Arquivo do blog

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Trabalho pra caramba! ... Onde anda minha caixa de etiquetas?

Trabalho pra caramba! ... Onde anda minha caixa de etiquetas?

Moro sozinho 99% do meu tempo ocupado. Tempo livre é só 1% de meu tempo total (é quando vou no banheiro, porque quando durmo estou trabalhando em silêncio)... E faço tudo o que é necessário, por que a mão de obra é cara, displicente, ambiciosa e, sobretudo, socialista “modernosa”: Acham que eu sempre lhes devo alguma coisa, que me fazem um favor, e que a lei os beneficia... Ta!... Então não contrato ninguém e eu mesmo faço tudo. Há inúmeras vantagens... Uma delas é que não pago INSS, nem férias, nem impostos. Eu mesmo me aproveito dessa grana que só serve para políticos distribuírem verbas públicas entre amigos. Amigos por amigos, meu maior amigo sou eu mesmo!

Vendi minha camioneta S-10... Não gasto gasolina, não dou gorjeta para o guardinha safado que anda sempre procurando sarna para eu me coçar, nem multas extorsivas, nem uma fortuna que custa manter um veículo nos dias de hoje. Nem passo pelo sofrimento de filas imensas de trânsito, filas no Detran, filas, filas e filas, busca incessante de estacionamentos que quando pagos custam uma meia dúzia de sorvetes, uma janta em restaurante de classe, um par de caças jeans, uma camiseta de marca, uma camiseta oficial do Flamengo, um mês de Internet ou de canal de filmes e programas via antena mirim e decodificador!

Sou o meu cozinheiro com vantagens de ter um particular: Meu colesterol não sobe, minha comida tem sempre o mínimo de sal para não subir a pressão, não corro o risco de ser envenenado e não sofro de azia. Nenhum cozinheiro me cospe no prato quando acha que trabalhou demais ou não foi devidamente apreciado. A comissão pela compra de alimentos no açougue, na peixaria ou no hortifrúti, eu mesmo recebo. Serve para despesas extras, como pagar táxi, comprar um par de sapatos novos, dar um presente para a Afonsina, que tem um nome horrível (e até é meio feia), mas é nota dez nos quitutes dos carinhos, e não fala demais da conta nem cria problemas. Olha só quanto economizo...


Sou minha própria empregada: lavo, passo, costuro, arrumo, limpo, do andar de cima até a área da churrasqueira e do jardim com a garagem. A garagem é para a Afonsina que tem carro e ainda não descobriu as vantagens de usar ônibus com motorista particular, umas enormes limusines com seis rodas, muitas de marca “Mercedes” ou “Volvo”... Não é pouca coisa não... Só não faço renda nem crochê porque seria muita sacanagem e a Afonsina ia me mandar tomar... Banho! Ela gosta de macho, macho do tipo que parece frouxo e faz comida e uns cafunés para ela. É uma gata de duas pernas, mas não “ronroneia”... Se ronronasse eu a mandaria procurar outro gato.  Já imaginou quanto economizo, sendo minha própria empregada? Só não ponho lenço na cabeça. Seria muita sacanagem comigo mesmo!


Motorista já tenho. Anda sempre de calça preta e camisa azul. Uma grande vantagem é não ser sempre o mesmo. Depende da placa do ônibus. E seguindo a minha linha de conduta face às vicissitudes da vida e do mercado, sou meu próprio zelador. Abro a porta de minha casa para os amigos e amigas, arrumo a entrada da casa, a garagem, recebo a correspondência na caixa de correio instalada no muro da casa, abro o portão, e tenho sempre as respostas certas quando me pergunto alguma coisa sobre a vizinhança. Sei perfeitamente que a mulher de um dos vizinhos come fora quando ele viaja. É uma festa gastronômica!
Sou o meu próprio carpinteiro especializado. Faço meus móveis, como mesas, aparadores, armários até de cozinha, usando madeira de construção, tratando para não dar cupim, lixando, cortando, pregando, aparafusando, pintando... Instalando. Quando a Afonsina não gosta, é tarde... O móvel já está pronto e instalado e ela sabe que se eu gostasse de atender reclamações contínuas eu seria atendente de postos de Órgãos Públicos.

Sou meu próprio garçom. Sirvo-me a mim mesmo e não perco tempo escrevendo o pedido. No dia em que eu me perguntar: “É servido de mais alguma coisa? Temos uns...”, vou jantar fora e procurar um psicanalista! E faço minha própria segurança pessoal. Até hoje não fui assaltado. Postei duas placas no portão. Uma diz: “Se quiser dinheiro, assalte um banco como fez a Dilma Roussseff quando era assaltante de bancos, porque eu não tenho porra nenhuma” (agora assalta outras coisas dentre elas a Petrobrás). A outra diz: “Sorria a afaste-se: Você está sendo filmado e a imagem instantaneamente transmitida via net”. Ou seja, não adiantaria ao bandido safado assaltar com esperanças de destruir meu computador para apagar as imagens: A Inês estaria morta e ele preso! A Afonsina ri sempre quando olha as placas e eu também. Casal que ri junto permanece junto. Ainda bem que ela só passa aqui de vez em quando. Não agüento rir o tempo inteiro.

Sou o meu pastor!... Não pago essa coisa chata e extorsiva de dízimos e víntimos. Quando preciso falar com Deus ou que Ele fale comigo, cozinho um pão cuja massa eu mesmo faço, retiro da geladeira um bom naco de queijo Roquefort e abro uma garrafa de Cabernet Sauvignon. E então chamo Deus para a comunhão, aproveitando a boa hora para lhe fazer umas confissões e um ou outro pedido. Uma das coisas que lhe venho pedindo há anos é uma outra Afonsina, mais jovem um pouco, que não seja traíra e me avise antes de me largar e arranjar outro, mas ou eu ou Deus somos teimosos: Ele porque não me arruma uma dessas, e eu porque continuo tentando! Mas apesar disso, nos empanturramos de pão estaladiço acabado de sair do forno, queijinho Roquefort e vinho Cabernet Sauvignon. De vez em quando vai um “Santa Helena”, que “Casillero Del Diablo” é bem melhor, mas mais caro, e Deus não gosta muito desse. Esse eu tomo quando acho que Deus não anda por perto. Depois Lhe confesso, e Ele sempre faz aquele gesto de “deixa pra lá...”.

Como aparentemente não sofro de nenhuma doença, sou o meu próprio médico (tomo uns chás com porradas de vez em quando com a Afonsina), e também o meu próprio engenheiro (nesta especialidade me formei mesmo, pra valer), e sou meu consultor econômico. Para presidente da República votarei em mim mesmo. A minha república fica aqui mesmo em casa, e não acredito em políticos. Sou também o meu pintor de paredes e de quadros. Já imaginou quanto custa um Picasso, um Van Gogh, um Monet? Um absurdo! Assim, pinto os meus próprios quadros, penduro na parede e quando alguém visita minha casa diz logo: Não é do Picasso, mas parece... De quem é?  Se a visita é legal digo que é meu. Se não é digo que comprei numa loja de Monmartre em Paris, da ultima vez que fui lá, e depois navego na conversa a remos ou com motor de popa. A propósito... Sou meu próprio pescador e proprietário da peixaria: Pesco por aqui mesmo, na praia. Só uso peixarias para poder comer os famosos peixes “Scapô” [1] ...

Por isso economizo o dinheiro que não tenho e me divirto pra caramba... Por exemplo, com o rabino que sabe perfeitamente que não misturo carne com leite, nem manga com leite e que carne, só Kosher. Amo os animais. O padre já nem passa aqui em casa porque sabe que não tenho pecados nem dinheiro para as esmolas. O pastor ri comigo. Já viu por várias vezes que aqui em casa não há capeta nenhum, e nem um por cento posso dispor do que tenho, quanto mais 10%... O sacerdote muçulmano passou direto quando viu que me ajoelhei no chão, sobre um “quilim”, coisa que sempre faço quando sinto a presença de Deus e para não sujar os joelhos, mas como ele não andava com bússola (nem eu sei em que direção fica Meca) não se precisou sobre se a direção de minhas orações estavam corretas (para ele) ou não. Ficou por isso mesmo. Como tenho umas galinhas no meu galinheiro, umas garrafas de cachaça e uns charutos cubanos, o pai de santo já me convidou para passar lá no terreiro, e um hindu dos bons, daqueles que usam fralda conversível em turbante, sabe que medito muito e faço Ioga plantando bananeira sempre que preciso irrigar o meu cérebro.

Ora vejam só como não se pode dizer que não trabalho mesmo não fazendo porra nenhuma na vida! Mas sempre fica aquele gostinho de despedir todo o mundo no dia em que eu me for. E não precisarei dar baixa na carteira de trabalho de ninguém! Minha conta bancária? Que conta? Os Bancos que me peçam consultoria e se necessário que abram uma conta em meu “banco”. Ah! E evidentemente tive que esquecer minha caixa de etiquetas em algum lugar que já não me lembro onde. Houve tempo em que as usava, mas atualmente com tanto trabalho, e com a caixa esquecida, algumas já devem estar coladas outras grampeadas e algumas as traças já traçaram.

® Rui Rodrigues





[1] Scapô são aqueles que não pesco e se alguém me pergunta “o que foi que mordeu tua isca?”, eu respondo: Escapou!

sábado, 23 de agosto de 2014

A nuvem branca de fumaça.

A nuvem branca de fumaça.


A população mundial andava perturbada com as transformações atmosféricas. Havia secas em todo o planeta, chuvas torrenciais, furacões, terremotos, em escalas nada habituais e doenças que se julgavam extintas voltavam a recrudescer. Um surto de Ebola em África parecia estar fora de controle. O planeta parecia no início de uma transformação letal. Não que as transformações fossem letais para o planeta que até já tinha passado por muitas delas, e em pelo menos duas vezes tinham extinguido 98% das espécies, mas para essa vida frágil que muita gente pensa ser forte, ilimitada, perene. Nessas horas de temor generalizado os templos se enchem, as famílias se dissolvem, os assaltos e crimes em geral aumentam, e até os que se dizem completamente ateus levantam os olhos aos céus e dizem para si mesmos: “Se realmente existes é agora a hora de apareceres e salvares a tua Obra”. Depois se lembram do dilúvio que nunca viram, imaginam aquela desgraça toda e tomam ciência instantânea de que Deus, se existir, de vez em quando é vingativo e então perdem a esperança. Nem por isso voltam imediatamente a serem ateus, mas ficam em cima do muro, por assim dizer, sem saber a quantas andam, para que lado caírem. Os crentes também não sabem a quantas andam nessas horas, mas têm uma vantagem muito grande sobre os demais: Enquanto as desgraças não lhes batem à porta, vêem os males acontecerem aos outros e pensam que “esses” não mereciam as bênçãos d’Ele, o todo-poderoso e que por isso ficaram desamparados. Quando finalmente os males das grandes catástrofes também os atingem, perguntam-se estes crentes: “Que mal eu fiz a Deus para morrer assim?”, e morrem sem resposta, nas desgraças que varrem crentes e ateus, nelas irmanados, aos montões, soterrados, afogados. As catástrofes são geralmente assim, provocando morte por soterramento ou afogamento, e mesmo quando se trata de ataque generalizado de vírus primeiro se pára de respirar e depois se é enterrado aos montões. A não ser em Pompéia não se tem mais notícias de grandes catástrofes por algo que venha dos céus a altas temperaturas, como lavas de vulcão, meteoros, nuvens de gás. Em Bopol na Índia houve mortes em massa por causa de uma nuvem, mas foi por causa de um produto tóxico liberado por acidente numa fábrica de produtos químicos. Na Rússia também caiu um meteoro lá pelos idos dos 1.800, mas não houve notícia de mortes. Só uma clareira enorme aberta na floresta com árvores queimadas, tocos ardentes. Um meteoro irrompeu dos céus também na Rússia na primeira década do século XXI, e foi até filmado por um sujeito com sua câmara fotográfica de telefone celular, ganhou o título de cinegrafista amador por um breve instante nas televisões mundiais, mas ficou no anonimato. Quem se lembra do nome desse sujeito que filmou aquele clarão tão forte descendo dos céus que iluminou mais do que o Sol? Parece que até para nós mesmos não somos assim tão importantes como nos julgamos. Se pensarmos como Deus nos deve ver, então... Nem é bom pensarmos nisso, porque podemos chegar à triste conclusão de que pode ver-nos como simples, minúsculas e quase inexistentes formigas, indiferenciáveis umas das outras.  


Naquele pequeno lugar à beira-mar, moravam apenas cerca de cinqüenta pessoas que no final de semana se multiplicavam por dois ou três, desde que não fizesse frio. Quem morava conhecia o Pedro Paulo, um sujeito dos seus quase setenta anos, forte, que morava e subsistia sozinho quase sem sair de casa.  Não incomodava os vizinhos, dizia-se Deísta, isto é, que acreditava num Deus, mas que não era nem igual ao dos judeus, dos cristãos, muçulmanos, budistas, taoístas, xintoístas ou de qualquer outra religião conhecida. Para ele Deus era cientista, químico, geômetra, navegador, médico geneticista, matemático, e talvez o planeta Terra fosse como que uma plaqueta de sangue que corria pelas veias imensas de um Deus imenso, invisível assim como as plaquetas de sangue também não podem ver o corpo que habitam por estarem dentro dele e terem os “olhos” muito pequenos e despreparados. Por vezes achava que esse Deus fosse tão pequeno, e por isso também não podia ser visto, que estivesse até dentro de cada grão de areia, gota de água, átomo, elétron, quark, dentro de cada ser vivo ou inerte. Não chegava a ser um sujeito esquisito, o tal do Pedro Paulo, mas era um sujeito diferente. Era o que se poderia chamar de desperdício cultural porque não fazia nada com o que sabia. Já tinha feito. Agora passava uma ou outra informação quando se juntava com amigos num churrasco, cada vez mais raro, mas os vapores da cerveja levavam as informações para algum lugar desconhecido porque depois ninguém se lembrava de como era mesmo aquela coisa de uma partícula poder sentir que uma outra gêmea a milhares de quilômetros de distância poderia trocar seu sentido de rotação se a outra também a alterasse, de forma tão instantânea, que aparentemente a luz teria que viajar a mais de 300.000 quilômetros por segundo, e isso, sabia-se ser impossível. Completamente impossível.




Primeiro foi o próprio Pedro Paulo que se admirou com a fumaça que vislumbrou lá fora da sua casa, por volta das 19 horas, já escuro. Como tinha ateado fogo a umas madeiras na churrasqueira, apenas para aquecer o ambiente, espantar alguns mosquitos perdidos e dar-lhe uma movimentação diferente, chegou a pensar que poderia ser a fumaça que se condensava ao enfrentar os ares frios da frente que chegava do Sul, lá da Argentina e do Chile, da Patagônia, mas quando olhou para o topo da chaminé viu que a fumaça vinha de lá e que o vento a empurrava e espalhava campos afora, casas adentro, sempre se alastrando, alastrando, sem aparentemente perder a densidade.  Os ventos, esses inconstantes, tanto espalhavam para Norte, quanto para Leste, Oeste e até mesmo para o Sul de onde vinha a frente fria. Por volta das 20:00, Pedro Paulo resolveu pegar o seu carro para ver até onde ia a neblina. Pareceu-lhe sentir um leve cheiro de churrasco mas isso era impossível, porque apenas acendera a lenha da churrasqueira e não pusera nenhuma carne ou peixe para assar. A madeira era proveniente de galhos secos destroncados, desses que as ventanias fazem arrancar quando os fazem bater uns nos outros como se fossem inimigos. Uns caem e secam no solo outros progridem, dão folhas, flores e frutos, aves e pequenos animais pousam e neles geram vida. Nunca se entendeu a seletividade da natureza quanto aos galhos. Porque uns caem e outros não, mas aparentemente não havia nenhum projeto em universidades para determinar essas diferenças numa mesma árvore e em árvores diferentes, nem em relação às estações do ano e ambiente. Entende-se se atentarmos para o fato de que também não há estudos de nuvens, sua relação em densidade, temperatura média, ionização, proveniência, volume, e todas essas características próprias e do ambiente que as envolve para melhorar os prognósticos sobre “o tempo”, dentro de uma cronologia não quântica. Resumindo, tanto quanto se sabe, sabe-se que não se sabe de ninguém que tenha visto o nascimento de uma nuvem e a tenha medido e acompanhado até a sua dissolução na atmosfera ou conversão em granizo ou água. Por isso talvez não se sabe como se poderia canalizá-las para verter água em açudes do Nordeste brasileiro. Provavelmente se fariam imensos e custosos projetos sem que algum dia tivessem sucesso completo, desde a implantação até o uso continuado. As verbas, essas seriam reajustadas e gastas anualmente como fonte de renda. Quando Pedro Paulo chegou à estrada que vai para Búzios ou para Cabo Frio, a uns 1.200 metros de sua residência, em meio a denso nevoeiro, ficou consternado: A névoa avançara a estrada a Leste e a Oeste, e dirigia-se também para o Sul. Parou no acostamento para cheirar melhor, livre das influências de cheiros internos ao veículo, e aspirou o ar enevoado calmamente, bem devagar... Tinha um leve cheiro de churrasco e parecia ser de ovelha, e como sempre, ao pensar em ovelhas as via com aqueles enormes olhos dóceis e tranqüilos, emoldurados por um par de orelhas a pino e uma boca de quem não fala de vida alheia, encasacadas num novelo de lá quente e aconchegante como se fosse enorme e grosso cachecol bege. Voltou para casa, fez um café na própria churrasqueira e ligou a televisão. Perdera o sono. Da chaminé ainda saía fumaça, mas parecia-lhe que a quantidade diminuíra um pouco. Resolveu não apagar o fogo, não por que fosse supersticioso, mas por consideração e respeito ao que aparece por si mesmo e que por si mesmo terá que evoluir até se extinguir ou transformar: Essa é a lei principal deste universo. Da madeira nem um terço estava queimado, nem era caso de chamar os bombeiros.


Na central de bombeiros em Cabo Frio e Búzios viram o nevoeiro. Pela primeira vez na história deste país havia no ar um leve cheiro de carne de churrasco que não podiam identificar. Só conheciam cheiro de carne de porco e de vaca e muito raramente cheiravam carne humana churrasqueada em incêndios. Saíram pela cidade procurando o foco, mas não encontraram.  Por volta das sete horas, nas primeiras notícias do dia, e em meio a um nevoeiro intenso, uma repórter devidamente vestida com uma blusa vermelha e uma saia preta entrevistava o chefe do agrupamento de bombeiros locais. Nas declarações explicou como lhe foi impossível localizar o foco. Seus colegas em Búzios estavam com o mesmo problema de não conseguir identificar a origem de tão forte névoa. Um representante do setor hoteleiro informou que ainda era cedo para saber se esse nevoeiro atrairia mais turistas ou se as reservas para o final de semana seriam canceladas. Pedro Paulo, a meio caminho na estrada de Cabo Frio para Búzios, e que assistiu à reportagem por ter perdido completamente o sono, pensou em ligar para a empresa de televisão e bombeiros, mas desistiu por ficar indeciso, sem saber o que fazer. Sua consciência lhe dizia que deveria ligar para esclarecer, mas tinha certeza que as chamadas telefônicas, muito caras, perderiam a eficiência pela espera explicando tudo às telefonistas para que pudessem repassar a ligação para os setores mais adequados, e depois de uns dez filtros não poder falar com nenhum dos responsáveis por estarem ocupados numa missão. Finalmente, isso iría parar na polícia por ter provocado desordem pública e outros crimes que logo se preocupariam em atribuir-lhe, já que esse tipo de notícia de impacto forte não só dá audiência nos noticiários como nos governos e partidos políticos que logo se apressam em capitalizar. Deve até haver algum acordo particular envolvendo propinas entre emissoras de televisão, jornais, prefeituras, centrais de polícia e bombeiros: Todos querem divulgar as notícias em primeiro lugar, capitalizar-lhes os efeitos, atribuir méritos e culpas. Pedro Paulo resolveu ficar calado, na sua, a TV ligada, e ligou também o computador. Não tinha feito mal algum, mas temia que dissessem que sim, com provas que não poderiam provar, mas que diriam ser provas comprovadas por testemunhas fidedignas, tudo legal sob os mais mínimos aspectos da lei passada, atual e agora alterada através de decreto estadual e logo adotada pelo governo federal.
Foi o que fez um eminente político do governo do Rio de Janeiro, baixando decreto de fechamento de todos os abatedouros e fornecedores de carne culpando-os pelo mau cheiro e atestando a qualidade de um abastecedor em especial com o qual havia vínculos políticos. A carne recolhida foi queimada para não contagiar, provocando o fortalecimento do cheiro de churrasco da forte e densa neblina. Pastores do Estado se apressaram a aconselhar a suas ovelhas que triplicassem os dízimos, que comprassem garrafões de água benta benzida em Jerusalém para garantir seu lugar no céu porque todo o nevoeiro e o cheiro eram coisa do capeta, de belzebu. Quem mais pagasse, melhores lugares teria á direita do homem feito Deus. Muçulmanos ficaram calados, que coisa desse Deus não seria, talvez de seu Deus, mas precisariam de confirmação. Espíritas e umbandistas estavam perplexos e consultavam os espíritos, mas nada vazava para o exterior dos templos e terreiros. Ateus procuravam explicação em fenômenos térmicos da natureza, vazamento de vapores industriais, quem sabe um meteorito diminuto teria caído na atmosfera e provocado essa neblina de vapores condensados... Mas, quando algum destes cidadãos era também cientista político, o que transparecia em seus comunicados eram apenas as causas possíveis, os efeitos previsíveis. Em sua casa, em meio a densa neblina, Pedro Paulo de tudo isto Ia tomando ciência através dos canais de TV e da Internet. Estava tranqüilo. Respirava normalmente, só o cheiro tinha modificado um pouco: Agora o de carne de ovelha churrasqueada se misturava à de porco e de vaca.





Por volta do meio dia, Pedro Paulo tomou um susto. A Presidência da Nação iría fazer um pronunciamento televisado sobre a onda de neblinas – agora eram várias e não apenas uma localizada entre cabo Frio e Búzios – para acalmar os cidadãos que já murmuravam. A maioria do povo acreditava que algo de muito grave estava acontecendo e que, a exemplo dos Ets de Rosewell nos EUA, o governo estava escondendo as causas e os efeitos da opinião pública. Não sabiam do que se tratava, mas era voz corrente que deveria ter sido um meteoro como aquele da Sibéria. Outros, em menor numero, atribuíam o cheiro ao vazamento á queima de carnes de frigoríficos não aprovados pelo tal decreto do governo. Falava-se também em cheiros de carne humana assada proveniente de ônibus queimados. Pela tarde chegou notícia que a população incontrolada e incontrolável já queimava composições inteiras no metrô de S. Paulo. A presidência da república em seu pronunciamento prometeu uma verba de 300 bilhões de reais para o Ministério da Educação e Cultura destinados a estudos sobre o fenômeno e que se houvesse culpados seriam primeiro presos e depois soltos e julgados em liberdade. Políticos dos partidos verdes prometiam mundos e fundos para que no futuro este fenômeno jamais voltasse a acontecer e culpavam os governos passados pelo descuido no trato com o Ambiente. Como se estava em época de eleições, a presidência querendo reeleger-se não cedera sua posição ao vice-presidente, e não podia governar porque andava em campanha, recebendo mundos e fundos para seu projeto de marketing visando a reeleição. O povo reclamava que com aquele nevoeiro era impossível assistir a shows dos políticos, sempre gratuitos, pagos com o dinheiro dos impostos e das campanhas. A industria de faróis de nevoeiro aumentou 300 % em um dia apenas, e salvou a economia nacional que andava com um PIB muito baixo. Como ondas e ondas de vandalismos e roubos proliferaram como bactérias de vírus bem nutridas com sangue público, as forças policiais deixaram de prender porque não havia lugar nas prisões para todos os detidos. O caos se instalou na nação. Lá a meio caminho de Búzios e de Cabo Frio, Pedro Paulo começou a rezar a seu Deus invisível para que não passasse na cabeça de ninguém informar que tudo começara em sua inocente churrasqueira onde nem carne queimara, e lançando mão de suas ferramentas de carpintaria e de uns moirões de eucalipto que tinha á mão, começou a botar trancas nas portas. Como não tinha armas, enfiou no bolso um canivete suíço dos bons tempos em que trabalhava e deixou à mão um facão daqueles de cortar mato, meio enferrujado.  Perdera a vontade de comer. Fez mais um café e rezou para não faltar energia elétrica. Estragaria os alimentos na geladeira e não tinha certeza se haveria desabastecimento, os preços seriam inflacionados. Olhou a churrasqueira de onde ainda saía fumaça. Já não tanta como pela manhã. Em breve se apagaria o fogo.


Pelo entardecer, Pedro Paulo chegou a pensar em se matar ao ouvir as ultimas notícias pela TV. A China tinha respondido a uma invasão russa de suas fronteiras por causa de acaloradas discussões na ONU sobre a origem da neblina, que russos atribuíam á fumaceira tóxica e descontrolada produzida em fábricas chinesas. Os chineses garantiam que a culpa era dos russos por competição industrial. O povo chinês com baixos salários, via a China enriquecer, cada vez edifícios maiores e mais luxuosos, sentiam-se imbuídos de seu espírito social de dividirem seus esforços com o resto do mundo. Tinham fé que um dia seus filhos ou netos poderiam ter um automóvel, morar numa mansão como as de Beverly Hills, poderem transar sem preocupação, ter seus filhos homens ou mulheres, talvez até mais de um, ter seus sindicatos, representantes no governo e acabar de vez com a pena de morte com um tiro na nuca e a venda de órgãos para o exterior. A fé remove montanhas e gentes que usurpam o governo, mas isso não é na china para os chineses, e ao que parece, não é para qualquer povo poder acionar a fé e pô-la para trabalhar em prol da realidade.




Temia-se um inverno nuclear pelo ocultamento da luz direta do sol, que, refletindo-se na neblina fosse devolvida ao espaço por reflexão deixando, entretanto, uma boa componente vetorial que aquecia as nuvens e o ambiente. Esperavam-se chuvas torrenciais, deslizamentos de terras, erupção de vulcões, terremotos e maremotos, mas ao longo do tempo, cada vez ambiente mais seco até a Terra se transformar num planeta muito parecido com Marte. Pedro Paulo foi até o portão da casa para aliviar os pensamentos. Um casal que ia passando, vindo da praia, conversava com a filha, uma criança de uns cinco anos de idade de chupeta na boca. Estavam despreocupados e riam do nevoeiro. Achavam engraçado em seu modo despreocupado do mundo aquele nevoeiro todo. A criança com seu balde de praia cheio de formas e pás minúsculas de plástico comentava que tinha sido uma pena não poderem ter aproveitado a praia porque o sol não aparecera, sem se darem conta que ele, o sol, continuava lá em cima gerando luz e calor. 
As neblinas espessas, agora nuvens compactas, é que não deixavam que a luz passasse em toda a sua plenitude, ocultando assim o sol. Os pais a tranqüilizaram dizendo que amanhã, domingo, voltariam para curtir a praia. Pedro Paulo pensou em contar-lhes o que se passava pelo mundo por causa do imenso nevoeiro global, mas desistiu. Pensariam que exagerava ou que era louco. Além do mais de que adiantaria contar-lhes? Estava exausto da evolução dos acontecimentos. Deitou-se na rede na área da churrasqueira e adormeceu.






Acordou ao relento no dia seguinte. Sua casa era agora apenas uma churrasqueira de onde emanavam alguns vapores de fumaça de madeira quase completamente queimada. Telhas e vigas esfumaçadas jaziam pelo chão. Tanto quanto seus olhos conseguiram alcançar, a paisagem era uma área devastada sem verdes. As nuvens eram agora uma nuvem só, escura, negra como breu. O Adamastor camoniano era “pinto” face á enormidade das asas soturnas daquela nuvem que previa um inverno nuclear. Pedro Paulo ergueu os olhos aos céus e gritou a seu Deus invisível, perguntando-lhe: “porque me abandonaste?” Sem se dar conta de que era o único ser vivo ainda vivo nas cercanias e até onde sua vista alcançava naquele breu.  Por um segundo pensou que talvez a televisão ainda funcionasse. E lá estava ela, aparentemente intacta, ligada a uma tomada que teimosamente se agarrava a um tijolo de parede derrubada. Ligou-a. Incrivelmente havia alguém do outro lado transmitindo notícias.

- Senhoras e senhores telespectadores, não sei se estarão me ouvindo, mas parece que o mundo acabou por causa de um efeito chamado “efeito borboleta” da teoria do caos, segundo a qual até uma simples borboleta, alterar o seu batido de asas poderia alterar também todo o Universo ou uma parte dele, embora a probabilidade fosse tão pequena que se poderia julgar como “altamente improvável”. Parece ter sido este efeito da Teoria do Caos que provocou o surgimento de nosso Universo. Da mesma forma parece ter acontecido uma sucessão de efeitos nos últimos dois dias que, proveniente da região de Búzios ou Cabo Frio, acarretou uma neblina expansiva que alastrou mundo afora. Alguém pode ter acendido a lenha de uma churrasqueira. As nações estão em guerra nuclear, artefatos explodem por todos os cantos do globo. Não há conselhos a dar. Esta deve ter sido nossa ultima transmissão...




Pedro Paulo desligou a televisão. Não queria ouvir mais nada desse mundo louco. Foi até a geladeira amassada, retirou de lá uma picanha, e levou-a até a churrasqueira. Cortou e amassou dois limões, jogou num copo com cachaça da roça e enquanto a carne assava e sua pele se desfazia em lascas por causa da radioatividade, foi tomando a caipirinha quente. Como o gelo e duas aspirinas faziam falta...  

Então, sentou-se numa cadeira, abriu a boca cheia de dentes, e tranqüilo por isento de culpas, esqueceu premeditadamente a praia e esperou a morte chegar ali mesmo.



® Rui Rodrigues
http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Os Bairros do Rio de Janeiro que eu amo...

Os Bairros do Rio de Janeiro que eu amo...
(ensaio de Besteirol)




O Rio que aprendi a amar é alegre, bem humorado, irreverente desde quando começou a gozar com as gentes da corte do rei D. João VI quando chegaram das Orópa numa manobra política que logo foi recebida na gozação como uma fuga aos exércitos de Napoleão.  O povo esperava muito mais do que aqueles fidalgos da corte Portuguesa todos vestidos de preto, suando em bicas, morrendo de febre amarela, depressão, dengue, gordura exagerada e sezões. Logo descobriram que se poderiam tornar independentes deles, e que nobreza em termos de vida dava no mesmo. Rio de Janeiro, Cidade de Deus! Dizem até que Dom João VI não era muito Realengo por que comia frango com as mãos. E franguinhas também...Por isso que a mulher dele o traía...



E os Bairros do Rio de Janeiro são a sua própria expressão que o define muito bem.  

Dizem que Nero incendiou Roma. No Rio não se Botafogo... De jeito nenhum. Não teria a menor Maria da Graça, e embora haja muita gente erudita, sempre aparece alguém de Casca (mais) Dura. Faz parte da miscigenação genética e cultural. É uma pena que tenham perseguido tanto o Jacaré, principalmente o de papo amarelo, por que agora só se vê Jacarezinho e Jacarepaguá...Mas foi o preço pago pelo progresso: Os europeus chegaram para construir um Jardim (na) América. Sem se questionar se era uma ação irrefletida ou bem Madureira. E sempre um estado dos mais Progressistas, haja vista que nem o avião de Santos Dumont havia ainda decolado e já se sabia que era do Alto que se tinha a Boa Vista, a melhor! E não era tão perigoso como hoje Andaraí... Tanto progresso que hoje se lava roupa em máquina de lavar e muito pouca em Tanque. Valha-nos o Santíssimo!



Meu Ti’juca adora futebol. Futebol e uma cerveja. Sempre que o Flamengo joga vai ao Maracanã. A mulher dele torce pelo Bangu, e quando perde é preciso dar-lhe chá de flor de Laranjeiras para acalmá-la e é preciso ter muita Paciência com ela. Uma das coisas que ela reclama muito, agora com os juros tão altos é que antes, quando ia orar a São Cristóvão, no Bairro Imperial, via a cidade cheia de portuários e atualmente só de Bancários. Nem lá a Praça é Seca. O Rio é muito úmido! Uma cidade onde todo mundo Pechincha. No tempo do Império olhava-se o lugar e via-se um Campo Grande, imenso... Hoje nem importa se é Várzea Grande ou Várzea Pequena, ou um simples Campinho, uma Rocinha... Porque já não se cultiva quase nada por aqui. Só Mangueira e Pitangueiras. 



Dizia Camões que para tudo é preciso ter engenho e arte. Vão ver lá no Engenho de Dentro, no Engenho da Rainha, Engenho Novo, mesmo que não se fabrique mais cachaça nem se produza mais açúcar, no que pese o Engenheiro Leal, que esse sim, entendia de engenhocas. Era de se ficar Encantado! Não há gente com complexos por aqui, nem com o Complexo do Alemão.  Colégio há por toda a parte. Infelizmente, se chamar ambulância ou polícia, alguém dirá: Irajá! Mas não acredite: Os políticos são de safra tão ruim que tudo demora muito. Acreditar em políticos é como acreditar no conto do Vigário Geral, embora a democracia tenha sido sempre um dos Pilares de nossa nação. Esses políticos me dão Penha. Penha Circular, de todos os tipos... Por vezes esta cidade parece uma batalha do Riachuelo. Valha-nos S. Francisco Xavier, valham-nos Todos os Santos. Eles se aproveitam muito das verbas públicas. Sempre foi assim. Dizia-se até “aproveita enquanto o Brás é tesoureiro”, mas não era o Brás de Pina. Esse era um homem de Bonsucesso, não era dessas coisas. Brincava-se muito perguntando “qual é a cor do cavalo branco de Napoleão”, e se dizia que de noite todos os gatos são pardos. Mas nunca ninguém descobriu qual é a Cordovil.  E como a religiosidade é muito grande nesta cidade, não se dispensa uma Água Santa, mesmo que não venha de um Bento Ribeiro, ou da Ribeira, mas certamente santificada por Anchieta, ou Padre Miguel - lá no Parque Anchieta - totalmente livre de qualquer Zumbi. Ainda há procissões em domingos de Ramos, carregando a Santa Cruz!



Foi a Princesa Isabel que lutou pela Abolição lá em Vila Isabel. Grande mulher para a época que assumiu o que os homens da época tinham medo de assumir? Libertar os escravos, para não se comprometerem. Hoje é uma cidade onde se Estácio muito bem mesmo que falte lugar para se estacionar veículos quer tenham motor da Ford, quer da Renault ou até do mui honorável Honório Gurgel.



Houve um tempo em que se usavam colchões de sumaúma... Eu ria muito com um amigo meu que dizia que os colchões eram de Inhaúma. Bem... Lá também se fabricavam colchões que eram usados pelos Cavalcante, pelo Marechal Hermes, Pelos Lins de Vasconcelos, Quintino Bocaiúva, Ricardo de Albuquerque, Tomás Coelho, Rocha Miranda, Vicente de Carvalho, Magalhães Bastos, até o Oswaldo Cruz, o Coelho Neto, o Del Castilho, Barros Filho e o Costa Barros. O senador Camará e o Senador Vasconcelos, além do Marechal Deodoro menos toda a Vila Militar, onde os colchões eram feitos de Taquara mesmo! Tropa é para dormir em colchão duro e desfilar na Praça da Bandeira. É de se rezar ao Cosmos numa pedra como altar: Uma Pedra de Guaratiba, em Guaratiba, que Guaratuba fica em São Paulo!



Sabemos que este imenso País foi aumentado pelo esforço de bandeirantes, e como somos um povo muito alegre, como não imaginar um Recreio dos Bandeirantes? Também tinham o direito de se divertirem. Saíram por aí carregando bandeiras, cortando o território à Bangu, levando uma vida que era uma Barra da Tijuca, uma Barra de Guaratiba... Deviam rezar muito à Virgem de Guadalupe, evitando os Manguinhos por causa da mosquitada. Quando os mosquitos apareciam pela tarde, diziam que estavam em Maré de azar e como a cidade está à beira-mar, de vez em quando pinta uma maré braba que nos deixa numa Pindotiba e não há Méier de sair disso. Cidade construída com tijolos, um em cima do outro, ao lado do outro como em imensa Olaria.  Aqui nada vai para as cucuias.  Quer quiser que vá à Cacuia ou a Cocotá, e se de madrugada encontrar alguém gritando Moneró, não pense que está pedindo esmola, grana, “mónei”... Cantores têm sua Freguesia cativa, e nem pense em se pavonear, muito menos na Pavuna. Quem quer aparecer ou “se achar” não pega bem. Contudo, o pessoal se cuida muito, sabe tomar o Leme da vida, e embora pareça o Cosme Velho, não é não... Está sempre renovado.



Já no tempo dos descobrimentos havia Caravelas (que fica lá na Bahia) e Galeão que fica no Rio, com a Gávea bem visível. Viajar é a Glória! E com tanto cadete da Marinha, o presidente se matou no Catete. Outra grande Penha que nem o Santo Cristo nem a Santa Teresa nem o São Conrado conseguiram evitar. Dizem que o presidente tinha pavio curto, e por isso não aconteceu no Rio Comprido.  Mas... Paquetá tanta preocupação? Foi só mais um que se foi sem explicação numa Cidade Nova. E tem cada Lapa de mulher, de boa Saúde, de se ficar tonto. Já não usam perfumes de Gardênia Azul... Para uns, saudosistas, outra grande Penha! Uma metrópole muito higiênica que se poderia chamar de Higienópolis de uma ponta á outra: De Acari a Cachambi, do Joá ao Tauá, passando por Turiaçu, Gericinó e Grajaú...

Céu de Anil Benfica sobre a cidade, e até na Praia da Bandeira, uma batidinha de Caju é sempre o Centro das atenções. Vão lá no Catumbi para ver se é Gamboa ou se é ruim... No tempo do Vasco da Gama não havia dessas batidinhas... Dizem que o que refresca bunda de pato é Lagoa... (Urca, que esta foi do Catete! )... Criança que se perde nunca pergunta onde o Pai tá... Quando muito pergunta onde Humaitá...  

Há outros bairros no Rio de Janeiro, em todos eles apartamentos com copa-cozinha e só um é Copacabana, o que é muito Leblon. Se houvessem Hipopótamos no Rio de Janeiro o bairro da série especial com direito a proteção especial de polícia especialmente educada não se chamaria Ipanema. O Rio é uma imensa Cidade Universitária onde todo o dia se aprende mais um jeitinho de sermos levados na vida. Sempre com muito humor e alegria, sem gritar para não incomodar o juiz que condena a passar uns tempos na prisão para receber salários maiores do que os percebidos por professores. Afinal preso também é gente, gente também é professor. Professor já leu muito e ensina. Preso se ler ainda recebe mais grana por mês. O Rio não é uma pirâmide social. É um lápis em pé pela ponta.

® Rui Rodrigues


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Oração a Deus Pai ou a Deus Mãe

Oração a Deus Pai ou a Deus Mãe, que Deus não pare e não sei que sexo tem...



Não quero parecer-te mal agradecido.
Não é isso, e Tu bem o sabes...
Mas tendo Tu tantas moradas me puseste logo nesta onde tudo se estraga, o leite se derrama e coalha, nossos corpos se deterioram, a mulher do vizinho é sempre mais gostosa e compreensiva, faz afagos que a nossa não faz, e se a nossa fizer, é porque é muito treinada e é igual “ás outras”, “aquelas” tais...  Mundo triste em que me reservas a morte como prêmio maximo e infalível da vida.

Dizem que me fizeste à tua semelhança, mas sei que não. Não serias tão displicente na ignorância que tenho, em me dar uma vida que passamos todo o tempo construindo em vão porque nos vamos deixando a tua Obra por terminar.  O que fica são apenas restos mortos que se enterram ou queimam até os ossos, e nem se dá aos cachorros ou se dá aos peixes para que outras criaturas tenham um cardápio diferente!... Ser humano parece ser um desperdício para a natureza. Dizem que um dia faremos seres humanos eternos. Espero que não se cansem de viver e que não acabem de vez com a floresta Amazônica e não transformem os oceanos num mar de merda.

Sim, sabes o que vos digo... Ainda não acabaste de construir o Universo, porque ele está em evolução, e vieram me dizer que fizeste o mundo em sete dias e que de cansado descansaste no oitavo, o sábado. Mentirosos, porque não existem semanas de oito dias. Não por aqui. E se houvesse, seria mais um dia de trabalho e não de descanso. A menos que fossemos todos ingleses e tivéssemos três dias de descanso: Um para Te homenagear, outro para a família e o terceiro em homenagem a nós mesmos, para ficarmos o dia todo na NET... Os que vão morrer Te saúdam, Deus meu... Ave!

Não quero parecer-te mal agradecido.
Não é isso, e Tu bem o sabes...

Por isso, vê se alivia nossos sacrifícios da vida e não permitas que aquela anta dentuça mentirosa como cobra do paraíso, nos venha oferecer maçãs envenenadas durante mais quatro longos anos... Não agüento mais essas maçãs apetezadas, vermelhas ao rubro, carameladas por fora e venenosas por dentro, que nem as oferecidas por Liliput, e nem o dom da fala ela recebeu de ti... Ninguém sabe o que ela diz. É uma anta disléxica que só pode ser entendida por quem não entende nada nem faz questão de entender porque não querem trabalhar, como ela, e preferem viver às custas dos outros vomitando filosofias pantagruélicas.

Não sei se estás por dentro ou por fora do que Te digo, mas se existes mesmo e de verdade, toma tenência e cuida desta tua morada tão avacalhada que vamos ter que inventar um outro nome para esta situação: Antalhação, que é a avacalhação de um país por uma vaca mal disfarçada de anta.

Toma tenência meu Deus, e pune esse povo com uma seca terrível até que aprenda a escolher seus governos, que a do dilúvio não funcionou direito... Vê se progrides, porque  a destruir-se o Teu reino prefiro que seja por Ti do que por esses avacalhadores mentirosos!!!!

Aproveita e me manda um e-mail dizendo quanto tenho que pagar para ir para o teu lado direito, porque as empresas religiosas que se formaram no seio de teus sacerdotes só visam o lucro e se transformaram em capitalistas de carteirinha, os comunistas viraram capitalistas (ou sempre foram) e os socialistas só não mordem mais porque não têm filosofia para tanto. Todos cobram os olhos da cara, as essências da alma....

® Rui Rodrigues




quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Mundo de ilusões - Sob a perspectiva de um homem [1].

Mundo de ilusões - Sob a perspectiva de um homem [1].
(O texto se aplica igualmente a homens e mulheres guardadas as particularidades de gênero)




Já ouvimos falar muito da “falsa moral”. É verdade. A moral era falsa. Agora não é tanto, quase não é nada falsa. Somos como somos e cada vez mais nos mostramos a nu, as vísceras de nossos conceitos expostas, e, não havendo mais a falsa moral, nada é “imoral”. Melhor assim? Talvez não.

De 1957 a esta parte a humanidade deu um salto espetacular. Para mim, conto desde 1957 quando eu tinha 12 anos. Outros mais idosos contarão o salto desde anos anteriores. Os mais novos nem percebem quanto o salto foi grande. Tentarei mostrar o tamanho do salto sob a perspectiva de um homem hétero.

A humanidade era muito lenta em suas mudanças por causa de dois fatores realmente importantes: A comunicação e a ingenuidade complacente. Sociedades temerosas de verem seu modo de vida se modificar (para quê mudar se tudo está tão “bem”?) fechavam-se ás perspectivas de outras sociedades, usando os recursos disponíveis: A religião e as leis. Com estes dois recursos se construiu o que se chama vulgarmente de “tradição”. A ingenuidade complacente era como fechar os olhos para não admitir a realidade de o mundo não ser exatamente como se “gostaria” que fosse, contando com a esperteza pessoal de cada um: Podia comer-se a mulher do outro porque se achava que era menos esperto (ou maia bobo) do que o “infrator”. Quando se descobriu que também os outros comiam as nossas mulheres, começamos a perceber que o “buraco “ era mais embaixo... As leis muçulmanas tentam a todo custo permitir que os homens tenham um harém, mas mulheres são apedrejadas se tiverem um único “caso”. Sob este aspecto, e guardadas as proporções, o mundo masculino do ocidente também era “muçulmano” não oficial.



O casamento era uma instituição “sagrada”. Na cerimônia jurava-se fidelidade eterna. Quanta ingenuidade que ainda se vê em cada cartório, em cada templo, de norte a sul e de leste a oeste deste planeta. Podemos salvaguardar e bendizer as exceções, mas podemos ter certeza que não existem tantas quanto nos parecia, antes de despertarmos para a realidade. A humanidade começou a despertar, para mim, por volta de 1957, quando as meninas e mulheres tinham “cara”: Cara de santas, cara de fiéis, cara de inexperientes, cara de putas. Algumas faziam o “gênero”, isto é, se faziam passar por santas embora fossem umas putas deslavadas quando queriam, e vice-versa, dependendo do momento. Mas uma coisa é certa: Não há como segurar o metabolismo hormonal quando ele pede sexo. Só com muito engenho e arte se consegue solapar a onda de desejos advindos da função hormonal. A natureza comanda o Universo, este planeta e a vida que nele se gera. Este planeta foi criado para que com vida se faça sexo e cada uma se alimente de outra. A que pode, pode, a que não pode se sacode. Estamos no topo da cadeia alimentar em todos os sentidos. Quem é bonito transa, quem é feio se masturba. Artista bonito(a) vai para a Globo, feio(a) nem aparece.Alguns se tornam putos e algumas putas de "mentirinha" em filmes pornográficos. É a sobrevivência. A vida precisa "VIVER". 




Experimente visitar um “site” pornográfico. Verá lindas meninas encantadoras. Décadas atrás nem passaria pela cabeça do mais malandro do bairro que transassem por prazer e não por dinheiro. São corpos e rostos perfeitos, que, naqueles tempos seriam disputados para o casamento. Aparentemente estamos voltando aos tempos da liberdade sexual de gregos e romanos, de uns três mil anos atrás. Regressão no desenvolvimento da humanidade? Absolutamente não.

Sempre fomos assim. Por “medo” de sermos traídos, fechavam-se os olhos, rezava-se para que não acontecesse conosco. Muitos casamentos duraram décadas desta forma. Talvez a maioria. Olhos que não vêem, coração que não sente. Em 1970, como estagiário de uma obra demiti um profissional porque estava dormindo num barracão onde guardávamos cimento e ferramentas. Ele tinha trabalhado a noite inteira e eu, inexperiente, não sabia. Dias depois apareceu na obra para me agradecer. Chegando em casa mais cedo, encontrou a mulher transando com o seu melhor amigo na cama dele, o marido, ela de quatro, coisa que nunca fizera com ele (exatamente para dar a falsa impressão de moralidade, para mostrar que ela não fazia “essas coisas”). A mãe de um amigo meu que casou aos 16 anos traiu o marido até os 30 e depois que se separaram até mecânico de automóvel transou com ela.  Ava Gardner não era mais linda que ela nem tinha o corpo tão bonito. Marilyn Monroe já era páreo duro.




Mas, voltando aos sites pornográficos e aos rostos angelicais das meninas, quem, vendo pelo menos uma meia dúzia de cenas se atreve a casar com uma (um) desconhecida (o) [2]? Por outro lado, a natureza busca sempre o equilíbrio da vida. Quando há muitos nascimentos, tenta diminuí-los. Quando há poucos, tenta aumentá-los. Vivemos assim, numa era de tentativas para diminuir a população do planeta. Em alguns lugares a esterilização é obrigatória ou incentivada. O conceito de família está em franca evolução sem que isso seja para melhor ou para pior. Crianças começam a ter a vida sexual ativa e prolífica em idades cada vez mais jovens, como se a natureza desse o sinal de que é necessário procriar mais, porque a tendência de hoje é não procriar. A juventude é usada pelo mundo do crime porque ainda é vista com paixão pelos adultos. Não nos devemos admirar se num futuro próximo crianças de nove, doze anos de idade forem consideradas adultas para o sexo, e para a lei quando forem consideradas culpadas de delito.

Povos nórdicos têm outra compreensão sobre o sexo. Sabem que a atração é “fatal”. Então, desde que exista respeito, ninguém pergunta se traiu ou não quando chega tarde em casa. Não importa o que fez. O que interessa é que voltou para a convivência do lar, continuando a vida em comum que apenas foi interrompida por breves instantes sem maiores conseqüências. Não pergunte a um muçulmano, que casa aos trinta ou cinqüenta com uma criança de nove ou doze anos se gostaria de viver como nórdico. Alguns cortam o clitóris das filhas para não terem prazer, porque assim não sentem vontade de transar e não trairão, não correndo o risco de virem a ser apedrejadas.



Vivemos num mundo sempre em transformação. Ontem era de uma forma, hoje de outra, amanhã pode ser que continue igual, volte a ser como antes, ou mude para algo que não conhecemos ainda. Idosos se admirarão, menos idosos reclamarão, jovens se adaptarão, as instituições se adaptarão. Ninguém faz o mundo por muito tempo ou nele manda. É a natureza que reside no subconsciente de cada um que dita o que fazer com sua vida, por adesão ou desligamento das tradições, dos hábitos, das leis, das sociedades.

Bom ou ruim? Nem uma coisa nem outra. Apenas diferente. Muitas instituições irão ruir, muitas tradições irão desaparecer ainda que possam voltar daqui a alguns milhares de anos. Crianças de laboratório serão lindas, saudáveis e com futuro. Genes serão disputados.  

® Rui Rodrigues





[1] Somos todos iguais sob os aspectos morais e éticos, homens e mulheres, independentemente de gênero.
[2] Não se pode imaginar quantos adolescentes em fase de namoro buscam sites pornográficos para ver se encontram alguma conhecida – ou a própria namorada – fazendo sexo explícito. É a era da comunicação aberta. 

domingo, 3 de agosto de 2014

A fábula do robô das galinhas [1].

A fábula do robô das galinhas [1].



O galinheiro era bem grande. Estava dividido em terreiros, cada terreiro com seu galo de raça, suas galinhas de raça. Um galo para cada 12 galinhas. O dono do aviário resolveu automatizar o negócio. Raça humana é muito complicada, e quanto menos um negócio depender de trabalhadores sindicalizados, mais rentável e menos problemático se torna. Quanto mais os operários reclamam, mais automatizados vão ficando os negócios. O mundo das massas toca o mundo para um lado, mas o mundo vai sempre para o outro. Devagar, mas vai [2].

Aquela vozearia de galinheiro, na verdade um gigantesco presídio, parou de repente. Um som estranho de coisa mecânica, arremedo de humanos, apareceu na entrada, sua silhueta enorme tapando a luz do Sol. O primeiro galo do primeiro terreiro que ficava do lado direito da entrada, virou levemente a cabeça, meio inclinada e assestou o olhar sobre o intruso. Primeiro com um dos olhos, depois com o outro. Encheu o peito, levantou o pescoço, abriu a goela, bateu as asas e cantou alto e bom som.  Imediatamente todos os outros galos cantaram seguindo uma ordem hierárquica que só eles conheciam. O ultimo deles ainda estava cantando quando a agitação das galinhas começou. Todas perguntavam quem era “aquilo”, tão parecido com os guardiões humanos daquele presídio, daquele campo de concentração.
- Se ele for como os humanos, não adianta lhe perguntar – Disse o primeiro galo do primeiro terreiro, Primus, o guardião, para o circulo de galinhas que se formara à sua volta – Eles não entendem nossa língua nem estão interessados em entender.



Parecendo ter escutado e entendido a língua do galinheiro, aquele ser imenso, metálico, brilhante, semovente, abriu uma portinhola no meio da cabeça, sem dentes, e uma voz humana sem emoção disse tão alto que poderia ser ouvida em todo o galinheiro: - Sou um robô. Tenho a função de cuidar de todos vocês, alimentá-los, dar-lhes água, vacinas, e tudo o mais para que sejam saudáveis e fortes. Fui construído por meu deus à sua imagem, segundo sua vontade. Ele também fez vocês... Juntou ovos, aqueceu-os e deles vocês brotaram.
Primus, o galo do primeiro terreiro, olhou diretamente no olho do robô e contestou:- Aqui quem bota ovo são as nossas galinhas, e elas mesmas as chocam. Nós, galos, passamos o dia comendo e transando. É tudo o que qualquer galinha pode desejar. Reclamam normalmente. Parece que não gostam de transar, como se fosse uma obrigação, mas por isso são mais fracas que nós, galos. Se fossem mais fortes não haveria transa. Haveria brigas, a natalidade diminuiria. A postura seria diminuta.

As galinhas começaram a murmurar entre si. Pela primeira vez em suas vidas tinham consciência de sua fragilidade, de sua passividade perante os galos que as montavam sem dó nem piedade, alguns deles provocando-lhes a morte quando as montavam com seus pontiagudos esporões que literalmente as rasgavam dos lados. Galos tinham muita testosterona. Eram grossos, prepotentes, machistas ao extremo. De bom grado fariam greve de sexo. Sexo para quê? Só para botar ovos e gerar outras galinhas dependentes, outros galos prepotentes? Preferiam não ter sexo e serem independentes, do que ter sexo e serem dominadas pelos galos do terreiro que nem podiam escolher. Eram os tratadores que os traziam e substituíam do dia para a noite. Pior de tudo, aquele cantar forte que se ouvia a uma distancia de uns dois quilômetros, cantares repetidos, despertadores constantes a qualquer hora do dia. Primus e outros galos do galinheiro estavam atentos.

O robô observava tudo e vendo o murmúrio das galinhas, resolveu tomar partido da maioria. Aprendera dos humanos que quando a maioria apóia alguém, ou algo, a minoria se cala por não ter representatividade [3], ou então reclama, mas fica por isso mesmo desde que não use a força. Então vociferou:

- Sois muito reclamantes. Vós tendes tudo o que precisais para viver. Porque reclamais tanto da natureza? Não sabeis vós que para que haja evolução, Ordem e Progresso, é necessária a paz no convívio, o prazer na diversão constante, pouco trabalho que nem precisais correr pelas matas para procurar comida? Nem serpentes há por aqui neste galinheiro... Que mais quereis? Eu creio que sei o que quereis... Tomai e usai...




(E caminhando devagar como qualquer robô moderno, foi largando galos garnizés, lindos, multicoloridos, de penas brilhantes, um em cada terreiro. As galinhas imediatamente ficaram alucinadas. Para elas, tamanho não era documento. Preferiam um galo que não gritasse tanto, que fosse mais bonito e mais leve. O sexo seria mais leve, igualmente intenso, e com o sabor de “coisa roubada”, porque era nas distrações do galo machão que o nanico do garnizé as montava. E de repente, a minoria mais forte dos galos temeu seriamente por sua hegemonia no terreiro).

Ao verem os garnizés as galinhas nem deram pio. Primeiro olharam para os lindos garnizés. Como gostariam de ter pintinhos lindos com a genética daqueles futuros pais... Depois trocaram olhares entre si, entre as galinhas, protegendo os seus olhares da vigilância atenta dos galos de raça, agora desconfiados, frágeis, com o moral tão baixo que nem ameaçaram reação. Só quando o primeiro garnizé do primeiro terreiro montou a galinha preferida de Primus, o galo campeão. Mas o garnizé tinha a vantagem de ser pequeno, extremamente ágil, voar mais alto na fuga, o que despertava olhares de admiração entre as galinhas do terreiro. Para elas, o “lindo”, o “bom” da vida, que lhes trazia alegrias adicionais, era ver o mais fraco tripudiar do mais forte. E aplaudiram o robô. A partir desse dia os galinheiros ficaram muito mais alegres, interessantes para as galinhas. Como vantagem extra, sua postura de ovos já não era um sacrifico, botando aqueles ovos enormes galados pelos galos campeões de terreiro. Agora eram diminutos ovos de garnizés.
Nem se lembraram de aproveitar a oportunidade e exigir menos mortandade no galinheiro, porque quando as galinhas perdiam a capacidade de postura eram mortas  para fazerem caldos instantâneos, ou serem embaladas como frangos de granja para consumo em supermercados. Algumas delas, mortas há anos, eram descongeladas e vendidas como frescas.  

Estranharam quando o robô, passados uns dias, foi levado num veículo pela calada da noite e deixou de aparecer por mais de mês. Quando reapareceu, consertado devidamente, estava mudado. Foi logo dizendo ao abrir o portão do galinheiro, sua silhueta enorme se projetando contra a luz do Sol que reinava lá fora:
-- Sou um robô. Tenho a função de cuidar de todos vocês, alimentá-los, dar-lhes água, vacinas, e tudo o mais para que sejam saudáveis e fortes. Fui construído por meu Deus à sua imagem, segundo sua vontade que mudou. Ele se arrependeu de me ter construído daquela forma e me reprogramou depois de um enorme dilúvio de tinta e peças. Também fez vocês e inventou garnizés... Juntou ovos, aqueceu-os e deles vocês brotaram. Meu deus mandou recolher os garnizés embora ame o que é belo. O negócio dele é a venda de ovos. Ovos têm que ser grandes. Aqui galos gays, e galinhas de cloaca pequena, nem pensar. Os galos terão os esporões cortados. Galinha que não ponha cinco ovos por semana, vai direto para o corte para ração... E não se trata de descriminar. São apenas negócios. A propósito... Ele é assumidamente gay. Eu não tenho nem fêmea nem macho.

E começou a recolher os garnizés, sob o olhar atentamente triste das galinhas de todos os terreiros. Das Pedreses e caipiras às Leghorn.

® Rui Rodrigues

Nota GeraL: Se procurar alguma moralidade – ou falta dela – no texto, não perca seu tempo. Será pura imaginação sua (ou vontade de pentelhar por qualquer motivo que passará desapercebido ao autor). O texto reflete apenas a natureza segundo sua observação e interpretação. No entanto, é direito de todos interpretar o mundo e os textos segundo sua vontade e capacidade. A fraqueza deste texto poderá ser atribuída à incapacidade do autor em observar e interpretar. Jamais como texto provocativo.  O autor não tem opinião. Serve apenas à leitura de quem se interessar.





[1] Conto baseado na observação do dia a dia em meu galinheiro onde um galo e seis galinhas convivem entre si em meio a gritos, brigas, gemidos, cantares, rações disponíveis, sombra e água fresca à vontade. Algumas morreram no passado porque minha inexperiência não me despertou para o fato de os esporões poderem matar durante a transa sexual.
[2] Observado em minha experiência neste lindo Éden onde todos (as) nascemos prontos para comer algo ou alguém. De outra forma, morremos e ninguém se dá conta. Quando muito, há uns choros por perto, entre familiares. Alguns familiares, de certa forma também nos comem por mais que se tente dourar a pílula, pintar com lindas cores, Abrir sorrisos, dar presentes, versejar lindas odes à natureza e ao amor. (e para os entendidos  em Freud, não tenho nada a reclamar em particular. Pelo contrário, a vida me tem sido pródiga com uma dosagem gaussiana positiva de bons acontecimentos e negativa de maus acontecimentos. Estes, felizmente têm sido raros.
[3] E chamam a isto de “Democracia”... O governo das maiorias, ainda que incultas e sem educação, sobre as minorias. A curva de Gauss na natureza não foi muito pródiga sob este aspecto, mas graças a isso, a espécie humana é a rainha da natureza sem predadores que possam ser temidos. O que se pode temer são as maiorias incultas humanas, ou as minorias quando governam e têm forças armadas e policiais sob seu comando para garanti-las. E também chamam a isto de “democracia”.