Feminino masculino ou as histórias de Hatshepsut e Joana.
Pasmem, senhoras e senhores, com a história que lhes vou contar, pois que tem mais de verdadeiro do que possa parecer, e que em tudo sendo verdade, não faltará quem a recrimine por lhe balançar a fé, mas também que, a analisarem a fé, verão que o que os olhos não podem ver e a mente avaliar, por fé se poderá entender o que se desejar, assim a alma se sinta confortável, prescindindo-se da veracidade. Mas esta história é verdadeira, e há que rever a intrincada urdidura do tecido da fé para se entender porque razões plausíveis não poderiam as mulheres, desde o começo dos tempos, terem sido iguais aos homens em tudo, poupando-nos milênios de discussões fúteis para gáudio de enriquecidos advogados. A palavra aos senhores dos “livros sagrados”. Aos leitores, o meditar sobre “como se interpreta este mundo”, e o que realmente vale a pena, quer no passado, quer no presente.
- Num deserto poeirento em 1482 AC.
O sol escaldante do meio dia fazia arder a pele. Quem podia desfrutar de sombra em suas casas, da temperatura amena de seu interior, eram poucos. Muitas tinham jardins, pequenas fontes ornamentais de água que refrescava e relaxava. Nestas, seus proprietários dormiam a sesta. As outras eram simples, e só tinham mulheres, crianças e velhos sufocados pelo calor. Os homens geralmente estavam trabalhando na fabricação de tijolos, construção de pirâmides, na lavoura, exercitando-se para a guerra. Mas não nos templos e nos palácios, onde a riqueza e o bom gosto na decoração eram a representação do paraíso. Comum a todas, a preocupação: Tutmés I, seu faraó, havia falecido recentemente. Era necessário substituí-lo ao final das cerimônias de enterro, e havia um grande problema para a fé egípcia: Tutmés I só foi aceite como faraó por ter casado com a irmã de Amen-Hotep I, Ahmose, sendo ele mesmo filho de Amen-Hotep com uma concubina do pai, não sendo assim seu sangue tão puro como deveria ser, embora fosse aceitável. Para os egípcios, os faraós tinham uma ascendência divina, sangue de deuses, que não deveria ser conspurcado. A aceitação de sangue menos puro se dava geralmente por falta de sucessor que tivesse feito um filho homem com mulher ambos descendentes de faraós. O sangue dos faraós egípcios precisava ser purificado o mais breve possível, através do casamento de uma de suas duas filhas, ou de um dos seus dois filhos. Mas não era tão simples assim.
Nos templos, por todo o Egito, e pelos lares, não se falava em outra coisa: A sucessão do trono. Os sacerdotes de Amon não perderam muito tempo e resolveram apoiar Tutmés II. Para resolver o problema, bastava que Hatshepsut casasse com seu meio-irmão, ele um pouco mais jovem do que ela que tinha entre 14 e 17 anos, mas para uma esperança de vida de cerca de 35 anos, era considerada como uma mulher adulta. Então casou e se deitou com seu meio-irmão de quem foi esposa “principal”. A esposa secundária era Mutnefert, a quem Tutmés II fez um filho, o futuro Tutmés III, bastardo como o pai, mas que já nessa época, pelo que podemos entender, não tinha nada de pejorativo: Os bastardos apenas ficam em segundo plano na sucessão de tronos ou na divisão de heranças. Não se sabe ao certo quando o termo “concubina” deixou de ser aceite nas sociedades modernas e passaram a ser “a outra”, mas pelos vistos, as sociedades antigas curtiam concubinas como se fossem “as outras”, e certamente também não poderiam garantir de quem era o filho, se dele ou dos “concubinos” das “outras”, porque não existia ainda o exame de DNA. A humanidade é promíscua desde o tempo de Adão, mas somos muito lentos para aceitar que sim, que isto é verdade. No dicionário o termo “concubino” nem existe, o que é uma falha machista de primeira ordem.
E Hatshepsut se deitou com o meio-irmão e tiveram dois filhos. Ele teve três: Neferure e Neferubiti (duas moças) e Tutmés III, este com a “outra”. Tutmés II durou pouco como faraó. Apenas cerca de 03 anos para uns historiadores e para outros 13, e logo após a sua morte, o Egito voltou a ter a mesma preocupação: Quem governaria em nome de Tutmés III, filho de uma concubina? Os sacerdotes não tinham dúvida alguma, e ajudaram com suas prédicas nos templos, para que Hatshepsut fosse aclamada regente até a maioridade do enteado, o filho da “outra”. A certeza dos sacerdotes em apoiá-la residia num fato sólido: Tutmés II tinha uma constituição fraca e não sabia governar. Na realidade, durante seu reinado, quem reinou mesmo fora Hatshepsut, sufocando uma revolta na Núbia, acabando com o reino do Kush, e outra de beduínos ao sul da Palestina.
Era a primeira vez que uma mulher governava, de fato, a maior potência do planeta, algo como os EUA de hoje. Por isso foi “devagar” na administração. Quando se sentiu mais forte, logo após a morte de Tutmés II que se apressou a legitimar a sucessão de seu filho bastardo em testamento para impedir a ambição de Hatshepsut, assumiu uma nova postura: Aplicou em seu queixo feminino as barbas postiças que todos os faros usavam, como costume, e passou a usar roupas masculinas. Tanta determinação e desembaraço, certamente lhe deu a condição, como filha dos deuses, de ter seu próprio harém de mancebos, porque não se pode explicar que passasse a usar barba postiça e roupas masculinas, se não tivesse seu próprio harém. A menos que tivesse passado a ser, não só a primeira faraó mulher da história como também a primeira faraó lésbica. Mas parece que não. Ela gostava mesmo era de homem. Administrou muito bem o Egito, assumindo mesmo, com o apoio dos sacerdotes de Amon, o título de faraó.
Fez um ótimo governo, diferentemente de Dilma Rousseff, porque nunca se deslumbrou com o poder, nem precisava atender aos pedidos de nenhum crustáceo analfabeto que nunca trabalhou na vida[1]. Durante os 22 (vinte e dois) anos de seu reinado, o Egito conheceu enorme prosperidade econômica paz em todo o reino.
Um brinde a Hatshepsut, que antes de acabar seu reinado, trocou seu nome para Maatkare (Ma’at significava a ordem no Cosmos para os egípcios). Morreu de uma infecção na gengiva. Os dentes eram um problema. Ramsés III, o grande faraó, morreu também de uma infecção dentária.
- A papisa do Tarô num nebuloso dia do ano de 855 DC.
O Tarô é um baralho especial que não tem naipes. Tem arcanos, que resumem propriedades da idiossincrasia humana, ou fatos mais correntes do dia a dia. Acreditam os especialistas que, ao embaralhar as cartas e dispondo-as segundo agrupamentos pré-estabelecidos, o consulente transmite seus segredos, sua vida ao baralho que então, ao ser lido apropriadamente, revela os segredos que se deseja saber. Uma dessas cartas, um arcano, é a papisa, e significa por ela mesma a sabedoria, o conhecimento, a intuição e a chave dos grandes mistérios. Mas isso tem uma razão, já que neste mundo nada é por acaso nem o próprio mundo foi feito por acaso: A certeza desta afirmação é que seria necessário muito acaso para que o mundo fosse apenas uma casualidade. Neste mundo de incertezas, com muita ou pouca fé, muitas vezes ficamos em cima de um muro imaginário sem podermos decidir para que lado deveremos cair. É o caso da história da papisa que originou o decano do Tarô. Uns dizem que realmente existiu e mostram até documentação de fontes fidedignas. Outros dizem que nunca existiu e que é apenas uma lenda, mas das duas uma: Ou o eleito era afeminado ou extremamente frouxo na administração, ou a papisa foi eleita.
Naquele ano de 855 DC a igreja católica tinha muitos problemas. Desde o ano 200 DC, data em que o Papa Natálio foi considerado antipapa por se opor ao Papa Zeferino - com quem posteriormente se reconciliou - até o ano 855, nada menos do que 14 papas tinham sido considerados antipapas. O ultimo deles exatamente naquele ano de 855. Era o papa Anastácio III por oposição a Bento III, que sucedia a Leão IV. Morreu envenenado pelo próprio clero de Roma. A história da eleição dos papas sempre foi conturbada até recentemente, pontilhada de assassinatos de cardeais candidatos, de compra de votos, de eleições por pressão de imperadores de potências internacionais, de outros interesses alijados da fé que por duas vezes já obrigaram papas a renunciar. Alguns foram “eleitos” por pressão de populares.
Mas, o curioso daquele ano de 855 e os três seguintes, é o fato de Anastácio III ter governado até ser considerado antipapa. Nem seu antecessor, nem ele, nem Bento III teriam nada de afeminados, a julgar por suas obras, época em que os Papas tinham exércitos e combatiam o povo muçulmano. Contudo sabemos como é a plebe, como todos nós somos quando não gostamos de alguém: Atacamos nos predicados morais, físicos, intelectuais, em que se julgam mais fortes. Então, a partir de algum momento, por estes anos a notícia começou a correr de boca em boca e se tornou lenda: O papa era uma mulher! Mais exatamente, Joana. Referir-se-ia o povo a Anastácio III? Mas há uma outra história, segundo a qual, Joana, nascida como Giliberta em Constantinopla, ou em Mainz, na Alemanha, e neste caso, filha de pais ingleses, se teria apaixonado por um monge a quem seguiu até a Grécia e depois até Roma. Ilustrada, com conhecimentos de teologia e filosofia, usava roupas masculinas e tornou-se cardeal com o nome de Johannes Angelicus, (de Ângelo, anjo, bento), o que até poderia levar a supor, pela forma critica da plebe, que identificavam o papa Bento, que sabemos ter sido realmente muito calmo, de falas mansas, boa gente, como a papisa Joana... Esta teria sido desmascarada numa procissão entre o Coliseu de Roma e a Igreja de Roma, quando deu à luz uma criança que seria filho - ou filha - de um guarda suíço. Teria sido morta por apedrejamento.
Mas neste caso, não importa se há ou não verdade (e parece que não há) nesta lenda. O que importa é o “subconsciente coletivo” da “populaça”... O que teria de errado uma papisa na igreja? Não havia mulheres no meio reclamando do fato de terem sido enganados e em vez de Papa terem uma papisa? E se olharmos mais pela realidade, isto é, não havia nenhuma papisa e se tratava de “crítica” a um papa existente, então há muito mais coisas para se colocarem em cima da mesa, principalmente dogmas, conceitos, preceitos, preconceitos e até onde a Igreja tem realmente o poder que apregoa sobre seus “fieis”...
Mas voltando ao feminismo masculino de Hatshepsut e da papisa Joana, é de pensar... Quantos séculos foram necessários até que mulheres fossem aceitas como governantes? E quantos mais serão necessários para que possam ser papisas?
Rui Rodrigues
Se desejar, assista o filme “A papisa Joana”, grátis – legendado, em:http://www.onlinefilmes.net/assistir-a-papisa-joana-legendado/
[1] O povo brasileiro sabe muito bem quem é o crustáceo que nunca trabalhou, que tem aposentadoria gorda, participou do mensalão e ainda ganha outra por não ter um dedo que perdeu numa época em que tinha fama de beber cachaça. Dizem que ele perverteu a ordem no Brasil, sufocou o progresso e que indicou a Dilma.