A saga do varredor de ideias

A saga não surgiu do varrer nem do varredor, mas do crescer da montanha de ideias, e se pensam que as ideias significavam novidade, algo aproveitável para empreender um negócio, enganavam-se os que viam a montanha crescer: Aquilo era um amontoado tão grande de ideias tão diversas e tão grande que podia ser chamado de amontanhado. E se alguém pensou que o varredor de ideias as varria para as eliminar como lixo, também se enganou. Ele as varria para que não se perdessem. Acumulava-as. De vez em quando chegava alguém à cidade e olhava as idéias. Alguns as comentavam. Raramente traziam novas idéias porque a maioria gostava era de se exibir tecendo comentários como se fossem os verdadeiros donos delas, mas tal como a maioria dos turistas que visitavam o amontanhado, não as entendiam com aquela profundidade até a exaustão, como de quem extrai suco de laranjas até só restar o bagaço seco. Algumas ideias eram altamente combustíveis e bastava um leve contato para produzirem uma explosão que se propagava mundo afora, mas essas não eram as melhores, porque normalmente eram utópicas. A humanidade ama as ideias utópicas por sua beleza e impossibilidade de funcionarem, assim como homem que ama uma linda mulher da qual exige fidelidade mesmo sabendo que o maior amor que ela tem é o de ser amada pelo maior numero de pessoas, por amor, paixão, desejo ou vaidade. Mulher bonita é adulada desde o berço e se habitua, tonando-se "adulodependente". 
A primeira ideia que se lembra de ter varrido tinha sido uma que prometia a igualdade entre todos os seres humanos, mas cada um tem suas qualidades e esperam recompensas proporcionais, poucos, muito raros separam algo para dividir. Não se trata de defeito, mas de feitio que nem lavagem cerebral consegue eliminar dos humanos, sendo que pela força não é boa coisa porque revolta. Outra ideia famosa na montanha de ideias era a de desarmar as populações, mas houve muitas críticas quando se percebeu que se pode matar com as mãos, pés, ou até mesmo com cabeçadas, sem nenhuma arma. Por outro lado seria impossível acabar com todas as facas de cozinha e venenos. O problema não são as armas, mas as propriedades da vida, como a índole, que existem em toda a vida animal sobre a face do planeta. Havia até ideia para acabar com o exagero no uso da ênfase na fala de repórteres, que por ignorância ou propósito acabam por dar conotação ao que deveria ser apenas uma indiscreta descrição de imagem, mas o pior eram as pausas fora da respiração natural de quem fala dando a impressão que não acompanha bem o ponto ou lê com deficiência. Outra ideia da montanhola de ideias que o varredor pacientemente acumula, é que somos governados por um Estado bandido, sim, composto por bandidos, sim, mas democrático e de direito, coisa que a turbamulta muita aprecia por conter em sua definição duas palavras-chave: Democrático e direito. Uma boa ilusão é sempre mais agradável que uma triste realidade porque aquela produz endorfinas, serotonina, e a realidade, normalmente, lágrimas. Neste planeta mata-se para comer e o mandamento diz, sem sentido que "não matarás". Neste planeta o que mais se faz é matar seja o que for, e a melhor defesa é o ataque. Havia uma ideiazinha embrionária que apelava para a redução da quantidade de gente porque este planeta, para ser sustentável, não suporta tanta, contra a tendência ambiciosa de mercados que cada vez quer mais consumidores. Mas bastava para isso criar condições para que os que não consomem passassem também a consumir. Mas a verdade é que nunca se sabe quando uma ideia mesmo antiga, cai de repente no gosto da humanidade. 

Por isso que nosso varredor as coleciona.

Rui Rodrigues.