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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Quem são eles? - Um ensaio sobre Snowden e Assange.



1.  Simpatias e repulsas

Nós, humanos, somos seres dotados de uma inteligência estranha. Normalmente nos guiamos por atos imediatos para nos classificarmos uns aos outros, e, alem disso, de nos adjetivarmos, ora guiados pelo raciocínio ora pelo instinto. Em função disso nos apoiamos uns aos outros, ou nos rejeitamos. Nações, religiões, clubes esportivos, instituições, são grupos de linhas de pensamento ou de simpatia que tanto nos podem separar quanto unir. Nós somos todos assim, com maior ou menor ambição, maior ou menor capacidade, maior ou menor fé. E somos competitivos. Todos gostamos de ganhar, e mesmo quando isso não interessa, ninguém gosta de perder. Porém, nada mais nos separa ou une mais do que a “guerra” ou a hipótese de que possa vir a acontecer. Nosso problema, como nação, é que raramente sabemos onde pode começar uma. Nosso temor por guerras é de tal ordem que mesmo com a verdade á frente de nossos olhos, sempre tentamos evitá-las. A mais triste notícia histórica que temos desta demora em tomar atitudes, aconteceu alguns anos antes de Hitler tomar o poder – até de forma democrática – na Alemanha. Nossa esperança de evitar uma guerra se estendeu até 1939, quando Hitler já estava demasiadamente forte. A guerra se tornou cruel, altamente letal, destruidora. Podemos ter certeza que tanto os serviços de inteligência quanto as forças armadas de todas as nações do mundo devem ter jurado que uma guerra assim, da noite para o dia, deflagrada sem aviso prévio, jamais voltaria a acontecer. A Organização das Nações Unidas parece hoje um enorme elefante branco. 
 

2.  Paranóia ou Realidade?

Podemos entrevistar qualquer pessoa na rua, em alguma instituição que não seja das forças armadas ou da inteligência, sobre a possibilidade de uma guerra mundial ou de ataque a grande potência, que a resposta será negativa. Quando muito, como já houve muitas, dirão que é possível, mas se perguntarmos: - Acredita realmente que estejamos na eminência de uma? – Dirão que não! Ninguém acredita numa terceira guerra mundial nos tempos modernos. Que países devem temê-la? As que têm grandes territórios e grandes economias e as que são medianas. As demais podem alegar sempre a neutralidade até serem eventualmente invadidas. Mas, a ser possível, que nações as poderiam deflagrar?
Uma guerra mundial somente poderia ser deflagrada nos dias atuais por nações com armas atômicas dirigidas por algum presidente ou rei, ou chefe supremo das forças armadas que fosse suficientemente desequilibrado para fazê-lo, e temos alguns candidatos. Há que descartar, porém, os que usam a “bazofia” para conseguir uma ou outra pequena vantagem. Recentemente tivemos o senhor Tsipras que queria uma indenização de guerra da Alemanha para pagar as dívidas do governo da Grécia que não soube gerir as verbas públicas; o senhor Quim II da Coréia do Norte que ameaça sempre em lançar mísseis sobre o mundo ocidental; O senhor Putín que invadiu a Criméia e já andou invadindo a Geórgia; A China costuma ameaçar a respeito de zonas de influência como na disputa de uma ilha com o Japão, mas de modo geral não tem demonstrado a belicosidade russa, nem de longe. E há os grupos extremistas que depois do “Hamas” e da “Al-Qaeda” proliferaram. Seu crescimento tem aumentado depois do 11 de setembro, quando os EUA mostraram uma eventual fragilidade, culminando no atual Estado Islâmico. Afora isso, as disputas se resumem a revoluções internas, ou a um ou outro país sem projeção mundial. Mas o perigo existe. Não é paranóia. É realidade. A humanidade estará sempre em guerra.  


3.  O Rebanho de Hackers.



Como se move um exército, uma flotilha, uma força aérea? Isto é o que todo o general, almirante ou brigadeiro gostaria de conhecer antes de uma batalha com força inimiga: Quantas unidades e de que tipo, qual o poderio de fogo, a velocidade de deslocamento, e o moral das tropas. E devem proteger suas próprias forças mantendo-as ocultas da inteligência inimiga tanto quanto puderem. Por outro lado forças que não se comunicarem não se desenvolvem bem, a contento como programado, no terreno, no mar ou nos ares. E a velocidade de informação é fundamental para rever táticas e movimentos. 
Foi assim que nos primeiros tempos de guerra as mensagens viajavam a cavalo, depois com pombos correio, mais tarde ainda com radares e agora com satélites de informação. E há os códigos que não deveriam ser decifrados, mas que são porque para todo o veneno tem que ser descoberto o antídoto. Aconteceu com a máquina "enigma" alemã que codificava mensagens. Uns dizem que foi o inglês Alan Turing quem conseguiu descodificá-la, outros que foi no Central polonesa de deciframento, a "Polish Cipher Bureau". Como descobrir o que se tenta encobrir e manter em segredo? É aí que entram os espiões de campo, e os espiões de gabinete, estes sentados em frente a enormes computadores decifrando mensagens dos “inimigos” em potencial, aprimorando os próprios códigos de informação. Entre estes, estão os Hackers que se infiltram em programas, empresas, segredos de Estado.



4.  Snowden e Assange – Mocinhos ou parte de um esquema?


Bin Laden que dizem ter fundado a Al-Qaeda, fugiu, escondeu-se por um bom tempo. Foi apanhado, se é que existiu mesmo (parece que sim) e executado. 
Com tantos satélites dotados de câmaras potentíssimas acima de nossas cabeças poderíamos dizer que não há lugar onde alguém se possa esconder por muito tempo neste mundo. Dizem que vivia pacatamente como se ninguém o conhecesse de frente para uma construção militar no Paquistão, no meio de seus inimigos. Estaria sendo protegido, o homem das fotos não era o verdadeiro terrorista? ou realmente ninguém o percebeu? Não importa. O que importa é que, real ou ficticiamente, Bin Laden já não existe. Assange e Snowden existem. Não andam por aí escondidos onde ninguém os pode ver. Edward Snowden vive na Rússia, Julian Assange vive na Embaixada do Equador em Londres como se vivesse numa exígua estação espacial transformada em asilo político.


Assange, um australiano, com dupla nacionalidade na Suécia, foi acusado de estupro e abuso sexual na Suécia. Assange nega. Não é esse o ponto deste artigo. É o fundador do Wikileaks, uma organização que coleta informações e as divulga. Estas informações estão relacionadas com corrupção e abusos de poder. Ele se julga a si mesmo como libertário.
Snowden está na mesma linha de Assange. Trabalhou para a CIA e a NSA americanas e denunciou a vigilância americana sobre comunicações pessoais ao redor do globo.


Tanto Assange quanto Snowden aparentam ser “pessoas não gratas” aos governos ocidentais, mas têm atualmente liberdade para agir. Se apanhados terão prisão perpetua ao que tudo indica. Mas porque não são apanhados?
Provavelmente porque “servem” ao sistema de forma direta, como membros de alguma organização agindo a mando, ou de forma indireta, sem ligações, porque os seus serviços atendem “necessidades”. Tanto podem apanhar gente das próprias fileiras, como oficiais, espiões, contra-espiões, corruptos do ou com o governo, ou gente estranha, como pessoal do Estado Islâmico, Boko-Haram, e outros.

Mata-Hari, Eli Cohen, Kim Philby, Juan Pujol, Valerie Plame, Josephine Baker, Virginia Hall, Klaus Fuchs, Robert Philip Hanssen, Dussan Popov, famosos espiões do passado, se vivessem hoje e fossem experts em computadores, talvez não prestassem o serviço que Assange e Snowden já prestaram. E quem pode jurar que estes dois não sejam elementos “perseguidos” para serem bem aceitos pelo “inimigo”, ou por quem possa delatar inimigos?

® Rui Rodrigues  
      

     

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

As admiráveis baleias!


Há três países que ainda caçam baleias: Japão, Noruega e Islândia. Para eles o recado abaixo:
“Caçar baleias é um ato deplorável e vergonhoso para a humanidade”.
- 捕鯨は、人類のために嘆かわしいと恥ずべき行為です。
- Hvalfangst er en beklagelig og skammelig handling for menneskeheten.
- Hvalveiðar eru deplorable og skammarlegt athöfn fyrir mannkynið.


Minha formação universitária se limita ao campo da Engenharia, porém, desde o primário que não desgrudo dos livros de todas as demais ciências por querer entender o mundo ao qual me trouxeram. Seria uma idiotice de minha parte viver num mundo sem o conhecer, vivendo apenas por viver. Por isso, depois de estudar as obras de Darwin e Jay Gould á mistura com Freud e Carl Jung, e uma porção de outros estudiosos, creio profundamente numa mais que “memória genética”:Na “Inteligência genética”, que faz com que os genes aprendam a adaptar-se às mudanças climáticas e ás alterações do Ambiente em maior ou menor grau de inteligência [1]. Segundo esta minha teoria, há um tipo de inteligência nos genes que permite reconhecer as alterações do ambiente e provocar uma adaptação. Lenta, certamente.   

A Teoria de Darwin mostra a cada dia que está no rumo certo. As espécies evoluem, o que estiver adaptado ás mudanças da natureza sobrevive, o que não, se extingue, mas temos vários e grandes problemas. Um deles é que espécies extintas não têm condições de voltar a existir, porque mesmo que fossem reproduzidas geneticamente em laboratório, descendentes sem trocas genéticas tendem á extinção por degeneração dos genes. Outro problema, é que normalmente as espécies se extinguem por que o Ambiente mudou. Trazê-las de volta, a ser possível, não resolveria o problema a não ser que as mantivéssemos em redomas de Ambiente adequado, ou seja, como era antes de se extinguirem, porque em caso contrário se extinguiriam novamente. As espécies podem parar no tempo, mas a natureza seguirá adiante sem se importar com quem fica. Olhe-se para trás nos arquivos da paleontologia e se constatará.
Evoluir juntamente com as alterações do ambiente não é tarefa fácil, embora este mude normalmente muito devagar. O problema das espécies é que evoluem ainda mais devagar do que o ambiente, e quando as condições se tornam adversas, não há mais condições para viverem, e o tempo para a adaptação se esgotou. Mas há uma exceção fantástica. São as baleias.    

Toda a vida na Terra se originou [2]há cerca de quatro bilhões de anos na água, uma época em que os dias duravam cerca de dez horas, a Lua bem mais perto do que está hoje. Foram as marés que proporcionaram á vida marinha a diversificação, o aparecimento de florestas, o surgimento de animais que se adaptavam da vida marinha á vida terrestre, porque sobre a terra encontravam alimento. Destes animais teria surgido há 48 milhões de anos o Indohyus [3], um mamífero que para fugir a predadores se foi habituando á vida na água. Este processo de transformação durou milhões de anos.


Então apareceu esta espécie nefasta chamada “nós”. Eu também, até porque já fui um predador [4] bem idiota. Embora o Homo “Sapiens” sempre tenha provocado a extinção de espécies, e tenha o mérito ainda que duvidoso de ter preservado outras – para criação – o fato é que com os descobrimentos o homem pisou em continentes munido de armas de fogo e de uma ignorância sobre a natureza a toda a prova. Extinguiu [5] dentre muitas outras espécies o Dodô (em 1681), o Tigre da Tasmânia (1936), a foca monge do caribe (em 1932) e o periquito das Seychelles (em 1.900). Podemos entender a ignorância desses tempos e por isso devemos também entender que não se possa mais admitir nos tempos atuais que exista a caça á baleia, por exemplo, animais em extinção. 


O Japão que defende a caça destes cetáceos para fins de estudo, acaso já fez o estudo do genoma das baleias que caçou? Não temos notícias sobre esse “feito científico”. Parece muito mais uma desculpa para comerciar carne de baleia do que para “altos” estudos do ambiente e da vida na Terra. Acaso os chineses já pararam de comer chifre de rinoceronte em pó crentes que se trata de um afrodisíaco, ou mãos de chimpanzés? Que organismo decente mundial se dispõe a enfrentar nações armadas de armas e mercados econômicos? Que porcaria de moralidade é esta em que vivemos? Que políticos indecentes governam este mundo? Porque os elegemos?


Há uma resposta para estas questões, diminuindo o poder dos políticos, com o poder de lhes retirarmos o voto dado. Nosso mundo é muito mais importante do que os interesses pessoais ou particulares de indivíduos, empresas, ou governos. Ou pelo menos deveria ser. Há que mudar a educação nas escolas, revisar nossos conceitos de moral, de ética, e nos voltarmos para o interesse comum da preservação de nosso ambiente, da natureza em que vivemos. 
Veja como mudar o mundo, sob esta perspectiva em http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/

® Rui Rodrigues  





[1] Seria o caso das baleias, que de peixes com guelras evoluíram para mamíferos terrestres, e destes para mamíferos marinhos de volta ao ambiente marinho. Não fosse a ação humana, elas teriam acertado em cheio, porque os grandes mamíferos terrestres se extinguiram. Esta minha teoria não invalida as de Darwin nem as críticas de Jay Gould.
[2] Pode ter sido através de descargas elétricas de raios em meio a uma sopa primordial, ou por simples raios de luz que incidiram sobre moléculas orgânicas (esta teoria é reforçada pelo fato de os seres vivos só processarem alimentos dextrógiros, isto é, que desviam a luz polarizada para a direita).
[3] Descoberto o fóssil em Cachemira. Segundo o chefe da pesquisa, professor Hans Thewissen, do Departamento de Anatomia do Colégio de Medicina da Universidade Northeastern de Ohio, Estados Unidos.
[4] Andei praticando caça “esportiva” em Minas Gerais e Rio Grande do Sul nos tempos em que isso era “bacana”, e as “caturritas” e pombos da mata eram detestados por comerem milho e soja. Eu me julgava um espantalho atirador. Não acertei um cervo em Minas por pura sorte. Meã Culpa, que a natureza, os leitores, e minha família me perdoem.  Eu tinha a obrigação de saber que isso era errado.
[5] Se procurarem na Net ou em livros específicos ficarão aterrorizados com a quantidade de espécies extintas pela ação do homo Sapiens. Pior ainda, sem termos aprendido com elas através de seu comportamento e genética de adaptação. Algumas nos poderiam ter dado pistas para cura de doenças, imunidade, etc. 

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Uma aula num futuro distante.

(Dei um pulo no futuro á custa de uma infinidade de sinapses e voltei com esta visão. Se forem lá e também tiverem estas visões, por favor, avisem que publicaremos. Nossa humanidade e nossa nação precisa muito de quem tenha visões a futuro).

O professor entrou na sala de aula. Seu rosto era de um rosa tão escuro que parecia vermelho. Tinha uma bela cabeleira dourada. Os alunos na sala receberam-no em silêncio. Levantaram-se quando ele entrou e se sentaram logo que, com um gesto, ele fez sinal para que se sentassem. Sentaram-se em silêncio. O professor falou:

- Como é habitual em todas as segundas feiras, leio para vocês os cinco primeiros princípios do “Livro da Vida” que norteiam a nossa civilização para que nunca se esqueçam. Leiam comigo, por favor, e não se esqueçam que não é apenas para decorar e “saber” repetir. É para sentir o significado mais profundo do que implicam estes princípios. 

Dos princípios se fazem as leis, e delas tudo se fez, e o tempo era um oceano e a matéria outro que nele se movia e evoluía, e onde foi possível a vida se fez porque assim são as leis da natureza desde os princípios.
Princípios 1.1
E da matéria se fizeram as três águas: A terra, as águas e a atmosfera, e destas surgiu a vida que assim está nas leis.
Princípios 1.2
E para manter a vida há que se adaptar rapidamente e estar preparado para as mudanças porque elas vêm quando menos se espera.
Princípios 1.3
Desperdiçar inteligência é desperdiçar a vida, porque sem inteligência não há salvação, razão porque te lembrarás que não se pode desperdiçar o tempo por ser a natureza quem dirige a vida não importa como ela seja.
Princípios 1.4
Tu és nada e ao nada voltarás, mas prepararás o caminho para teus descendentes viverem ainda melhor do que tu, pelo que abdicarás de todo e qualquer livre arbítrio que implique no prejuízo de outro ou do planeta, a menos que tua própria vida esteja em perigo.
Princípios 1.5


Um aluno levantou o braço. Queria falar. O professor assentiu com a cabeça.
- Poderia explicar o que significa A.E. e D.E.? A turma teve algumas dúvidas ao ler o texto de sua aula que dará hoje, como preparação para o entendimento.
- Bom... Temos que contar o tempo para tudo no nosso dia a dia, e medir o tempo decorrido em relação ao passado para que possamos ter noção da “distância” no tempo e assim medirmos uma porção de coisas, incluindo a nossa evolução. Algumas entidades científicas propuseram o nascimento do primeiro Senhor que uniu as nações numa só, outros propuseram a do nascimento do primeiro filósofo, mas precisávamos de um “tempo universal”... Assim, foi aprovado por unanimidade das nações o ano zero como o da data do primeiro documento escrito por nossa humanidade. Nossa data de hoje é 04-12-4932. Isso significa que descobrimos a escrita há cerca de quatro mil novecentos e trinta e dois anos.
- E F.H. o que significa?
- Houve uma civilização inteligente antes da nossa, a dos humanos, mas foi extinta ao que tudo índica por eles mesmos. Tudo começou com um aquecimento global que seria natural, mas que eles mesmos aceleraram por sua ambição de produzir coisas e bugigangas de que nem precisavam realmente. Queriam essas coisas por curiosidade, ambição e vaidade. Foi uma civilização do desperdício. F.H. significa “Fim dos Humanos”. Eles se extinguiram há cerca de 2,5 milhões de anos, quase nada na escala de tempo de nossa Galáxia. Ainda temos pela frente uns sete bilhões de anos até que o Sol engula este planeta. Por isso as bases que já instalamos no quarto planeta a partir do Sol. Nossa civilização começou entre 42 e 52 milhões de anos atrás da mesma espécie original. O Homo Sapiens evoluiu primeiro, nós aprendemos alguma coisa com eles, quase nada. O mais importante que aprendemos é que “poderíamos” aprender. Eles se extinguiram e nós seguimos adiante.



- Por que não fomos extintos, professor?
- Com a mudança da composição química da atmosfera, o ar tornou-se irrespirável. Excesso de dióxido de carbono e metano, altas temperaturas. Sobreveio um inverno nuclear de curta duração. Mais ou menos dois anos. Quem podia, enquanto pôde, usou oxigênio engarrafado até os últimos instantes, consumiu estoques. Não se produzia nada. Se alguém produzisse, roubavam, assaltavam, matavam. Morriam aos milhares, milhões todos os dias, e nos últimos anos de câncer de pele. Aí vieram as doenças. Para piorar, quem tivesse uma arma vivia mais uns dias ás custas dos outros. Nossa espécie [1] estava habituada a passar dias a fio numa ilha, a ilha de Koshima, á beira da praia – nossos ancestrais sabiam nadar – e absorviam uma mistura de ar normal misturado com os gases das fontes termais. Estavam mais preparados para as mudanças na composição química do ar que sobreveio. Durante um ano, mais ou menos, após a extinção dos humanos nossa espécie sofreu algumas baixas, mas com o fim da atividade humana a flora do planeta começou a jogar no ambiente o oxigênio que havia sido perdido, e a consumir o dióxido de carbono.
- E quando saíram da ilha de Koshima para povoar a terra?
- Em cerca de 500 anos. Antes mesmo da extinção humana nossos ancestrais já nadavam entre ilhas da região. Um dia conseguiram fazer uma jangada de troncos. Também tinham aprendido com os humanos a lavar batatas doces. Sabiam como plantá-las. Nestes dois milhões de anos que então se passaram evoluímos. Ficamos muito parecidos com eles, mãos, pés, pernas... Há quem diga que antes da situação ficar crítica, cientistas humanos fizeram experiências genéticas com nossos ancestrais, dando-nos genes humanos que não possuíamos. Nossas tentativas para encontrarmos ossadas de nossos ancestrais e fazer análise de ADN até agora foram infrutíferas.

- Como sabemos de tudo isso, professor?
- Através de escavações e principalmente porque nossos ancestrais se preocuparam muito em preservar o que o tempo não havia destruído. Em muitos porões antigos de casas e universidades se preservaram muitas informações. Foram guardadas. Aprendemos muito com elas.
- Quais as diferenças principais de nossa civilização para a deles?
- São poucas, importantes e fundamentais. Recomendo que apertem a tecla “I” para gravação em vossos implantes cerebrais, porque junto com os cinco princípios que lemos no inicio desta aula, são a base de nossa civilização.

  1. A pressa só é importante quando usada a favor da coletividade. Afora isso, não temos pressa nenhuma. Como exemplo, nossos veículos movidos a energia renovável e não poluente. Motores de carros de polícia, corvetas marítimas de fiscalização, transportes públicos, são de potência e velocidade máximas. Transportes particulares têm velocidade mínima. Outro ponto importante é que não se aprova o uso industrial de nada antes de se comprovar seus efeitos sobre o ambiente. Nem se constrói casa onde não haja antes uma rede de esgotos, iluminação, adução de águas pluviais para tratamento e consumo. Os humanos perderam o controle neste aspecto e não queremos repetir o erro deles.
  2. Abolimos a esperteza política e não temos nenhum político. O que temos são funcionários públicos que fazem valer leis aprovadas pela população para municípios e estados. Os Estados juntos formam a União. A união somente distribui verbas em caso de catástrofes. De resto cada estado tem que sobreviver por si só para não criar preguiçosos acomodados e dependentes. A maior vergonha para um Estado é ser “mais pobre” que o outro. Eles competem para que cada um seja melhor que o outro.
  3. Imposição de “cotas de filhos”. A população não pode ter crescimento populacional acima de limites sustentáveis estabelecidos. Antes de nascerem as crianças devem ter lugar em escolas, garantia de sustento, creches disponíveis. Então podem nascer. Não entendemos hoje como os humanos nunca perceberam isto. Deve ter sido porque diziam que se amavam uns aos outros, mas não parece que se amassem muito. Nós não nos amamos uns aos outros, mas amamos nossa civilização, nossa preservação da vida. Vivemos como podemos e devemos viver, e não como “queremos” viver. E agindo assim conseguimos um dia, já lá vão mais de três mil anos, viver como queremos realmente. É como o filho protegido achar que tem que ser sempre atendido e se tornar um bandido. Não criamos “proteções” especiais.
  4. O objetivo maior de nossa civilização é transportá-la integralmente, sem falhar um único cidadão, para outros planetas, porque este nosso o terceiro a contar do Sol, será absorvido, torrado, incluído ao Sol em pouco mais que quatro bilhões de anos. Para criarmos condições em outros planetas, leva milhares, milhões de anos. Por isso já começamos em Marte o nosso treinamento. Uma comparação: Dos humanos, se tivessem sobrevivido á grande extinção, só gente de três ou quatro países teriam chegado a novos planetas para os colonizar. Mais de 95 por cento da população da Terra pereceria, porque nunca se preocuparam em salvar todo mundo. Salvar-se-ia apenas quem pudesse.
  5. As espécies vivem neste planeta hermético constituindo a natureza. Então a natureza vem antes do indivíduo em importância de cuidados. Por isso que fazemos análises diárias do Ambiente. Por vezes até precisamos poluir mais para mantermos as porcentagens químicas a que estamos habituados. Outras vezes até o pouco que poluímos pode gerar uma catástrofe. Mantemos hoje o planeta em suas condições ideais. De certa forma isto também não é muito bom, porque evita a “evolução” das espécies. Ainda estudamos estes aspectos.
  6. A ambição e a falta dela são controladas. Ninguém pode ser tão rico que possa comprar um ministério público, indicar alguém para cargos, formar um exército. Os humanos faziam isso. São poucos os exemplos que seguimos dos humanos. O melhor que fizeram foi a tecnologia. Nem os religiosos se aproveitavam. Todos eles pertenciam a empresas comerciais que arrecadavam verbas, usavam menos de um por cento para obras assistenciais como propaganda, e o resto servia para se expandirem pelo mundo para arrecadar mais verbas, obterem mais poder.

- E os Bonobos [2], professor?
- Os Bonobos são uma espécie muito semelhante á nossa. Temos um programa especial para acelerar a sua evolução. Fizemos algumas alterações genéticas e estão indo muito bem. São menos “frios” do que nós e estão mais voltados para o amor. Um dia serão como nós e nós como eles e poderemos, juntos, ocupar planetas para os quais estejamos mais adaptados. Já se estuda o cruzamento entre nós e eles. Estudamos também a possibilidade de evolução acelerada de outras espécies.
- E a religião, professor, como funcionava?
- Esse será o tema de nossa próxima aula. Mas vou adiantar que fizeram uma enorme confusão com o conceito de “moralidade”. Para eles até a evolução era imoral e jamais permitiriam uma troca genética entre nossa espécie e a humana. Até a próxima... Não esqueçam de fazer o resumo da aula como trabalho, e o “aparte” com proposta de evolução sobre este tema, ou seja, o que mudariam em nosso comportamento para a melhora de nossa civilização.
-Só mais uma pergunta, professor... É verdade que os continentes já se moveram nestes dois milhões de anos após o FH?

- Vejam neste vídeo [3]... Moveu-se muito pouco. Ainda não é tão sensível no clima, mas precisamos nos prevenir... Um novo Pangea – os humanos chamavam a essa nova aglomeração de continentes de “Amasia” - vai prejudicar nossa existência. Graves mudanças climáticas se esperam sempre bem devagar. Temos tempo...Não desperdiçaremos nosso tempo como os humanos desperdiçaram. Se tivessem se dedicado á vida em vez de se dedicarem á morte, já estaríamos com eles há muito mais que dois milhões de anos em outros planetas, espalhando-nos pelo Universo. E há filósofos entre nós que se perguntam “Porque teríamos que nos espalhar pelo universo”... Agora chega!... Bom dia a todos, aproveitem o dia para se divertirem e estudar.  


® Rui Rodrigues
       





[1] Conhecidos como “Macacos das Neves” ou “Macacos de cara vermelha” existentes na Ilha de Koshima, Japão. Ver em https://www.youtube.com/watch?v=-sZ48htPLgs

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Humanidade Marco Zero.



No Bar do Chopp Grátis contamos o que nos contam. Há aviso na entrada e espalhados pelas paredes onde consta: “Se deseja segredo, não nos conte. Se nos contar, podemos publicar sem qualquer tipo de compensação financeira”. Até hoje ninguém reclamou. Quanto á ficção, são tantos os casos que se tornaram realidade, que é bom ter cuidado com estas coisas. 


Novembro, 08, 2041.




Ralph Ogarth foi o ultimo a sair naquele dia do “Laboratórios Alifdeg” em San Diego. Era uma sexta-feira. Tinha acabado de analisar as placas de Petri e efetuado os cálculos para todas. Selecionara dez para a bactéria KPC em estudo [1]e mais dez para a bactéria modificada cultivadas em ágar-ágar. Fizera em seu apartamento a modificação genética. Para todos os efeitos no laboratório, o estudo se destinava ao estudo da bactéria KPC, não á modificada. Todas as informações referentes á bactéria modificada estavam anotadas em seu pequeno bloco de papel que cabia em seu bolso traseiro das calças. No laboratório não havia registros sobre esse estudo. Por isso, logo que anotou os cálculos no bloco, queimou as placas de Petri cultivadas com essa bactéria. Não havia qualquer antídoto que a pudesse eliminar. Tinha absoluta certeza e só precisava testar para confirmar. As principais propriedades da KPC modificada eram a sua redução de tamanho, a alta velocidade de proliferação e o sistema de contaminação através do ar, da troca de fluídos, pela pele das vítimas. Sairia de férias e só voltaria depois das festas de ano novo. Passaria a próxima semana em testes com animais em sua casa de campo. Tinha licença para criar porquinhos da índia. São prolíferos quase iguais a coelhos, comem menos e ocupam menos espaço. Sua mulher, Olga Karajeva, já o esperava. Estavam casados há 16 anos, não tinham filhos por vontade dela, e sabia que o traía. Sabia até com quem, e não era apenas com um.  

Pelo ano de 2023.





Ralph Ogarth formara-se em Harvard em biologia molecular em 2023 com 20 anos. Muitos de seus professores vaticinavam que seria sério candidato a prêmio Nobel por relevantes descobertas, mas algo o perturbava desde criança. Achava o mundo injusto. Sua inteligência reprovava, de modo geral, o desinteresse humano pelo conhecimento, as injustiças sociais, o desleixo com que se trata a natureza e os serviços públicos, por excesso de preocupação com a riqueza e o luxo pessoais. Uma das coisas que mais o intrigava eram os altos salários pagos a artistas e desportistas, atividades para as quais a desenvoltura física, o aspecto físico e desenvoltura no falar, além do fingimento, eram os predicados necessários encobrindo uma ignorância total. Homens que contribuíam para a ciência e professores eram geralmente bem pagos, mas nada que se comparasse com os salários de artistas e atletas. Ralph Ogarth também não tinha muita aptidão para lidar com mulheres. Esse tinha sido uma das razões para se dedicar aos estudos e ao trabalho com afinco. Ao longo dos anos reprimiria esse seu desajuste, disfarçaria com sua simpatia, e jamais se consultaria com psiquiatra. Ele estava certo em seu julgamento, o que era injusto era o mundo. Se não fosse o cunho religioso, e a pequenez dos ideais, teria como heróis os antigos idealistas do Estado Islâmico já destruído ao longo de décadas de combates sem quartel. Sorriu ao pensar que sua casa se transformara numa potente arma de destruição em massa.

Dezembro, 22, 2041.



Ralph Ogarth abriu a porta da garagem e entrou no carro. Eram oito horas da manhã, era inverno e o dia estava frio. Calçava luvas e levava consigo algumas ampolas. Deixou para trás um traje completo de prevenção contra contaminações jogado no piso da garagem, uma criação morta de porquinhos da Índia e sua esposa que jazia junto ás gaiolas dos pequenos animais. Não havia mais nada vivo na casa. Nem o cachorro, um velho labrador com artrite. Ninguém associaria um montículo de cinzas no piso da cozinha a um pequeno bloco de papel com anotações a lápis. Pisara as cinzas para que não pudessem ler o conteúdo queimado, com ajuda de microscópios, pelas ondulações no papel devido á retração do papel pelo carbono do lápis, definindo as letras. Aliás, duvidava até que se alguém entrasse na casa tivesse tempo de sair antes da falência total dos órgãos.  
Chegou ao supermercado em San Diego a tempo de abrirem. Levava no bolso de sua jaqueta impermeável uma ampola. Discretamente quebrou-a com a mão enluvada, e foi pegando em frutas, legumes, colocou o dedo em peixes expostos como quem verifica se está com a carne firme, em queijos embrulhados como quem vê o preço. Não gastou mais de dez minutos. Depois saiu. Antes de voltar a entrar no carro jogou as luvas e a jaqueta num latão de lixo. Podia deixar pistas sem problema algum. Depois entrou no carro, pegou outra ampola e colocou no bolso de outra jaqueta de cor diferente que vestiu. Ligou o rádio. Nenhuma notícia a respeito. Não achou estranho porque a notícia demoraria um pouco mais em sua opinião, mas os efeitos já estavam correndo a uma velocidade incrível. Muita gente mais teria tocado onde ele tocou com sua mão direita. Dirigiu-se a outro supermercado. E a outro. Perto do meio dia, dirigiu-se ao aeroporto. Pegou um avião para N. York. Levava na mala algumas ampolas e uma reserva de jaquetas. Em sua opinião a bactéria já o deveria ter contaminado. Embora tivesse tomado precauções quanto á permeabilidade das luvas e das jaquetas, porque não fizera ainda efeito em seu corpo? Na sala de espera esperou em frente ao aparelho de TV. Então assistiu á primeira reportagem. Havia gente espalhada no chão do primeiro supermercado que visitara. Todas mortas. Outras pessoas estavam passando mal. Não sabiam a causa e não havia suspeitos. Durante o vôo ouviam-se comentários. Uma das hipóteses era um ataque terrorista. Faltando cerca de dez minutos para o pouso, Ralph dirigiu-se ao banheiro. Na volta foi passando a mão enluvada contaminada pelos encostos das cadeiras. Depois entrou no ultimo dos banheiros. Tirou as luvas que jogou no vaso, deu a descarga e calçou outras iguais. Foi para sua cadeira e esperou pelo pouso. Foi o ultimo a sair. Dali foi direto para o hotel que tinha reservado.

Noticiário em Janeiro 10, 2042.



... Aparentemente a epidemia começou num supermercado em San Diego, Califórnia. Não se sabem os motivos, mas existe um suspeito. Trata-se do doutor em biologia molecular Ralph Ogarth dos laboratórios Alifdeg. Em sua casa foram encontradas dezenas de porquinhos da índia mortos, um cachorro velho que sofria de artrite e sua esposa. A suspeita é baseada nestas mortes e no fato de ter sido visto no supermercado na manhã do dia 22 de dezembro. Ele viajou para Nova Iorque nesse mesmo dia. Contam-se aos milhões os mortos em San Diego. A cidade está isolada, ninguém entra e ninguém sai. A epidemia alastrou-se aos estados vizinhos que também já foram isolados. Os laboratórios da nação trabalham afincadamente para determinar as características da bactéria que parece ser a KPC geneticamente modificada. A ser confirmada, é muitas vezes mais letal do que o Ebola... As autoridades...

Noticiário em abril 10, 2042.
 
... Foi encontrado hoje num hotel no centro de Manhattam o corpo do doutor Ralph Ogarth. As agências de Inteligência, incluindo a NSA e o FBI confirmam que a origem da bactéria é proveniente da casa de campo de Ralph Ogarth. A população do Estado da Califórnia e os vizinhos Nevada, Oregon e Arizona estão com sua população reduzida a cerca de 10%, assim como Baja Califórnia no Estado vizinho do México e outros estados. O mesmo acontece com N. Iorque e os estados limítrofes e com Ontário no Canadá. A velocidade com que a bactéria se espalha é de tal ordem que não há pessoal para garantir o isolamento. A esta velocidade o mundo pode ficar reduzido a cerca de dez por cento de sua população em pouco mais de seis meses. O maior problema é a fuga dos países infetados para outros países na esperança de se livrarem da contaminação... A economia mundial está confusa e praticamente parada. Faltam víveres, remédios, as fábricas fecham suas portas diariamente.Os enlatados acabaram.   

Noticiário em fev 15, 2043.



... Ao que parece a epidemia estabilizou-se. A população mundial é atualmente de cerca de 700 milhões de pessoas. A população mundial regrediu a níveis do ano 1.750. Em cerca de um ano após o inicio da epidemia a qualidade do ar melhorou tanto que a temperatura média global baixou mais de um grau centígrado. Os cardumes de peixes nos oceanos se fortaleceram em quantidade e tamanho. Acreditam os expertos que com o nível de conhecimento que se tem hoje a humanidade jamais crescerá ao ritmo que crescia antes. Com tanto trabalho a fazer e tantos bens disponíveis grátis por falecimento de famílias inteiras, a filosofia do socialismo e do comunismo desapareceram das expectativas da população. foi inaugurada em Haia uma estátua em referência ao marco zero de uma nova humanidade...

® Rui Rodrigues   




[1] Bactéria KPC (Klebsiella pneumoniae Carbapenemase)

Crônicas dos sete mares – O Grumete do Eisenach.


De uma caixa a um baú, quem guardar lembranças suas e de seus ancestrais pode transportar o tempo passado para o presente e para o futuro. Elas são a base de nossa educação. Foi por isso que encontrei, vasculhando no sótão num dos baús que guardo por lá, outro caderno [1]de um ancestral meu, e resolvi contar uma passagem escrita por ele aos quinze anos de idade, quando já não se é criança, mas ainda não se é “homem feito”. Aos dezesseis, porém, já o era. Foi o modo de ser educado que o fez homem dando-lhe responsabilidade. Seu modo de entender a lei, porém, gerou-lhe revolta. Seria mais um a dar sua contribuição para mudar o mundo, este mundo em que vivemos e que se corrige a cada instante através de nossas atitudes.
Creio ser uma estória que muitos gostariam de ter vivido [2]. Este mundo é feito de estórias e histórias. E a propósito de histórias, de que esta se reveste de fatos bem reais como a seguir será fácil de entender, tive que trocar os nomes de algumas pessoas e do navio, para não arranhar uma parte da integridade familiar. E o erro nem foi assim tão grave, mas lei é sempre lei e deve ser cumprida igualmente por todos. Limito-me a “transcrever” o que estava anotado no caderno, mas quem anotou foi o senhor Acácio que foi meu tio avô. Isto foi lá pelos anos de 1909 a 1917, por aí...


O senhor Acácio era bem visto pela classe da estiva do Porto do Rio de Janeiro em 1917 [3]. Ele era um dos chefes dos estivadores. Ainda que houvesse guindastes no Porto muita carga era carregada nas costas de gente forte. Durante muitos anos ficou pela cidade a fama do “prato de estivador”, aqueles pratos abarrotados de comida, transbordantes. Era preciso comer bem para agüentar o trabalho. Eles sempre reclamavam, mas no fundo ganhavam bem. Muitos tinham carro. Num daqueles dias em que se sai de casa para relaxar, num sábado, o senhor Acácio foi até uma rua perto da Avenida Rio Branco, mas a chuva o apanhou ao chegar ao bar onde se encontraria com alguns amigos. Eram brasileiros e portugueses, negros, brancos, italianos e até um sujeito de Macau, lá da China, meio amarelo [4] que também falava português. Comemoravam o aniversario de um deles. O destino mais certo dos milhares de emigrantes que chegavam todos os anos ao Brasil eram os portos.

A chuva caía forte. Corria o mês de Maio de 1917, havia enchentes pela cidade, mas nada que preocupasse muito. A Avenida Rio Branco era nova, prédios novos, carros novos. A população vestia-se de ternos e de vestidos de bom gosto, quase sempre claros no verão, escuros no inverno. A impressão que se tinha era que não havia pobres. O país todo, imenso, não passava dos 24 milhões de habitantes. Faltava “mão de obra” [5]. Trabalhava-se de gravata até nos açougues e mercearias. Na estiva não, mas usavam calças, camisas de manga comprida e bonés ou chapéus. Não raro saiam do cais arrumados para enfrentar uma gafieira. Os motores a gasolina, até os de navios, estavam substituindo os movidos a vapor. Em 1914, em agosto, os EUA haviam inaugurado o Canal do Panamá. Já em 1912 o Rio de Janeiro possuía 30.000 telefones enquanto São Paulo só possuía 22.000. Isto tudo o senhor Acácio explicava para os seus quatro amigos e esposas. O senhor Acácio tinha o bom hábito de se relacionar com seus subordinados, dizendo-lhes sempre e provando-lhes, que lá no trabalho é uma coisa, porque o trabalho tem que ser feito a tempo e horas, mas que depois do trabalho, haja o que houver, são todos amigos e que não se fala de trabalho. O único lugar certo para falar de trabalho é lá mesmo, no cais da Praça Mauá.

Qiang Wei como seu nome indicava era forte e tinha boa estrutura física. Chegara ao Brasil fugido da revolta dos boxers [6] em 1900. A revolta começara em Agosto de 1898 e Qiang já em dezembro desse mesmo ano saíra de Macau para o Brasil temendo que a revolta se alastrasse. Sua família não era abastada. Seu pai era o motorista de uma família de origem portuguesa, essa sim era rica. Como todos na família gostavam do pequeno Qiang, pagaram-lhe a passagem para o Brasil e ainda lhe deram uns trocados que foram suficientes para sobreviver no Brasil nos primeiros meses enquanto procurava trabalho. O pequeno Qiang crescera junto com os filhos da família abastada. Era como filho. Sebastião Afonso era negro de Minas Gerais. Descendente de escravos. Fizera uma grande amizade com Qiang Wei e, certamente, com o senhor Acácio. Primeiro vieram os méritos no trabalho, depois a amizade. Severino Dantas era pernambucano. Tinha chegado á estiva há pouco tempo, mas se entrosara bem ao grupo. Esperavam ainda a chegada de mais amigos, mas a chuva que apertava cada vez mais provavelmente dificultaria, se é que não impediria, a sua chegada. O senhor Acácio, e só ele sabia então, seria promovido em breve para um cargo mais importante. Por isso, quando Severino mais uma vez lhe perguntou sobre sua vida, como chegara até ao Brasil, resolveu-se a contar de forma superficial.
A vida dele, que até esse dia tinha sido uma incógnita, deixaria de sê-lo.


As esposas destes homens estavam numa mesa separada, bem ao lado da deles. Tinham conversas distintas das dos homens, assuntos diferentes, mas quando ouviram o senhor Acácio dizer que contaria sua estória, pediram ao garçom que lhes chegasse a mesa ainda mais. Acomodaram-se e esticaram os pescoços na direção do senhor Acácio. Acharam que mesmo assim ainda estavam longe. Então pegaram suas cadeiras e cada uma se sentou ao lado de seu marido. Elas também gostavam dele. 


- Que idade tinha quando veio para cá, senhor Acácio? – perguntou Laura a esposa de Qiang. O senhor Acácio respondeu pousando o copo de cerveja, os bigodes ainda com um leve traço de espuma branca.
- Tinha 15 anos quando saí de Lisboa, mas 17 quando desembarquei aqui. Em 1908, em fevereiro, Portugal começou a ficar confuso. Assassinaram o rei D. Carlos I e o filho mais velho, o príncipe D. Luis. A situação política ficou complicada mesmo com a subida ao trono do Rei D. Manuel II o filho mais novo de D. Carlos I que se cercou de gente incompetente em seu governo. Eu tinha 14 anos. Somou-se a isso a crise dos Boxers. Portugal também mandou tropas para a China. Em 1909 houve um grande terremoto que arrasou algumas cidades. A mais afetada foi Benavente. A economia ia muito mal, faltava dinheiro. Um dia esgueirei-me no navio “Eisenach” da companhia alemã Norddenstcher Lloyd que fazia a linha Bordeaux –Lisboa – Rio de Janeiro – Santos -Montevidéu -B. Aires. O navio tinha sido recentemente lançado á água e a tripulação não era experiente. Escondi-me numa chalupa [7] que faria o abastecimento do Eisenach pela escada do Portaló a estibordo, que não era tão controlada como a de acesso de passageiros na beira do cais a bombordo. Passei por entregador e não saí do navio.


- E seus pais? Não os avisou de sua partida? –Perguntou com voz triste a senhora Dantas com seu sotaque simpático do Nordeste.
- Oh sim... Eles me incentivaram. Eram republicanos. No ano seguinte á minha fuga, em 1910, o povo fez uma revolução e instituiu a república, e exilaram o Rei que não servia para nada. A revolução durou apenas três dias. Quem assistiu a tudo foi o presidente brasileiro Hermes da Fonseca que estava em viagem de visita a bordo do encouraçado São Paulo.
- E como se manteve escondido a bordo esse tempo todo? Não o devolveram a terra? – Perguntou a senhora do Sebastião Afonso.
- Eu me apresentei ao comandante no segundo dia, morto de fome. Tinha estado escondido num escaler [8] . Contei-lhe a minha história. Ele então me contratou como grumete até a viagem de volta, mas viajei com ele até me tornar seu imediato. Em 1914, em Agosto, fomos dos primeiros a passar pelo Canal do Panamá, numa viagem que fizemos em extensão de rota ao Chile.


- Acácio... O que carregavam nos porões do navio? Perguntou o Sebastião Afonso.
- Carregávamos armas para o Chile. Essas armas em caixotes ficariam esperando por outros navios alemães que as carregariam no porto de Valparaíso. Não sei para onde as levariam. Por isso invertemos a rota que deveria passar primeiro por portos brasileiros – mas fomos desaconselhados a passar com as armas por lá - depois ir ao Uruguai e depois á Argentina. Foi uma confusão... Indo pelo canal, paramos primeiro na Argentina, depois no Uruguai e chegamos muito atrasados ao porto de Santos. Os passageiros reclamaram, mas demos desculpas, informando que nos desviávamos de submarinos alemães. Quando chegamos a Recife, apreenderam o navio.  Tínhamos carregado salitre puro, com destino á Alemanha, para fazer pólvora, mas as autoridades brasileiras o confiscaram para adubo. O Eisenach foi incorporado ao Lloyd.


- E é muito lindo o Chile, senhor Acácio? Perguntou a senhora Afonso.
- Mar, gaivotas, salitre, cobre, mariscos, vinhos, frutas, peixes, casario predominante de madeira, não vi negros por lá, mas vi muitos descendentes de índios e brancos. São mais ou menos como os argentinos e uruguaios. Por lá não há negros, e no fundo pensam que são uns pedaços da Europa implantados na América do Sul. 
- Mas porque não têm negros por lá? Perguntou a senhora Afonso, dona de uma linda beleza negra.
- Não levaram escravos para o Chile. Na verdade não precisavam. É uma impressão minha. A população é muito reduzida, nem chega a cinco milhões de habitantes, onde todos querem ser donos de seu próprio negócio. São descendentes de emigrantes europeus, e desde pescadores a comerciantes, industriários, todos são suficientes para fazerem o trabalho. Grandes empresas são estrangeiras, a maior parte da população de raiz européia está na marinha, no exército, e na administração pública.
- E como veio parar no Rio de Janeiro? –Perguntou o senhor Qiang.  
- Queriam me repatriar. Então peguei minha trouxa, lá em Recife, e me engajei na tripulação de um navio que viajava para o Rio de Janeiro. Aqui entrei em contato com pessoal ligado á embaixada e consegui me legalizar. Comecei a trabalhar no cais do Porto como carregador. Dizem por aí que existe uma árvore das patacas, que, em se abanando, cai dinheiro... Ainda não a vi, mas em se trabalhando, vive-se bem. E estava em marcha uma imensa greve geral. Note-se pelas roupas dos grevistas - do movimento operário de 1917 - como deveria ser o padrão de vida de então. 


Fizeram um brinde. A noite já estava chegando, ainda teriam o domingo para descansar, curtir as crianças nas vilas em que viviam em São Cristóvão. Havia sempre festas de aniversário. Nesses dias dançava-se na vila, depois que se retiravam as mesas onde era servida comida que o dono da festa pagava sem “rachar” com ninguém. Em qualquer sistema político o que conta na população é o desejo de “progredir”. Trabalha-se duro para isso.Por aqueles dias de 1917, a primeira guerra mundial estava terminando, mas ninguém ainda sabia. Terminaria no ano seguinte. Os sindicatos, a exemplo dos congêneres americanos, adquiriam força. Lá, nos EUA a força era da máfia. Por aqui era política. Foi então que os rumores  se confirmaram quando a notícia apareceu nos jornais. A Rússia fizera uma revolução comunista e tinham prendido a família do czar. Nascia a URSS que terminaria seus dias pouco tempo depois da queda do muro de Berlim. O comunismo ideológico terminou em poucos anos em todas as nações que se diziam comunistas. O comunismo passou a ser uma cenoura vermelha de esperança que se põe em frente aos olhos de asnos para que continuem “trostkiando” e empurrando a carroça dos políticos. Agora querem apenas “passar bem” com o trabalho do povo. Não entendem nada de economia.Naquela época nenhum dos amigos estivadores sabia para onde o mundo iria. Nós também não sabemos para onde vai...
O Eisenach servira também á marinha portuguesa sob o nome de “Santarén”, uma forma afrancesada por estar a serviço da companhia francesa “Compagnie Générale Transatlantique”. Esta embarcação, o Eisenach, é um livro de histórias e serviu também á marinha italiana.


A estória de Acácio não tem enredo nem é verdadeira em todos os aspectos contados. É apenas uma estória como se fosse uma foto de uma década em que muitas coisas aconteceram no mundo. É o que aparece aqui no “Bar do Chopp Grátis”, tal como nos contam. Mas duvido que exista povo mais misógino do que o português.Convive bem com todos os povos do planeta.  

® Rui Rodrigues



[1] Já tinha encontrado outro caderno, de outro ancestral que tinha vivido nos EUA em 1860, e tinha um saloon na Califórnia. Ele conheceu Johnny “Crisp” Lend. Se desejar ler, veja no link,  http://bardochoppgratis.blogspot.com.br/2015/09/o-caderno-do-senhor-kent.html
[2] Não havia televisão, nem celulares, nem Internet, nem radares, nem fast-food.
[3] A construção do novo Porto do Rio de Janeiro na Praça Mauá foi concluída em 1910.
[4] A escravidão era uma “mentalidade” proveniente do atraso moral da humanidade, assim como hoje se escraviza com juros anuais de 400% quem deve a Bancos. Também se prefere o funk a outras músicas, as roupas não são as mesmas, O mundo muda e com ele as “modas”. Quase o mundo inteiro já foi um dia socialista e comunista. Já não é! Macau na época era uma possessão portuguesa ao lado de Hong-Kong na China. O colonialismo também se acabou na moda das “filosofias”.
[5] Hoje somos mais de 200 milhões e não conseguimos crescer o suficiente para mantermos o mesmo padrão de vida do tempo da “árvore das patacas”.  Nosso “crescimento” perdeu-se em corrupção no bolso de “boas-vidas” doidivanas que assumiram cara teatral de “políticos sérios” e fizeram fortunas pessoais.
[6] Revolta originada na pobreza rural chinesa levada a cabo por gente experimentada em artes marciais que acreditavam ser imunes a balas. Eles lutavam sem armas de fogo. Em Beigin cercaram embaixadas e mataram ocidentais. Uma força internacional formada por quase todos os países europeus incluindo a Rússia e o Japão pôs fim á revolta depois de centenas de milhares de mortes.
[7] Embarcação de pequeno porte a remos ou á vela.
[8] Bote salva-vidas.