Falando Sério...
Sobre o amor e não é piada.
Aqui no Bar do Chopp Grátis
passam tipos de todos os tipos, caras com várias faces, sujeitos sem predicado
e outros sem complemento do sujeito, seres que são, outros que parecem e que
não são, outros que perderam o rumo e nem sabem onde estão. Alguns bebem muito,
outros pouco, e outros ficam na conversa segurando um copo vazio, vendo se
ainda lhes sai fumo dos dedos. De vez em quando se confessam como se estivessem
diante de um padre. Talvez por causa de minha roupa preta e branca de barman me
confundam com padres. Mas também não sou barman, embora de vez em quando vá
para detrás do balcão. Se me descobrem logo me levanto e para disfarçar, começo
a preparar umas Margueritas, Bloody Mary, Irish Coffee. O que tiver á mão.
Pisco Sauer, Caipirinha ou traçado para matar. O Traçado, para quem não
conhece, é uma mistura, sem chacoalhar, de cachaça com Martini Rosso sem
azeitona, sem cereja, sem nada. Depois de uns quatro ou cinco, podem chamar a
ambulância que vai dar coma alcoólica.
Ela vai para o caixa, sorrateiramente,
também para disfarçar.
Pedro Barbosa costumava vir
ao bar acompanhado de uma gringa loura, bonitaça, peituda, uma bunda
almofadada, pele cor de rosa e um sorriso maroto de lábios grossos, sempre olhando
por detrás dos ombros do Pedro Barbosa, com toda a cautela para não levantar
ciúmes. Ele estava apaixonado e não reparava em nada. Ela reparava em tudo com
uma memória fotográfica. Ele jamais perceberia os bilhetes que outros me pediam
para passar àquela bela mulher. Eu concedia o favor porque os bilhetinhos
sempre vinham acompanhados de uma nota poderosa do tesouro nacional ou
internacional. Minha consciência estava quieta lá no seu canto, descansando das
problemáticas da vida. Estas coisas nunca acontecem conosco.
Um dia, Pedro Barbosa chegou
sozinho. Calado, macambúzio. Sentou-se, pediu um traçado. Achei que a coisa
estava feia mesmo. Sempre pedia umas Margueritas. E logo pediu mais um, como se
competisse com ele mesmo para ver quem agüentava mais. Lá pelo sexto traçado,
Pedro Barbosa levantou-se sem dizer nada, deu um impulso na direção do banheiro
e voltou a sentar-se. Pediu mais um que deixou em cima da mesa, inerte, inteiro
e começou a contar-me uma história. Como estávamos a sós resolvi atender a sua
necessidade de falar. Eu não estava fazendo nada mesmo, porque o bar estava
quase vazio.
- Paquito... (nunca entendi
porque me chamava de Paco no diminutivo, se nem bigode eu tenho e não uso
chapéu mexicano)... Lembra aquele mulherão que eu sempre trazia aqui? Ela
foi-se, a Sofia!... (Eu já desconfiava)... Estou triste! ...Quer dizer... Nem
estou!
(deixei rolar o silêncio)
- Cara... Já vi de tudo. Já
traí sem ser traído, já traí e me cornearam. Mulher é um bicho doido. Uma viveu
comigo cinco anos. Tínhamos dois filhos. Um era meu. Descobri que o outro não
era porque suspeitei e pedi a um amigo que fizesse um teste de DNA, porque desconfiava de um sujeito... Já tínhamos trabalhado juntos nessa cidade e achei o
moleque parecido com ele... Mas afora isso nem tinha motivo sério para desconfiar. Fui
até essa cidade distanciada uns dois mil quilômetros e consegui arrancar uns
cabelos do braço dele passando-me por veado... Não deu outra. O moleque era
filho dele. Num falei nada. Arrumei as malas e zarpei fora. Soube que ela botou
o cara na justiça e ganhou uma renda mensal. Quer dizer... Se eu não
descobrisse a tramóia, ela ia deixar que trabalhasse a vida toda feito um filho
da puta pra cuidar de outro filho da puta... E o cara lá no bem bom... Chamava-se Alice. Rodou.
(Eu deixei rolar o silêncio.
Quem estava mais distraído era eu que não estava bebendo, absorto pela
narrativa dele. Digo isso porque me pediu mais um traçado. Olhei o copo dele e
estava vazio. Juro que nem vi quando tomou o copo. Deve ter sido de uma vez só)
- Paco... (Olhou pra mim)...
Tu é casado? (senti uma sapatada na cara, como se o sapato tivesse sido atirado
por catapulta, á queima roupa)
- Não, senhor Pedro Barbosa.
Nunca fui... (resolvi descontrair) E para que veja que não está sozinho nessa aflição, conto-lhe que namorei um menina com 19 anos, e a peguei
dando o traseiro, que sempre me negara, para um sujeito que nem cheguei a
conhecer. Tava ela lá de quatro na cama, gemendo: Ai... Ai... Assim você me
mata... Deu-me vontade de dar uns sopapos na cara do sujeito – que estava de
costas - e acabar o serviço que ele estava fazendo, mas me contive. Saí de
fininho, nem me viram. Nós nos encontrávamos no apartament de uma amiga dela, independente, que dava umas saídas estratégicas quando nos encontrávamos. Já
que disse o nome da sua, esta chamava-se Maria. Ela me avisava sempre que se
alguém batesse á porta, para não atender. A amiga tinha um namorado ciumento
que aparecia de vez em quando (nem me passou pela cabeça contar-lhe que no
apartamento havia uma geladeira que quando o termostato ligava, ela fazia
barulho e me assustava).
- ha... ha... ha... (disse
ele lentamente, sem sorrir)... Já passei por essa também!... Cara... (agora eu
já não era Paquito nem Paco)... Duvido que tu tenha mais experiência que eu
nessas coisas... Quer ver? (e continuou).
- Conheci uma, calminha,
toda recatada que vivia com os pais. Também tinha 19 anos e dizia que era
virgem, quando a conheci. Eu tinha 22 e não acreditei. Quando transamos a
primeira vez, ela sabia todas. Foi uma loucura. Fiquei meio surpreendido e vi
nos lençóis uma manchinha de nada, esmaecida, diluída, cor de sangue. Pensei:...
Deflorei a menina! Agora vou ser pai, não posso mais estudar. Minha vida foi
pro esgoto. E vou ter que casar, porque ela é filha de boas famílias e vive com
os pais. Passei assim uma semana mais ou menos. Um amigo meu me tranqüilizou.
Disse que sabia que ela já tinha tido uns caras, escondido dos pais, e que não
contara para ninguém que a vira ir acompanhada com um deles para a casa de uma
amiga que saía para que eles ficassem lá. Não queria que houvesse falatório da
menina por causa dele. Cara legal.
(Pedro Barbosa olhou para mim e disse): –
Era costume naquela época ter uma amiga que facilitava as coisas, né?... Ela
chamava-se Maria. A partir desse dia, abusei mesmo. Fiz tudo com ela. Certa vez em que nos encontramos no aprtamento começou a dizer que se alguém batesse á porta era melhor ficar caladinho e
quieto, porque a amiga tinha um namorado muito ciumento que costumava ir lá
procurá-la. Se ninguém atendesse, ele iria embora. Ainda continuo com ela. É a
minha garota de fé.
- Olha que coincidência, Paquito... (o
Pedro Barbosa olhou-me intrigado, quase rindo)... A sua era Maria, tinha uma
amiga que cedia o apartamento, que tinha um namorado ciumento... Só falta dizer
que a geladeira dava um tranco quando o termostato a ligava... Tomei muito
susto com isso...
Eu já ia no décimo traçado
quando ele ligou o celular pedindo um táxi.
Logo que saiu, Sofia saiu de
trás do balcão e veio sentar-se ao meu lado no sofá
Rui Rodrigues
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