Cigarro mata!
É incrível a relação que
temos com a morte: Medo, pavor... Não nos passa pela cabeça que pode ser apenas
uma transição de “fase”. Não temos certeza de nada sobre o além, porque cada
sociedade o vê a seu modo. Mas não entremos nos aspectos filosóficos ou
religiosos dessa transição. Vamos ater-nos apenas à transição em si e como se
pode chegar a ela mesmo sem vontade alguma.
Em N. York, esta semana, uma
mulher chegou ao metrô, viu um sujeito que nem conhecia e o empurrou para os
trilhos. Depois fugiu. O homem morreu da mesma forma que o outro da semana
passada: esmigalhado pelas rodas. Morte estúpida, sem sentido, mas a morte tem
muitos adjetivos e substantivos. Está ficando perigoso apanhar o metrô de forma
descuidada, junto à linha amarela que não dista mais do que 20 cm da beirada do
leito dos trilhos.
Vinte e oito pessoas – vinte
eram crianças até 12 anos - foram baleadas por um guri de 20 anos que
premeditou tudo. Armou-se em casa com as armas da mãe, vestiu uma roupa preta
estilo militar, e deu dois tiros em cada uma das vítimas. Queria ter a certeza
de que mataria. Por isso os dois tiros. Antes o “vingador” matou a mãe para se
caso se arrependesse não viesse a escutar um esporro em casa vindo da velha que lhe
comprara as armas e o levara aos treinos de tiro. Claro que não matou a mãe só
para ir ao baile do orfanato... È um perigo estar na linha de tiro de malucos
ou desses caras que saem dos trilhos e viajam na batatinha.
Entraram na fila tranqüilos,
esperando a hora de serem chamados para uma consulta nos serviços públicos de
saúde. Mas nesse dia nem todos os médicos estavam presentes e o tempo foi
passando até que começaram a passar mal. Nos últimos meses mais de dez, talvez
vinte, morreram na fila de espera para serem atendidos. Saíram mais tranqüilos
do que tinham chegado, mas mortos, realmente mortos. É um perigo enfrentar
filas de saúde pública.
No dia do casamento o cara
bebeu champanhe e para guardar como lembrança, pôs o copo no bolso. Na saída
tropeçou e cortou a veia que passa na virilha. Enquanto aguardava a ambulância
foi sangrando sem poderem estancar o sangue. Quando chegaram no hospital, teve
que ser transferido por falta de qualquer coisa que não era nem caridade nem
vergonha porque estavam em falta. Morreu logo que chegou no segundo hospital,
algumas horas depois. Teve a triste idéia de guardar um copo no bolso, o azar
de tropeçar, e ao fim de uma série de azares, faleceu. É perigoso guardar copos
de vidro nos bolsos.
Mais de trezentos policiais
morreram em S. Paulo, assassinados, por serem policiais. Os assassinos eram
comandados por traficantes e bandidos de dentro das prisões. É muito azar ser
policial em S. Paulo e mais azar ainda ter um governo estadual que afirmava que
isso não era nada e que ia resolver tudo sozinho, dispensando a ajuda federal. Diminuíram
muito as mortes depois da ajuda federal, pelo menos nos noticiários, mas o
assunto ainda não está resolvido. Ainda é muito perigoso.
Bêbados desalmados tomam
todas e pegam seus carros saindo a caminho de casa sem se lembrarem ao certo
onde fica a sua casa, dirigem em estradas que só têm curvas – pelo menos é o que
conseguem ver – e atropelam e matam e destroem. Quando não é bebida alcoólica,
é cheirinho da Lóló ou droga da braba mesmo. Estas drogas nem são acusadas em
bafômetros. Atropelam na estrada, nas
calçadas, em qualquer lugar onde caiba o carro deles. E delas, também, mas elas
bebem menos. Como nunca se sabe quem vem dentro de um veículo nem em que estado
está, é perigosíssimo andar pelas ruas quando há veículos nelas. Como sempre há
veículos nas estradas, melhor ficar em casa.
Mulheres casadas que se
separam vivem debaixo do perigo a cada instante. Maridos dependentes e
ciumentos são causa de morte por facadas ou tiros por amantes, maridos ou
namorados. É um perigo casar ou namorar. Melhor seria não casar nem namorar,
mas temos que arriscar. Mas que é perigoso, isso é...
Não se pode parar o carro à
entrada de casa, ou em sinais ou faróis. Os bandidos assaltam e a qualquer
reação atiram para matar. Normalmente acertam a cabeça da vítima ou a coluna
vertebral. É perigoso viajar de janela aberta, andar com as portas
destrancadas. Em todos os casos que descrevemos é sempre difícil encontrar um
policial, porque os bandidos os evitam. Se tem policial perto, goram o assalto
que fica para a próxima vitima. Se tem carro, fique de olho.
Quando se pega um avião,
sempre se espera chegar ao destino. Bom... Se o destino for fatídico, alguns até conseguem chegar lá. Caem em qualquer lugar, por qualquer motivo. Por falha
humana ou por falha dos equipamentos. De cada vez morrem mais de cem, mais de
duzentos, mais de trezentos, mas se pensa em deixar um lastro financeiro para a
família como seguro caso isso aconteça, tire o cavalinho da chuva, porque
demoram décadas para pagar, quando pagam, e é uma mixaria que não paga nem uma
década de vida...
Não more no Japão, na
Turquia, em Bangladesh, em Teresópolis, no Chile, na costa leste dos EUA ou no
Norte de África... Se não forem vulcões, são alagamentos por chuva, tsunamis,
furacões, terremotos, deslizamentos de terras. É fatal. É extremamente perigoso
morar por lá. E no verão e no inverno sempre morrem muitos por causa do frio ou
do calor ao redor do mundo. Prefira as zonas temperadas para viver, de
preferência na América do Sul, mas não emigre em massa que isto aqui fica
entupido...
Devemos concordar que os
médicos são os melhores amigos dos seres humanos, logo a seguir aos cachorros.
É verdade. Mas alguns se passam das medidas e nos arrancam os órgãos errados,
põem seios de silicone do tipo para passar em roda de pneu e ficar brilhando,
fazem lipoaspiração tão forte que aspiram até as tripas, e no caso de planos de
saúde, para evitar despesas, são capazes de nos mandarem para casa com receita
de duas aspirinas e uma vaporização com água quente que evapora de uma xícara, com toalha na
cabeça quando na verdade estamos com dengue ou uma pneumonia. Os cachorros são como os
médicos: muito amigos, mas de vez em quando nos mordem e nos matam de dentadas,
ainda mais quando andam sem coleira no meio da rua.
E ser pobre ou miserável é
realmente uma desgraça de alta mortandade. Morre-se de fome enquanto os
figurões do senado arrebanham dezenas de milhares de notas de um real por mês com uma quatorzena de
salários, muito mais do que uma dúzia de doze, e só trabalham de terça a
quinta. Aliás, só trabalham na quarta, porque na terça dão uma olhada nas
“coisas” para ficarem ao par dos acontecimentos, e na quinta preparam tudo para
embarcar para seus estados onde passarão o larguissimo fim de semana de quatro
curtíssimos dias.
Nem pensar em fazer parte de
torcidas de futebol. A turma sai para se divertir matando os outros de porrada.
Não é mole não. Há sempre gente caindo de arquibancadas, cabeças estouradas por
garrafas de cerveja, brigas que se tornam pessoais porque alguém gritou gol na
torcida errada, e sempre há os arrastões na saída dos estádios na confusão
geral. Melhor ficar em casa. Mesmo homens, se não têm nada para fazer em casa,
ou para fazer com a patroa, sempre se pode aprender a tricotar. Melhor do que
morrer todo escaqueirado.
Vamos lá para a porta dos
hospitais fazer plantão de atendimento para ver quantos atendimentos há por
dia, quantos acabam em morte, e quais os motivos... Aquilo é um horror!
Morre-se de tudo, por qualquer coisa, até por falta de sangue do tipo “o seu”.
Faltar vaga, gaze, remédios, esparadrapo, algodão e álcool já não é novidade.
Rins estão em falta, as córneas mais ou menos e os corações estão partidos.
Há que ter cuidado nas
praias por causa das correntes, dos afogamentos e dos barcos que passam como se
a água fosse só para eles. Não trabalhe na construção civil, nem more perto de
morro que pode sobrar bala perdida. Quando sair à rua, use máscaras com
oxigênio porque o ar está todo poluído. Ao primeiro caso de dengue saia
correndo da cidade onde mora. Faça tudo o que os outros querem para não se
irritar e ter um ataque cardíaco ou AVC.
Drogas nem se fala. Matam a
curto, médio e longo prazo, e para sair dessa é um perrengue desgraçado. Droga
cola mais que superbonder. É um grude que mata o dependente químico e a família
à sua volta. Nunca se fumou tanto crack como agora. Até velhinhos fumam crack por acharem que já não faz diferença em meio a tanta desgraça. Mas nem vamos falar em câncer de seio nem de próstata, nem de fíagado... é deprimente.
Se seguir todos estes
conselhos para preservação da vida, e mesmo assim morrer antes do tempo pode
estar certo - ou certa - de que, se não se trata de uma fumante – ou de um fumante –
inveterado, então há algo de podre no reino da propaganda.
Cigarro mata!
Tem fogo aí?
Rui Rodrigues