I- O primeiro
Natal
que me lembro.
(Depois conto mais)
Serra do Marão, pleno inverno, dia 25 de dezembro. Talvez 1948, talvez 1947. Lembro-me de um par de meias. Era de padrão escocês, de malha, brancas com malha trabalhada com verde e vermelho, como se fosse crochê. Sem que soubessem, peguei as meias e fui descalço pela neve, subi uma rua com mais ou menos uns duzentos metros e cheguei a um largo. De algumas casas saíam colunas de fumaça das chaminés. Olhei as casas, com as portas fechadas mas não bati a nenhuma. Faria isso se precisasse de ajuda, e só em pensar nisso, me senti confortável, porque conhecia todo mundo da aldeia e sabia que todos me ajudariam. Que bom quando nos sentimos assim. Esse que era o verdadeiro espirito de natal, mas de todos os dias. Depois virei à esquerda e subi mais 200 metros até uma casa com terreiro elevado, onde se faziam peças de teatro e se debulhava o milho, numa eira. Bati na porta e ela veio me receber. Minha madrinha "postiça", a Carmindinha, ficou preocupada comigo vendo-me descalço. A casa dela ficava assim, numa esquina como na foto, a eira em cima do muro. Não sei porque não fui na casa de minha mãe. Talvez ainda vivesse comigo e meu pai, talvez já se tivessem separado. Um dia falei sobre esse assunto com meu pai, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Minhas lembranças não coincidem com o que ele me contou. De Carminda ainda lhe tenho o rosto gravado em minhas lembranças. Levou-me para a cozinha e tirou um bolo do armário. Deu-me leite quente de cabra e fiz "migas" com o pão. Pedi mais açúcar. Ela sorria. Eu achava que ela tinha "alguma coisa" com meu pai. Então lhe mostrei as meias que o Pai Natal me tinha dado. Uns diziam que tinha sido o menino Jesus. Outros que tinha sido o Pai Natal, e o Mario, meu amigo, e outros amigos me diziam que não era nenhum dos dois. Que era o pai "da gente". Meio confuso em meus dois a três anos, resolvi acreditar nos meus amigos. Por isso quando meu pai me pôs de castigo por ter saído descalço e sem ter avisado a ninguém, eu o perdoei. Gostei que meu pai tivesse "bons" segredos para mim. Com aquele sujeito eu podia contar, embora não desse pra acreditar muito no que ele dizia,como essa história do Pai Natal. Fez-me uma roupa completa com calças curtas e casaco e me deu um boné tipo irlandês. Por isso agora posso deduzir que foi em 1948 quando eu tinha 3 anos.
(Depois conto mais)
Serra do Marão, pleno inverno, dia 25 de dezembro. Talvez 1948, talvez 1947. Lembro-me de um par de meias. Era de padrão escocês, de malha, brancas com malha trabalhada com verde e vermelho, como se fosse crochê. Sem que soubessem, peguei as meias e fui descalço pela neve, subi uma rua com mais ou menos uns duzentos metros e cheguei a um largo. De algumas casas saíam colunas de fumaça das chaminés. Olhei as casas, com as portas fechadas mas não bati a nenhuma. Faria isso se precisasse de ajuda, e só em pensar nisso, me senti confortável, porque conhecia todo mundo da aldeia e sabia que todos me ajudariam. Que bom quando nos sentimos assim. Esse que era o verdadeiro espirito de natal, mas de todos os dias. Depois virei à esquerda e subi mais 200 metros até uma casa com terreiro elevado, onde se faziam peças de teatro e se debulhava o milho, numa eira. Bati na porta e ela veio me receber. Minha madrinha "postiça", a Carmindinha, ficou preocupada comigo vendo-me descalço. A casa dela ficava assim, numa esquina como na foto, a eira em cima do muro. Não sei porque não fui na casa de minha mãe. Talvez ainda vivesse comigo e meu pai, talvez já se tivessem separado. Um dia falei sobre esse assunto com meu pai, mas não cheguei a nenhuma conclusão. Minhas lembranças não coincidem com o que ele me contou. De Carminda ainda lhe tenho o rosto gravado em minhas lembranças. Levou-me para a cozinha e tirou um bolo do armário. Deu-me leite quente de cabra e fiz "migas" com o pão. Pedi mais açúcar. Ela sorria. Eu achava que ela tinha "alguma coisa" com meu pai. Então lhe mostrei as meias que o Pai Natal me tinha dado. Uns diziam que tinha sido o menino Jesus. Outros que tinha sido o Pai Natal, e o Mario, meu amigo, e outros amigos me diziam que não era nenhum dos dois. Que era o pai "da gente". Meio confuso em meus dois a três anos, resolvi acreditar nos meus amigos. Por isso quando meu pai me pôs de castigo por ter saído descalço e sem ter avisado a ninguém, eu o perdoei. Gostei que meu pai tivesse "bons" segredos para mim. Com aquele sujeito eu podia contar, embora não desse pra acreditar muito no que ele dizia,como essa história do Pai Natal. Fez-me uma roupa completa com calças curtas e casaco e me deu um boné tipo irlandês. Por isso agora posso deduzir que foi em 1948 quando eu tinha 3 anos.
Ah, a foto... Foi a mais parecida que encontrei com aquela minha rua onde nasci, a largura, a inclinação da subida, as pedras das casas, tudo. Nesses momentos raramente nos batem fotos, mas é incrível como nossos olhos as batem de tal forma que se revelam para toda a vida.
Depois conto outras histórias de Natal, se gostarem desta... E não vou desejar Feliz Natal, porque todos nós temos natais em que não somos felizes. Prefiro desejar-vos muitas felicidades diárias para toda a vida. E a propósito, ainda sinto de vez em quando, pelo natal, aquela velha sensação de pé descalço na neve. Muito bom!
Depois conto outras histórias de Natal, se gostarem desta... E não vou desejar Feliz Natal, porque todos nós temos natais em que não somos felizes. Prefiro desejar-vos muitas felicidades diárias para toda a vida. E a propósito, ainda sinto de vez em quando, pelo natal, aquela velha sensação de pé descalço na neve. Muito bom!
Rui Rodrigues