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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Cenário – 2018


Cenário – 2018

As guerras a que o mundo estava acostumado tinham líderes, nações, exércitos. A vida nas cidades, desde que não estivessem sob ataque direto, transcorria sempre numa paz latente. Tudo funcionava como era habitual.

Isso se lia nos livros de história.

Os generais costumavam ler os livros que descreviam as batalhas, estudando as táticas de guerra. Elaboravam cenários nos quais seriam hipoteticamente atacados por determinada nação, ou as atacariam. Cada general das forças armadas de cada nação do mundo juraria a seu rei, presidente ou primeiro ministro que estava preparado. Tinham, porém, na história universal, alguns poucos exemplos daquilo a que chamavam “guerra não convencional”, ou de guerrilha, e que haviam gorado as intenções de muitos generais. Napoleão era um bom exemplo: Vitorioso em muitas batalhas perdeu para a guerrilha russa e ibérica, e já enfraquecido perdeu a última batalha. A final, a decisiva. Há sempre uma batalha final, decisiva, que termina uma guerra, mas os generais sempre apostaram que a ganhariam, porque não podiam negar que estavam preparados. Perderiam o posto, seriam execrados, chamados de traidores.

Não havia maior exemplo de guerra “não convencional” do que a batalha de Leningrado, travada entre russos e alemães, pela posse desta cidade. Foi uma guerra travada de porta em porta, no meio de ruas e praças, semi destruídas por bombardeios. A história conta da ação dos exércitos, mas muito pouco sobre o sofrimento dos civis. Isso tem uma explicação: Justifica os exércitos, preserva o moral para futuras guerras. Esta visão, que oculta o sofrimento das populações, preserva também a necessidade, sempre questionável,  de ações violentas por parte dos exércitos e os justifica.

A partir das barricadas de Paris nos anos 60, quando a juventude esclarecida dos estudantes se insurgiu contra o estado e a educação francesa, mudou-se o comportamento das forças policiais no mundo. Não podendo mandar o exército contra a população, que aumentaria a revolta, armaram este setor das forças armadas com escudos, roupas especiais, e as muniram com veículos ligeiros de segurança reforçada, além de granadas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, cassetetes reforçados, rádios de comunicação, e todo um arsenal que não consegue esconder o alto grau de eficiência da policia como força paramilitar. Novas técnicas foram desenvolvidas para conter e dominar populações revoltadas. Contudo, as forças policiais são sempre diminutas em termos de porcentagem da população porque tais movimentos de revolta nas ruas eram sempre localizados num bairro de uma cidade, quer por protestos contra o governo local, geral, ou reuniões de entidades que não eram do agrado geral, como as do FMI, ou do G8, dentre outras.

Não se poderia acreditar que algum general tenha sido o primeiro a aconselhar o início de uma guerra. Eles sabem que tanto podem ganhá-las como perdê-las por fatores aleatórios. Em geral as guerras se haviam iniciado sempre por problemas financeiros, obtenção de matérias primas, ou ideologias políticas ou religiosas, e como dissemos acima, sempre havia líderes, nações que as declaravam, mas quem dava a primeira palavra no sentido de declarar guerra, eram sempre os setores econômicos da nação, ou os ideólogos e religiosos. Esses setores detinham a moral geral da nação, a produção bélica e o controle sobre as populações. O setor da economia fabricava os equipamentos, as armas. Fabricava tudo. Em extrema necessidade ideológica, religiosa ou econômica, pediam, exigiam a guerra. Os generais simplesmente diziam o que necessitavam para que estivessem preparados.

Outra característica fundamental das guerras convencionais, é que sempre começavam por uma nação contra outra, e por um setor das fronteiras, por uma cidade atacada. As limitações faziam com que raramente se atacassem duas cidades ao mesmo tempo, ou se avançasse ao longo de toda a fronteira.

Foi assim que quando começou a crise financeira de 2008, nenhum general se preocupou além do normal. Estavam debruçados sobre enormes dossiês que estudavam a diário destrinchando hipóteses de ataque e defesa, conforme devessem atacar algum país em particular, ou defender-se de outros. O povo começou a ir para as ruas na Grécia (enfrentamentos violentos com a polícia), na Espanha (ocupando praças), na Inglaterra (quebrando o que encontravam), nos EUA (ocupando Wall Street), e de repente, a primavera árabe, com revoltas que derrubaram antigos e tradicionais ditadores. Todos pediam democracia e lisura na forma de governar.

Os generais não se deram conta do tamanho da crise. Os banqueiros não se deram conta do sacrifício que estavam exigindo das populações para pagarem os altos juros e diminuir a administração pública – para economizar e pagar esses juros e essa dívida – os governos não se deram conta de que tinham caído na mão de agiotas legalizados pelo título pomposo de “banqueiros” em nome de suas respectivas nações. Também não se deram conta do “lero-lero e vem cá que eu também quero” que sucedeu à doação de dinheiros públicos aos bancos para evitar ou minimizar a crise que se estendia desde 2008. Depois dos Bancos, as construtoras, e em geral as empresas que forneciam fosse o que fosse para os governos, começaram a aumentar o valor de seus preços. Também queriam participar do botim, já que os governos estavam distribuindo dinheiro recolhido por impostos, e essa era a sua fonte de enriquecimento mais viável. Mais viável do que o próprio comércio competitivo, onde já era impossível reduzir ainda mais os custos. Uma coisa gera outra, e a corrida para um futuro traçado de forma inconseqüente pelos governos da terra, foi se desenvolvendo, agindo uns à semelhança dos outros, como castelos de dominó, sobre os quais uma pedra inicial tomba primeiro.

Em 2011-2012, começou a segunda fase da crise de 2008. Até então, o iceberg da crise mostrara apenas a sua já importante e enorme ponta: a necessidade de desviar dinheiros públicos para evitá-la. Isso levou ao esvaziamento dos cofres públicos, e diminuiu drasticamente a capacidade dos governos atenderem a função para a qual foram eleitos: cuidar da população através do fornecimento de serviços públicos, justiça, segurança, saúde, transportes, infra-estrutura, educação... As cidades começaram a se deteriorar e maior carga de trabalho e de impostos foi gerada.
Chefes de Estado começaram a cair em Portugal, Grécia, Itália, não por semelhança com a primavera árabe, mas por administração deficiente de suas nações, onde a corrupção atingiu limites de sufocamento financeiro.


Quem pode adivinhar a capacidade de resignação, os limites de pressão que uma sociedade pode suportar? E se essa pressão se exercer sobre uma grande parte das sociedades do globo?

Uma forma consciente de reduzir os preços de matéria prima ou produto essencial a um estilo ou necessidade de vida, é produzir mais e mais. Produzindo mais, os preços caem. Outra forma é fazer tratados vantajosos com os países que as produzem quer por pressão política, quer por trocas comerciais, ou invadir o país que as produzem. Neste último caso, qualquer pretexto mais ou menos plausível serve para iniciar uma invasão.  Os EUA, necessitando de petróleo para sua população crescente, garantindo o condicionamento do ar em residências e o transporte, tinham invadido o Iraque alegando a posse de armas de destruição em massa. Foi um erro que o mundo logo esqueceu, mas tal como marido ou mulher que trai, nunca reconheceu o erro. Quando em 2014, o Irã estava em vias de construir o seu primeiro artefato nuclear, já possuía mísseis que poderiam atingir Israel e muitos países bem além de suas fronteiras. Prometido há pelo menos uma década, o Irã fora finalmente invadido nesse ano, assegurando o preço dos combustíveis nos EUA e a manutenção dos patamares da economia americana, que embora desgastada pela crise, ainda crescia a um ritmo de 1 a 2% a.a. Já numa fase anterior, forças européias tinham invadido a Líbia, o que proporcionara os benefícios dos preços baixos de petróleo principalmente para a França. Europa e EUA dividiam o poder sobre o mundo. Isso também era convencional. A história universal demonstrava isso em várias épocas de sua evolução, juntando gregos e romanos dividindo o mundo, Portugal e Espanha, Inglaterra e EUA... Mas no cadinho de uma crise econômica mundial, com os governos sendo questionados quanto á sua democracia e representatividade, em geral e em todo o planeta, esse era um panorama completamente diferente de tudo o que jamais tinha acontecido na história da humanidade.

Com o calote da Grécia, de Portugal, da Itália e da Espanha, a crise se alastrou pela Europa. Houve uma enorme deflação, empresas fecharam. As potências mundiais, que haviam experimentado duas décadas de crescimento dos países emergentes que vendiam seus produtos manufaturados e matérias primas a baixo custo para poderem crescer, lutavam agora com uma agravante. Em crise, compravam menos dos países emergentes que não podiam baixar ainda mais os seus custos, e reduziam as suas importações. Faltava dinheiro - que estava imobilizado com os Bancos - mas estes estavam com um problema enorme. Sem garantias, não emprestavam dinheiro. O dinheiro estava entalado, jazendo em cofres á espera de oportunidades. Sofriam com a própria crise que haviam criado em 2008 ao secarem a fonte das verbas governamentais. Sem emprego, a população mundial, com cerca de 9 bilhões de habitantes, ganhou as ruas do mundo. O estalar das movimentações de rua aconteceu primeiro e inesperadamente nas principais cidades dos países da Europa, sem que alguém o ordenasse. Em menos de uma semana já se  espalhara pelas Américas, Ásia, África. Os governos foram caindo um a um e plebiscitos foram rapidamente implementados para definir novas constituições dando poder ao povo para decidir através de voto.

Quando a poeira assentou, contaram-se os prejuízos num mundo devastado.
Aproveitando-se da convulsão mundial, o regime da Coréia do Norte caíra definitivamente, e o Irã já não representava perigo nuclear com suas instalações explodidas numa ação relâmpago do exército de Israel. O mundo árabe reclamou, mas não reagiu. Cuba era capitalista finalmente, o povo comemorava nas ruas. Os restos mortais de Fidel foram transferidos para lugar ignorado.

Começara uma nova era mundial.

Rui Rodrigues

2 comentários:

  1. Gostei muito do que li meu caro Rui.
    Saboreei uma interessante visão analítica político-econômica mundial, onde o amigo trata a maior parte do seu texto com base nos fatos, logo inconteste.
    O epílogo é amparado num formato profético, mas plenamente plausível.
    A riqueza e o cuidado com os detalhes finais acabam confundindo o leitor (eu me deixei levar), e isso para um texto é fundamental.

    Parabéns meu caro.
    Fico no aguardo do próximo.

    Um fraterno abraço

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    1. Obrigado amigo Dagmar... Tenho outros no prelo... Espero que goste. Abração

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Grato por seus comentários.