. Almirante Reis junto ao Largo do Intendente onde meu tio trabalhava e morava. Eu, minha tia e minha avó, morávamos umas duas quadras acima, na Rua Francisco Sanches, 26. A dona do andar era a dona Lucília que morava com uma irmã, as duas idosas.   

Havia-me mudado definitivamente de minha terra, Fornelos, em Santa Marta de Penaguião, para Lisboa. Minha vida seria lá, a partir da chegada à estação de comboios de Santa Apolônia.Dois anos depois, meu pai foi para o Rio de Janeiro. Fiquei em Lisboa com meu tio Miguel Ângelo, minha tia Elisa e minha avó paterna, Maria de Jesus Pinto Nogueira. Deixara lá a minha mãe que viria a falecer, muito jovem, em seis anos. Morreu aos 30.

Minha escola primária no Largo do Leão.

Um ano depois eu já estava na escola do Largo do Leão, já lia, escrevia uns bons garranchos. Meu tio Miguel era um “boa pinta”, coisa de ator de cinema. Eu queria ser como ele. As namoradas eram de fechar o comércio, todas bonitas, lindas, cheirosas. Naquela época estava na moda uma canção da Carmem Miranda que cantava " chiquita bacana lá da Martinica".  



Largo de Arroios onde meu tio se encontrava com a namorada. Na parte atrás do fotógrafo fica a ponte da Rua Pascoal de Melo, onde moravam minha prima Alice e a Fernanda, com o Teófilo. Ele tinha uma voz "esquista" porque respirava mal por causa de um ataque cardíaco que tivera. 

Na brincadeira ele dizia que elas eram também minhas namoradas. Eu sabia que não, mas ele não sabia que eu sabia. Nunca contei a ninguém que na minha  infância infantil de 4 anos uma menina um pouco mais velha me convidara para ir para o caminho da estrada para passear e que debaixo das parreiras fiquei a saber a diferença entre meninos e meninas... Como esquecer aquelas calcinhas de algodão e o que estava por debaixo delas? Ora, as namoradas de meu tio, quando eu tinha sete anos, não me iriam mostras as suas calcinhas, nem mais ou menos... Em compensação, já que não as dividia realmente comigo, meu tio trazia-me quase todos os dias uns chocolates da venda, ou umas bolachas, rebuçados, pirulitos. Um dia ele tinha comprado um lenço de cabeça para a namorada como presente de aniversário. Era um lenço verde com pintas brancas, de seda muito fina. Minha tia que fuçava tudo descobriu o lenço e ficou muito feliz e acabou por ficar com ele. Dessa confusão que se seguiu, eu não me esqueço. Descobri pela primeira vez que até família unida pode ter as suas desavenças por coisas que não valem nada. 


Esse de óculos embaixo parece ser o meu tio. A foto peguei na net. Terá sido sorte, ou não é ele?

Para a escola, eu ia a pé, mais ou menos oito quarteirões. Com essa idade, minha vida era levantar, ir para a escola, assistir ás aulas, correr até suar no recreio, almoçar na escola o almoço que minha tia Elisa me levava, voltar a estudar, voltar para casa, comer um lanche, fazer os trabalhos de casa, jantar, assistir ás notícias do dia no rádio, e dormir. As sextas feiras passava um programa da Maria Manuela Patacho com histórias faladas com vários personagens. Era a minha única grande diversão! Isso e me divertir no recreio da escola. No dia seguinte, tudo nova e exatamente igual. Aquilo para mim era uma prisão, um tédio, mas gostava de estudar. Era tudo pelo futuro. 

A foto abaixo é do largo do Intendente

Imaginem quando meu tio Miguel me perguntou, uns três dias antes do grande dia, o da viagem,  se eu queria ir com ele numa excursão que passava pela barragem do Castelo do Bode... Meus pulmões não cabiam no peito, o coração acelerou, a vista ficou turva, e comecei o meu chorrilho de perguntas que nunca mais acabavam. Quanto tempo seria a viagem, aonde íamos, o que havia lá, como era o ônibus, de que cor era, como eram as estradas, se tinha rios, se tudo era parecido com Fornelos...



Não dormi durante três dias e três noites. Nem pregar olho... Quando ia dormir, o papagaio do corredor gritava: “Olá... Quem passa?... É o rei que vai pra caça... Ó papagaio looooouuuuroooo”. E lá ia eu sonâmbulo para o colégio.
Não perdi um só segundo da viagem, olhando as paisagens, casas, mosteiros, a cidade de Caldas da Rainha, o Mosteiro da Batalha a barragem do Castelo do Bode com a água represada de um lado e o rio pequeno, diminuto, lá embaixo, do outro lado.  Aquilo me impressionou. Talvez um dia viesse a ser engenheiro, porque eu ia muito bem nas matemáticas e nas ciências.   
Lembro-me vagamente do grupo (da malta) que dizia que eu era bem comportado, das fotos, dos prédios, das paisagens planas que eram tão diferentes das montanhosas de minha terra natal. Durante a viagem vinha um cheiro a feno que entrava pelas janelas, e isso me lembrava o sabonete que usávamos lá em casa: Feno de Portugal. Olhei em todo o ônibus. Não vi nenhuma mulher por quem meu tio pudesse interessar-se. Afinal, nós tínhamos o mesmo gosto para elas. Até as dividíamos... E sei que se houvesse alguma, ele ia dar aquela piscada fatal que me ensinou a dar. Na minha inocência de então, fiquei impressionado como que as mulheres se impressionavam com uma piscadela, sem saber quem o sujeito é, o que faz, o que quer. Sempre perguntavam depois, quando já estavam "amarradas". Perguntei-me, sem dar muita importância, porque razão o meu tio não tinha levado a namorada na excursão. Só meses depois descobri.Meu tio também me deixava. Ia para o Brasil, para ganhar a vida junto com o meu pai. Eram irmãos, amigos, seriam sócios.

A loja de meu pai e meu tio era na Rua Alexandre Mackenzie. no centro do Rio de Janeiro, na foto abaixo, no segundo prédio da direita para a esquerda. 

Depois dessa viagem, se a vida já me parecia uma prisão, passou a ter vapores de algo pior. Saudades dos bons tempos, das canções da ‘Chiquita bacana lá da Martinica “ da Carmem Miranda, dos passeios com as namoradas de meu tio, dos doces que me trazia, do óleo do fígado de bacalhau que me ajudava a tomar, dizendo-me que "um homem é um homem e um bicho é um bicho" e que os homens têm que ser fortes. Saudades do meu tio que me ensinava a ler e a escrever e que leu um livro sobre um velhinho que se tinha perdido da família e que na noite de natal, pobre e esfarrapado, batera à porta da sua própria família para pedir uma esmola e saiu sem dizer quem era... Meu tio me ensinou também os bons sentimentos.




Grande tio, por uns tempos o meu pai, sempre o meu grande amigo, um exemplo de homem forte, determinado, a quem nunca vi discutir em família.  Sei que cada um é como é. Ele é assim.Um grande abraço, tio Ângelo, cheio de saudades e como novidade, meu filho Beto é muito parecido com o senhor. Nunca o ouvi levantar a voz pra ninguém. É verdade que meu pai também era assim. 


Rui Rodrigues

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Verônica Dúbia - a fantasminha - e Ronaldinho




Verônica Dúbia, a minha fantasminha camarada


De vez em quando passo aqui no Bar do Chopp Grátis para espairecer. É um bar mágico. Aparece de tudo, acontece de tudo. E como é virtual qualquer semelhança com a realidade é pura ficção. Ficção dos que veem como querem e não como as coisas são. De vez em quando se fala de política, outras vezes de política e até de política, porque neste mundo tudo é uma questão de política. Muito raramente se fala de outras coisas, mas tudo é realmente uma piada, visões, miragens. Contam-se piadas e ri-se muito. Fantasma para mim sempre foi fantasma e não merece o mínimo crédito. Se merecesse não seriam fantasmas.

Por vezes quando entro, e olho para a mesa que fica mais perto do bar, vejo a minha amiga, uma fantasminha muito camarada que gosta de caras mais velhos, maduros sem estarem podres, como eu. Então começo a pensar em Fantasmas de outro jeito. Ela é muita da gostosa. Nunca me disse o seu nome verdadeiro. Disse que a chamasse de Verônica Dúbia. Achei estranho o nome, pensando que havia alguma mensagem que ela me quisesse transmitir. Afinal, Verônica lembra a palavra “verdade” e Dúbia lembra dúvida, ambigüidade, e isso me deixa sempre em dúvida quando me conta alguma coisa...

Hoje ela me recebeu com esta...

- Vem... Senta aqui ao meu lado... Tenho uma pra te contar!

E lá fui eu, sem pestanejar, beijar aquela linda face. Virtualmente consistente, macia, cheirosa. E continuou sem nem me dar tempo de pedir um chopp (Aqui no Bar, chope não é grátis, chopp é).

- Sobre o Ronaldinho e o Flamengo, (Apurei os meus ouvidos virtuais), Sabe que saiu do Flamengo?
- Sei, mas isso já foi há alguns dias, mais de uma semana...
- Mas ele saiu e acionou o Flamengo na justiça... (e pousou sua mão sobre o meu braço, começando a mexer os meus cabelinhos, ao mesmo tempo em que eu me arrepiava. Não de medo, mas de pura vontade de convidá-la para irmos ver o que a Teresinha tinha perdido na horta)... E ganhou a causa! Sabe porquê?
-Não, respondi pousando minha mão sobre a dela.
- Porque o Flamengo fez uma troca: Deixava o Ronaldinho transar á vontade crendo numa  troca dos juros nos pagamentos que devia ao jogador. E era uma grana alta, daquelas de corromper qualquer vereador, deputado. Senador não sei, porque eles cobram mais caro... Uiiii. Bem mais caro. (ela tinha um agradável sotaque de francesinha ingênua, se é que na França existe alguma).

E continuou...

- Começaram dizendo que “semana que vem a gente acerta”, depois passaram para mês que vem, e Ronaldinho não parava de comer as suas mulherzinhas sempre que tinha oportunidade. Claro que de vez em quando bebia umas e outras, mas isso fazia parte do clima sexual. Havia umas com quem ele transava que eram as próprias tanajuras... Feias de cara e boas de bundas... 


Venônica Dúbia continuou - Já estive do lado dele, tocando-lhe em tudo que é peça, mas ele não sabe ver fantasmas. O negócio dele é vem cá e créu, sem muita conversa. Diz que é pra não dar na pinta, sempre correndo. Marca um gol, e sai pro abraço. Diz que aprendeu com um galinho lá do Quinteiro e que não se quer desgastar muito. Quando não dá a dele como galinho, dá como coelhinho, mostrando a dentuça. O mulherio delira com isso... He he he ..

- Mas, disse eu, se ele saía com mulher durante a concentração estava errado.
- Estava certo, Barmaninho (ela me chama carinhosamente de Barmaninho e nem sou o Barman)... Errado estava o Flamengo acreditando no advogado do clube: ele mandou vídeos mostrando Ronaldinho com as mulheres durante a concentração e caracterizou perseguição ao atleta. O Atlético mineiro percebendo que o jogador ia ganhar aquela, contratou logo o craque. Ronaldinho é um craque. Ainda marca muitos gols e dá passes certinhos para outros muitos mais...(ela entendia de futebol, e sua mão já andava vasculhando o meu corpo inteiro. Eu não sabia se a escutava ou se a arrastava para os fundos do bar. Nunca transei com fantasma).
- Quase todos os clubes fazem isso com os jogadores e alguns botam gente pra dentro do quarto e nem todos que entram são mulheres. Os clubes têm vídeos deles todos para exercer pressão na hora de negociar... (Fiquei abismado. Como seria isso possível? Era de deixar corado qualquer general das forças armadas e arredores).

Arrisquei:

- Mas dentro de campo...
- Hiii, meu filho.. hihihih ... Lembra do Roberto Carlos baixando para arrumar a meiazinha na hora do time da França bater o escanteio? Isso é lá hora pra fazer isso. Veio o Zidane e créu! Gol da França.
- E lembra do faniquito que o Ronaldão teve, que desestabilizou o time todo do Brasil na copa anterior, contra a mesma França? Ali, uns sabiam da tramóia, outros não. Por isso um treinador dizia que tinham que escalar o Ronaldo, e o outro dizia que não... Tudo armadilhado. Copas funcionam assim. Ora agora ganha um, ora depois ganha outro... Tens isto gostoso! (E me afagou o meu artilheiro de modo sensual e prazeroso. Passei-lhe a mão na cintura e comecei meu trabalho de meio campo. A coisa estava ficando boa. Ia acabar tudo ali mesmo, lá nos fundos do bar).

- Perguntei: Quem te contou isso?
- Foi o Taumaturgo Bode (disse ela. Eu fiquei lívido imediatamente, parecendo um fantasma)... E continuou - Ele se mete em tudo, até em futebol. Onde pode ganhar uns trocados ele se mete. Não foi ele que segredou no ouvido os nomes dos Ministros dos Esportes para serem nomeados? E não se encontra com eles de vez em quando para trocar impressões?
- Arrisquei outra vez: Ele que te contou? ...O Taumaturgo Bode ? Você e  ele... Ele e você...Vocês não... Sim?
- Naaada, (disse ela). O Taumaturgo é boiola. Subiu na vida política assim. O outro fantasma que costuma vir aqui, o mais esbelto, o Zeca Vamporra também, mas este é fêmea. Já foram amigos no passado. Mas isso da sexualidade não importa. Não vou falar sobre isso. Nem vou falar mais, senão teria que te contar que o valor do passe dos jogadores é subfaturado e o resto é pago por fora para não pagar imposto. Essa grana do “por fora” é que enriquece os carinhas...

Quando pensei que o papo iria mais longe, ela me deu um beijo impressionantemente quente nos lábios, um selão, levantou-se e já na porta disse-me:

-Tchauzinho!!!... Depois passo aí.

Senti-me como Zico perdendo o pênalti naquela copa do mundo... Pior ainda do que naquela época em que tentou empurrar jogadores do seu clube particular para o Flamengo.

O futebol está com a bola furada. Uns jogam futebol outros não. .

Estou achando que Verônica Dúbia é filha do Sobrenatural de Almeida que o Nelson Rodrigues detestava por estar sempre azarando o Fluminense. Verônica Dúbia também adora um jogo. Futebol é detalhe.

Rui Rodrigues

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Eu sou meu próprio avô


 

Há alguns anos atrás casei com uma bela viúva. Essa viúva tinha uma filha que, com o nosso casamento passou a ser minha filha também.

Até aí nada de mais, as coisas começaram a se complicar quando meu pai se enamorou, e logo se casou com essa minha filha.

O casamento do meu pai com a minha filha, fez dele meu genro, e esse casamento mudou a história da minha vida.

Minha filha ao casar-se com meu pai tornou-se também minha mãe.

Para complicar o caso, minha esposa ficou grávida e logo me tornei pai de um garotinho.

Meu filho ficou sendo cunhado do meu pai, pois era irmão de sua esposa, e por ser irmão da esposa do meu pai, meu filho tornou-se meu tio.

A minha filha que também era minha mãe por ser esposa do meu pai, também teve um filho, e esse filho era também meu neto, por ser filho da minha filha.

Minha mulher por ser a mãe da minha mãe, era minha avó, e as coisas complicavam cada vez mais, pois.

Neste imbróglio sem fim, se eu sou neto da minha esposa e casado com a minha avó acabei sendo meu próprio avô. 

Taumaturgo Bode e Zeca Vamporra

                                                            

                                                                Zeca Vamporra

Zeca Vamporra, dizem, nunca teve mãe.  Não teve mãe, também dizem, porque se sentia rejeitado por ela. Como andam sempre dizendo, e nunca assumem quem disse, passo adiante: Ele não era filho do pai dele. Era filho de um outro pai, e a mãe não sabia quem era por razões óbvias. Nada de reprovável. O problema é que a mãe sempre o via como “o filho do desconhecido” e não como filho dela. Zeca Vamporra suportava tudo com estoicismo. Um dia provaria que tudo estava na medida certa para ele. Passaria a perna em todo mundo e ninguém notaria. Não é que a mãe dele que era mãe, nunca percebeu que ele a odiava? Se a mãe não percebia, o mundo também não!

Zeca Vamporra era um revoltado, daqueles que aprendeu a esconder a sua revolta para ter tranqüilidade em casa... Sofria mil martírios, sempre calado, desde que conseguisse atingir os seus objetivos. Na escola era medianamente aplicado. Aos 19 anos já era líder estudantil. Não porque soubesse alguma coisa das matérias, mas porque estava na moda reclamar de tudo e ser da esquerda, Tcheísta mais que Fidelista. Socialista não era mesmo. Gostava muito de ouvir o hino da “internacional socialista” e se arrepiava todo. Curtia uma boa vida, desde que paga pelos outros. Não precisava ser “expert” em qualquer matéria. Conhecia as pessoas e sabia do que era capaz.

Um dia trancafiaram o Zeca Vamporra, ao tentar fundar uma espécie de Congresso Estudantil contra a ditadura. Como tinham seqüestrado um embaixador, ele e mais um grupo foram libertados e deportados em troca do político. Chegou até Cuba e fez uma plástica lá. Nunca acreditou que um dia a ditadura acabasse. Não acreditava no seu próprio movimento, nem em Che, nem em Fidel, e tratou de mudar a cara para não ser reconhecido. Mas continuou gostando muito de dinheiro, e de não dar o corpo aos abutres em batalhas. O negócio dele, como profundo conhecedor das pessoas, era gerir. Gerir qualquer coisa.

Foi aí que se perdeu o rastro do Zeca Vamporra.

Dizem uns que morreu na Serra Maestra com o Che. Dizem outros que Zeca Vamporra é falso e que é outra pessoa, e que por isso alegaram a tal operação plástica em Cuba. Outros dizem que foi o Pitanguy que lhe fez a plástica quando visitou Cuba.

Eu não sei de nada.

O que sei é que Zeca Vamporra tinha um comparsa político em ascensão enquanto eram vivos: Taumaturgo Bode! ... O temível Taumaturgo bode. Morreram, ou sei lá, na mesma época. E passaram a agir em surdina. Cada um para um lado. Taumaturgo até lhe facilitou a vida quando por sua influencia aprovaram uns documentos que deixavam o dito por não dito, o passado enterrado sem vencidos nem vencedores, um helicóptero jazendo no fundo do mar com o sujeito que não queria deixar as coisas em banho Maria.

Zeca Vamporra funda então um Partido com um sócio. O sócio, a principio, era muito honesto de princípios, mas o Zeca destruía as bases de qualquer um e disse-lhe.

-Cara... Sem dinheiro não podemos fazer nada. A URSS está nas últimas. Vai quebrar. Cuba está com bloqueio e a China não se mete nisso. Vais apanhar dinheiro onde para levarmos o Partido adiante? Você quer um Partido quebrado?

Diante das evidências, o sócio aquiesceu. Na verdade fez um contrato com o diabo, ou um representante dele, com assinatura em branco. Nunca mais se separaram.

Então Zeca Vamporra começou a aparecer. Como fantasma. Arrecadou dinheiro para a causa usando uma conta ns Ilhas Jacaré já defloradas por tantas contas internacionais. Ajudou a empichar um alto membro do governo que mais tarde, em revanche, lhe atrapalharia a vida ajudando os inimigos que fizera a porem-no para fora do cargo que tinha. Nisso o Taumaturgo Bode ajudou um bocado, porque cada um tinha um dossiê mais grosso que a Barragem de Três Quedas e se respeitavam mutuamente. Se um dia um deles resolvesse abrir os dossiês, acabariam com a vida de ambos.

Mas afinal, estão vivos...

Eu não sei de nada. É tudo o que contam outros fantasmas que andam por aí, de menor expressão, loucos para subir no podium e assumirem a chefia da Congregação Nacional dos Fantasmas, tendo até várias ONGs que defendem tudo na propaganda, mas não fazem nada de útil para defender: O dinheiro que recebem é todo gasto em notas frias que nunca expressam nada do que foi gasto. Aliás, com as notas frias, nem gastam dinheiro. Só distribuem o que recebem do governo.

Dizem, não sei, que uma vez quando se encontraram, o Sócio, Zeca Vamporra e Taumaturgo, comentaram e assentiram que o povo era burro mesmo.  E que os empresários, em troca de uns favores, pagavam a peso de ouro. Eles eram apenas intermediários entre a burrice popular e a avareza dos empresários. Sempre tinha sido assim. A revolução afinal tinha ganho a batalha contra a ditadura, porque agora estava no poder!!!!

Riram a bandeiras despregadas, estourando as pregas anais de tanto rir. Gritavam:

- Companheiros! ... Ganhamos!... Estamos no poder, e os trouxas estão lá... O povo pastando e os empresários pagando até barato.  O idiota do Fidel está lá com a sua Revolución o muerte!... Todo bloqueado, caquético, pé na cova, o povo vivendo numa crise eterna!..  O Che está morto, o otário... Morreu pelos camponeses que continuam na merda de sempre...

Quando Zeca Vamporra e Taumaturgo Bode atacam as vítimas, sempre como fantasmas, o mundo de um lado treme, do outro toma champanhe, do outro fazem festas em Paris com muitos guardanapos, de outro enchem os alforjes de dinheiro, o outro, o maior, agora está convencido que é classe C e já não é pobre...

Zeca Vamporra ganhou este apelido porque era uma palavra comum na época. Se suas comunicações fossem grampeadas, tudo o que ouviriam como referencial era um “Porra” bem colocado.

Vampiro raiz do nome Vamporra é porque sempre viveu à custa do sangue dos outros. Anda sempre com uma pasta cheia de dinheiro que os outros pensam ser de documentos.

Rui Rodrigues