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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Os Herdeiros

Os Herdeiros




Foi numa segunda feira enevoada, pelas duas e pouco da manhã que o aparelho surgiu nos radares dos controladores de vôo do Aeroporto Eduardo Gomes de Manaus. Primeiro pensaram que se tratava de um vôo da TAM vindo do Rio de Janeiro (vôo 03250). Depois pensaram que era um outro, que chegaria com uma diferença de cinco minutos, vindo de Fortaleza (vôo 03742). Mas estranhamente o sinal era intermitente, como se o avião ora estivesse “lá”, ora desaparecesse para reaparecer logo mais perto por breves instantes. Aquilo era muito estranho. Talvez um defeito do radar. Eram 01:48 da madrugada de uma segunda feira. Pela velocidade, absolutamente normal, chegaria ao aeroporto em aproximadamente dois a três minutos. Nenhum pedido para pouso tinha sido escutado no centro de controle de vôos, vindo do avião que se aproximava. Quem consultasse as informações da Infraero sobre chegada e partida de vôos, através da NET leria “Informações fornecidas diretamente pela Infraero. Não nos responsabilizamos por conseqüências resultantes de possíveis erros ou omissões.  Atualizado em 07/07/14 02:05:25 (Horário de Brasília)” [1].



Os bombeiros foram avisados, a defesa aérea também, o aeroporto Eduardo Gomes transformou-se numa praça de combate a incêndios, ambulâncias indo para a pista, aviões de caça nos ares. O avião “esquisito” poderia ser de narcotraficantes, estar com defeito ou ser um “intruso” de potência inimiga, mas aqui pela América do Sul, sempre historicamente em paz, não havia potências e muito menos inimigas. Era exatamente uma hora e cinqüenta e cinco minutos quando na direção da cabeceira da pista surgiram as luzes de um avião, preparando-se para aterrissar. Estupefatos, os controladores de vôo viram um avião, um Boeing 737, todo tão pintado em tons de verde que nem se enxergaria direito se visto do alto enquanto sobrevoasse a floresta amazônica. Parecia uma árvore voadora toda iluminada, brilhante, como se mil holofotes estivessem apontados para ele.

Pousara impecavelmente. Todos os carros de bombeiros, ambulâncias, carros de apoio, empregados do aeroporto, forças policiais, o aeroporto inteiro parou para ver o que aconteceria em seguida. Logo que se imobilizou na pista, as três portas se abriram. Escadas foram baixadas diretamente do avião, tapetes brancos foram estendidos escorrendo das escadas, desenrolando-se até a entrada do saguão do aeroporto. O próprio tapete tinha lâmpadas pelas bordas que iluminavam para cima com bastante intensidade. Então eles apareceram. Hoje sabemos que eram os “herdeiros” que havia chegado. Naquela oportunidade, Lá no aeroporto, uns pensaram que era “mágica”, outros que era uma propaganda por causa da Copa do Mundo de 2014, outros que era algo “divino”, a volta de Jesus Cristo, milagre de um santo. Só uma criancinha se atreveu a dizer em sua inocência lógica: “ - Olha mãe... São extraterrestres!” Disse isso quando duas pessoas apareceram na porta da frente: Uma bela mulher de pele marrom, olhos azuis, cabelo branco como a neve, vestida com um lindo vestido branco todo bordado, acompanhada de um homem de pele de batráquio, em tons verdes, enormes olhos negros, cabelo vermelho. A população que assistia ao desembarque emitiu um alto e longo “Óoooooo” como se fosse um gol salvador perdido aos noventa minutos da prorrogação de um jogo de final de Copa do Mundo. Depois gritaram amedrontados e horrorizados. Enquanto o casal ia descendo as escadas do avião, seres parecidos iam aparecendo minúsculos, que logo inchavam até as proporções e estaturas naturais humanas, como se o contato com o ar os fizesse inchar. Era um exército. Parecia que tinham viajado “comprimidos”, miniaturizados, até que a atmosfera terrestre os fizesse recuperar seu tamanho natural. Num avião só poderia caber assim o maior exército da Terra, com milhões de soldados. Começaram a aparecer por “equipes”: Os vestidos de branco, os de vermelho, os azuis, os laranja, depois cores combinadas. Cada grupo tinha sua função. Alertas foram dadas pelo rádio, e de longe vôos começaram a ser fretados, trazendo jornalistas de todo o mundo. O chefe de polícia de plantão no aeroporto, um tenente de cara patibular, cheio de condecorações, dirigiu-se ao casal que tal como reis, já haviam chegado ás portas do saguão, e lhes perguntou:

- Quem sois? De onde vindes?
- Somos os Herdeiros da Terra, desta Galáxia. Onde estão os vossos reis? Queremos negociar com eles.




Seguiu-se uma conversa entre o tenente e o casal, o tenente tentando explicar em breves momentos, de forma apressada, como funcionava o governo nas cercanias de Manaus, do Brasil e do Mundo, coisa muito complicada para o entendimento do casal de reis recém chegado de um mundo onde tudo era muito mais simples: havia em cada planeta um só governo gerido por todos. Uma só nação em que seus habitantes defendiam a sobrevivência do planeta sem se preocuparem com fronteiras que nem existiam. Enquanto esta conversa decorria, as forças armadas entraram em prontidão, a ONU e a OTAN marcaram reunião urgente, e até a Rússia e a China foram convidadas para se unirem à OTAN. Não havia dúvidas que a Terra estava sendo invadida. Por todo o globo terrestre templos e igrejas conclamaram fiéis para a oração, as portas se abriram para refugiados e carentes de consolo. Quem tinha abrigos antiaéreos começou a abastecê-los com alimentos e água, produtos faltaram nos supermercados já no dia seguinte. Um simples vôo estranho abalara as fracas convicções e modo de viver de toda a humanidade. Tinha sido um vôo muito estranho, uma situação para a qual o mundo não estava preparado.  Manaus já havia caído, de forma pacífica, nas mãos dos “herdeiros”. Logo se seguiria o Brasil e o mundo. Os Herdeiros não traziam armas, parecia que conquistavam o mundo de forma completamente pacífica. No mesmo dia em que haviam chegado, uns artesãos dos herdeiros haviam começado a construir uma “arca da aliança”: Uma enorme caixa de Jacarandá, toda trabalhada, pintada em dourado, com dois enormes aviões na tampa, um voltado para o outro, em posição de subida. Um ligeiramente inclinado para a direita, outro para a esquerda. Começou também a construção de enorme Templo, todo construído com pedras de basalto. No centro do Templo, em cima de uma pedra negra de basalto, em forma de cubo com cinco metros de lado, ficaria a arca da aliança. Os sacerdotes dos Herdeiros, todos vestidos de azul, prometiam 25.000 céus à disposição dos fiéis [2]. Do dia para a noite, a religião mais incrível da história do planeta começava a governar a Amazônia, a Terra. Pelo terceiro dia de invasão dos Herdeiros, sacrificaram um deles no fogo, queimando-o vivo, enquanto diziam que ele morria para salvar a humanidade. Logo lhe erigiram estátua em forma de labareda. Os fiéis se juntaram aos milhares, aos milhões. Qualquer símbolo quer fosse da arca da amizade, da pedra cúbica preta, dos 25.000 céus simbolizados numa pedra enorme de ágata, ou pela labareda, era motivo para prostração, procrastinação, adoração, meditação. Os reis dos Herdeiros tinham feito um acordo com as autoridades da Terra: Em nome da boa vontade e da paz, fariam transferência de tecnologia – Apenas em parte – em troca do direito de abrir templos, evangelizar e propagar a fé por todos os cantos do planeta. Um dia perguntaram aos Reis dos Herdeiros:

- E como é a vida no planeta de vocês?




- Não temos fronteiras nem religiões. Aqui, quando chegamos, vos oferecemos o que de melhor vocês têm como religião. Se tivéssemos fronteiras e religião, não seriamos unidos, haveria guerras, teríamos morrido, nos explodido, não teríamos chegado aqui. Sintetizamos nossos alimentos dos minerais e não precisamos nos alimentar nem de carnes nem de vegetais. Cuidamos de nossos planetas, e quando a população total atinge níveis alarmantes, saímos para povoar novos planetas.  Somos Reis simbólicos, porque quem manda em nós é a vontade do povo. Viemos de Andrômeda, de planetas do sétimo sol da sétima espiral da Galáxia, a contar da direção Andrômeda x Via Láctea, no sentido de sua rotação. Pretendemos criar uma colônia em Marte. Não nos miscigenamos porque nosso ADN não pode ser alterado por princípios. Podemos rever este princípio, mas vós tendes de aprender a não querer ser superior a ninguém, nem mandar nos outros. O princípio fundamental é “Conviver”. Esta é a nossa constituição de uma só palavra.

Os Herdeiros da Terra não tinham sido os dinossauros, nem um povo, uma nação... Os herdeiros eram intrusos.

® Rui Rodrigues  






[1] Pelos vistos a atualização da Infraero não é feita nem de cinco em cinco minutos, nem de dez em dez minutos. Parece não haver regra para as atualizações. E pelos vistos, a Infraero não se responsabiliza por nada, no que é copiada em grande parte pelas companhias aéreas. Um dia os passageiros terão que comprar seus próprios pára-quedas e levar seu lanche a bordo, contratando suas próprias aeromoças, muitas delas sem serem moças nem mocinhas. Simpatia poderá até ser comprada por “grau”: Aeromoças mais simpáticas custarão mais caro por vôo.
[2] Fiéis seriam todos aqueles que “acreditassem” fielmente, sem se questionarem nem questionar os princípios da religião dos Herdeiros, sendo pacatos, bons, e aceitassem sem reclamar as leis do templo, tornando assim mais fácil o governo dos fiéis pelo governo e pelos sacerdotes. 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Eu tenho um relógio.

Eu tenho um relógio.



Relógios marcam o tempo, o que quer que isso possa significar dada a sua relatividade mostrada e provada por Einstein. Meu relógio tanto está no coração, como no meu cérebro. Ele pula de um lado para o outro, assim me corre a vida. Tenho problemas com o “tempo”. Apressado chego a chegar atrasado, preguiçoso chego a chegar antes do tempo, mas normalmente estou no horário de quem cruzo pelo caminho da vida. É assim que entendo quando pergunto as horas, me respondem e confiro pelo meu relógio de pulso: Sempre conferem, mais minuto menos minuto, mas isso é problema de quem “acertou” os relógios com que mede o tempo comum. Não é o tempo de chuva, calor, frio ou sol. É o tempo, essa medida tão esdrúxula com que se medem os anos, o nosso imprevisível, inconstante e imponderável “viver”, outro aspecto da vivência que não tem um significado bem definido. Viver para uns é uma obrigação, para outros uma necessidade, e há quem faça da vida uma ambição perpétua, coisa que sabemos não o ser.



Esperei a semana inteira, ansioso, para me encontrar com Hortênsia que não cheira a hortênsias, mas a Noah, um perfume francês de ensandecer qualquer macho viril que anseie por uma fêmea pronta para a união de corpos, desejos, anseios, gozo, prazer. Meu relógio me enganou durante toda a semana, fazendo-me sentir que o tempo, aquele tempo dos relógios comuns, estivesse atrasado, mas Hortênsia, que nunca tinha sido verdadeiramente minha, porque era de quem ela queria ser, já não era mais “minha”, coisa que descobri tempos depois do tempo a que me refiro, essa longa semana. Foi nessa noite, do final de semana, que percebi esse duro fato, principalmente porque o tempo do amor em comum, que deveria ser breve para ser gostoso, se transformou numa eternidade dolorosa de explicações do óbvio: Já não era como antes. Algo muito importante mudara e não foi no tempo, mas foi durante o “tempo”, tempo de uma semana, que tudo mudou, o mundo parecia ruir. Uma catástrofe? Não! Sempre falta tempo para quem muito quer, sempre sobra tempo para quem quer apenas o necessário. E com tanto tempo disponível na vida, outras Hortênsias apareceriam. Talvez Rosas, Margaridas, Flores sem nomes de flores, sem cheiros de Noah, talvez com cheiro de Channel, ou apenas com o cheiro do corpo, natural como a natureza, úmida como o orvalho, um perfume que é “da” mulher e não de mulher. Que importa o que fala no tempo, do tempo, se todo o seu tempo não é só de mulher mas de ser humano de gênero feminino ?



Nada no tempo mais o distorce do que os argumentos, as necessidades, as explicações, porque gostamos do tempo curto e não do tempo que muito dure, porque o tempo que demora muito, nos rouba o nosso “tempo”, aquele que mede os segundos imprescindíveis para sentirmos que vivemos e não que morremos. Parece até um paradoxo do tempo: O tempo mais longo é o que menos tempo nos faz viver porque é constituído de angústias. As esperanças não realizadas no tempo “previsto” nos encurtam a vida. È quando percebemos que lutar contra o tempo, nos prejudica o viver. Paciência parece ser bem melhor do que a esperança, porque nos torna a vida mais pacífica e tranqüila. O verde deveria ser o símbolo da paciência e não da esperança. Esperança, no tempo, parece ser um ideal sem participação. Um ideal inerte que depende nem se sabe de quê ou de quem. Pelo contrário, a paciência parece ser algo apenas temporário enquanto se verifica o progresso de nossas atitudes. Paciência é atitude. Esperança é inércia, loteria em que quase ninguém acerta, idolatria do irracional.



Recém-nascidos têm um relógio não se sabe onde, mas mais dias menos dias, nascem com nove meses. Alguns apressados nascem com sete meses, uns por que seu relógio se defasou, outros porque a mãe defasou o relógio do que seria o pai. Mas que importância isso pode ter se o Universo tem tempo eterno e nós, apenas uma tão ínfima parte que por pouco não “existiríamos”, se é que esse fato tenha alguma importância para o Universo, para a natureza ou para a vida de qualquer espécie outra que não a nossa... Recém-nascidos constroem seu próprio tempo. E mesmo na nossa, quem se importa realmente com a existência do próximo, desde que não tenha vivido algum tempo do relógio do tempo em comunhão de corpos, princípios, vivência?

Eu tenho um relógio. Tu tens um relógio. Todos temos relógios, mas não pensamos nas mesmas coisas no mesmo minuto em que estamos juntos, mesmo que discutamos o mesmo assunto, compartilhemos o mesmo minuto. E mesmo pensando nas mesmas coisas, as vemos  e interpretamos de formas diferentes mesmo que tenhamos de admitir que são diferentes, ou iguais, apenas “ligeiramente”.  E ficaríamos assim, eternamente no tempo, meio que confusos, meio que confundidos, sem noção do fim a que queremos chegar, não fosse a relativa importância do tempo de que tudo vem a seu tempo, sem sabermos o que é realmente importante, o que é o tempo, e o que é esse “tudo”. Viver apenas por viver como assistentes do tempo, assistidos pelo tempo, ou espectadores do tempo? Não. Não em absoluto. Um dia descobriremos que podemos fazer o “tempo”... Fazer acontecer no tempo o que queremos que aconteça, mas, como tudo é relativo, esta vontade factível não se aplicará a tudo. Apenas a uma pequena parte do quotidiano a futuro, assim como algo parecido em apostar numa roleta com a ajuda do croupier. Há quem ainda pense que “Deus” – seja ele qual for – é o Croupier. Mas, para se existir, é necessário  que se exista no tempo universal, e Deus precisaria existir nele. Não antes. Por isso, Deus é do tempo, e deste é Deus. Nasceram juntos, ambos eternos. E sendo eternos, não haverá fim dos tempos.



Como disse antes, eu tenho um relógio. Não quero ser eterno, e se não tem Hortênsias, buscam-se Rosas, Margaridas, e Cravos só na lapela em dia de festa se for moda. E quando for o tempo de não haver flores disponíveis para alegrar a vida, a vida se alegrará com outras opções do tempo. No tempo tudo que existe aqui está á nossa disposição.



® Rui Rodrigues 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Andou aí pelo mundo doando o corpo em troca de carinhos...

Andou aí pelo mundo doando o corpo em troca de carinhos...

(crônica de uma alma em qualquer lugar do vetor tempo e espaço, independente de gênero).



... Lavando-se e perfumando-se para atrair, para lavar o cheiro e o sabor dos dias já passados, como se assim toda a alma ficasse lavada. Carência de companhia, carência de amor mesmo que só desejo, sem nunca ter encontrado respostas para o mundo em que viveu. Teve muito tempo de sobra em sua vida, mas nunca desejou o conhecimento com os calafrios do suor do estudo porque o imediato era-lhe muito mais importante e premente. Ajudou as outras almas certamente, e há até testemunhas, mas sempre o fez ora para apaziguar a sua moral que lhe apontava um rol de erros irreparáveis com os quais não podia conviver, ora para que lhe dissessem, até pelas costas, que ali estava uma boa alma. Chegou até a ajudar almas para lhes conquistar a admiração, e até por compensação de seus desvarios anteriores. No dia de seu funeral seu corpo saiu inerte e duro de uma cama de hospital para a laje também fria do chão do necrotério, ali colocado displicentemente por funcionário apressado que não encontrou outro lugar enquanto aguardava o rabecão. Um mar de gente em passos comedidos e lentos acompanharam o féretro murmurando de olhos postos no chão que aquele corpo, agora sem vida, tinha sido uma grande alma.



Tinha vivido - na pobreza e na riqueza - sob a capa de uma pele genética que diziam ser linda na cor, na textura e na forma, apenas uma capa ilusória de um corpo interior sanguinolento da ponta dos pés ao mais interior de seu cérebro, preso com músculos moventes a um esqueleto ósseo. Quem via o corpo o admirava. Quem lhe via a alma se dividia: uns a amavam, outros a detestavam. Mas viveu a vida intensamente apreciando flores pelo cheiro e pela aparência, olhando o firmamento sem saber como se sustenta sem cair, trabalhando com a firme convicção que seu salário serve apenas para se sustentar e seu trabalho para compensar o favor de lhe terem dado essa oportunidade de trabalhar. Os impostos eram um bem necessário não importava como fossem usados. Não era seu atributo julgar o que não podia entender.  E se soubesse, se tivesse todo o conhecimento do mundo, que diferença lhe faria? Sempre achara que o que justificava a vida eram os bons momentos, a alegria, o conforto, a segurança, o prazer e para isso era necessário ter dinheiro. Como consegui-lo tinha que parecer honesto aos olhos de duas entidades: A justiça e o conceito dos amigos e conhecidos. Se aos olhos de alguma destas entidades seus atos não parecessem honestos, poderia perder a liberdade ou o convívio. Sua vida passou então a ser dependente de sua esperteza em apregoar seu lado bom, esconder seus males e suas maldades na vida. Quem via essa alma escondida num corpo coberto por uma pele bem dotada geneticamente, jamais poderia perceber o rio negro que lhe inundava o dia a dia. O mundo era de aparências, de sorrisos, de mostrar sentimentos treinados em família, nas escolas, em sociedades, também escondidos em família, nas escolas e para as sociedades. A teatralidade não como expressão para divertir, mas como expressão para sobreviver o melhor que pudesse. Tinha sido assim a sua vida, sempre caminhando ao longo de um corredor cheio de portas fechadas, outras abertas, algumas fechadas que pôde abrir, algumas abertas que não escolheu para entrar.



Teve que passar por cima de muitos conceitos e muita gente durante sua breve vida. Primeiro começou a transgredir em pequenas coisas, como roubar um brinquedo de outra criança ou comer biscoitos sem autorização. Aprendeu que as pessoas cuidam muito desse tipo de bens materiais e se cuidam muito para não serem roubadas. Não valiam o risco de tentativas de furto que poderiam ser detectadas e causar-lhe um enorme dano irreversível a seu conceito na sociedade em que vivia, mas aos poucos foi aprendendo que só havia dois meios de lesar os outros sem que percebessem: Ou tendo poder para amedrontar fazendo calar a vitima e impor sua vontade, ou agindo sobre a ignorância alheia, quando só muito tarde as vítimas percebiam que tinham sido logradas, sem provas para apelarem junto à justiça, ou contarem a verdade para a sociedade à sua volta. As vítimas geralmente escondiam os fatos para não passarem por perdedoras, perderem seu conceito na vizinhança e serem confundidas com pessoas menos dotadas de inteligência. Nenhuma alma vivente gosta de ser considerada menos inteligente, menos esperta ou perdedora.  Percebeu também que o mundo em que vivia era construído em grande parte sobre uma forte base conceitual de amor próprio. Forte por ser difícil de amenizar, mas fraca porque são apenas conceitos de um tipo de bem que se deseja e não que se possua realmente: As pessoas em geral não vivem neste mundo o que são, mas o que gostariam de ser. 



O momento em que mais foi comentada aquela alma, em toda a sua vida, tinha sido no dia de seu funeral. Depois, a cada dia que se passava, menos de seus conhecidos lhe comentava a existência, até que apenas foi lembrada por algumas de suas vítimas, em suados pesadelos noturnos, porque nunca conseguiram superar as suas perdas. Vista a humanidade como um enorme conjunto de corpos ambulantes que se movem por uma química molecular reprodutível, nada precisa ser explicado ou ter uma explicação intrínseca, porque a reprodução e a manutenção da espécie justificam mais do que o individuo por si mesmo.  Porém, visto o indivíduo como a parte que se reproduz, com ou sem alma, com ou sem moral, se justifica do mesmo modo: Há que se reproduzir e adaptar para a espécie não perecer nos vetores de tempo e espaço. As aparências genéticas, os perfumes e os banhos são a parte de apresentação para o fim da sobrevivência, as roupas parte de um figurino que deve estar sempre limpo e atualizado. Nossas filtragens de quem nos acompanham na vida se fazem considerando essas aparências e o aprendizado em separar o “bem” do “mal”, sem considerarmos, porque nos é impossível, que o bem de um é o mal de outro e vice-versa, num emaranhado de situações que nos escapam quase por completo: Não podemos saber de tudo, e muito menos de um estado de espírito guardado num corpo e que pouco se revela para o mundo tal como realmente é.



Não nos admiremos, pois, que pessoas aparentemente intocáveis em sua moral e ética e nas quais acreditávamos, venham a trair nossa imaginação em maior ou menor grau do que aparentavam ser. Nós mesmos somos capazes de destruir a moral de um ser por um ato isolado que nos interessava – desprezando todos os outros de moralidade irretocável - exatamente para que possamos destruir a reputação desse ser que no fundo queremos ver destruído? São muitos os matizes e as tessituras de nossa forma de pensar, e para cada erro nosso conseguimos sempre lhe dar uma explicação plausível que nos desculpa perante nós mesmos e os outros.

Andou por aí, como todos nós realmente andamos, doando o corpo em troca de carinhos ou guardando o corpo por falta deles como castigo ou autopunição, dando-nos “beijinho no ombro” como parte de um teatro da vida cuja função é a perenidade da espécie e não do indivíduo. E enquanto nos preocupamos com o nosso interior, é ele mesmo que é ambicionado por empresas, governos, que buscam conhecer-nos nos mínimos detalhes, quer para nos vender e estabelecerem preços de produtos em função de nosso perfil pessoal, quer para conseguir votos ou saber até que ponto uma população pode suportar o sufoco do governo sobre nossas vidas. Finalmente a humanidade se volta para dentro de si mesma, mas há que duvidar das intenções. Alguém já disse: - “Conhece-te a ti mesmo para poderes julgar os outros”, e sua intenção era exatamente essa.  Três mil anos depois a frase começa a acontecer de fato, mas sem ninguém se importar em se conhecer realmente a si mesmo. O amor começa a ser decomposto em suas partes essenciais que antes pensávamos não existirem. Sempre pensamos que o amor era a parte mais nobre, pura e indivisível do sentimento, assim como se pensava sobre o átomo, até descobrirmos que o átomo é uma composição de partículas.  A humanidade quer conhecer o indivíduo. 


® Rui Rodrigues


terça-feira, 24 de junho de 2014

Sopa de assuntos com receita de mariscos, política e futebol.

Sopa de assuntos com receita de mariscos, política e futebol.

24 de junho 2014



Economia e governo - Porque estamos tão mal no Brasil.

Não há mágicos na economia nem nos governos. A Economia mundial é simples, o governo é muito simples de se entender. Combine os seguintes ingredientes e entenderá o que acontece no mundo

Ingredientes – Corrupção, honestidade, negócios, impostos. Povo (inclui todas as classes sociais).

Não há mais ingredientes.

  1. A economia mundial e das nações se move por trocas comerciais. Sobre os negócios (trocas comerciais) incidem impostos. Os impostos servem para dotar a nação de suas necessidades básicas que são usadas pelo povo.

  1. Altos impostos, povo mais pobre, produtos mais caros, menos vendas ao exterior. Se houver corrupção é o estado mais critico de um governo, mais sofre o povo (piores os serviços públicos). O governo pode ser transparente e não precisa mentir para conseguir votos.

  1. Baixos impostos, povo mais rico, produtos mais baratos, mais vendas ao exterior. Se houver honestidade, é o estado mais digno de um governo, mais se beneficia o povo (melhores serviços públicos). Para esconder os erros o governo mente para não perder votos.

O PT e seus aliados são o que de pior poderia acontecer ao Brasil. São umas ilusões da propaganda.  




O que fizemos para mudar o mundo?

Quem não gostaria de viver num mundo onde não se tivesse que dizer aos filhos e netos para não se aproximarem nem receber nada de estranhos? E é com frustração quase total que chegamos a uma idade onde pouco mais poderemos fazer para mudar este mundo, onde aparentemente o básico e fundamental continua igual há quase 12.000 anos... Tudo o que ainda poderemos fazer é divulgar a Democracia Participativa. O último reduto da esperança.

Não se exima por não saber o que é: Tome ciência em http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/

RR



Massa com mariscos curryados à Rui do Peró.

- 1 kg de conchas do Peró ou mais (muito maiores que vongoles) e em praia de areia limpa.
- duas colheres de sopa de curry
- 2 pimentas dedo de moça
- 1 pacote de creme de leite
1- duas colheres de sopa de coentro picado
- quatro dentes de alho
-1 cebola média.
-500 gramas de camarão
- meio quilo de massa parafuso ou pene
-sal a gosto
1- pacote de queijo parmesão ralado...
- água até cobrir os ingredientes.

a - Pique as pimentas, a cebola e os alhos e ponha para ferver com os coentros e o sal. Junte os camarões e as conchas. Após ferver por uns dez minutos, retire do fogo. 
b - à parte coza a massa, escorra. Junte a massa à panela com os temperos, coloque o creme de leite e deixe ferver mais um pouco até o creme ficar grosso. Eu junto à panela o queijo ralado nesta fase e não depois sobre a massa. 

Sirva quente e acompanhe com um bom vinho branco seco,

Bom apetite !

RR
O BRASIL DE HOJE...



O Brasil governado pelo PT é um país que não funciona. Simplesmente não funciona. Não há garantias para nada. É absurdamente inseguro e não melhorou em educação. A lei é omissa, indolente, ineficaz, de dupla interpretação. A inflação voltou com força ainda que os índices, tal como a propaganda, do governo, insistam em desmentir o que se sente pelos ouvidos, pelos olhos e pelo bolso.

A culpa já não é do regime militar porque o regime militar já se foi.
A culpa já não é de FHC porque já não concorre na política
A culpa não dos empresários porque estão sendo beneficiados pelo PT
A culpa não é dos políticos porque a maior parte deles está unida ao PT em parcerias.
A culpa não é só do povo, alegadamente por não saber votar”, porque o povo vota naqueles que lhe empurram para votar. Fica sem opção!

A culpa do povo se deve a que não se exigem mudanças que o beneficiem e que não sejam ditadas por políticos. E o povo está dividido entre os “crentes“ partidários que se juntam aos que carecem de conhecimento, e os que pensam e que sabem que quando o dinheiro acabar não haverá o que dividir com ninguém. E nossa bandeira ficará vermelha.


Vamos olhar o futebol sob um novo ângulo...

São 22 pernas e duas mãos de um lado contra 22 pernas e duas mãos do outro, tentando empurrar uma bola com os pés numa gaveta revestida de malha por todos os lados menos por dois: Uma em aberto por onde a bola pode entrar e outra que é o chão onde apenas podem entrar frangos a pé ou voando. Qualquer outra mão na bola é falta. Seis pernas e seis mãos vigiam tudo o que se passa e impõem castigos constrangedores. Duas pernas de cada lado do campo e uma mão agitando bandeirinhas para avisar das faltas. Só uma boca tem apito. É tudo organizado por empresas satélites de uma maior, chamada FIFA, com regras tão estritas que parece uma organização para-militar, que fatura mais que muitas nações do Planeta. E como qualquer nação, os dirigentes são milionários, os donos das mais eficientes pernas ganham milhões e a esmagadora maioria das pernas que participam nos jogos organizados por essas empresas pedem adiantamento e empréstimos para poder comer um feijão com arroz por dia e pagarem as passagens para lhes fazerem o espetáculo.

Foi por isso que no final do ano passado houve um movimento em Espanha para uma melhor distribuição de pagamentos às pernas que fazem o espetáculo e, a partir daí, a Espanha deixou de ser uma potência mundial desse jogo de multidões. Dirão que não foi por isso. Quem sabe?

® Rui Rodrigues



sexta-feira, 20 de junho de 2014

Muito além da escuridão há uma luz...

Muito além da escuridão há uma luz...

No “Bar do Chopp Grátis” todos os dias são quase normais. Bebe-se muita cerveja, a vozearia chega a ser monótona entre tilintar de copos, e muito raramente alguém puxa um assunto interessante que faça com que as mesas e cadeiras se juntem em torno de um “palestrante”, formando-se um circulo de raio tão variável quanto o teor alcoólico dos miolos interessados em escutar. Mas acontece. Ontem á noite aconteceu com o Carlos Hildebrando, um velho freguês quando Beatriz, outra velha cliente puxou o assunto de “vidas passadas”. Ambos são velhos fregueses do Bar, mas não têm mais de 50, no máximo 55 anos.

Carlos Hildebrando da Fonseca Y Aguilar ficou muito impressionado com essas histórias de reencarnação contadas e propaladas em livros e pela NET e agora levantadas por Beatriz, a dona das pernas mais belas e bem torneadas de toda a clientela feminina. Uma Marlene Dietrich até no olhar fatal de galinha morta. Contou então a sua história. Alguns meses atrás, movido pela curiosidade sobre o assunto tinha tomou uma decisão depois de muito matutar sobre as conseqüências: Estaria disposto a enfrentar duras constatações de vidas menos dignas, indignas, muito indignas caso tivesse sido esse o seu caso? E em quem acreditar? Sim, porque não ouviria apenas a uma fonte, mas a várias. A entrar nessa gruta de surpresas, iria até o fim. Queria saber tudo nos mínimos detalhes. Faria sessões de “regressão” por hipnose, procuraria os melhores conhecedores do assunto via tarô, ou consulta despersonalizada via NET. Estava movido pela curiosidade que o atormentava dia e noite. Hoje no Bar Carlos nos contou a sua experiência. No princípio da conversa pensou-se que seria algo jocoso, irônico, com bastante humor, porque se discutiu os métodos para descobrir as vidas passadas, que mais pareciam um engodo, uma armadilha para os “crentes em qualquer coisa desde que seja estranha”, mas a conversa foi descambando para o sério.

Carlos é do tipo de ouvir sempre, pelo menos, duas opiniões para cada tópico de um assunto complexo. Primeiro foi no mais fácil e entrou num site da NET que só lhe pediu em números a data de seu nascimento. Não pôde ter fé nesse site, porque muita gente nasceu no mesmo dia que ele e estariam todos reduzidos a um único passado idêntico. Isso seria impossível. Segundo esse site teria nascido no Norte da Índia, teria sido dentista no ano 700, homem. Então, como parte do “negócio” para crentes, o site encaminhava para “respostas” do Tarô, e até previa data de morte sem se preocupar sobre a saúde, hábitos, etc. Não pôde acreditar em algo tão inconsistente. Consultou vários “experts” mo assunto, desde estudiosos de Tarô a pais de santo, astrólogos, e foi até em vários centros espíritas, mas não ficou satisfeito. Um especialista chegou a dizer que ele tinha sido uma meretriz da alta sociedade, amante de um gladiador em Pompéia e que tinha morrido sufocada durante a erupção do Vesúvio no ano 79 DC quando fazia amor com ele, um gladiador. O especialista chegou a sugerir que poderiam ir a Pompéia e pedir aos curadores do museu de estátuas de cinza para fazer o teste de DNA, o que confirmaria que ele tinha sido a meretriz. Carlos poderia ser bobo de vez em quando, mas não a todo o instante. Foi então que se consultou com um psicólogo especializado e se submeteu a umas sessões de hipnose regressiva. Como é muito precavido, levou a mulher, não fosse o psicólogo um tarado que se aproveitasse dele enquanto estivesse hipnotizado. Realmente, dadas as circunstâncias atuais do mundo em que se vive, toda a precaução é necessária até para ir a templos, sejam eles quais forem e onde forem. Vai que aparece um fanático e explode tudo... No consultório esperava que o fizessem flutuar no espaço por cima de um sofá de veludo, mas não encontrou nenhum sofá de veludo. Foi hipnotizado deitado numa maca de consultório médico daquelas que tem uma escada me metal móvel para crianças ou para quem tem pernas curtas. Ouviu o mantra do psicólogo, concentrou-se com a maior das boas vontades, entrou em transe e se lembrava muito pouca coisa, mas tudo que falou ficou gravado num lindo e brilhante CD de computador. Mas antes de ouvi-lo, o psicólogo foi até o computador e pesquisou dois nomes que Carlos havia falado em seu transe: Wilhelm Gustloff [1]. Era um navio de passageiros. Um olhar de admiração do psicólogo fez tremer Carlos e a esposa. Era um olhar preocupante, com ares de catástrofe. Carlos estava impressionado, ansioso para fazer perguntas. Seu corpo estava frio, o suor frio de suas mãos o incomodava. Mas mais ainda o incomodava a expressão corporal de sua esposa, tolhida, encolhida, os olhos dela buscando os dele tentando ler-se no íntimo, um ao outro.

A esposa de Carlos estava imóvel, os músculos retesados, em estado latente de tensão. Carlos pensou acertadamente que isso se devia ao que tinha falado durante a sessão. Passou as mãos no rosto, perto dos olhos sentindo que algo o incomodava e viu que estava molhado. Ele chorara durante a sessão, mas não se lembrava de ter chorado. Começaram então a recordar o que ele falara e o que vira e aos poucos Carlos foi unindo fatos e sensações. Ele disse:

- Meu Deus! Que coisa terrível, uma catástrofe. Foi a maior catástrofe naval de toda a história humana. Eu morri!


Era o dia 30 de janeiro de 1945, um dia muito frio como costumam ser os dias frios na zona do Báltico. O dia já estava no fim e o Wilhelm Gustloff que tinha saído do porto de Dantzig na atual Polônia, estava incrivelmente repleto de refugiados alemães da Prússia Ocidental evacuados numa operação chamada Hannibal. Fugiam desesperadamente do exército russo e dos próprios poloneses agora libertos.  O navio tinha sido projetado para cruzeiros da classe operária de Hitler e fizera muitas viagens para os fiordes noruegueses, Lisboa e Ilha da Madeira. Em 1939 tinha feito o repatriamento da Legião Condor, alemã, durante a Guerra Civil Espanhola.  Sua capacidade era de cerca de 1.800 passageiros. Naquele dia, porém, transportava incríveis 10.500 pessoas, sendo cerca de 1.000 a tripulação e 4.000 eram crianças. Havia muitos soldados alemães feridos em combate. Entre eles, Carlos se lembrava do nome de uma criança: Horst Woit [2], uns seis anos de idade. Estava acompanhado de sua mãe. A ultima vez que o viu ele estava tirando um canivete suíço de suas calças e o dava a um marine alemão para cortar as cordas do barco salva-vidas, que lhes permitiria baixar o bote para a salvação. O navio tinha sido torpedeado três vezes por um submarino russo [3] às 21:10. Embora quatro torpedos tenham sido lançados, um falhou. As explosões provocaram pânico instantâneo. Crianças choravam, pessoas corriam para salvar-se. Muitas caíram ao mar, muitas morreram com as explosões. O navio adernou a 15 graus instantaneamente e às 22:30 já não existia mais. O Báltico era agora todo silêncio. Carlos ajudava no convés no que podia. Não estava preocupado em salvar sua vida. Respirava, não estava ferido, era jovem ainda. Estava com 28 anos. Não era herói. Ajudava idosos, mulheres e crianças a salvar-se, amparando-as, encaminhando-as para os botes.  Entre eles, Horst Woit e a mãe. O que mais o impressionava eram as expressões dos olhares, os olhos excessivamente abertos, muitos gritos, gente se empurrando, crianças pisadas, a conformação expressa em muitos olhares da certeza que morreriam. Apesar de tanta certeza e conformação, 964 se salvaram. Entre 8.500 e 9.600 morreram por ferimentos, por pisoteamento, por quedas ao mar, pelo frio do mar Báltico, boa parte afogada antes de sentirem os efeitos da hipotermia.



Carlos viu os alguns botes se afastarem aparentemente a salvo, quando a popa do navio ainda estava a uns bons 10 metros acima do nível do mar. A inclinação não permitia ninguém no convés a menos que estivesse agarrado a alguma coisa. Carlos estava agarrado a uma corda cortada dos botes salva-vidas. Sabia que ao afundar o navio o sugaria para o fundo. Quanto mais tarde saltasse ao mar, menos tempo ficaria na água fria, a cerca de dois graus centígrados e uma sensação térmica de menos dez graus, prolongando assim sua entrada no estado de hipotermia, mas reconhecia que já era muito tarde para saltar. Se seus pulmões agüentassem poderia subir à superfície, embora isso fosse praticamente impossível. Não tinha muitas esperanças. Aceitava a fatalidade. Qualquer navio que tivesse sido avisado pelos S.O.S lançados não apareceria antes de pelo menos uma hora.

Agora Carlos se lembrava de sua regressão completamente. Primeiro sentiu o frio. Depois quis respirar, mas respirou água. Seus pulmões estavam inertes, arfava para respirar cada vez com menos força. Seus olhos se apagaram quando todos os seus sentidos já não sentiam nada. Nem dor, nem pena. Absolutamente nada. Por mais uns cinco minutos ainda lhe restou a visão e um leve sentimento de que em breves segundos mais só restaria a escuridão. Então, como num despertar virgem, sem qualquer lembrança, começou a escutar o som das ondas do mar, suaves ondas como as de lagoas batidas por leve brisa e também sem a mínima noção de tempo, sentiu que via embora tudo estivesse escuro. Ouviu sons de canções ao longe, sons de rádio, sons de passos entremeados de silêncios absolutos, nada como dantes. Até que de repente viu a luz, e escutou perfeitamente: É um menino! E então chorou tudo o que não havia chorado.

® Rui Rodrigues





[1] Navio alemão. A história dele embora incompleta é verdadeira. Foi a maior catástrofe naval até os dias de hoje.
[2] Horst Woit é um dos sobreviventes do afundamento. Tinha 76 anos em 2012. Não sei se ainda vive.
[3] O S-13 era comandado pelo capitão Alexander Marinesko

terça-feira, 17 de junho de 2014

Sentimentos à flor do pelo.

Sentimentos à flor do pelo.



Dizem que, olhando do alto de uma pirâmide no Egito, Napoleão, um cara famoso por ter tido a idéia molieresca [1]de conquistar o mundo, teria dito: “Do alto destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam”. Há controvérsias, porém, devido á datação de uma estátua tão famosa como as pirâmides: A esfinge! O que será a esfinge? Parece um leão com cabeça humana, mas pode ser um gato ou uma gata, a julgar pela posição das patas frontais, com cabeça humana, talvez por que os gatos pareçam tão humanos em seus sentimentos. Cães, por mais que sejam simpáticos, agem como se fossem treinados para agradar e têm uma memória a curto prazo completamente deficiente. Não esquecem os donos, mas só se lembram deles quando estão em contato. Gatos não. Só nos agradam se lhes agradamos e tornam-se fiéis e amigos por opção enquanto os tratarmos bem. Nesta situação de agrados mútuos são companheiros inseparáveis donos de uma inteligência incomum. Comunicam-se muito bem, mas é necessário que “sejam decifrados”. Um olhar pode ser um aviso de algo que nos pode prejudicar, um alerta para algo que esquecemos, como o fogão aceso, por exemplo. A esfinge teria dito a Édipo: “Decifra-me ou devoro-te”. Para uma esfinge leão isso seria admissível, mas para uma esfinge gato, seria totalmente despropositado.


Uma visita ás tumbas e o que vemos? A julgar pelos alimentos em vasos de argila acreditavam que haveria uma vida após a morte. Vemos utensílios do dia a dia de acordo com a sua aptidão em vida: Ferramentas, armas, tinta, roupas. Em tumbas de nobres podemos ver seus escravos que os cuidaram em vida, mortos para que os acompanhassem nessa nova vida. No início da civilização egípcia só os nobres eram embalsamados. Depois, talvez pela necessidade de faturamento dos sacerdotes, passaram a embalsamar qualquer um que tivesse dinheiro para isso, e quem podia embalsamava seus animais de estimação. Há muitos gatos embalsamados. Poderíamos nos perguntar o que é a vida realmente, e se mais um par de dias ou de meses em nossas vidas faria qualquer diferença substancial, e até que ponto valeria a pena sacrificar animais de estimação e escravos para nos acompanharem nessa grande viagem ao além. 

E como sabemos, não valeu de nada, se até os deuses que nunca existiram de fato já estão definitivamente mortos. Haverá quem ainda adore Ísis e Hórus, talvez mesmo Ptha, mas existia um deus (que nunca existiu) que tinha a forma de uma gata: Bastet. Era uma deusa da fertilidade, protetora das mulheres. A confusão entre leão e gato é tão grande, como no caso da Esfinge, que muitos confundiam a deusa Bastet com Sekhmet, uma feroz deusa leoa incumbida por Rá de provocar enormes castigos.
Quem tem gatos e os mantém de forma amável, sincera, calma, “conversando” até com eles, ficará surpreso quando os vir acompanhar seus companheiros (nós) para onde formos, olhar-nos com aqueles olhos límpidos e calmos, e poderá entender seus diferentes miados. Bem tratados não prescindem de nossa companhia. Aquecem-nos os pés na cama, “pedem licença” com seus olhares e gestos antes de tomarem qualquer atitude, podem ficar perto de algo que deixou cair até que você se dê conta e demonstre que o que deixou cair não tem a mínima importância. Conhecem a casa toda, todos os recantos, todos os objetos. Marcam-nos roçando o pescoço em suas esquinas. Se tirar algo de lugar, lá está ela ou ele, para “cheirar” o objeto e memorizar onde está. Estes felinos têm personalidade. Se você estiver triste, olham com fixação como quem pergunta: - O que se passa? E de repente correm escadas acima para brincar de esconde-esconde, pega-pega. Ou aparecem de repente, dão uma leve patada em suas pernas e saem correndo pela casa para que sejam procurados. A Sarkye, uma gata de três cores que me acompanha há doze anos atirava-lhe uma pequena bola. Ela brincava até se cansar. Olhava-me, pegava a bola com a boca e vinha trazê-la para que voltasse a jogá-la. Quando finalmente se cansava, parava e saía de perto da bola. Bebe água da torneira da qual deixo cair um fio constante. Quando acaba de beber olha-me para avisar que acabou e só então salta da pia. Se ela quer sair de casa para se espreguiçar ao sol, fica na porta parada, de costas para mim. Se demorar a abri-la emite um miado curto. Abro-lhe a porta e sai. Sento-me para digitar no computador e lá vem ela, de mansinho, toda cheia de dedos, suavemente, como quem me pergunta: - Onde me deito? Podes arranjar-me um cantinho? E aninha-se com a cabeça em meus braços. Se pelo contrário lhe digo: Agora não, Sarkye... Ela se afasta e aninha-se em qualquer lugar livre onde ela caiba. Tem sua ração preferida. Se a misturo com outra, escolhe pacientemente os pedaços da reação preferida e deixa a outra se acumular.


Quem não tem cão caça como gato, dizem, mas com a Sarkye não é assim. Qualquer movimento e ei-la de orelhas a pino, o nariz levantado cheirando o ambiente, o olhar fixo no que se movimenta. Já descobri outros gatos lá fora, pássaros, borboletas, lagartixas, gambás, cachorros. Quando se trata de pessoas, mesmo fora do portão, na rua, ela rosna. Rosna mesmo. Se vou ao banheiro e fecho a porta, vem correndo e mia até que a porta lhe seja aberta. Então entra e fia ali, de costas para mim, como quem me guarda e me avisará de qualquer perigo. Se me distraio, entra em minhas calças ou short arriados e tenta se arrumar até que eu faça menção de me movimentar para apanhar o papel higiênico. Mas o melhor de tudo é o assobio. Ela vem quando assobio e me cheira o nariz, provavelmente procurando por um passarinho fantasma que lhe escondo. Se ela gosta do assobio, porque nunca assobio diferente, ela mia para me acompanhar.



Para mim, Sarkye é uma “pessoa”. Se eu vivesse no antigo Egito não teria os conhecimentos que tenho hoje, e dadas as circunstâncias, pediria para que a embalsamassem quando partisse a caminho dos céus de Osíris e de Hórus. Seria uma atrocidade minha, mas os costumes são de época de acordo com os conhecimentos adquiridos numa civilização e há que isentar a falta de conhecimento. O que não se deve é isentar a escravidão seja qual for a forma de escravizar. Não podemos – sob pena de sermos condenados no tribunal de Osíris ou em qualquer outro – fingir desconhecimento do que conhecemos de acordo com as conveniências.  Está bem certo que Osíris era falso como deus porque não existia de fato, mas nossa vida se constrói dia a dia numa comunidade de amigos, conhecidos, nossa “identidade” se constrói pelos atos e não por um título, uma carteira, uma impressão digital, um voto. Podemos perdê-la num simples ato grave, ou numa série de pequenos atos. Reis e presidentes deveriam perder os cargos quando perdem a identidade. Isso nós sabemos, temos conhecimento. Por que não adotamos um voto para deseleger e sermos assim democratas na verdadeira acepção da palavra?

® Rui Rodrigues

PS - Esta é uma homenagem a todos os felinos caseiros, mas muito em especial a todas as deusas gatas mulheres deste planeta. Sem elas eu não seria o que fui e nem que sou como sou. 




[1] Refiro-me a Moliére um grande autor de peças teatrais. Napoleão perdeu tudo o que ocupou e que nunca conquistou de fato. Provavelmente nem as mulheres. Ficou na história como um general fracassado, baixinho, gordo, mulherengo para vencer seu complexo de inferioridade. Perdeu a mãe de todas as batalhas em Waterloo e morreu envenenado por papel de parede contendo chumbo, numa prisão. Umidade e chumbo o mataram. A França diz que ele é um herói.  Não posso olhar para uma figura destas de mão no estômago para acariciar uma úlcera atroz como uma figura heróica. Mas respeito o povo francês. Têm um paladar maravilhoso. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A famigerada copa Brasil 2014 da FIFA.

A famigerada copa Brasil 2014 da FIFA.



  1. O cenário Brasil.

Quando a fome se junta com a vontade de comer, temos sempre uma lambança. A lambança tanto pode ser comunista, como socialista, como capitalista, sob a égide mancomunada de ditadores como na Argentina de Videla, de reinados, de republicas, de quem “manda” nos governos que vêm na realização das Copas boas oportunidades para alguma coisa, mais que não seja, a promoção pessoal em governos de caudilhos e populistas, ou de partidos políticos no poder com vistas à reeleição ou para firmar sua posição de liderança. Em países mais democráticos, uma esperança de bons negócios. Para todos, afinal, sempre a perspectiva de bons negócios não importa quem paga as despesas, quase sempre as populações com os impostos provenientes do trabalho. Mas no Brasil, um país com os mais altos índices de corrupção, com um “ex-líder” populista no comando do governo onde impera soberana uma ex-guerrilheira completamente “tapada”, obsessiva e vingativa, unida a uma emissora de televisão que pensa estar sempre sobrenadando sobre a mídia desde que apoiada pelos governos a quem sempre pede ajuda financeira em troca de favores, e um senado cheio de políticos que têm contas a ajustar com a justiça e que pensam que sempre terão as bênçãos do governo desde que o consintam e o apóiem, todos os males se somam apoiados por uma população com os mais ínfimos índices de educação mundiais.

No Brasil as bênçãos são mais abençoadas e os malefícios são mais demoníacos. Somos brasileiros, não desistimos nunca, mas demoramos muito a escoicear o montador que nos empurra com a propaganda que nós mesmos pagamos para nos mostrar “o bom caminho a seguir”. O mensalão é uma prova de que os políticos não representam o povo brasileiro.  Foi assim que trouxeram a Copa do Mundo da FIFA de 2014 para terras brasileiras. Com todos aqueles “predicados” não é difícil entender porque razão a copa se realizou em terras tupiniquins: A Copa é um bom negócio para quem a usa, a FIFA é uma empresa e o governo brasileiro parece ser uma empresa particular de partidos, políticos, politiqueiros, amigos unidos do PT. Nenhum deles é comunista nem socialista. Ganham o dinheiro questionável do uso de impostos públicos. A FIFA é a única de princípios capitalistas, assim como as empresas de construção e de exploração de espaços, suportados por uma mídia e artistas pagos a peso de ouro: Há que convencer o povo que o que é bom para os EUA é bom para o Brasil – assim se dizia antigamente – e que o que é bom para a FIFA é bom para o PT.

  1. FIFA - Antes e depois de João Havelange

Até o reinado de Stanley Rous como presidente da FIFA, de 1961 a 1974, nunca se levantou acusação séria de corrupção em seus bastidores. Faleceu com 91 anos em Guildford, em 1986, livre de denuncias. Sucedeu-lhe João Havelange, brasileiro, porque apoiava os países africanos. Havelange ficou suficientemente rico para se dedicar a trabalho filantrópico junto às aldeias internacionais SOS, patrocinado pela entidade em 131 países. Para se livrar de acusações de corrupção [1], abdicou de sua posição de presidente de honra da FIFA.  Não trouxe nenhuma copa para o Brasil, embora tenha organizado seis delas [2].  Sucedeu-lhe Joseph Blatter, e há rumores de corrupção incluindo a realização da Copa de 2022 no Qatar. Franz Beckenbauer foi afastado de seu cargo no comitê organizador de copas na FIFA e promete cooperar com as investigações. Os resultados da comissão de ética da FIFA serão divulgados após a copa de 2014. Em termos de esporte muito se deve à FIFA. Não é isso que se questiona aqui.

  1. Brasil, FIFA e “Não vai haver Copa”.


Era evidente que haveria Copa. Primeiro porque algumas confederações de futebol hesitaram ou não confirmaram suas candidaturas à realização da Copa. Foi o caso de Chile em conjunto com a Argentina tal como se chegou a cogitar em 2005; o Canadá ficou em compasso de espera caso o Brasil não conseguisse cumprir com as premissas; A candidatura Colombiana obrigaria á cessão para o México por questões financeiras e o presidente Uribe desistiu de concorrer em 2007; Uma pretensa “Comunidade Andina” constituída de Colômbia, Equador, peru e Bolívia nem foi oficializada, mas estaria fadada ao insucesso por causa das altitudes dos campos de jogo, além desses quatro países estarem automaticamente classificados; os EUA, hipótese levantada por Blatter seria uma opção caso o Brasil não cumprisse com as exigências estabelecidas, tal como o Canadá; Hugo Chavez, o desastrado e cômico presidente da Venezuela, apresentou sua candidatura quando as inscrições já estavam encerradas. Sobrou a candidatura do Brasil. Um dos primeiros passos da presidente Dilma Rousseff, pouco experiente em economia, em contratações e em gerir uma democracia, foi baixar um decreto – e país onde se governa por decretos não tem nada de democrático com um congresso comprado – estabelecendo o sigilo das despesas para a Copa - além de um outro segundo o qual há uma reserva financeira que pode ser usada pelo Estado sem ter que dar satisfações a ninguém. Num Estado com tantas deficiências na educação, na segurança, na saúde e nos transportes públicos, dizendo-se socialista, era de esperar que os investimentos nacionais se voltassem para estas áreas. Em vez disso, a presidência, o PT e seus partidos associados financia porto em Cuba, perdoa dívidas de conhecidos ditadores africanos, baixa decretos atrás de decretos alterando leis e uma principalmente, o decreto 2.300 sobre contratações, a pretexto de dar velocidade ao andamento de projetos, e construções em geral. A transposição do Rio São Francisco não foi realizada deixando o Norte e Nordeste sem água, o gado morrendo, e acumulando erros atrás de erros, o governo brasileiro atrelado ao Congresso Nacional levou o povo para as ruas. Um dos slogans era “Não vai ter Copa”...Mas sempre que o povo sai ás ruas por um movimento lídimo e patriótico, a ala destruidora dos partidos políticos, do governo e dos políticos associados, vem para as ruas também, para desvirtuar. 

Até hoje o governo brasileiro e o Congresso atrelado com os respectivos partidos políticos ainda não quiseram entender que não vai ter Copa. Claro que está tendo Copa, mas vai custar muito caro aos que se distraem com futebol no governo. O preço será cobrado a qualquer momento, antes, durante ou após as eleições. Duzentos milhões são brasileiros neste país e não desistem nunca. Era melhor para eles, os que governam com o Senado atrelado com os respectivos partidos políticos que tivessem desistido da Copa. Para nós, povo brasileiro, agora seria tarde para desistir. Como brasileiros torcemos pela seleção nacional, mesmo que a Copa fosse realizada em outros países, mas parece que não estavam interessados. Depois de Stanley Rous, a FIFA mudou muito. Ficou rica. Não ela apenas, como entidade, mas tal como no governo brasileiro, os políticos também estão encontrando suas fontes de enriquecimento.Governos passam, o povo fica. A "pilha" da emoção da Copa é da Globo, da FIFA e do governo brasileiro. O dinheiro já foi gasto, as obras afora os estádios não... Você, contribuinte vai continuar sem educação, sem infraestruturas, sem transportes dignos, sem segurança e sem saúde públicas. E haverá apagões de energia e financeiros. 

® Rui Rodrigues

  











[1] No livro Foul! The Secret World of FIFA: Bribes, Vote-Rigging and Ticket Scandals, lançado em 2006, o jornalista investigativo Andrew Jennings descreve Havelange como um dirigente corrupto. Segundo Jennings, o filho do fundador e ex-diretor da Adidas, Horst Dassler, comprou votos de delegados indecisos na primeira eleição de Havelange. Dois anos depois, o brasileiro retribuiu o favor entregando a Dassler o poder exclusivo sobre a comercialização dos principais torneios mundiais. Em 2011 já havia  renunciado do COI, dias antes da entidade anunciar decisão sobre casos de corrupção que envolviam o nome do brasileiro  .
[2] Um dia se saberá como que a Globo conseguiu a exclusividade para a transmissão dos jogos da Copa da FIFA. Em 1981, o Comitê Executivo da FIFA nomeou o poliglota Joseph Blatter como secretário-geral da entidade e, em 1990, o promoveu a diretor executivo (CEO). Sob o seu comando, foram realizadas cinco Copas do Mundo: Espanha 1982, México 1986, Itália 1990, Estados Unidos 1994 e França 1998. Nesse período, junto a Havelange, ele teve um papel preponderante nas negociações dos contratos de televisão e de marketing da Copa do Mundo da FIFA e na modernização do formato comercial do evento até o ano de 2006.