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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Se pudéssemos ver o mundo que não veremos... Ou “minha galinha merece uma medalha de honra ao mérito”

Se pudéssemos ver o mundo que não veremos... Ou “minha galinha merece uma medalha de honra ao mérito”





Este mundo que vemos é produto da evolução e seleção naturais. Entenda-se como “natural” o que é produto apenas das leis da natureza e sua aparente aleatoriedade... O que vemos é um céu cheio de espaços aparentemente vazios palmilhado de astros. Uns raros caem sobre nós, a maioria esmagadora fica lá em cima rodando, girando, “voando” a velocidades fantásticas que não percebemos. Para nós parecem estar todos parados. Por “nós”, entenda-se toda a espécie viva de qualquer dos reinos da natureza, mesmo que aparentemente nos pareça não terem qualquer laivo de inteligência que possa competir com a nossa, a dos humanos. Talvez um dia se chegue à conclusão que “inteligência” é algo que ainda não entendemos muito bem e que os vírus são muito mais inteligentes do que os humanos. Estamos em plena guerra contra eles e pelo que parece, não estamos ganhando. O Ebola é um exemplo e há muitos mais exemplos.




Um dia morreremos e deixaremos de “ver” este mundo, mas ele continuará evoluindo, espécies mais adaptáveis às transformações do ambiente proliferarão mais do que outras, novas espécies surgirão e outras serão extintas ou se extinguirão por falta de condições de adaptabilidade ao meio. Mas...

... Mas se pudéssemos ressuscitar daqui a um milhão de anos, talvez desejássemos voltar para a cova: O planeta Terra ficará irreconhecível, o comportamento humano será muito diferente, os valores sociais, morais, a moda, os hábitos, nosso próprio corpo sofrerá alterações significativas principalmente devido ao uso de “partes” físicas a que hoje chamamos “próteses” para dar a nosso corpo capacidades extras que naturalmente não conseguimos obter. Por outro lado, as modificações genéticas que já iniciamos em vegetais e animais não são fruto de uma “evolução natural”, mas de nossas próprias necessidades. Um ou outro gene escapa para a natureza e de repente nos iremos deparar com novas espécies transgênicas desenvolvidas (agora já naturalmente a partir de alterações que induzimos e que fugiram ao nosso controle) que surgirão da noite para o dia. Passaremos a estudá-las, a reaproveitar seus genes para novas alterações genéticas... E alguns desses genes nos atingirão. Poderemos passar a ser uma espécie “azulada”, esverdeada ou amarelada.




Minha galinha – tanto quanto parece – não tem genes alterados. É uma no meio de quatro que comprei como sendo “caipiras”, e que se juntaram a outras duas e a um galo que eu já tinha. Uma fugiu! Nunca vi galinha voar, mas estas quatro caipiras voavam – literalmente voavam – pulando muros de mais de três metros de altura. Tive que lhes cortar as asas. No segundo mês era-me fácil recolher dois a três ovos por dia, depois escassearam... Vi que comiam os ovos, menos uma, a única branquinha do lote das quatro novas. Quando certo dia a vi deitada no chão por bom tempo, e no dia seguinte também, percebi que estava chocando ovos. Chocava apenas dois ovos. Apanhei então mais cinco ovos dos que havia guardado, e coloquei-os no ninho improvisado. Por umas duas vezes a ouvi gritar: As outras galinhas tentavam comer-lhe os ovos, seus filhotes. Separei então as galinhas. Certa noite veio o gambá por uma fenda na malha de cobertura do galinheiro. Eu tomei conhecimento quando a meio da noite ouvi seu grito lancinante que parecia de gente. Era um grito de dor, mas não apenas de dor. Era um apelo a um “deus”, á natureza, a algo para que a salvasse da morte... Ela tinha uma missão a cumprir e essa missão estava sendo interrompida pela nulidade da inexistência antecipada. Era um pedido de socorro. Levantei-me desperto a meio da noite e abati o gambá. Lamento até hoje a morte prematura do gambá, mas não tive alternativa. A galinha era minha amiga, o gambá um simpático intruso que sempre via passar em cima do muro, tranqüilamente, que vinha comer os restos de frutas que eu lhe deixava. A ele e a seus parentes que vivem algures no condomínio e que nunca procurei saber onde!

Naquela noite, sete dias atrás, o gambá a mordeu de morte. Tem uma mancha sanguinolenta do lado. Está seriamente ferida. Não sei onde arranjou forças, mas se alimenta, bebe água e impressionantemente continuou chocando seus sete ovos. Vi que o gambá estava comendo um ovo quando o abati. Então, ela não só estava chocando os ovos que pusera, como os que coloquei  e mais alguns que as outras galinhas haviam posto antes que as apartasse.

É esta maternidade da natureza que me impressiona e admiro: Nenhuma mãe tem filho feio, nenhum pai se incomoda em criar filhos de genes alheios. Mãe ou pai que se incomodam com genes alheios não são da natureza embora pertençam a ela... São natureza desnaturada.

E se pudéssemos ressuscitar daqui a um milhão de anos, veríamos que “nosso” planeta estará deveras diferenciado. Sinto, porém, que o termo “nosso” está completamente equivocado. O planeta não é nosso, não nos pertence... Nós é que lhe pertencemos enquanto vivemos. E para lhe pertencermos de fato é necessário senti-lo. Quem vive alheio ao meio em que habita não pertence a nada. É um monte de sentimentos desperdiçados. Minha galinha merece uma medalha de honra ao mérito. 

PS- Quase 15 dias decorridos desde que foi mordida pelo gambá, a galinha continua chocando os ovos. Não me atrevi a verificar como está a sua ferida. Não deve ter sido letal e provavelmente ela se irá recuperar. 



® Rui Rodrigues

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