Um corpo humano dissecado
Aqui, pelo Bar do Chopp
Grátis, passa todo tipo de indivíduos, sem exceção. Certo dia de Outono passou
por aqui uma mulher atraente,
acompanhada de um sujeito franzino, cuja beleza contrastava com a dela. Ele era
realmente feio. Ambos bem vestidos eram igualmente inteligentes. Sua conversa
chamou a atenção da clientela, e os sons do tinir de copos e pratos e a
vozearia foram diminuindo a tal ponto que em qualquer recanto do imenso bar se podiam
ouvir suas vozes embora falassem em tom razoável. Todos escutaram o que
disseram, e como concordavam entre si, não importa qual deles teria sido o
“dono” das palavras e frases. Eis o resumo do que disseram, uma nova visão do
que, para eles, é um ser humano.
Concluíram que, mais cálcio, menos cálcio, mais comprimento menos comprimento, todos os ossos humanos eram iguais, a tal ponto que, na ausência de um exame de DNA qualquer osso humano é inconfundível e tem apenas uma classificação de origem: São ossos humanos! Concluíram o mesmo para a carne: Com maior ou menor graus de gordura e de alguns elementos químicos, toda a carne deles é indistinguível uma da outra: É carne humana. E assim também para as vísceras e o sangue. Concluíram que os seres humanos se distinguem uns dos outros apenas pela aparência externa da pele, do cabelo, pelos adereços e roupa, pela cor dos olhos e pelas impressões digitais. Dissecaram o que era um corpo humano em sua materialidade: Uma humanidade de irmãos indistinguíveis em sua essência material, a não ser pela primeira linha de diferenciação aparente que é a cor dos olhos, dos cabelos e da pele, além das impressões digitais e pela segunda linha, ainda mais material, dos adereços e roupas. Diferenciação aparente, porque todos as peles são praticamente iguais química e fisicamente, assim como os cabelos e os olhos. No fundo, e sob todos os aspectos, a materialidade é idêntica. Não fosse o que “vemos” e “entendemos”, todos seriamos rigorosamente iguais, unidades autônomas constituídas essencialmente de carbono.
(Todos esperaram pela dissecação da “alma”, do espírito ou do “eu” próprios de cada um. A curiosidade era muito grande. Todos pediram mais bebidas, mais salgadinhos. Naquele bar o chopp era e sempre foi grátis, mas os salgadinhos carregavam em si o preço dos chopps ainda mais salgado.).
Para eles, a alma, o
espírito ou o “eu” de cada um, era como um outro corpo com ossos, carne, órgãos
e pele, todos de diferente constituição entre si, porém todos também iguais na
essência, tal como aconteceu com a dissecação da parte material do corpo
humano.
Os “ossos” desta parte “imaterial”
do complemento do corpo humano são a “inteligência” intrínseca que se revela
logo ao nascer: os corações sabem como bater e em que ritmo, os pulmões
funcionam normalmente, os braços, pernas e cabeças se movem de igual forma para
todos os recém-nascidos. É algo que corresponde ás funções do “bulbo
raquidiano” e sistema reptiliano [1],
de comando inacessível a qualquer ser humano e que regula as funções vitais:
Ninguém pode comandar seu coração para que pare repentinamente, ou que seu
estômago ou o fígado parem de funcionar. A carne é a realidade do mundo
observável, a influência do meio, que varia de indivíduo para indivíduo.No entanto,
para todos é essencialmente idêntico, porque o mundo observável se mostra a
todos de igual forma. Todos vêem o mesmo mundo embora possam viver sob
influências ou realidades diferentes, como quem nasce em “berço de ouro” ou
quem nasce numa favela, mas todos vêem os dois lados. Se tentarem ignorar algum
deles é por sua própria determinação, por omissão, condescendência ou
determinação. Isto corresponde ao
neocortéx cerebral [2],
onde reside a consciência da razão. A emoção, para eles, está nos órgãos vitais
deste “segundo corpo” imaterial e corresponde ao nosso sistema límbico [3],
voltado para as emoções, as artes, a sensibilidade.
Para eles, em sua dissecação do corpo humano, sendo um material e outro imaterial, mas de formação “semelhante”, no imaterial cada “órgão” tem sua função. Neste, os olhos servem apenas e exclusivamente para sentir, conjuntamente com os “ouvidos”, e a boca expressa o resultado de todo o envolvimento de todos os órgãos: É uma capa como a pele, a primeira linha de identificação de cada corpo humano, aquilo que aparece e transcende para os outros seres da mesma espécie. Um outro animal de outra espécie, não percebe as diferenças entre os seres humanos, porque não os julga pelas “capas” de pele material ou de “pele” imaterial, a alma, o espírito, o “eu” de cada um.
Ao avaliarmo-nos uns aos outros, é sempre por estas capas de pele material e imaterial, jamais pela totalidade do indivíduo, o que ele realmente é. Não seria nenhuma heresia, á verdade, dizermos que vivemos num mundo irreal, exatamente por que julgamos o que vemos e não temos meios de ver tudo de forma completa e total, sem capas, por debaixo da pele física, da pele moral, ética, sensível, da imaterialidade. O que vemos, não é a realidade. Temos plena consciência disso, mas teimamos em julgar pelas aparências, pelo que vemos com nossos deficientes sentidos. E certamente nunca nos entendemos a menos que sejamos tão parecidos em todos os fatores que constituem a nossa imaterialidade, ou que estejamos dispostos, por convicção ou conveniência, a concordar com terceiros.
Sigmund Freud foi muito claro em sua
tese ao descrever o funcionamento do cérebro humano, seus problemas, seus
desajustes. O casal do bar que foi ouvido atentamente pelos demais fregueses
não foi tão claro, mas as semelhanças de nossa imaterialidade com a
constituição de nosso corpo humano nos dão razões para, pelo menos, meditarmos
sobre o que de nós é “construído” para efeitos de vida em sociedade e o que
realmente somos. O que gostaríamos de fazer e não fazemos, para atender as leis
de convivência das sociedades, e o que mudaríamos para que as sociedades
pudessem viver mais em paz e tranqüilidade sem que essa paz e essa
tranqüilidade fossem apenas uma obrigação vital para o convívio. Ao ser apenas
uma obrigação vital, e não uma enraizada opção de consciência, damos a
oportunidade a que, por acharmos que podemos prevalecer nossas opiniões,
deflagremos a guerra e a violência. Grandes filósofos como Zaratustra, Moisés,
Jesus, Buda e outros, que passaram por este mundo entenderam perfeitamente
estes mistérios do comportamento humano, baseado nas influências do meio
externo modificando o “eu” próprio de cada um ao longo dos anos, e nossa
adaptação às leis de convívio e dos padrões de comportamento estabelecidos
pelas sociedades nas quais nos inserimos.
A nossa ilusão e o nosso alheamento do mundo real, aquele que não podemos ver por nossa própria deficiência, é como uma química tão peculiar à que nos faz ter prazer no sexo, na comida, nos cheiros, nas paisagens que nos passam pelos olhos, onde o bom e o mau se confundem segundo quem os observa e analisa, a tal ponto que a chuva pode ser tão boa para os agricultores (ou tão ruim se for em demasia), quanto poder ser tão ruim para veraneantes.
Há um longo caminho, um caminho realmente muito longo para a total compreensão do que é realmente um ser humano. Ficaremos admirados no futuro ao constatarmos que nenhum controle poderá controlá-los, por que seu poder de camuflagem é realmente importante para a sua própria sobrevivência. É por isso que sistemas políticos demasiadamente controladores da mente humana sempre foram vencidos pelas massas ou por parte delas. A humanidade e as sociedades não podem ser controladas por longos períodos de tempo. Sua revolta contra o controle está na essência de sua constituição, deflagrada em função de sua capacidade de suportar o insuportável, na medida em que, sob certas condições, se dá a vida pela liberdade, porque sem liberdade não vale a pena viver. O PT e sua base aliada, e as ditaduras de veludo atuais na Venezuela, Uruguai, Cuba, Bolívia e Argentina, não perceberam isto. Cuba está começando a perceber.
® Rui Rodrigues
[1] Bulbo raquidiano, bolbo
raquidiano, medulla
oblongata, medula oblonga,
ou simplesmente bulbo é a porção inferior do tronco encefálico, juntamente com outros órgãos
como o mesencéfalo e a ponte, que estabelece comunicação
entre o cérebro e a medula
espinhal. A forma do bulbo lembra um cone cortado, no qual a
substância branca é externa e a cinzenta interna. É um órgão condutor de
impulsos nervosos.Relaciona-se também com funções vitais como a respiração,
os batimentos do coração e a pressão arterial, e com alguns tipos de reflexos
como mastigação, movimentos peristálticos, fala, piscar de
olhos, secreção lacrimal e vômito (mais específico da área postrema). Por isso uma pancada nessa área
ou a sua compressão por parte do cerebelo,
que se encontra posteriormente, pode causar morte instantânea, paralisando os
movimentos respiratórios e cardíacos. (Ver em (http://pt.wikipedia.org/wiki/Bulbo_raquidiano
)
[2] Neocórtex, "novo
córtex" ou o "córtex mais recente" é a denominação que recebem
todas as áreas mais desenvolvidas do córtex. Recebe este nome
pois no processo evolutivo é a região do cérebro mais recentemente derivada. Essas
áreas constituem a "capa" neural que recobre os lóbulos pré-frontais
e, em especial, os lobos
frontais dos mamíferos. É a
porção anatomicamente mais complexa do córtex. Separa-se do córtex olfativo por meio de um sulco denominado fissura rinal. Possui diversas camadas celulares e
diversas áreas envolvidas com as atividades motoras, intimamente envolvidas com
o controle dos movimentos voluntários, e funções sensoriais.(ver em http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoc%C3%B3rtex
)
[3] Na superfície medial do cérebro dos mamíferos,
o sistema límbico é a unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais. É uma região constituída de neurônios,
células que formam uma massa cinzenta denominada de lobo límbico.
Originou-se a partir da emergência dos mamíferos mais
antigos. Através do sistema nervoso autônomo, ele comanda
certos comportamentos necessários à sobrevivência de todos os mamíferos,
interferindo positiva ou negativamente no funcionamento visceral e na
regulamentação metabólica de todo o organismo (ver
em http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_l%C3%ADmbico
).
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