Já pensou?
A realidade não nos incomoda
senão por escasso tempo. O que nos incomoda é a dúvida, a hipótese de
realidade. Venha comigo percorrer um agreste caminho na trilha da essência da
vida.
Nascemos. Até cerca de dois anos não nos lembramos de nada. Foi um período de concentração total em assimilar o mundo que nos cercava, todo o esforço concentrado em memorizar, dar os primeiros passos, reconhecer. Depois começamos a viver a “nossa vida”, sem sequer sabermos o que isso significa, o que isso é realmente. Guardamos boas e más lembranças, mas a definição de boas e más depende do que cada um possa suportar de dor, ou apreciar de prazeres. Nem todos temos a mesma capacidade de avaliação. Vemos o futuro como algo que nos preocupa de vez em quando mas que podemos sempre mudar, a qualquer tempo. Já na meia idade começamos a perceber que o tempo vai ficando escasso para mudarmos alguma coisa em nossas vidas. Nem isso realmente interessa muito, porque já nos moldamos a nós mesmos e na verdade não queremos, não temos desejo de mudar tanto assim. Seria incômoda uma “nova” vida, cheia de incógnitas. Com muita sorte nossa memória continuará ativa e nos lembraremos de muitos acontecimentos, cada um servindo de experiência para outros futuros, mas infalivelmente nos perguntaremos: Tudo isto, uma vida, para quê? No início pensávamos que a vida era para nos servir. Depois pensamos que servia apenas para sermos servidos pelos que nos amam e lhes servir, como os filhos e os nossos pais, por exemplo, e finalmente, também com alguma sorte na associação e idéias que nós existimos apenas como garantia adicional da manutenção de uma espécie cuja totalidade dos membros constitui a humanidade, o conjunto da espécie Homo Sapiens. Mas imediatamente nos começaremos a preocupar com a “passagem”. Uma passagem para onde? E em eufemismos, morremos e vamos para onde?
Os romanos tinham uma
percepção muito diferente dos egípcios sobre a
existência: Para os egípcios, a vida era qualquer coisa como um
preparativo para uma outra vida. As almas dos mortos se submetiam a um
tribunal, o tribunal de Osíris, e se elas, as almas, contidas no “coração”
pesassem no máximo o peso de uma pena, teriam direito à reencarnação num outro
mundo. Para os romanos a vida era apenas a vida que se levava. Finda, não havia
mais nada. Contentavam-se com o viver e manterem-se vivos enquanto pudessem. A
morte era algo muito natural e inevitável. Enquanto no mundo egípcio a
esperança numa outra vida aliviava as dificuldades, no mundo romano sem essa
esperança, as liberdades eram muito mais amplas, quem pudesse tirar mais
vantagens da vida era o abençoado. A frase que da vida se levam os prazeres é
certamente romana, não egípcia. Por essas razões o povo egípcio sempre aceitou
mais os seus governantes a quem viam como descendentes dos deuses, do que os
romanos, um mundo de revoluções e traições. Não que não houvesse traições no
mundo dos antigos egípcios, mas não de forma tão comum. Não é o caso de entrar
em outros detalhes de outras religiões, mas desde não se ir para lugar nenhum,
até termos 25.000 céus à disposição, há muito em que se crer. Cada roca com seu
fuso, cada mundo com seu uso. Porém, o que seria da ordem nas sociedades se não
houvesse mecanismos que as mantenham na ordem por vontade própria? Por exemplo,
fazer o bem sem esperar a quem, sermos todos “bons sujeitos”, não cobiçar a
mulher (ou o homem) do próximo, e outras “leis” que nos mantenham num
comportamento que não sobressalte os próximos nem os que nos governam? Por isso
mesmo sempre existiram os segredos de Estado, os cadernos das leis não são
distribuídos pela população ou ensinados nas escolas exceto em Universidades, e
uma série de medidas que sempre foram colocadas à margem. Nos templos se
ensinava o comportamento ideal para que as sociedades continuassem “em paz”.
O mundo da informática veio mudar tudo isso. Não se pode esconder mais nada ou muito pouco. Crianças se transformam em adultos mais cedo, querem viver a vida, chamam por Deus mas ele não lhes aparece, o que aparece é a vida em todo o seu esplendor, e uma pergunta constante: Por que não ter o que se vê?
Detalhes de cada religião
podem ser facilmente acessados, e os males são iguais para as sociedades de
todas as religiões, o que as iguala. São todas “iguais” para todos os efeitos
práticos. Há quem queira morrer numa cama praticando sexo; quem amealhe cada
centavo para deixar para os filhos ou sem saber para quê; quem queira morrer
aos 120 anos com cara de trinta ainda que isso não lhes sirva para nada a não
ser manter uma “identidade” ou fazer inveja a quem olhar; e quem não se
incomode com nada para não se aborrecer. Há de tudo no mercado pessoal dos
seres humanos. Compramo-nos e vendemo-nos por qualquer coisa que nos pareça
“interessante”. Comportamo-nos como turistas da vida apesar de todas as
vicissitudes. Queremos olhar, sentir o mundo, experimentar de tudo e esse tudo
é restringido ou ampliado em função da moral que por sua vez é ditada quer por
governos, quer por religiões, quer pela mídia. Há, contudo, exceções em cada
aspecto, mas há séculos, milênios, que não nos aparece um profeta. Não existe
mais ambiente para eles. Tudo muda e já são raros os entregadores de leite, os
jornaleiros que vendiam jornais nas ruas, geralmente menores de idade, não têm
aparecido compositores de música clássica ultimamente, as salas de cinema estão
acabando.
A vida parece um filme do
qual somos ao mesmo tempo os produtores, os diretores e os artistas. Ilusão?
Pode ser. Pode ser pura ilusão e nem existirmos realmente, tudo fruto de um
cenário em quatro dimensões, comum a todos nós: Três de volume e uma de tempo. Em
relação ao Universo somos muito menores do que um simples micróbio em relação a
nós. Não somos realmente nada. Um nada quase absoluto, onde a vaidade destoa,
mas faz parte da ilusão de nossos personagens. Sim. Somos os nossos próprios
personagens também, sempre iludidos que os outros seres humanos nos vejam como
nós pensamos que eles nos vêm, isto é, como gostaríamos que nos vissem, mas
essa imagem é completamente irreal. Não temos a menor capacidade de lhes
transmitirmos o que realmente somos nem o que queremos que pensem e vejam. É
sob este aspecto, principalmente, que somos uma ilusão para os outros. E se
pensarmos bem, veremos que não nos conhecemos completamente. Passamos os dias a
nos convencermos que “somos assim como queremos” e por vezes nos surpreendemos
do quanto somos diferentes em algumas atitudes que tomamos.
Enfim, e por fim, mas de
forma não completa, somos o que ‘imaginamos” num mundo que também “imaginamos”.
Somos fortes. Todos nós somos fortes, impressionantemente fortes, se pensarmos
que trilhões de seres humanos que já passaram por este mundo sofreram o que
iremos sofrer um dia. E conseguiram apesar de tudo viver felizes seus momentos de
felicidade, vencer suas vitórias, divertir-se em salas de baile que já estão
desaparecendo, amar em leitos, em cadeiras, em trens e aviões, em corredores,
banheiros salas e cozinhas, no banco de trás ou atrás das moitas. Portanto,
viver a nossa vida é um privilégio tão particular que deveria ser humanamente
impossível que alguém pudesse interferir em nossas vidas sem a nossa consentida
permissão. Um espírito libertário? Pode
ser que sim, até porque não parece possível enjaular toda uma humanidade que
hoje beira os 7,5 bilhões de seres humanos que querem viver sua precária vida o
melhor que podem, em seu pleno direito.
Para onde vamos? Será que
isso importa?
®Rui Rodrigues
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