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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Eu tenho um relógio.

Eu tenho um relógio.



Relógios marcam o tempo, o que quer que isso possa significar dada a sua relatividade mostrada e provada por Einstein. Meu relógio tanto está no coração, como no meu cérebro. Ele pula de um lado para o outro, assim me corre a vida. Tenho problemas com o “tempo”. Apressado chego a chegar atrasado, preguiçoso chego a chegar antes do tempo, mas normalmente estou no horário de quem cruzo pelo caminho da vida. É assim que entendo quando pergunto as horas, me respondem e confiro pelo meu relógio de pulso: Sempre conferem, mais minuto menos minuto, mas isso é problema de quem “acertou” os relógios com que mede o tempo comum. Não é o tempo de chuva, calor, frio ou sol. É o tempo, essa medida tão esdrúxula com que se medem os anos, o nosso imprevisível, inconstante e imponderável “viver”, outro aspecto da vivência que não tem um significado bem definido. Viver para uns é uma obrigação, para outros uma necessidade, e há quem faça da vida uma ambição perpétua, coisa que sabemos não o ser.



Esperei a semana inteira, ansioso, para me encontrar com Hortênsia que não cheira a hortênsias, mas a Noah, um perfume francês de ensandecer qualquer macho viril que anseie por uma fêmea pronta para a união de corpos, desejos, anseios, gozo, prazer. Meu relógio me enganou durante toda a semana, fazendo-me sentir que o tempo, aquele tempo dos relógios comuns, estivesse atrasado, mas Hortênsia, que nunca tinha sido verdadeiramente minha, porque era de quem ela queria ser, já não era mais “minha”, coisa que descobri tempos depois do tempo a que me refiro, essa longa semana. Foi nessa noite, do final de semana, que percebi esse duro fato, principalmente porque o tempo do amor em comum, que deveria ser breve para ser gostoso, se transformou numa eternidade dolorosa de explicações do óbvio: Já não era como antes. Algo muito importante mudara e não foi no tempo, mas foi durante o “tempo”, tempo de uma semana, que tudo mudou, o mundo parecia ruir. Uma catástrofe? Não! Sempre falta tempo para quem muito quer, sempre sobra tempo para quem quer apenas o necessário. E com tanto tempo disponível na vida, outras Hortênsias apareceriam. Talvez Rosas, Margaridas, Flores sem nomes de flores, sem cheiros de Noah, talvez com cheiro de Channel, ou apenas com o cheiro do corpo, natural como a natureza, úmida como o orvalho, um perfume que é “da” mulher e não de mulher. Que importa o que fala no tempo, do tempo, se todo o seu tempo não é só de mulher mas de ser humano de gênero feminino ?



Nada no tempo mais o distorce do que os argumentos, as necessidades, as explicações, porque gostamos do tempo curto e não do tempo que muito dure, porque o tempo que demora muito, nos rouba o nosso “tempo”, aquele que mede os segundos imprescindíveis para sentirmos que vivemos e não que morremos. Parece até um paradoxo do tempo: O tempo mais longo é o que menos tempo nos faz viver porque é constituído de angústias. As esperanças não realizadas no tempo “previsto” nos encurtam a vida. È quando percebemos que lutar contra o tempo, nos prejudica o viver. Paciência parece ser bem melhor do que a esperança, porque nos torna a vida mais pacífica e tranqüila. O verde deveria ser o símbolo da paciência e não da esperança. Esperança, no tempo, parece ser um ideal sem participação. Um ideal inerte que depende nem se sabe de quê ou de quem. Pelo contrário, a paciência parece ser algo apenas temporário enquanto se verifica o progresso de nossas atitudes. Paciência é atitude. Esperança é inércia, loteria em que quase ninguém acerta, idolatria do irracional.



Recém-nascidos têm um relógio não se sabe onde, mas mais dias menos dias, nascem com nove meses. Alguns apressados nascem com sete meses, uns por que seu relógio se defasou, outros porque a mãe defasou o relógio do que seria o pai. Mas que importância isso pode ter se o Universo tem tempo eterno e nós, apenas uma tão ínfima parte que por pouco não “existiríamos”, se é que esse fato tenha alguma importância para o Universo, para a natureza ou para a vida de qualquer espécie outra que não a nossa... Recém-nascidos constroem seu próprio tempo. E mesmo na nossa, quem se importa realmente com a existência do próximo, desde que não tenha vivido algum tempo do relógio do tempo em comunhão de corpos, princípios, vivência?

Eu tenho um relógio. Tu tens um relógio. Todos temos relógios, mas não pensamos nas mesmas coisas no mesmo minuto em que estamos juntos, mesmo que discutamos o mesmo assunto, compartilhemos o mesmo minuto. E mesmo pensando nas mesmas coisas, as vemos  e interpretamos de formas diferentes mesmo que tenhamos de admitir que são diferentes, ou iguais, apenas “ligeiramente”.  E ficaríamos assim, eternamente no tempo, meio que confusos, meio que confundidos, sem noção do fim a que queremos chegar, não fosse a relativa importância do tempo de que tudo vem a seu tempo, sem sabermos o que é realmente importante, o que é o tempo, e o que é esse “tudo”. Viver apenas por viver como assistentes do tempo, assistidos pelo tempo, ou espectadores do tempo? Não. Não em absoluto. Um dia descobriremos que podemos fazer o “tempo”... Fazer acontecer no tempo o que queremos que aconteça, mas, como tudo é relativo, esta vontade factível não se aplicará a tudo. Apenas a uma pequena parte do quotidiano a futuro, assim como algo parecido em apostar numa roleta com a ajuda do croupier. Há quem ainda pense que “Deus” – seja ele qual for – é o Croupier. Mas, para se existir, é necessário  que se exista no tempo universal, e Deus precisaria existir nele. Não antes. Por isso, Deus é do tempo, e deste é Deus. Nasceram juntos, ambos eternos. E sendo eternos, não haverá fim dos tempos.



Como disse antes, eu tenho um relógio. Não quero ser eterno, e se não tem Hortênsias, buscam-se Rosas, Margaridas, e Cravos só na lapela em dia de festa se for moda. E quando for o tempo de não haver flores disponíveis para alegrar a vida, a vida se alegrará com outras opções do tempo. No tempo tudo que existe aqui está á nossa disposição.



® Rui Rodrigues 

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