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sábado, 23 de agosto de 2014

A nuvem branca de fumaça.

A nuvem branca de fumaça.


A população mundial andava perturbada com as transformações atmosféricas. Havia secas em todo o planeta, chuvas torrenciais, furacões, terremotos, em escalas nada habituais e doenças que se julgavam extintas voltavam a recrudescer. Um surto de Ebola em África parecia estar fora de controle. O planeta parecia no início de uma transformação letal. Não que as transformações fossem letais para o planeta que até já tinha passado por muitas delas, e em pelo menos duas vezes tinham extinguido 98% das espécies, mas para essa vida frágil que muita gente pensa ser forte, ilimitada, perene. Nessas horas de temor generalizado os templos se enchem, as famílias se dissolvem, os assaltos e crimes em geral aumentam, e até os que se dizem completamente ateus levantam os olhos aos céus e dizem para si mesmos: “Se realmente existes é agora a hora de apareceres e salvares a tua Obra”. Depois se lembram do dilúvio que nunca viram, imaginam aquela desgraça toda e tomam ciência instantânea de que Deus, se existir, de vez em quando é vingativo e então perdem a esperança. Nem por isso voltam imediatamente a serem ateus, mas ficam em cima do muro, por assim dizer, sem saber a quantas andam, para que lado caírem. Os crentes também não sabem a quantas andam nessas horas, mas têm uma vantagem muito grande sobre os demais: Enquanto as desgraças não lhes batem à porta, vêem os males acontecerem aos outros e pensam que “esses” não mereciam as bênçãos d’Ele, o todo-poderoso e que por isso ficaram desamparados. Quando finalmente os males das grandes catástrofes também os atingem, perguntam-se estes crentes: “Que mal eu fiz a Deus para morrer assim?”, e morrem sem resposta, nas desgraças que varrem crentes e ateus, nelas irmanados, aos montões, soterrados, afogados. As catástrofes são geralmente assim, provocando morte por soterramento ou afogamento, e mesmo quando se trata de ataque generalizado de vírus primeiro se pára de respirar e depois se é enterrado aos montões. A não ser em Pompéia não se tem mais notícias de grandes catástrofes por algo que venha dos céus a altas temperaturas, como lavas de vulcão, meteoros, nuvens de gás. Em Bopol na Índia houve mortes em massa por causa de uma nuvem, mas foi por causa de um produto tóxico liberado por acidente numa fábrica de produtos químicos. Na Rússia também caiu um meteoro lá pelos idos dos 1.800, mas não houve notícia de mortes. Só uma clareira enorme aberta na floresta com árvores queimadas, tocos ardentes. Um meteoro irrompeu dos céus também na Rússia na primeira década do século XXI, e foi até filmado por um sujeito com sua câmara fotográfica de telefone celular, ganhou o título de cinegrafista amador por um breve instante nas televisões mundiais, mas ficou no anonimato. Quem se lembra do nome desse sujeito que filmou aquele clarão tão forte descendo dos céus que iluminou mais do que o Sol? Parece que até para nós mesmos não somos assim tão importantes como nos julgamos. Se pensarmos como Deus nos deve ver, então... Nem é bom pensarmos nisso, porque podemos chegar à triste conclusão de que pode ver-nos como simples, minúsculas e quase inexistentes formigas, indiferenciáveis umas das outras.  


Naquele pequeno lugar à beira-mar, moravam apenas cerca de cinqüenta pessoas que no final de semana se multiplicavam por dois ou três, desde que não fizesse frio. Quem morava conhecia o Pedro Paulo, um sujeito dos seus quase setenta anos, forte, que morava e subsistia sozinho quase sem sair de casa.  Não incomodava os vizinhos, dizia-se Deísta, isto é, que acreditava num Deus, mas que não era nem igual ao dos judeus, dos cristãos, muçulmanos, budistas, taoístas, xintoístas ou de qualquer outra religião conhecida. Para ele Deus era cientista, químico, geômetra, navegador, médico geneticista, matemático, e talvez o planeta Terra fosse como que uma plaqueta de sangue que corria pelas veias imensas de um Deus imenso, invisível assim como as plaquetas de sangue também não podem ver o corpo que habitam por estarem dentro dele e terem os “olhos” muito pequenos e despreparados. Por vezes achava que esse Deus fosse tão pequeno, e por isso também não podia ser visto, que estivesse até dentro de cada grão de areia, gota de água, átomo, elétron, quark, dentro de cada ser vivo ou inerte. Não chegava a ser um sujeito esquisito, o tal do Pedro Paulo, mas era um sujeito diferente. Era o que se poderia chamar de desperdício cultural porque não fazia nada com o que sabia. Já tinha feito. Agora passava uma ou outra informação quando se juntava com amigos num churrasco, cada vez mais raro, mas os vapores da cerveja levavam as informações para algum lugar desconhecido porque depois ninguém se lembrava de como era mesmo aquela coisa de uma partícula poder sentir que uma outra gêmea a milhares de quilômetros de distância poderia trocar seu sentido de rotação se a outra também a alterasse, de forma tão instantânea, que aparentemente a luz teria que viajar a mais de 300.000 quilômetros por segundo, e isso, sabia-se ser impossível. Completamente impossível.




Primeiro foi o próprio Pedro Paulo que se admirou com a fumaça que vislumbrou lá fora da sua casa, por volta das 19 horas, já escuro. Como tinha ateado fogo a umas madeiras na churrasqueira, apenas para aquecer o ambiente, espantar alguns mosquitos perdidos e dar-lhe uma movimentação diferente, chegou a pensar que poderia ser a fumaça que se condensava ao enfrentar os ares frios da frente que chegava do Sul, lá da Argentina e do Chile, da Patagônia, mas quando olhou para o topo da chaminé viu que a fumaça vinha de lá e que o vento a empurrava e espalhava campos afora, casas adentro, sempre se alastrando, alastrando, sem aparentemente perder a densidade.  Os ventos, esses inconstantes, tanto espalhavam para Norte, quanto para Leste, Oeste e até mesmo para o Sul de onde vinha a frente fria. Por volta das 20:00, Pedro Paulo resolveu pegar o seu carro para ver até onde ia a neblina. Pareceu-lhe sentir um leve cheiro de churrasco mas isso era impossível, porque apenas acendera a lenha da churrasqueira e não pusera nenhuma carne ou peixe para assar. A madeira era proveniente de galhos secos destroncados, desses que as ventanias fazem arrancar quando os fazem bater uns nos outros como se fossem inimigos. Uns caem e secam no solo outros progridem, dão folhas, flores e frutos, aves e pequenos animais pousam e neles geram vida. Nunca se entendeu a seletividade da natureza quanto aos galhos. Porque uns caem e outros não, mas aparentemente não havia nenhum projeto em universidades para determinar essas diferenças numa mesma árvore e em árvores diferentes, nem em relação às estações do ano e ambiente. Entende-se se atentarmos para o fato de que também não há estudos de nuvens, sua relação em densidade, temperatura média, ionização, proveniência, volume, e todas essas características próprias e do ambiente que as envolve para melhorar os prognósticos sobre “o tempo”, dentro de uma cronologia não quântica. Resumindo, tanto quanto se sabe, sabe-se que não se sabe de ninguém que tenha visto o nascimento de uma nuvem e a tenha medido e acompanhado até a sua dissolução na atmosfera ou conversão em granizo ou água. Por isso talvez não se sabe como se poderia canalizá-las para verter água em açudes do Nordeste brasileiro. Provavelmente se fariam imensos e custosos projetos sem que algum dia tivessem sucesso completo, desde a implantação até o uso continuado. As verbas, essas seriam reajustadas e gastas anualmente como fonte de renda. Quando Pedro Paulo chegou à estrada que vai para Búzios ou para Cabo Frio, a uns 1.200 metros de sua residência, em meio a denso nevoeiro, ficou consternado: A névoa avançara a estrada a Leste e a Oeste, e dirigia-se também para o Sul. Parou no acostamento para cheirar melhor, livre das influências de cheiros internos ao veículo, e aspirou o ar enevoado calmamente, bem devagar... Tinha um leve cheiro de churrasco e parecia ser de ovelha, e como sempre, ao pensar em ovelhas as via com aqueles enormes olhos dóceis e tranqüilos, emoldurados por um par de orelhas a pino e uma boca de quem não fala de vida alheia, encasacadas num novelo de lá quente e aconchegante como se fosse enorme e grosso cachecol bege. Voltou para casa, fez um café na própria churrasqueira e ligou a televisão. Perdera o sono. Da chaminé ainda saía fumaça, mas parecia-lhe que a quantidade diminuíra um pouco. Resolveu não apagar o fogo, não por que fosse supersticioso, mas por consideração e respeito ao que aparece por si mesmo e que por si mesmo terá que evoluir até se extinguir ou transformar: Essa é a lei principal deste universo. Da madeira nem um terço estava queimado, nem era caso de chamar os bombeiros.


Na central de bombeiros em Cabo Frio e Búzios viram o nevoeiro. Pela primeira vez na história deste país havia no ar um leve cheiro de carne de churrasco que não podiam identificar. Só conheciam cheiro de carne de porco e de vaca e muito raramente cheiravam carne humana churrasqueada em incêndios. Saíram pela cidade procurando o foco, mas não encontraram.  Por volta das sete horas, nas primeiras notícias do dia, e em meio a um nevoeiro intenso, uma repórter devidamente vestida com uma blusa vermelha e uma saia preta entrevistava o chefe do agrupamento de bombeiros locais. Nas declarações explicou como lhe foi impossível localizar o foco. Seus colegas em Búzios estavam com o mesmo problema de não conseguir identificar a origem de tão forte névoa. Um representante do setor hoteleiro informou que ainda era cedo para saber se esse nevoeiro atrairia mais turistas ou se as reservas para o final de semana seriam canceladas. Pedro Paulo, a meio caminho na estrada de Cabo Frio para Búzios, e que assistiu à reportagem por ter perdido completamente o sono, pensou em ligar para a empresa de televisão e bombeiros, mas desistiu por ficar indeciso, sem saber o que fazer. Sua consciência lhe dizia que deveria ligar para esclarecer, mas tinha certeza que as chamadas telefônicas, muito caras, perderiam a eficiência pela espera explicando tudo às telefonistas para que pudessem repassar a ligação para os setores mais adequados, e depois de uns dez filtros não poder falar com nenhum dos responsáveis por estarem ocupados numa missão. Finalmente, isso iría parar na polícia por ter provocado desordem pública e outros crimes que logo se preocupariam em atribuir-lhe, já que esse tipo de notícia de impacto forte não só dá audiência nos noticiários como nos governos e partidos políticos que logo se apressam em capitalizar. Deve até haver algum acordo particular envolvendo propinas entre emissoras de televisão, jornais, prefeituras, centrais de polícia e bombeiros: Todos querem divulgar as notícias em primeiro lugar, capitalizar-lhes os efeitos, atribuir méritos e culpas. Pedro Paulo resolveu ficar calado, na sua, a TV ligada, e ligou também o computador. Não tinha feito mal algum, mas temia que dissessem que sim, com provas que não poderiam provar, mas que diriam ser provas comprovadas por testemunhas fidedignas, tudo legal sob os mais mínimos aspectos da lei passada, atual e agora alterada através de decreto estadual e logo adotada pelo governo federal.
Foi o que fez um eminente político do governo do Rio de Janeiro, baixando decreto de fechamento de todos os abatedouros e fornecedores de carne culpando-os pelo mau cheiro e atestando a qualidade de um abastecedor em especial com o qual havia vínculos políticos. A carne recolhida foi queimada para não contagiar, provocando o fortalecimento do cheiro de churrasco da forte e densa neblina. Pastores do Estado se apressaram a aconselhar a suas ovelhas que triplicassem os dízimos, que comprassem garrafões de água benta benzida em Jerusalém para garantir seu lugar no céu porque todo o nevoeiro e o cheiro eram coisa do capeta, de belzebu. Quem mais pagasse, melhores lugares teria á direita do homem feito Deus. Muçulmanos ficaram calados, que coisa desse Deus não seria, talvez de seu Deus, mas precisariam de confirmação. Espíritas e umbandistas estavam perplexos e consultavam os espíritos, mas nada vazava para o exterior dos templos e terreiros. Ateus procuravam explicação em fenômenos térmicos da natureza, vazamento de vapores industriais, quem sabe um meteorito diminuto teria caído na atmosfera e provocado essa neblina de vapores condensados... Mas, quando algum destes cidadãos era também cientista político, o que transparecia em seus comunicados eram apenas as causas possíveis, os efeitos previsíveis. Em sua casa, em meio a densa neblina, Pedro Paulo de tudo isto Ia tomando ciência através dos canais de TV e da Internet. Estava tranqüilo. Respirava normalmente, só o cheiro tinha modificado um pouco: Agora o de carne de ovelha churrasqueada se misturava à de porco e de vaca.





Por volta do meio dia, Pedro Paulo tomou um susto. A Presidência da Nação iría fazer um pronunciamento televisado sobre a onda de neblinas – agora eram várias e não apenas uma localizada entre cabo Frio e Búzios – para acalmar os cidadãos que já murmuravam. A maioria do povo acreditava que algo de muito grave estava acontecendo e que, a exemplo dos Ets de Rosewell nos EUA, o governo estava escondendo as causas e os efeitos da opinião pública. Não sabiam do que se tratava, mas era voz corrente que deveria ter sido um meteoro como aquele da Sibéria. Outros, em menor numero, atribuíam o cheiro ao vazamento á queima de carnes de frigoríficos não aprovados pelo tal decreto do governo. Falava-se também em cheiros de carne humana assada proveniente de ônibus queimados. Pela tarde chegou notícia que a população incontrolada e incontrolável já queimava composições inteiras no metrô de S. Paulo. A presidência da república em seu pronunciamento prometeu uma verba de 300 bilhões de reais para o Ministério da Educação e Cultura destinados a estudos sobre o fenômeno e que se houvesse culpados seriam primeiro presos e depois soltos e julgados em liberdade. Políticos dos partidos verdes prometiam mundos e fundos para que no futuro este fenômeno jamais voltasse a acontecer e culpavam os governos passados pelo descuido no trato com o Ambiente. Como se estava em época de eleições, a presidência querendo reeleger-se não cedera sua posição ao vice-presidente, e não podia governar porque andava em campanha, recebendo mundos e fundos para seu projeto de marketing visando a reeleição. O povo reclamava que com aquele nevoeiro era impossível assistir a shows dos políticos, sempre gratuitos, pagos com o dinheiro dos impostos e das campanhas. A industria de faróis de nevoeiro aumentou 300 % em um dia apenas, e salvou a economia nacional que andava com um PIB muito baixo. Como ondas e ondas de vandalismos e roubos proliferaram como bactérias de vírus bem nutridas com sangue público, as forças policiais deixaram de prender porque não havia lugar nas prisões para todos os detidos. O caos se instalou na nação. Lá a meio caminho de Búzios e de Cabo Frio, Pedro Paulo começou a rezar a seu Deus invisível para que não passasse na cabeça de ninguém informar que tudo começara em sua inocente churrasqueira onde nem carne queimara, e lançando mão de suas ferramentas de carpintaria e de uns moirões de eucalipto que tinha á mão, começou a botar trancas nas portas. Como não tinha armas, enfiou no bolso um canivete suíço dos bons tempos em que trabalhava e deixou à mão um facão daqueles de cortar mato, meio enferrujado.  Perdera a vontade de comer. Fez mais um café e rezou para não faltar energia elétrica. Estragaria os alimentos na geladeira e não tinha certeza se haveria desabastecimento, os preços seriam inflacionados. Olhou a churrasqueira de onde ainda saía fumaça. Já não tanta como pela manhã. Em breve se apagaria o fogo.


Pelo entardecer, Pedro Paulo chegou a pensar em se matar ao ouvir as ultimas notícias pela TV. A China tinha respondido a uma invasão russa de suas fronteiras por causa de acaloradas discussões na ONU sobre a origem da neblina, que russos atribuíam á fumaceira tóxica e descontrolada produzida em fábricas chinesas. Os chineses garantiam que a culpa era dos russos por competição industrial. O povo chinês com baixos salários, via a China enriquecer, cada vez edifícios maiores e mais luxuosos, sentiam-se imbuídos de seu espírito social de dividirem seus esforços com o resto do mundo. Tinham fé que um dia seus filhos ou netos poderiam ter um automóvel, morar numa mansão como as de Beverly Hills, poderem transar sem preocupação, ter seus filhos homens ou mulheres, talvez até mais de um, ter seus sindicatos, representantes no governo e acabar de vez com a pena de morte com um tiro na nuca e a venda de órgãos para o exterior. A fé remove montanhas e gentes que usurpam o governo, mas isso não é na china para os chineses, e ao que parece, não é para qualquer povo poder acionar a fé e pô-la para trabalhar em prol da realidade.




Temia-se um inverno nuclear pelo ocultamento da luz direta do sol, que, refletindo-se na neblina fosse devolvida ao espaço por reflexão deixando, entretanto, uma boa componente vetorial que aquecia as nuvens e o ambiente. Esperavam-se chuvas torrenciais, deslizamentos de terras, erupção de vulcões, terremotos e maremotos, mas ao longo do tempo, cada vez ambiente mais seco até a Terra se transformar num planeta muito parecido com Marte. Pedro Paulo foi até o portão da casa para aliviar os pensamentos. Um casal que ia passando, vindo da praia, conversava com a filha, uma criança de uns cinco anos de idade de chupeta na boca. Estavam despreocupados e riam do nevoeiro. Achavam engraçado em seu modo despreocupado do mundo aquele nevoeiro todo. A criança com seu balde de praia cheio de formas e pás minúsculas de plástico comentava que tinha sido uma pena não poderem ter aproveitado a praia porque o sol não aparecera, sem se darem conta que ele, o sol, continuava lá em cima gerando luz e calor. 
As neblinas espessas, agora nuvens compactas, é que não deixavam que a luz passasse em toda a sua plenitude, ocultando assim o sol. Os pais a tranqüilizaram dizendo que amanhã, domingo, voltariam para curtir a praia. Pedro Paulo pensou em contar-lhes o que se passava pelo mundo por causa do imenso nevoeiro global, mas desistiu. Pensariam que exagerava ou que era louco. Além do mais de que adiantaria contar-lhes? Estava exausto da evolução dos acontecimentos. Deitou-se na rede na área da churrasqueira e adormeceu.






Acordou ao relento no dia seguinte. Sua casa era agora apenas uma churrasqueira de onde emanavam alguns vapores de fumaça de madeira quase completamente queimada. Telhas e vigas esfumaçadas jaziam pelo chão. Tanto quanto seus olhos conseguiram alcançar, a paisagem era uma área devastada sem verdes. As nuvens eram agora uma nuvem só, escura, negra como breu. O Adamastor camoniano era “pinto” face á enormidade das asas soturnas daquela nuvem que previa um inverno nuclear. Pedro Paulo ergueu os olhos aos céus e gritou a seu Deus invisível, perguntando-lhe: “porque me abandonaste?” Sem se dar conta de que era o único ser vivo ainda vivo nas cercanias e até onde sua vista alcançava naquele breu.  Por um segundo pensou que talvez a televisão ainda funcionasse. E lá estava ela, aparentemente intacta, ligada a uma tomada que teimosamente se agarrava a um tijolo de parede derrubada. Ligou-a. Incrivelmente havia alguém do outro lado transmitindo notícias.

- Senhoras e senhores telespectadores, não sei se estarão me ouvindo, mas parece que o mundo acabou por causa de um efeito chamado “efeito borboleta” da teoria do caos, segundo a qual até uma simples borboleta, alterar o seu batido de asas poderia alterar também todo o Universo ou uma parte dele, embora a probabilidade fosse tão pequena que se poderia julgar como “altamente improvável”. Parece ter sido este efeito da Teoria do Caos que provocou o surgimento de nosso Universo. Da mesma forma parece ter acontecido uma sucessão de efeitos nos últimos dois dias que, proveniente da região de Búzios ou Cabo Frio, acarretou uma neblina expansiva que alastrou mundo afora. Alguém pode ter acendido a lenha de uma churrasqueira. As nações estão em guerra nuclear, artefatos explodem por todos os cantos do globo. Não há conselhos a dar. Esta deve ter sido nossa ultima transmissão...




Pedro Paulo desligou a televisão. Não queria ouvir mais nada desse mundo louco. Foi até a geladeira amassada, retirou de lá uma picanha, e levou-a até a churrasqueira. Cortou e amassou dois limões, jogou num copo com cachaça da roça e enquanto a carne assava e sua pele se desfazia em lascas por causa da radioatividade, foi tomando a caipirinha quente. Como o gelo e duas aspirinas faziam falta...  

Então, sentou-se numa cadeira, abriu a boca cheia de dentes, e tranqüilo por isento de culpas, esqueceu premeditadamente a praia e esperou a morte chegar ali mesmo.



® Rui Rodrigues
http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/

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