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sábado, 11 de fevereiro de 2017
Os crentes e os poetas.
Um dia o poeta parou para pensar nos crentes que de bom e vaidoso coração em tudo acreditam quando não deveriam acreditar, mas que de pobre razão não acreditam por desconfiarem que não deveriam acreditar, suspirou e escreveu: "Navegar é preciso, viver não é preciso". E logo saíram esses de triste fado gritando que deveriam dedicar suas vidas aos empreendimentos marítimos, a defender as "colônias", a servir o Estado da "Urbi et Orbi com toda a Terra e a Grei", tantas vezes traidora, porque viver não era necessário e dedicar as vidas aos outros, isso sim, era...
E em outro dia disse que "o poeta é um fingidor chegando a fingir a dor que deveras sente", mas logo a seguir escreve também que " Tudo vale a pena se a alma não é pequena". E logo a Grei ignota sai a correr gritando que vale a pena dar murros em ponta de faca porque um dia talvez no último dedo sanguinolento que ficou, a faca quebra no único anel que também restou. Sem choro nem vela nem pena nem dó.
O poeta era crente, sim, em que a crença não é veste para quem sabe, mas batina pra quem usa, porque se sabe que são "benditos os pobres de espírito porque deles será o reino dos céus"... E nada melhor do que as melhores e mais humildes palavras para ajudar os crentes a ficarem impávidos com as perdas incluindo as das próprias vidas.
Este poeta, Fernando Pessoa ia muito a um café na cidade, mas não era muito social, podia passear na rua sem que o reconhecessem, embora fosse um janota elegante que se mantinha longe de palácios, festas e "reconhecimentos", e contemporâneo de Freud, por um motivo muito simples: Ele era tudo o que os demais fingiam ser sem nunca admitirem que fingiam, os políticos no topo. Escreveu como se ele fosse um com mais três heterônimos. Ele escrevia deixando claro a diferença entre o conhecer e o crer. O outro é Luis de Camões, o rebelde, que todos fingem não entender por ser rebelde. O primeiro precisou fingir porque era franzino e fraco... O outro, que aliás nasceu primeiro, feriu amigo do Rei, foi preso, asilado, morreu pobre e pela doença da peste e foi jogado em vala comum. Fizeram-lhe belíssimas estátuas, mas os ossos que estão sob a do túmulo nem são os dele e provavelmente nunca ergueu as mãos a Deus.
Foram estes os dois maiores poetas lusitanos da língua portuguesa, cada um a seu modo, que seriam muito maiores se pelo menos os entendessem. Poetas pensam muito... Os crentes aplaudem por fé porque os outros aplaudem, e se os outros aplaudem, então têm crédito, e é tudo o que se precisa pensar. Por que S. Tomé continuou santo é um mistério, mas deve ter sido porque também acreditou. Eu não o vi acreditar!
Rui Rodrigues
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