Cenário – 2018
As
guerras a que o mundo estava acostumado tinham líderes, nações, exércitos. A
vida nas cidades, desde que não estivessem sob ataque direto, transcorria
sempre numa paz latente. Tudo funcionava como era habitual.
Isso
se lia nos livros de história.
Os
generais costumavam ler os livros que descreviam as batalhas, estudando as
táticas de guerra. Elaboravam cenários nos quais seriam hipoteticamente
atacados por determinada nação, ou as atacariam. Cada general das forças
armadas de cada nação do mundo juraria a seu rei, presidente ou primeiro
ministro que estava preparado. Tinham, porém, na história universal, alguns
poucos exemplos daquilo a que chamavam “guerra não convencional”, ou de
guerrilha, e que haviam gorado as intenções de muitos generais. Napoleão era um
bom exemplo: Vitorioso em muitas batalhas perdeu para a guerrilha russa e
ibérica, e já enfraquecido perdeu a última batalha. A final, a decisiva. Há
sempre uma batalha final, decisiva, que termina uma guerra, mas os generais
sempre apostaram que a ganhariam, porque não podiam negar que estavam
preparados. Perderiam o posto, seriam execrados, chamados de traidores.
Não
havia maior exemplo de guerra “não convencional” do que a batalha de
Leningrado, travada entre russos e alemães, pela posse desta cidade. Foi uma
guerra travada de porta em porta, no meio de ruas e praças, semi destruídas por
bombardeios. A história conta da ação dos exércitos, mas muito pouco sobre o
sofrimento dos civis. Isso tem uma explicação: Justifica os exércitos, preserva
o moral para futuras guerras. Esta visão, que oculta o sofrimento das populações,
preserva também a necessidade, sempre questionável, de ações violentas por parte dos exércitos e
os justifica.
A
partir das barricadas de Paris nos anos 60, quando a juventude esclarecida dos
estudantes se insurgiu contra o estado e a educação francesa, mudou-se o
comportamento das forças policiais no mundo. Não podendo mandar o exército
contra a população, que aumentaria a revolta, armaram este setor das forças
armadas com escudos, roupas especiais, e as muniram com veículos ligeiros de
segurança reforçada, além de granadas de gás lacrimogêneo, balas de borracha,
cassetetes reforçados, rádios de comunicação, e todo um arsenal que não
consegue esconder o alto grau de eficiência da policia como força paramilitar. Novas
técnicas foram desenvolvidas para conter e dominar populações revoltadas.
Contudo, as forças policiais são sempre diminutas em termos de porcentagem da
população porque tais movimentos de revolta nas ruas eram sempre localizados
num bairro de uma cidade, quer por protestos contra o governo local, geral, ou
reuniões de entidades que não eram do agrado geral, como as do FMI, ou do G8,
dentre outras.
Não
se poderia acreditar que algum general tenha sido o primeiro a aconselhar o
início de uma guerra. Eles sabem que tanto podem ganhá-las como perdê-las por
fatores aleatórios. Em geral as guerras se haviam iniciado sempre por problemas
financeiros, obtenção de matérias primas, ou ideologias políticas ou religiosas,
e como dissemos acima, sempre havia líderes, nações que as declaravam, mas quem
dava a primeira palavra no sentido de declarar guerra, eram sempre os setores
econômicos da nação, ou os ideólogos e religiosos. Esses setores detinham a moral
geral da nação, a produção bélica e o controle sobre as populações. O setor da
economia fabricava os equipamentos, as armas. Fabricava tudo. Em extrema
necessidade ideológica, religiosa ou econômica, pediam, exigiam a guerra. Os
generais simplesmente diziam o que necessitavam para que estivessem preparados.
Outra
característica fundamental das guerras convencionais, é que sempre começavam
por uma nação contra outra, e por um setor das fronteiras, por uma cidade
atacada. As limitações faziam com que raramente se atacassem duas cidades ao
mesmo tempo, ou se avançasse ao longo de toda a fronteira.
Foi
assim que quando começou a crise financeira de 2008, nenhum general se
preocupou além do normal. Estavam debruçados sobre enormes dossiês que
estudavam a diário destrinchando hipóteses de ataque e defesa, conforme devessem
atacar algum país em particular, ou defender-se de outros. O povo começou a ir
para as ruas na Grécia (enfrentamentos violentos com a polícia), na Espanha
(ocupando praças), na Inglaterra (quebrando o que encontravam), nos EUA
(ocupando Wall Street), e de repente, a primavera árabe, com revoltas que
derrubaram antigos e tradicionais ditadores. Todos pediam democracia e lisura
na forma de governar.
Os
generais não se deram conta do tamanho da crise. Os banqueiros não se deram
conta do sacrifício que estavam exigindo das populações para pagarem os altos
juros e diminuir a administração pública – para economizar e pagar esses juros
e essa dívida – os governos não se deram conta de que tinham caído na mão de
agiotas legalizados pelo título pomposo de “banqueiros” em nome de suas
respectivas nações. Também não se deram conta do “lero-lero e vem cá que eu
também quero” que sucedeu à doação de dinheiros públicos aos bancos para evitar
ou minimizar a crise que se estendia desde 2008. Depois dos Bancos, as
construtoras, e em geral as empresas que forneciam fosse o que fosse para os
governos, começaram a aumentar o valor de seus preços. Também queriam
participar do botim, já que os governos estavam distribuindo dinheiro recolhido
por impostos, e essa era a sua fonte de enriquecimento mais viável. Mais viável
do que o próprio comércio competitivo, onde já era impossível reduzir ainda
mais os custos. Uma coisa gera outra, e a corrida para um futuro traçado de
forma inconseqüente pelos governos da terra, foi se desenvolvendo, agindo uns à
semelhança dos outros, como castelos de dominó, sobre os quais uma pedra
inicial tomba primeiro.
Em
2011-2012, começou a segunda fase da crise de 2008. Até então, o iceberg da
crise mostrara apenas a sua já importante e enorme ponta: a necessidade de
desviar dinheiros públicos para evitá-la. Isso levou ao esvaziamento dos cofres
públicos, e diminuiu drasticamente a capacidade dos governos atenderem a função
para a qual foram eleitos: cuidar da população através do fornecimento de
serviços públicos, justiça, segurança, saúde, transportes, infra-estrutura,
educação... As cidades começaram a se deteriorar e maior carga de trabalho e de
impostos foi gerada.
Chefes
de Estado começaram a cair em Portugal, Grécia, Itália, não por semelhança com
a primavera árabe, mas por administração deficiente de suas nações, onde a
corrupção atingiu limites de sufocamento financeiro.
Quem
pode adivinhar a capacidade de resignação, os limites de pressão que uma sociedade
pode suportar? E se essa pressão se exercer sobre uma grande parte das
sociedades do globo?
Uma
forma consciente de reduzir os preços de matéria prima ou produto essencial a
um estilo ou necessidade de vida, é produzir mais e mais. Produzindo mais, os preços
caem. Outra forma é fazer tratados vantajosos com os países que as produzem
quer por pressão política, quer por trocas comerciais, ou invadir o país que as
produzem. Neste último caso, qualquer pretexto mais ou menos plausível serve
para iniciar uma invasão. Os EUA,
necessitando de petróleo para sua população crescente, garantindo o
condicionamento do ar em residências e o transporte, tinham invadido o Iraque
alegando a posse de armas de destruição em massa. Foi um erro que o mundo logo
esqueceu, mas tal como marido ou mulher que trai, nunca reconheceu o erro. Quando
em 2014, o Irã estava em vias de construir o seu primeiro artefato nuclear, já
possuía mísseis que poderiam atingir Israel e muitos países bem além de suas
fronteiras. Prometido há pelo menos uma década, o Irã fora finalmente invadido
nesse ano, assegurando o preço dos combustíveis nos EUA e a manutenção dos
patamares da economia americana, que embora desgastada pela crise, ainda
crescia a um ritmo de 1 a 2% a.a. Já numa fase anterior, forças européias
tinham invadido a Líbia, o que proporcionara os benefícios dos preços baixos de
petróleo principalmente para a França. Europa e EUA dividiam o poder sobre o
mundo. Isso também era convencional. A história universal demonstrava isso em
várias épocas de sua evolução, juntando gregos e romanos dividindo o mundo,
Portugal e Espanha, Inglaterra e EUA... Mas no cadinho de uma crise econômica
mundial, com os governos sendo questionados quanto á sua democracia e
representatividade, em geral e em todo o planeta, esse era um panorama
completamente diferente de tudo o que jamais tinha acontecido na história da
humanidade.
Com
o calote da Grécia, de Portugal, da Itália e da Espanha, a crise se alastrou
pela Europa. Houve uma enorme deflação, empresas fecharam. As potências
mundiais, que haviam experimentado duas décadas de crescimento dos países
emergentes que vendiam seus produtos manufaturados e matérias primas a baixo
custo para poderem crescer, lutavam agora com uma agravante. Em crise,
compravam menos dos países emergentes que não podiam baixar ainda mais os seus
custos, e reduziam as suas importações. Faltava dinheiro - que estava
imobilizado com os Bancos - mas estes estavam com um problema enorme. Sem
garantias, não emprestavam dinheiro. O dinheiro estava entalado, jazendo em
cofres á espera de oportunidades. Sofriam com a própria crise que haviam criado
em 2008 ao secarem a fonte das verbas governamentais. Sem emprego, a população
mundial, com cerca de 9 bilhões de habitantes, ganhou as ruas do mundo. O
estalar das movimentações de rua aconteceu primeiro e inesperadamente nas
principais cidades dos países da Europa, sem que alguém o ordenasse. Em menos
de uma semana já se espalhara pelas
Américas, Ásia, África. Os governos foram caindo um a um e plebiscitos foram
rapidamente implementados para definir novas constituições dando poder ao povo
para decidir através de voto.
Quando
a poeira assentou, contaram-se os prejuízos num mundo devastado.
Aproveitando-se
da convulsão mundial, o regime da Coréia do Norte caíra definitivamente, e o
Irã já não representava perigo nuclear com suas instalações explodidas numa
ação relâmpago do exército de Israel. O mundo árabe reclamou, mas não reagiu. Cuba
era capitalista finalmente, o povo comemorava nas ruas. Os restos mortais de
Fidel foram transferidos para lugar ignorado.
Começara
uma nova era mundial.
Rui
Rodrigues
Gostei muito do que li meu caro Rui.
ResponderExcluirSaboreei uma interessante visão analítica político-econômica mundial, onde o amigo trata a maior parte do seu texto com base nos fatos, logo inconteste.
O epílogo é amparado num formato profético, mas plenamente plausível.
A riqueza e o cuidado com os detalhes finais acabam confundindo o leitor (eu me deixei levar), e isso para um texto é fundamental.
Parabéns meu caro.
Fico no aguardo do próximo.
Um fraterno abraço
Obrigado amigo Dagmar... Tenho outros no prelo... Espero que goste. Abração
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