Eu tenho um relógio.
Relógios marcam o tempo, o
que quer que isso possa significar dada a sua relatividade mostrada e provada
por Einstein. Meu relógio tanto está no coração, como no meu cérebro. Ele pula
de um lado para o outro, assim me corre a vida. Tenho problemas com o “tempo”. Apressado
chego a chegar atrasado, preguiçoso chego a chegar antes do tempo, mas
normalmente estou no horário de quem cruzo pelo caminho da vida. É assim que
entendo quando pergunto as horas, me respondem e confiro pelo meu relógio de
pulso: Sempre conferem, mais minuto menos minuto, mas isso é problema de quem
“acertou” os relógios com que mede o tempo comum. Não é o tempo de chuva,
calor, frio ou sol. É o tempo, essa medida tão esdrúxula com que se medem os
anos, o nosso imprevisível, inconstante e imponderável “viver”, outro aspecto
da vivência que não tem um significado bem definido. Viver para uns é uma
obrigação, para outros uma necessidade, e há quem faça da vida uma ambição
perpétua, coisa que sabemos não o ser.
Esperei a semana inteira,
ansioso, para me encontrar com Hortênsia que não cheira a hortênsias, mas a
Noah, um perfume francês de ensandecer qualquer macho viril que anseie por uma
fêmea pronta para a união de corpos, desejos, anseios, gozo, prazer. Meu
relógio me enganou durante toda a semana, fazendo-me sentir que o tempo, aquele
tempo dos relógios comuns, estivesse atrasado, mas Hortênsia, que nunca tinha
sido verdadeiramente minha, porque era de quem ela queria ser, já não era mais “minha”,
coisa que descobri tempos depois do tempo a que me refiro, essa longa semana.
Foi nessa noite, do final de semana, que percebi esse duro fato, principalmente
porque o tempo do amor em comum, que deveria ser breve para ser gostoso, se
transformou numa eternidade dolorosa de explicações do óbvio: Já não era como
antes. Algo muito importante mudara e não foi no tempo, mas foi durante o
“tempo”, tempo de uma semana, que tudo mudou, o mundo parecia ruir. Uma
catástrofe? Não! Sempre falta tempo para quem muito quer, sempre sobra tempo
para quem quer apenas o necessário. E com tanto tempo disponível na vida,
outras Hortênsias apareceriam. Talvez Rosas, Margaridas, Flores sem nomes de
flores, sem cheiros de Noah, talvez com cheiro de Channel, ou apenas com o
cheiro do corpo, natural como a natureza, úmida como o orvalho, um perfume que
é “da” mulher e não de mulher. Que importa o que fala no tempo, do tempo, se
todo o seu tempo não é só de mulher mas de ser humano de gênero feminino ?
Nada no tempo mais o
distorce do que os argumentos, as necessidades, as explicações, porque gostamos
do tempo curto e não do tempo que muito dure, porque o tempo que demora muito,
nos rouba o nosso “tempo”, aquele que mede os segundos imprescindíveis para
sentirmos que vivemos e não que morremos. Parece até um paradoxo do tempo: O
tempo mais longo é o que menos tempo nos faz viver porque é constituído de
angústias. As esperanças não realizadas no tempo “previsto” nos encurtam a
vida. È quando percebemos que lutar contra o tempo, nos prejudica o viver. Paciência
parece ser bem melhor do que a esperança, porque nos torna a vida mais pacífica
e tranqüila. O verde deveria ser o símbolo da paciência e não da esperança.
Esperança, no tempo, parece ser um ideal sem participação. Um ideal inerte que
depende nem se sabe de quê ou de quem. Pelo contrário, a paciência parece ser
algo apenas temporário enquanto se verifica o progresso de nossas atitudes.
Paciência é atitude. Esperança é inércia, loteria em que quase ninguém acerta,
idolatria do irracional.
Recém-nascidos têm um
relógio não se sabe onde, mas mais dias menos dias, nascem com nove meses. Alguns
apressados nascem com sete meses, uns por que seu relógio se defasou, outros
porque a mãe defasou o relógio do que seria o pai. Mas que importância isso
pode ter se o Universo tem tempo eterno e nós, apenas uma tão ínfima parte que
por pouco não “existiríamos”, se é que esse fato tenha alguma importância para
o Universo, para a natureza ou para a vida de qualquer espécie outra que não a
nossa... Recém-nascidos constroem seu próprio tempo. E mesmo na nossa, quem se importa realmente com a existência do
próximo, desde que não tenha vivido algum tempo do relógio do tempo em comunhão
de corpos, princípios, vivência?
Eu tenho um relógio. Tu tens
um relógio. Todos temos relógios, mas não pensamos nas mesmas coisas no mesmo
minuto em que estamos juntos, mesmo que discutamos o mesmo assunto,
compartilhemos o mesmo minuto. E mesmo pensando nas mesmas coisas, as
vemos e interpretamos de formas
diferentes mesmo que tenhamos de admitir que são diferentes, ou iguais, apenas
“ligeiramente”. E ficaríamos assim,
eternamente no tempo, meio que confusos, meio que confundidos, sem noção do fim
a que queremos chegar, não fosse a relativa importância do tempo de que tudo
vem a seu tempo, sem sabermos o que é realmente importante, o que é o tempo, e
o que é esse “tudo”. Viver apenas por viver como assistentes do tempo,
assistidos pelo tempo, ou espectadores do tempo? Não. Não em absoluto. Um dia
descobriremos que podemos fazer o “tempo”... Fazer acontecer no tempo o que
queremos que aconteça, mas, como tudo é relativo, esta vontade factível não se
aplicará a tudo. Apenas a uma pequena parte do quotidiano a futuro, assim como
algo parecido em apostar numa roleta com a ajuda do croupier. Há quem ainda
pense que “Deus” – seja ele qual for – é o Croupier. Mas, para se existir, é
necessário que se exista no tempo
universal, e Deus precisaria existir nele. Não antes. Por isso, Deus é do
tempo, e deste é Deus. Nasceram juntos, ambos eternos. E sendo eternos, não
haverá fim dos tempos.
Como disse antes, eu tenho
um relógio. Não quero ser eterno, e se não tem Hortênsias, buscam-se Rosas,
Margaridas, e Cravos só na lapela em dia de festa se for moda. E quando for o
tempo de não haver flores disponíveis para alegrar a vida, a vida se alegrará
com outras opções do tempo. No tempo tudo que existe aqui está á nossa
disposição.
® Rui Rodrigues
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