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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Cigarro mata!



Cigarro mata!
  
É incrível a relação que temos com a morte: Medo, pavor... Não nos passa pela cabeça que pode ser apenas uma transição de “fase”. Não temos certeza de nada sobre o além, porque cada sociedade o vê a seu modo. Mas não entremos nos aspectos filosóficos ou religiosos dessa transição. Vamos ater-nos apenas à transição em si e como se pode chegar a ela mesmo sem vontade alguma.

Em N. York, esta semana, uma mulher chegou ao metrô, viu um sujeito que nem conhecia e o empurrou para os trilhos. Depois fugiu. O homem morreu da mesma forma que o outro da semana passada: esmigalhado pelas rodas. Morte estúpida, sem sentido, mas a morte tem muitos adjetivos e substantivos. Está ficando perigoso apanhar o metrô de forma descuidada, junto à linha amarela que não dista mais do que 20 cm da beirada do leito dos trilhos.

Vinte e oito pessoas – vinte eram crianças até 12 anos - foram baleadas por um guri de 20 anos que premeditou tudo. Armou-se em casa com as armas da mãe, vestiu uma roupa preta estilo militar, e deu dois tiros em cada uma das vítimas. Queria ter a certeza de que mataria. Por isso os dois tiros. Antes o “vingador” matou a mãe para se caso se arrependesse não viesse a escutar um esporro em casa vindo da velha que lhe comprara as armas e o levara aos treinos de tiro. Claro que não matou a mãe só para ir ao baile do orfanato... È um perigo estar na linha de tiro de malucos ou desses caras que saem dos trilhos e viajam na batatinha.

Entraram na fila tranqüilos, esperando a hora de serem chamados para uma consulta nos serviços públicos de saúde. Mas nesse dia nem todos os médicos estavam presentes e o tempo foi passando até que começaram a passar mal. Nos últimos meses mais de dez, talvez vinte, morreram na fila de espera para serem atendidos. Saíram mais tranqüilos do que tinham chegado, mas mortos, realmente mortos. É um perigo enfrentar filas de saúde pública.

No dia do casamento o cara bebeu champanhe e para guardar como lembrança, pôs o copo no bolso. Na saída tropeçou e cortou a veia que passa na virilha. Enquanto aguardava a ambulância foi sangrando sem poderem estancar o sangue. Quando chegaram no hospital, teve que ser transferido por falta de qualquer coisa que não era nem caridade nem vergonha porque estavam em falta. Morreu logo que chegou no segundo hospital, algumas horas depois. Teve a triste idéia de guardar um copo no bolso, o azar de tropeçar, e ao fim de uma série de azares, faleceu. É perigoso guardar copos de vidro nos bolsos.

Mais de trezentos policiais morreram em S. Paulo, assassinados, por serem policiais. Os assassinos eram comandados por traficantes e bandidos de dentro das prisões. É muito azar ser policial em S. Paulo e mais azar ainda ter um governo estadual que afirmava que isso não era nada e que ia resolver tudo sozinho, dispensando a ajuda federal. Diminuíram muito as mortes depois da ajuda federal, pelo menos nos noticiários, mas o assunto ainda não está resolvido. Ainda é muito perigoso.

Bêbados desalmados tomam todas e pegam seus carros saindo a caminho de casa sem se lembrarem ao certo onde fica a sua casa, dirigem em estradas que só têm curvas – pelo menos é o que conseguem ver – e atropelam e matam e destroem. Quando não é bebida alcoólica, é cheirinho da Lóló ou droga da braba mesmo. Estas drogas nem são acusadas em bafômetros.  Atropelam na estrada, nas calçadas, em qualquer lugar onde caiba o carro deles. E delas, também, mas elas bebem menos. Como nunca se sabe quem vem dentro de um veículo nem em que estado está, é perigosíssimo andar pelas ruas quando há veículos nelas. Como sempre há veículos nas estradas, melhor ficar em casa.

Mulheres casadas que se separam vivem debaixo do perigo a cada instante. Maridos dependentes e ciumentos são causa de morte por facadas ou tiros por amantes, maridos ou namorados. É um perigo casar ou namorar. Melhor seria não casar nem namorar, mas temos que arriscar. Mas que é perigoso, isso é...

Não se pode parar o carro à entrada de casa, ou em sinais ou faróis. Os bandidos assaltam e a qualquer reação atiram para matar. Normalmente acertam a cabeça da vítima ou a coluna vertebral. É perigoso viajar de janela aberta, andar com as portas destrancadas. Em todos os casos que descrevemos é sempre difícil encontrar um policial, porque os bandidos os evitam. Se tem policial perto, goram o assalto que fica para a próxima vitima. Se tem carro, fique de olho.

Quando se pega um avião, sempre se espera chegar ao destino. Bom... Se o destino for fatídico, alguns até conseguem chegar lá. Caem em qualquer lugar, por qualquer motivo. Por falha humana ou por falha dos equipamentos. De cada vez morrem mais de cem, mais de duzentos, mais de trezentos, mas se pensa em deixar um lastro financeiro para a família como seguro caso isso aconteça, tire o cavalinho da chuva, porque demoram décadas para pagar, quando pagam, e é uma mixaria que não paga nem uma década de vida...

Não more no Japão, na Turquia, em Bangladesh, em Teresópolis, no Chile, na costa leste dos EUA ou no Norte de África... Se não forem vulcões, são alagamentos por chuva, tsunamis, furacões, terremotos, deslizamentos de terras. É fatal. É extremamente perigoso morar por lá. E no verão e no inverno sempre morrem muitos por causa do frio ou do calor ao redor do mundo. Prefira as zonas temperadas para viver, de preferência na América do Sul, mas não emigre em massa que isto aqui fica entupido...

Devemos concordar que os médicos são os melhores amigos dos seres humanos, logo a seguir aos cachorros. É verdade. Mas alguns se passam das medidas e nos arrancam os órgãos errados, põem seios de silicone do tipo para passar em roda de pneu e ficar brilhando, fazem lipoaspiração tão forte que aspiram até as tripas, e no caso de planos de saúde, para evitar despesas, são capazes de nos mandarem para casa com receita de duas aspirinas e uma vaporização com água quente que evapora de uma xícara, com toalha na cabeça quando na verdade estamos com dengue ou uma pneumonia. Os cachorros são como os médicos: muito amigos, mas de vez em quando nos mordem e nos matam de dentadas, ainda mais quando andam sem coleira no meio da rua.

E ser pobre ou miserável é realmente uma desgraça de alta mortandade. Morre-se de fome enquanto os figurões do senado arrebanham dezenas de milhares de  notas de um real por mês com uma quatorzena de salários, muito mais do que uma dúzia de doze, e só trabalham de terça a quinta. Aliás, só trabalham na quarta, porque na terça dão uma olhada nas “coisas” para ficarem ao par dos acontecimentos, e na quinta preparam tudo para embarcar para seus estados onde passarão o larguissimo fim de semana de quatro curtíssimos dias.

Nem pensar em fazer parte de torcidas de futebol. A turma sai para se divertir matando os outros de porrada. Não é mole não. Há sempre gente caindo de arquibancadas, cabeças estouradas por garrafas de cerveja, brigas que se tornam pessoais porque alguém gritou gol na torcida errada, e sempre há os arrastões na saída dos estádios na confusão geral. Melhor ficar em casa. Mesmo homens, se não têm nada para fazer em casa, ou para fazer com a patroa, sempre se pode aprender a tricotar. Melhor do que morrer todo escaqueirado.

Vamos lá para a porta dos hospitais fazer plantão de atendimento para ver quantos atendimentos há por dia, quantos acabam em morte, e quais os motivos... Aquilo é um horror! Morre-se de tudo, por qualquer coisa, até por falta de sangue do tipo “o seu”. Faltar vaga, gaze, remédios, esparadrapo, algodão e álcool já não é novidade. Rins estão em falta, as córneas mais ou menos e os corações estão partidos.

Há que ter cuidado nas praias por causa das correntes, dos afogamentos e dos barcos que passam como se a água fosse só para eles. Não trabalhe na construção civil, nem more perto de morro que pode sobrar bala perdida. Quando sair à rua, use máscaras com oxigênio porque o ar está todo poluído. Ao primeiro caso de dengue saia correndo da cidade onde mora. Faça tudo o que os outros querem para não se irritar e ter um ataque cardíaco ou AVC.

Drogas nem se fala. Matam a curto, médio e longo prazo, e para sair dessa é um perrengue desgraçado. Droga cola mais que superbonder. É um grude que mata o dependente químico e a família à sua volta. Nunca se fumou tanto crack como agora. Até velhinhos fumam crack por acharem que já não faz diferença em meio a tanta desgraça. Mas nem vamos falar em câncer de seio nem de próstata, nem de fíagado... é deprimente. 

Se seguir todos estes conselhos para preservação da vida, e mesmo assim morrer antes do tempo pode estar certo - ou certa - de que, se não se trata de uma fumante – ou de um fumante – inveterado, então há algo de podre no reino da propaganda. 



Cigarro mata!

Tem fogo aí?

Rui Rodrigues



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