Feliz Natal - Adeus Primavera.
Se o (a) leitor não gostar de ler sobre coisas tristes,
Melhor não ler este texto.
Tínhamos combinado passar o Natal juntos, um pequeno e restrito grupo de amigos que não chegávamos a meia dúzia. Seríamos exatamente cinco e meio, porque o mais jovem de nós é uma menina muito simpática, que ainda vai completar três anos. Dia 19 de dezembro, veio a notícia: Um amigo, que ia passar a noite de Natal conosco, havia se suicidado. Justamente no final da Primavera. Dificilmente deixaremos de falar sobre o assunto neste natal. Será mais triste. Mas não me lembro de Natal alegre em toda a minha vida! Nem um!
Quando era garoto, até meus quatro anos de idade, não tinha muita noção das coisas. O Natal era uma festa como outra qualquer, muito parecida com os meus aniversários em que também ganhava presentes. A parte triste da festa é que, embora ouvisse essa referência muito raramente – parecia que as pessoas evitavam falar nisso – comemorava-se o nascimento de uma criança, tal como eu, morta meses mais tarde, pela altura da Páscoa. Naquela época ainda não tinha percebido que se comemorava toda uma vida compactada em apenas um ano. Páscoa era outra festa, mas esta, referia-se à morte dessa tal criança chamada Jesus. Era uma história muito triste, mas ao longo de minha vida assistiria a histórias tanto, ou até muito mais tristes, como a história de Anne Frank, dos perseguidos pela Inquisição, dos torturados pelas ditaduras ao longo dos séculos. Para quem não sabe, colocavam os perseguidos pela religião dentro de uma armadura de ferro com pregos pela parte interior. Quando fechavam a porta da armadura – era dividida em duas partes com dobradiças - os espinhos já penetravam na carne. Depois, enquanto os perseguidos não confessassem o que os inquisidores queriam, colocavam um braseiro por debaixo da armadura, que ia assando o perseguido ou a perseguida. Se a qualquer momento confessasse, mandavam assim mesmo, todos sujos porque não os levavam para fazer as necessidades, para fogueiras que acendiam em praças públicas, para intimidar os outros cidadãos. Estes aderiam à religião por medo, e quando a Inquisição acabou, os sacerdotes soltaram os demônios do inferno deles e os largaram sobre os cidadãos para que se amedrontassem. Nunca vi nenhum demônio em toda a minha vida, e nem vou ver. Acredito em Deus, mas num Deus inteligente que não cria anjos ruins. Se os tivesse criado, os destruiria. Colocar demônios poderosos para atarantar a vida das pessoas seria sinal de um péssimo distúrbio mental de Deus, e uma demonstração de que seria sádico, porque os fracos seres humanos não teriam como evitar o poder dos demônios. Deus é muito mais inteligente do que os sacerdotes herdeiros daqueles que mandavam para a fogueira.
Nosso amigo suicidou-se. Para ele o mundo deixou de existir e certamente já não pensa no que comprar e levar para a ceia de Natal. Aliás, não pensará em nada. Estará agora no Xeol (Xéo, céu), mas não sabemos como é o Xeol, nem onde fica, nem como será. Quem anda por lá nunca veio a público dizer-nos como é para que possamos entender, e Deus, esse nunca nos expôs sobre o assunto. Andaram dizendo que se expressava através de “inspiração divina”, e que o chefe das igrejas era infalível, mas foram esses mesmos que mandaram gente para a fogueira e disseram que tudo girava em torno da Terra – e não do Sol – e inspiraram lutas imensas e terríveis a que deram o nome de Cruzadas para que todos pensassem da mesma forma sobre Deus. E sempre arrecadando verbas de óbolos, esmolas, doações, contribuições, e disseram que os reis eram descendentes dos deuses... Ora vejam, quanta mentira infalível... Até me lembra quando chegava o Natal e diziam que era o Pai Natal, o Papai Noel que me mandava presentes. E quando eu não queria tomar sopa no inverno, diziam que iam chamar o "bicho papão" para me comer ou para comer a minha sopa e que eu sentiria fome... Quanta mentira banha a credulidade popular, porque não conseguem ver Deus como o amigo – ou amiga, porque não tem sexo por não ter sido gerada – e que nem corpo deve ter. Creio que nenhum povo entendeu melhor o que é Deus, do que o povo judeu: Não lhe atribuiu corpo ou imagem. Mas depois vieram aqueles que não entendiam de Deus e fundaram uma igreja em que Deus copulava com humanas – vendo Deus como um ser masculino – mas que logo O esqueceram, adotando como Deus um ser humano que foi morto e morto ficou para sempre porque nunca, nunca mais, apareceu. Porque se teria escondido, como que negando a sua vinda, ou tornando-a sem sentido? Só o povo daquela época teria merecido vê-lo? Deus é para todos. Deveria ter permanecido, e não seria numa água benta que residiria seu espírito, nem numa pequena fatia de massa feita folha de papel que sacerdotes, alguns que até praticaram pedofilia, benzeram com um passe de mágica de mãos passando por cima dessas folhas de massa em gesto de cruz. Mágicos também fazem gestos e fazem sumir as coisas que logo voltam a aparecer. Alguns desses sacerdotes dizem que encaminham o espírito dos mortos para Deus com a extrema-unção. Mágica fantástica essa... Costumam cobrar pelos serviços, ou humildemente aceitar donativos. Os sacerdotes de Osíris e Hórus faziam o mesmo no antigo Egito, e em Roma as Vestais, e em Atenas não era diferente. Costumes que dão lucro e passam de geração em geração.
E lá se foi o nosso amigo... Ele se preocupava com o planeta, aproveitando todas as sobras de cozinha para cultivar minhocas e prover de boa terra com húmus quem tinha pequenas hortas e jardins particulares na região do Peró. Calmo, tranqüilo, viu muitos crepúsculos rosados levantando-se sobre o mar enquanto o Sol se debruçava para dormir no ocaso e os pescadores encostavam seus barcos na praia para descarregar peixe. Viu muitas auroras em outros tons de rosado no mesmo lugar, com ondas mansas ou ondas revoltas, o Sol nascendo no horizonte sobre o mar, perto de uma ponta de terra que sempre enfrenta o mar perto de Búzios, lá bem ao longe, que quando há nevoeiro nem se vê. É quando os pescadores saem em seus barcos, proa ao mar, em busca de peixe para o sustento da família. Se senador não paga impostos, e ainda recebe quinze salários trabalhando apenas de terça a quinta feira, pescador com muito mais razão não deveria pagar impostos.
Este Natal vai ser triste, tão triste, que resolvemos dispensar da morte um peru que não será consumido e, portanto, viverá em paz. Os perus deveriam viver em liberdade na natureza para alimentar, em caso de extrema necessidade, quem tiver fome. Comeremos apenas bacalhau que duvidamos seja bacalhau de verdade, porque nos enganam muito neste nosso planeta. Há pelo menos oito anos que a pesca do bacalhau está restrita na União Européia porque a pesca intensiva estava reduzindo o seu tamanho de forma tão drástica que corria perigo de extinção. Como pode então haver tanto bacalhau disponível no mercado? Mas não aparece ninguém mostrando a guia de importação desses bacalhaus, para sabermos que é realmente bacalhau e não pescada salgada.
O amigo, lá no Xeol, bem que podia, pelo menos num instante, ver por uma janela no espaço tempo, um portal, o brinde que lhe faremos em sua homenagem como grande cidadão. Não freqüentava culto, mas tinha todo o respeito pela natureza e pelos demais seres humanos. Esse sim, um filho de Deus.
Pena que para a humanidade seja como se ele nunca tivesse existido porque não saía em jornais, não tinha programa em TV, não era cantor de radio, não roubava no senado disfarçado de gente fina, gente do bem. E tal como há mais de sessenta anos, ninguém fala no menino que foi perseguido e morto. O espírito de Natal está dentro de caixas de presente, de vapores alcoólicos, de férias do congresso onde pretendiam votar 3.000 vetos à presidência num só dia para ganharem mais uns trocados dos royalties do petróleo. O Natal é um imenso parque de comércio religioso - será mesmo? - ao redor do mundo...
Mentem-nos muito!
Rui Rodrigues