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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

História para Maya - As crianças da Caverna Escura


A caixa preta da Caverna.

(Histórias são apenas histórias, sempre fruto da imaginação. Filmes também. O medo sentido quando se vêm histórias no cinema ou quando nos contam em crianças, têm a função de nos preparar para a realidade do futuro e nos ajudar a vencer as dificuldades. As crianças de hoje, porque leram, ouviram ou assistiram a muitas histórias proporcionadas pelos pais, já não têm tanto medo como nas gerações passadas. O medo tolhe, imobiliza, e neste mundo não se pode ter medo de nada, mas deve saber-se sempre quando se deve agir ou ficar quieto perante uma ameaça real).

A caverna fica nos fundos da casa à direita. 

  1. A chegada na caverna escura

Quando empurraram Maralice para dentro da caverna, sentiu medo. Um medo muito grande. Aquilo não era uma brincadeira, e alem da escuridão total, fazia frio. Parecia que tinha entrado na geladeira da mãe dela, bem lá em cima no freezer onde fazia mais frio. Tentou sentir onde estava e percebeu que não estava só. Lá ao fundo ouviu um choro de criança como ela. Foi caminhando na direção do choro, muito devagar para não cair ou bater com a cabeça em alguma coisa, porque não enxergava nada, até que sentiu algo tocar em seus pés. Agachou-se e viu que eram os pés de uma criança que chorava, encostada na parede de pedra de uma caverna. Aquilo era uma caverna. Ouviu uns chiados e algo lhe bateu no rosto, algo fedorento. Eram morcegos. Agora que seus olhos se habituavam à escuridão percebeu que estava numa gruta cheia de morcegos, e que à sua frente estava uma menina que chorava. Aquilo nem era choro, era um soluçar triste de perder a respiração. Perguntou-lhe porque chorava, porque estava ali. A menina se agarrou a ela e disse no seu ouvido:
- É gente má que nos raptou. Pode olhar à volta, quando conseguir enxergar, que há mais meninos e meninas aqui nesta gruta. Estamos todos presos e alguns, os mais velhos, estão presos por correntes para não fugirem. Como apanharam você?

- Eu... Eu... Ofereceram-me balinhas e chocolates e me disseram que havia mais no carro ali perto e disseram que eu fosse até lá. Eu fui. Então me empurraram para dentro do carro e saíram às pressas dali, da pracinha onde eu brincava, e me trouxeram direto para cá. Taparam-me os olhos para eu não ver para onde iam. Eu me chamo Maralice e você?
- Delia. Chamo-me Delia. Disseram que minha mãe estava no carro e me levaram até lá. Quando cheguei vi que não era o carro de minha mãe, e quando ia reclamar me empurraram também. Foi muito rápido. Também me taparam os olhos e me trouxeram para cá. Estou com sede e fome. Eles dão comida?
- Só três vezes por dia. Tudo sanduíche e água. Quando queremos fazer numero um e numero dois é num banheiro improvisado aqui nos fundos que tem um pouco de luz que vem não sei de onde, mas quase não se vê nada. Cheira mal e não temos como limpar. Já tentamos gritar mas não adianta. Ninguém escuta. Isto aqui é uma caverna.
Caverna escura quando a porta está aberta
- Quantos somos aqui? Perguntou Delia.
Uma voz mais grossa, de menino mais velho, veio lá do fundo. O garoto devia ter uns seis anos e estava com as penas amarradas por correntes a uma argola de ferro.
- Somos cinco: três amarrados e vocês duas. Meu nome é Marcos, os outros são Felipe e Beto. Nós três chegamos juntos. Estávamos jogando uma partida de futebol numa pracinha, chegaram uns caras dizendo que jogávamos muito bem e que queriam nos apresentar a um cara do Flamengo que estava sentado num banco. O cara disse que nos ia dar uma camisa do Flamengo e nos passaram algodão com um líquido que nos fez desmaiar. Depois chegamos aqui. São uns bandidos. Estamos com saudades de nossas mães, de nossos pais. Passaram o dia andando pela caverna. Maralice encontrou uma caixa grande de madeira com tampa. Tinha um cadeado e estava bem no fundo da caverna de frente para a porta da entrada. Era muito pesada e não podia movê-la. Avisou os outros.
Central de Polícia

  1. Na central de polícia

Maibi e Maya estavam na central de polícia. Havia guardas entrando e saindo, viaturas da polícia, homens e mulheres presos com algemas, algumas pessoas até tinham boa cara, mas a maioria era mal encarada mesmo, com cara de bandidos. Devia haver uma fábrica de fazer bandidos, porque quase todos eles tinham a mesma cara: Eram muito mal encarados. O olhar deles era duro, e nem rindo conseguiam ser simpáticos. Outros tinham até olhar doce, meigo, estavam bem vestidos, mas estavam com algemas e isso não podia ser nenhuma injustiça. Não se pode acreditar nas pessoas só pela cara e pela simpatia.
Maibi e Maya estavam na central de polícia para fazer uma queixa. O capitão da polícia, o capitão Pires, perguntou educadamente:
-Pois não, minha senhora, o que a trás aqui?
Maibi, mãe da Maya, falou:
- Estávamos na pracinha e vi quando um senhor chegou perto de uma criancinha e lhe ofereceu o que pareceu ser uns doces de chocolate. Não achei estranho porque pensei ser pessoa de família. O que achei estranho foi que quando voltei a olhar na direção de onde a criança tinha ido, um carro preto, o carro estava arrancando e pude ver que a criança se debatia lá dentro. Poderia ser uma criança daquelas irrequietas, poderia, mas não gostei da cara da motorista. Era mal encarada. Anotei a placa.
E Maibi tirou da bolsa um papel com o número de uma placa. E continuou:
- Pode não ser nada, mas resolvi vir aqui com minha filha e contar, porque se for assunto de família, ótimo. Se não for, estarei à disposição para ajudar. A criança pode ter sido raptada e como mãe não gostaria que isso acontecesse com a minha filha. Seria terrível.
- Agiu muito bem, minha senhora. Por favor, deixe o seu telefone para entrarmos em contato se vier a ser necessário. Se todos agissem assim nesta cidade, denunciando, a vida de todos nós seria mais tranqüila.
Maya, com seus quase quatro anos não se conteve e disse também:
- Se encontrarem os bandidos, prendam-nos a todos e se eu estivesse com a minha roupa de princesa Maya, eu mesma ia atrás deles e os obrigaria a virem aqui se entregarem para ficarem presos. Isso não se faz. É muito feio.
O guarda sorriu, e perguntou:
- Como é mesmo seu nome?
- Meu nome é Maya. Ás vezes sou a princesa Maya...
-Ora diga lá, princesinha Maya... Porque acha que eles são bandidos?
- Porque já vi aquela menina vir para a pracinha muitas vezes e vem sempre com uma babá. Hoje nem vi a babá...
- Maya... Porque não me contou antes que conhecia a mocinha?
Maya olhou admirada para a mãe e soltou: - Caraca, mãe... Porque você não perguntou... Nem me disse que vinha na delegacia. Se tivesse dito, eu contava...
O guarda e Maibi sorriram.
- E qual o nome da sua amiguinha, princesa Maya... Isso ajudaria muito – Perguntou o policial.
- Maralice... O nome dela é Maralice. É lourinha como eu e a babá dela também. O homem que a levou para o carro eu já o vi com a babá.
O policial ia anotando tudo num papel. Voltou a dizer que entraria em contato se fosse necessário. Quando terminou, agradeceu e Maibi e Maya saíram da delegacia. Estava na hora de Maya tomar o seu lanchinho com leite de chocolate, suco de fruta e um grande donut que gostava de molhar no leite de chocolate.  

  1. Na toca dos bandidos

Um sujeito bem arrumado, penteado, bonitão, simpático disse para a mulher que estava sentada no sofá vendo televisão.
- Não tira os olhos da TV. Se precisar sair do sofá, fica com os ouvidos atentos. Se as famílias forem ricas, pedimos resgate. Se não forem, vendemos a garotada. Entendeu? Não saia daí...
- A mulher assentiu com a cabeça. Pegou uma lata de cerveja, abriu e esticou as pernas para relaxar, empurrando-as contra o chão e sorveu uns longos goles de cerveja gelada. Disse laconicamente:
- Pódeixá. Já estou com o bloco de notas para anotar tudo. Logo vão dar notícia de desaparecimento. Há uma semana que raptamos crianças e nada de notícias na TV. Parece que gostam de silêncio ou que ninguém se interessa por raptados. Será que não divulgam porque não é matéria paga?
-Não sei nem me interessa, Ra. Vou dar uma olhada nas crianças.
-Certo, Boni, eu fico na minha.
O sujeito abriu a porta da casa, feita só de tijolos, no meio do mato e entrou numa casinha pequena nos fundos. Abriu a porta. A uns três metros, na parede em frente, havia um buraco e outra porta. Esta dava para uma gruta. O cano, que tinha sido instalado por dentro da parede, permitia ouvir os sons que vinham da gruta. Estava tudo em aparente silêncio. Então colocou uns óculos para ver de noite, e fechou a porta da rua. Tudo ficou escuro porque aquele aposento não tinha janelas. Quando abriu a porta pôde ver que as crianças estavam em seus lugares. Os garotos amarrados e as duas meninas uma junta á outra. Soluçavam. Nenhuma das crianças viu o homem naquela escuridão. Tirou os óculos especiais, fechou todas as portas, saiu e entrou na casa da frente onde estava a moça chamada Ra. Disse:
- Estou pensando... Se pudéssemos pegar aquela menina bonitinha que a mãe chama de Maya... Sei que é perigoso voltarmos lá na praça. Teríamos que fazer de forma diferente. Seriam três garotos e três meninas. Seria uma boa grana.

  1. Na casa de Maya
- Mãe... Aquela gente toda na polícia. Com algemas. Coitados. O que eles fizeram? – Perguntou Maya enquanto desenhava no quadro negro que a mãe tinha colocado na parede do quarto.
- Coitados? (Maibi estava admirada com a candura da filha). Alguma coisa ruim devem ter feito, porque a polícia só prende bandidos e pessoas para fazer perguntas quando são suspeitas de ter feito alguma coisa ruim.
- Pois é, mãe. Se me oferecerem alguma coisa na rua, eu corro pra você. Não aceito não.
- Isso, Maya. Já deixei você alguma vez sozinha?
- Não! ... Tem sempre alguém perto. A dinda, o dindo, a vó, você e até o vô Rui quando vem aqui em casa. Vocês não largam do meu pé... – E Maya riu às gargalhadas.
-É Maya, mas toma sempre muito cuidado. Estamos sempre por perto, mas vai que em algum momento não estamos. Nunca saia do lugar onde estiver. Alguém vai chegar. Se você não sair do lugar te encontramos. Caso contrário, já viu... Não temos jeito de te encontrar. O que você está desenhando?
- O homem do carro que levou a menina. Está bem parecido.
Maibi olhou o desenho. Eram uns garranchos muitos bem desenhados, com proporções, mas o rosto podia ser o de um milhão de homens residentes em qualquer lugar do Brasil. Era branco, jovem, o cabelo bem cortado virado para um lado. As orelhas deveriam ser grandes porque Maya as desenhara assim e usava óculos escuros. Maya olhava para a mãe apreciando o seu lindo desenho quando pôs a mão sobre os óculos do rapaz e disse:
- Os olhos dele são pretos.
- Como você sabe, se está de óculos?
- Estava de óculos hoje, mas já vi os olhos dele outro dia.
- Ha... Tá... E o que é aquilo ali no braço dele?
- Aquilo... Você não está vendo, mãe? “Aquilo” é uma tatuagem. Se mostrar uma igual sei qual é.
 Maibi foi para o computador, digitou “tatuagens”, olhou, mostrou para a Maya. Depois digitou “tattoo”, que era tatuagem em inglês e outras imagens apareceram. Maya apontou para uma delas.
- É essa mãe! – Maya mostrou um enorme dragão vermelho jogando fogo pela boca e pelo nariz.
Não se tinham passado mais de dez minutos no computador. Maibi pegou a máquina fotográfica digital, tirou uma foto do desenho de Maya, baixou a imagem do “tattoo” para o pendrive e desligou o computador.
- Vamos deitar, dona detetive desenhista, que por hoje chega, já é tarde e precisa dormir para ir para a escola amanhã cedo... Já nanar...
Na manhã seguinte a primeira coisa que Maibi fez foi passar na delegacia para mostrar o desenho de Maya e o tattoo. O capitão apresentou-a ao Delegado que ao ver o desenho de Maya disse: Perfeito! Desenho perfeito... Eu conheço esse rosto. É do Boni, um foragido da polícia.

  1. A caixa preta na caverna

Noite ou dia para as crianças na caverna era sempre noite porque não entrava luz. Boni sempre fechava a porta da entrada, colocava os óculos para ver de noite, e só então levava a comida para as crianças e substituía o papel higiênico. Quem lavava o banheiro eram elas mesmas. Nessa noite, Boni tirou as correntes dos meninos dizendo:
- Agora que já sabem se comportar vou tirar as correntes, mas não façam bagunça senão vou fazer vocês chorar muito.
Depois saiu fechando a porta.
Soltos, os meninos esticaram as pernas. Foram ao banheiro. Depois voltaram e junto com as meninas combinaram de tatear toda a caverna, para saberem como era e se tinha alguma coisa por lá além da caixa enorme que Maralice tinha encontrado. Nada. Não havia nada mais, Voltaram à caixa. Não sabiam se tinha alguma coisa dentro. Resolveram usá-la para se sentarem. Mais tarde, as crianças não sabem quando nem a que horas, porque na escuridão perdiam a noção do tempo, Boni voltou. Ao sentirem abrir a porta as crianças levantaram-se da caixa e ficaram em pé. Boni trouxe-lhes uns colchões, travesseiros e lençóis para elas dormirem e voltou a sair. O primeiro a chegar, Marcos, já estava ali há três dias. Não tinham idéia de quanto tempo ainda iriam ficar ali. Beto e Felipe concordaram que para trazerem colchões ainda iriam passar muito tempo naquela prisão. Os colchões vieram em cima de uns estrados de madeira.
- Felipe...- Disse Beto – Vamos abrir essa caixa!
- Como? Não temos como. (Felipe tinha certeza que era impossível. Não havia nada que pudessem usar para abrir aquela fechadura).
- Temos sim. Lembra que tínhamos combinado explodir o ralo do play hoje?
Felipe lembrou-se. Beto adorava fogos de artifício e com a mesada do pai tinha comprado umas “cabeças de nego”. Já tinha feito isso antes e até tinha voado pedra até o segundo andar do edifício. Eles e os gêmeos lá do prédio, embora fossem crianças exemplares, legais, simpáticas, de vez em quando fugiam do padrão e faziam coisas dessas, como derrubar bananeiras do jardim para roubarem os cachos. Não era exatamente roubar. A síndica do prédio é que se aproveitava da área de jardim, plantava bananeiras e não dividia com os condôminos. As crianças do prédio até faziam uma certa justiça. Por isso ninguém as denunciava quando cortavam as bananeiras.
- E o barulho? – Perguntou Felipe preocupado.
- Ninguém vai ouvir. Lembra que gritamos e ninguém nos escuta? – lembrou Beto
E se lançaram ao empreendimento. Não tinham fósforos, mas Beto aprendera com o pai a fazer fogo esfregando uma madeira na outra até esquentar bastante e uma delas pegar fogo. Do estrado de madeira dos colchões conseguiram tirar umas lascas pequenas e furá-los para tirar a espuma de nylon que sabiam que pegava fogo muito facilmente. E começaram o trabalho de esfregar uma madeira na outra, revezando-se os três: Beto, Felipe e Marcos. Não sabem quanto tempo se passou, mas como não estavam com fome, ainda demoraria a que o tal de Boni lhes vir trazer comida. Beto tirou quatro cabeças de nego do bolso, amarrou-as à fechadura do Baú com os plásticos do colchão que o Boni nem tivera o trabalho de retirar, e envolveu tudo com enchimento dos colchões, pronto para ser ateado fogo. Quando finalmente Felipe gritou que tinha conseguido uma brasa na madeira, todos sopraram para que desse uma pequena chama. O forro do colchão usado como combustível logo pegou fogo. Levaram-no até as cabeças de nego e prenderam fogo. A outra parte do forro do colchão que estava envolta em plástico à volta das cabeças de nego logo pegaram fogo. Todos se afastaram para o fundo da caverna. De repente, quando menos esperavam...

                                                                                                                        CABUM!

Foi um “cabum” enorme porque as quatro cabeças de nego estouraram ao mesmo tempo. Ouviu-se um barulho metálico. O cadeado estava solto com a violência do estouro. Os restos das chamas ainda permitiram ver o que continha o baú. Era uma caixa de ferramentas. Tudo enferrujado. Aquela caixa poderia ser a salvação deles. Por sorte nem o Boni nem a Ra tinham ouvido o barulho. Boni tinha saído e ra estava de olho nas notícias da TV.

  1. Na delegacia os pais das crianças estão desesperados.

Os pais das crianças choravam, desesperados, porque amavam muito os seus filhos e temiam que os bandidos os maltratassem. Queriam justiça. Reclamavam da falta de segurança. Havia psicólogos na delegacia que tentavam conversar com eles. Quando o capitão Pires apareceu, junto com o delegado, as perguntas e as reclamações subiram de tom. Os ânimos estavam exaltados. Pires tentou serenar os ânimos:
- Calma. Calma. Senhores pais e mães... Por favor... Tenho notícias.
Fez-se silêncio que até dava para ouvir as moscas se houvessem moscas na delegacia. (E continuou) – Dona Maibi e a filha dela Maya, nos deram a placa do carro do último rapto, o da menina Maralice, Maya, fez uma excelente descrição do bandido, com um belo desenho que fez. Esse bandido usa uma tatuagem no braço que Maya também identificou. Graças a ela, conseguimos identificar o bandido. É um sujeito foragido da justiça e em breve o apanharemos. Confiem na polícia. Tudo vai acabar bem.

  1. As crianças pensam rápido

Felipe avisou que se não tinham ouvido o barulho do estouro das cabeças de nego, ou era porque os bandidos não estavam em casa, ou por que não tinham ouvido mesmo e deveriam aproveitar o momento para derrubar a porta com as ferramentas. Poderiam fazer barulho à vontade, menos na ultima porta, porque essa estava bem de frente para a casa onde os bandidos moravam e bem perto. Pegaram as ferramentas e começaram a bater na fechadura até que os parafusos se soltaram. A porta abriu. Primeiro ficaram meio cegos pela luminosidade. Depois que se habituaram, viram a segunda porta. Incrivelmente só estava encostada. Empurraram a porta bem devagar, e foram saindo sem fazer barulho. Abriram o portão da rua que também só estava encostado e caminharam juntos como se estivessem passeando. Quando chegaram a uma rua maior onde passavam ônibus, fizeram sinal para o motorista e contaram rapidamente que tinham sido raptados e que haviam fugido. Queriam uma carona até a delegacia mais próxima. O motorista disse que não, mas aí o povo começou a gritar:
- Que é isso, motorista? Vai deixar as crianças sozinhas sem ajudar? Não senhor!... Vamos até a delegacia mais próxima...
O motorista se convenceu e as levou até a delegacia. O ônibus e os passageiros foram liberados em seguida. Uma viatura da polícia as levou até a Central onde o capitão Pires já as esperava junto com os pais delas.

A história saiu nos jornais e nos noticiários das redes de televisão, com o desenho de Maya estampado na primeira página. Uma cópia está na delegacia de Polícia bem por detrás da mesa do capitão Pires que conta a história para todo mundo que pergunta que desenho é aquele:

-É o desenho da mais jovem detetive mirim desta delegacia. Ela desvendou o crime e os bandidos estão presos. Só tem três anos e oito meses...

Fim da história... Gostou? Pede para ler de novo!

Rui Rodrigues

Betinho Viking está na Noruega....

Betinho Viking e Benjo Samurai San.


Viajamos muito juntos. Eu e meu filho Beto.

Assim, que me lembre, a primeira viagem que fizemos juntos foi num feriadão no Rio de Janeiro. Saímos da cidade e fomos até Pati do Alferes desfrutar da tranqüilidade de um hotel fazenda. Mas ele nem se lembra. Tinha uns seis meses, mal se sentava ainda e a foto dele, sentado ao sol na grama, tentando apanhar folhas de uma planta, não mostra bem a realidade. Logo a seguir, ele tombaria. Depois se sucederam muitas viagens. Ao Rio Grande do Sul, a Angra dos Reis quando freqüentávamos a casa do tio Oracy e da tia Martha, mas eram viagens pequenas. Um dia saí de Barraquilla e nem posso descrever a ansiedade e depois a minha alegria quando fui apanhar Betinho e Maibizinha no aeroporto de Bogotá. Eu já estava em Barranquilla num projeto da Morrison Knudsen e eles viajaram desacompanhados – a mãe ficara ainda mais uns dias no Rio de Janeiro. Há olhares que não se esquecem jamais. O olhar de alegria dos dois subindo as escadas ao meu encontro, os corações batendo apressados (sempre fui do tipo de pai de abraçar meus filhos ouvindo as batidas do coração. As batidas do coração são a verdadeira alma, indicam a alegria ou a tristeza).

Depois as viagens se sucederam umas às outras. De Porto Bolívar (Media Luna) para Barranquilla, a Cartagena de Índias, Porto Rico, México, Estados Unidos de Costa a Costa, Aruba, Curaçao, Jamaica, Portugal. Também viajaram sem mim e sem a mãe pela Europa, de trem com uma amiga, a Marcinha, usando trem. Já maior de idade, fui com Beto a Amsterdã para conhecermos o “red lights on”, sem direito a “curtir” o lugar. Também viajei sem eles, mas senti a sua falta. Filhos devem ser como roupa, colados ao corpo, como uma extensão de nosso corpo, de nossa mente, porque nossos genes estão lá, e mesmo que não estejam, a convivência e o coleguismo os substituem muito bem. É o que pais adotivos costumam dizer e nos quais acredito.

Suzana costumava cozinhar com Maibi. Suzana foi a avó dela. A vida moderna muitas vezes não nos permite cozinhar assiduamente, mas Maibi aprendeu com a avó, com a mãe e comigo. Não era raro irmos para a cozinha e enquanto conversávamos, íamos alegre e divertidamente cozinhando. Betinho é dois anos mais novo do que Maibi. No começo, ficava olhando. Depois começou também a cozinhar. Creio que o que o fez despertar para a cozinha foi um acontecimento marcante em nossas vidas, quando ele tinha quatro anos. Tínhamos ido acampar na Rio Santos e um amigo meu, japonês, que trabalhar comigo em S. Paulo, o Kasuo, estava casualmente numa barraca ali perto. Eu e Beto pescávamos nas rochas e chegamos com uns dez peixes galo que Kasuo nos ensinou a preparar à sua moda: Sashimi popular, cortado em cubos numa tigela, com molho shoyu, limão e gengibre ralado. Betinho gostou tanto que hoje tem a profissão de Sushimen com experiência em restaurantes japoneses de Lisboa, Barcelona e pelos vistos agora a um passo de nova experiência em outro país.

Dizia-lhes quando eram criancinhas de carregar pela mão, que deveríamos ter “hobbies” interessantes, dos quais gostássemos bastante, para o dia em que parássemos de trabalhar numa determinada profissão em que fomos ultrapassados por gerações mais novas, até para sobreviver.

Curiosamente, tanto Betinho como Maibi fizeram dos hobbies a profissão. Longe de lamentar, regozijo-me com os rumos que levam.

Betinho está na Noruega num lugar em que, no verão, os dias não têm mais do que quatro horas de sol quando não há nuvens. Felizmente, também, a Noruega não é um país eminentemente capitalista, socialista ou comunista. È um belo país Humanista onde todos trabalham para o bem estar comum.

Temo, sem temor, que o Brasil passe a ser um país “Hobby” de Betinho... E creio até que seja uma tendência da humanidade. Quando vim para o Brasil, cheguei como português que já admirava este país.  Amo-o tanto que casei com uma gaúcha, tenho meus filhos brasileiros e por aqui terei a minha ultima morada. Luis Cláudio, um grande amigo nosso, saiu do Nordeste e foi trabalhar em Lisboa. Tem dois filhos portugueses e por lá ficou adquirindo dupla nacionalidade. Diz que não voltará a viver no Brasil. Vem de vez em quando matar saudades.

Beto “Viking” e Benjo Samurai San estão na Noruega.

Rui Rodrigues
 



terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

QUARTA FEIRA DE CINZAS


QUARTA FEIRA DE CINZAS
Marlene Caminhoto Nassa

Hoje é dia de cinzas
Cinzas dos meus amores
Que trouxe consigo
As dores
E me retirou as cores
Deixando o cinza na alma
Vampirizando todo o carmim
Que havia em mim
Nesta triste encruzilhada
Com a fantasia rasgada
E sem placa de orientação
Só o cinza me rodeia
Neste cinzento alvorecer
E me envolve numa teia
Que me confunde o querer
Aos poucos em pó
Vou me tornando
E o vento espalha sem dó
Cumpro do destino a triste sina
Que em cinza nos transformou
E na quarta feira de cinzas
Na encruzilhada dessa esquina
Nossas cinzas espalhou...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Conflito Israel-Palestino - o cerne da questão




(Ou, o cadinho Sírio-Palestino e Israel na terra de Canaã).

Há sempre a curiosidade de saber qual a posição do autor de texto sobre o que pensa a respeito do que escreve. Abrindo minha alma à curiosidade pública, acredito em D’Us do povo hebreu com uma particularidade: D’us não é como se imagina. Foi imaginado de acordo com os conhecimentos da época. Já evoluímos o bastante para termos uma visão de Deus melhorada, mais evoluída. Na medida em que evoluímos, D”us se revela na mesma medida. Por isso posso compreender cristãos e muçulmanos, hindus e xamans, espíritas e judeus, qualquer religião deste planeta, quer das que jazem no pó, quer das que ainda serão criadas. A busca pela verdadeira natureza de D”us é constante, um motivo da vida neste planeta.

Quanto mais soubermos dos fundamentos da idiossincrasia dos povos do Oriente Médio, e em particular da região palestina, mais preparados poderemos estar para resolvermos a crise milenar que assola a região. Se naqueles tempos de cerca de 3.200 anos atrás, os povos não estavam preparados para uma convivência pacífica e agora ainda pareçam não estar, certamente começa a ser possível, até porque o nível de instrução e conhecimento dos povos da região e de sua história é mais desenvolvido do que antes. Se tivermos evoluído para uma espécie mais inteligente, mais humana, a crise se resolverá rapidamente e da melhor forma para toda a região.

Três fatores são determinantes nas discórdias entre as nações desta região: A economia e a religião de um lado que podem ser mais facilmente resolvidos e a idiossincrasia. O problema maior está na idiossincrasia delineada por milênios de religião e fatores econômicos.

Ugarit e a terra de Canaã.

Ugarit, cidade Cananéia da antiguidade é importante por sua relação com o povo hebreu ou Habiru conforme eram chamados pelos egípcios, e por seus textos deixados em escrita cuneiforme, atestando contratos políticos e comerciais e textos religiosos.
Ugarit, uma cidade portuária, situava-se onde hoje existe a cidade de Ras Shamra na costa mediterrânica a norte da Síria. Desde 1928, quando as suas ruínas foram descobertas, que se vêm efetuando escavações arqueológicas. Os primeiros assentamentos no entorno da cidade situam-se em cerca de 8.000 anos atrás quando foi construído um muro enorme em torno da cidade. Era uma cidade muito próspera, localizada entre as cidades bíblicas de Ur e Eridu.  Para se ter uma idéia de sua importância e desenvolvimento, por volta do ano de 1.450 AC contava com quatro enormes bibliotecas – escrita cuneiforme em placas de argila – com textos nas línguas Suméria, Hurrita, egípcia, luvita, eteocretense, Acádia e Ugarítica (30 letras correspondentes a sons, sendo 27 consoantes e apenas 3 vogais que podem ter dado origem ao alfabeto fenício, extremamente similar). Uma biblioteca ficava no palácio, outra no templo de Ba’al e duas eram particulares. Não admira por ser porto de entrada para a região do Tigre e do Eufrates de mercadorias que chegavam desde portos continentais europeus e da ilha de Creta. 

Temos que nos habituar à idéia de que naqueles tempos havia cultura, economia, religião, sociedades que começavam a construir pólos de desenvolvimento social. Ugarit tinha um palácio enorme com oito pátios internos, suntuoso com 90 quartos e dois templos enormes no topo da colina da cidade: Um destinado ao deus Ba’al, filho de El, e outro ao deus Dagon da fertilidade e do trigo. As cidades de então eram cidades-estado com maior ou menor área de influência. Ugarit pagava tributo aos faraós do Egito.

A partir de El, o “Pai da Humanidade”, o “Criador da Criação”, o Deus superior de um panteão de deuses que foram surgindo, a influência religiosa acabou afetando as relações entre as cidades-estado. Os deuses dessa época eram eminentemente guerreiros, e cada cidade-estado achava que seu deus era melhor, mais forte, controlava a natureza e a sua sociedade, protegia seus exércitos. Um dos legados mais importantes encontrados nas escavações foram textos intitulados “Ciclo de Ba’al” que descrevem a base da religião e do culto a Ba’al o deus das terras de Canaã. Filho de El. Helohims (daí deriva El), cuja corte contava com muitos deuses: Hadad, Yam, Asserá ou Athirat, Shahar, Thirosh, Shalim, e outros.


O povo hebreu ou israelita

O povo israelita chegou tarde a Canaã, por volta de 1.200 AC, a julgar pelas mais recentes escavações realizadas na região, instalando-se em pequenas aldeias não fortificadas, perto de cidades-estado. Isso aconteceu justamente quando Ugarit estava chegando ao final de seu declínio. A Torá, ou Antigo Testamento foi coligido entre 600 AC e 100 AC. baseado em fortes tradições e segundo interpretação de quem escreveu seus textos. Alguns historiadores dizem que estas aldeias israelitas foram fundadas por camponeses que conseguiram subtrair-se ao controle das cidades-estado. Outros dizem que foram fundadas por imigrantes nômades de Edom e Moab. Outra hipótese é a de que os Habirus (semelhante a hebreus) que viviam no Egito á margem da sociedade egípcia, trabalhadores das obras de Ramses II (1304- 1237 AC) tenham saído para viver na terra de Canaã, dando consistência aos relatos bíblicos.
Seja como for, é fato assente que o povo de Israel dividiu a terra de Canaã com os habitantes que lá já se encontravam a partir de 1.200 AC. E trouxeram uma nova religião ou criaram uma nova com base no conhecimento que tinham na época. Não pode ser por puro acaso que El passou a ser o Deus da criação, o único Deus de Israel e dos Universos, após uma fase em que adoravam vários deuses. Foi como se Israel procurasse a sua identidade, a sua idiossincrasia como um povo independente, com um Deus guerreiro e protetor que consolidasse sua soberania perante os demais povos. Tinha o mesmo direito do que os outros. A ocupação da terra era assim naqueles tempos e sempre foi dessa forma ao longo da história: A conquista "apoiada" numa entidade divina que garantia o sucesso do empreendimento. 

O povo hebreu, habitando pequenas aldeias na região, manteve-se à margem das cidades-estado cananeias até cerca de 1.000 AC, quando uma combinação de fatores políticos e econômicos levou à formação do Estado de Israel com governo centralizado num rei, Saul. A organização política foi copiada do novo império egípcio; a burocracia foi recrutada das cidades-estado cananeias  pelo menos aparentemente; a ideologia baseava-se em modelos mesopotâmicos e cananeus.  O segundo rei de Israel, David, unificou os dois grupos em que os hebreus estavam divididos e não raro lutavam entre si: O Meridional e o Setentrional. Ele e seu filho Salomão governaram ambos os grupos a partir da cidade de Jerusalém, a meio caminho entre o Norte e o Sul. Apesar de todos os cuidados o povo hebreu não se sentia seguro face ao poderio das cidades-estado nas fronteiras de seu território.

Seus temores eram verídicos. Cerca de 720 AC o reino israelita setentrional, ou reino de Israel, foi reduzido à condição de vassalo, depois abolido e o território convertido em mais uma província Assíria. A classe dominante israelita dispersa por várias províncias assírias. O povo se integrou às novas sociedades para onde foi levado. O reino Meridional, ou reino de Judá tornou-se um estado vassalo dos Assírios. No final do século VIII AC, o império Assírio foi sobrepujado por uma coalizão dominada pela Babilônia que imediatamente invadiu e tomou toda a Síria-Palestina. Em 597 AC, Nabucodonosor da babilônia, insatisfeito com o comportamento do rei de Judá ocupou Jerusalém e nomeou outro rei, além de deportar todos os artífices, letrados, ricos, metalúrgicos. Este rei tentou rebelar-se e mais uma vez. Em 586 AC, Nabucodonosor invade Jerusalém e desta vez a destrói por completo, incluindo o templo de Salomão. O rei assistiu à execução de seus próprios filhos, foi cegado e deportado. Tal era a raiva contra o povo hebreu na região e a fama que dele se espalhou como exemplo da dominação assíria e babilônia. No século VI AC o rei persa Dario permite a volta do povo judeu a suas terras.

Em 66 DC o império romano destruiu o segundo templo de Salomão e arrasou a cidade de Jerusalém. Em 135 DC, o povo judeu foi novamente expulso de suas terras, desta vez pelos romanos, no tempo do Imperador Adriano. A raiva e a fama eram desta vez espalhadas pelo povo romano.
  


Yaweh e o povo hebreu

Não se pode afirmar com certeza da origem de Yaweh, o Deus israelita, que, por mais que tentem esquecer, ou dissociar de suas religiões, ou até mesmo lhe dar um nome diferente, é também o mesmo de cristãos de todas as facções e de muçulmanos. Deveriam regozijar-se, mas paradoxalmente, a raiva babilônica e romana parece ter-se estendido alem fronteiras e avassalado o mundo religioso. Embora o reino setentrional fosse o maior e mais poderoso, é do reino de Judá que se sabe o que sabemos a respeito de Yaweh. Uns, tal como no livro do Êxodo, dizem que Yaweh foi um deus midianita introduzido na terra de Canaã por hebreus originários do Egito. Outros, talvez com mais propriedade ou indícios, como um deus do panteão menor do povo cananeu. Assim, Yaweh seria filho de El, que chegou a ser o deus dos hebreus, porém irmão de Ba’al. El era tanto deus dos hebreus quanto dos cananeus. No “ciclo de Ba’al” é clara a afirmação “O nome de meu filho (de El) é Yaw” e no Deuteronômio 32.8 conta-nos como El Elyon, isto é, El, o Mais Exaltado dividiu as nações entre os filhos, Yaweh recebendo Israel como sua parte. Em particular, e analisando todas as religiões do mundo, somos levados a pensar que a existência de um Deus único é compreensível, mas que cada povo O entende de acordo com a sua idiossincrasia. Não se trata de vários deuses diferentes, mas do mesmo Deus, interpretado e entendido de diferentes formas.

É aqui que reside a resistência e a discordância milenar entre hebreus e palestinos ou cananeus. Este é o grande pomo de discórdia entre os dois povos: A religião e a origem distinta dos povos que deram origem a filisteus ou cananeus, e hebreus. Uma luta fratricida de irmãos que têm e sempre tiveram um Pai comum: El, do qual se originaram Yaweh e Ba’al. A luta é entre irmãos, tal como Esaú e Jacó. Podemos perguntar-nos se Esaú não representará o povo filisteu, ou cananeu, ou palestino (dá no mesmo) e Jacó o povo hebreu segundo a tradição falada e posteriormente coligida num livro religioso. As lutas entre o reino de Israel e de Judá, fratricidas por certo, podem ter uma explicação e de certa forma dar um novo sentido às atuais dissidências entre palestinos e israelitas: O território do norte de Israel teria sido ocupado por povos hebreus e o do sul pelos filisteus: O primeiro colonizado por povos provenientes da suméria ou do Egito (ou da suméria que foram para o Egito e depois ocuparam Canaã) e o segundo por povos de origem da ilha de Creta ou Micenas.  Mas nem importa... As diferenças genéticas à luz do ADN (ou DNA) tornam as diferenças raciais tão irrelevantes, que somente outros fatores de somenos importância poderiam determinar algum tipo também irrelevante de diferença entre judeus e palestinos ou qualquer outro povo deste planeta. O que parece diferenciar é a idiossincrasia cultivada ao longo de milhares de anos, formada a partir da religião e da economia.
Se olharmos os conflitos israelo-árabe e israelo-palestinos à luz da história, com isenção, somos infalivelmente levados a concluir que se trata de um conflito de “teimosia” milenar de não aceitação idiossincrática implacável. É tempo - porque é absolutamente necessário – de se reunirem as partes e de chegarem a um consenso no sentido do bem estar comum. O mundo agradeceria imensamente pela paz, e a imagem de palestinos, árabes e judeus ficaria enormemente engrandecida perante os povos da terra.

Rui Rodrigues

DRAGA - Marlene Caminhoto


DRAGA
Marlene Caminhoto

E tal qual uma draga a retirar-me do peito
Os entulhos as tristezas e o lixo que removeu
Fui desnudando emoções neste meu leito
E tua figura que se delineou me comoveu
Mas o que me atraía era uma meada
De onde meu corpo sedento se envolveu
Num fio que um passado contornava
E nele esse homem aos poucos habitava
Mas o passado encantado vivido
Substituiu o desencanto do presente
E a ausência do sentido e do alento
E nessa gravidez de desejos que não mente
Foram paridos a vontade e o intento
Que nos dariam o necessário alimento
E como homem então eu passei a te ver
E como tua mulher quis infinitamente ser
E como homem eu então passei a te querer
Pouco importando se há porta ou travessão
Pouco importando com o tempo dessa atração
Despi-me do pudor e expus lhe a alma nua
E se teu desejo caminhar de encontro ao meu
Eu serei infinitamente só tua
E tu serás infinitamente só meu...

domingo, 3 de fevereiro de 2013

BENDITO FRUTO


BENDITO FRUTO

Marlene Caminhoto Nassa


O teu gozo quente,

Bendito fruto

Ejetado dentro do meu ventre,

Escorreu suavemente

Benzendo-me com ele,

Santificando o meu corpo,

Que agora virou oferenda,

Em meio aos lençóis de renda.

Tomastes e comestes,

Este era meu fluido, que foi derramado assim,

Louvando e lavando esse teu gozo

Com outro gozo que saia de dentro de mim...

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

De ouro...D'ouro.... Douro e Fornelos!

De ouro...D'ouro.... Douro e Fornelos!




Hoje acordei com saudades

Quem já assistiu a filmes sem som, ainda que modernos, sabe o que sinto. As folhas das árvores balançam ao sabor do vento, a água das cascatas despenham-se nos rios, os automóveis passam levantando poeira, mas falta o som que dá vida ao filme. Falta-me também o som às minhas lembranças do Douro dourado, de ouro. Foi lá que nasci. Saí aos quatro anos para Lisboa e depois voltei por três vezes quando estava de férias, aos sete anos, aos 11 e aos 12. Depois somente quando já estava com 38 anos para visitar meu pai que passava mais umas férias por lá. Depois nunca mais voltei. A vida se faz onde se pode e como se pode. O quando é onde for. O onde é onde for melhor.

Para quem não conhece o Douro, ficará difícil mostrá-lo em palavras e meia dúzia de fotos, e dificilmente conseguirei fazer sentir o que se sente por lá. Mas tentarei descrevendo momentos associados a paisagens.

Primeiro é o caminhar em terras do Douro, pelos socalcos onde se cultivam as uvas, pelos caminhos abertos pelo palmilhar ao longo dos anos. Os pés se adaptam ás pedras do caminho e há que cuidar de passo que não seja firme. Todos os músculos se movem. É solo xistoso de pedras com arestas, como se tivessem sido recém lascadas. Pedras redondas só à beira dos rios. A paisagem é de castanheiros, nogueiras, pereiras, marmeleiros, cerejeiras, macieiras, pessegueiros, abronheiros, freixos, carvalhos, oliveiras e vinhas. Muitas vinhas. Vinhas que celtas já cultivaram antes de serem chamados de lusitanos, romanos, visigodos, judeus, árabes. A paisagem já assistiu a um desfile de modas, de tipos de carros de bois, já incorporou casas de todos os tipos, com todos os tipos de imagens de santos ou pequenos deuses, já acoitou muitos amores e muitos desejos satisfeitos. O Douro sempre viveu em guerras, a maior parte delas sem o apoio dos governos centrais, a começar pelo de D. Afonso Henriques, que alegava ser a área muito insegura pelos constantes ataques dos árabes. Terra de muito trabalho, desenvolvida mais pelas suas gentes do que por amparo de políticos. Talvez por isto a célebre frase que “para lá do Marão, mandam os que lá estão”.


As ruas já foram de terra, de pedras escorregadias de basalto, e a modernidade trouxe o asfalto que dá um melhor caminhar quando os cestos carregados de uvas chegam aos lagares. Evidentemente que sou pelo progresso, pela evolução, e isso está patente em meus textos. Mas a saudade, aquela que fica morna no coração, permeando nossos momentos de repouso, são aquelas do “nosso” tempo, aquele tempo em que fazíamos realmente parte da terra, como se fossemos árvores ambulantes que caminhavam com as raízes. Raízes da terra onde tivessem pingado umas gotas de azeite, outras de vinho, permeadas de migalhas de broa de milho, fumeiros, castanhas, queijo de cabra. Sem faltar é claro, os mugidos das vacas barrosã que passavam resfolegando com seu olhar meigo e conformado os chiados das rodas dos carros de bois de trabalhadas cangas. E ainda se vêem crianças subindo no estrado desses carros para apanharem uma boléia até onde desse.


Podem agora se ouvir sons no filme da saudade.  Saudade não é sinônimo de falta ou de ausência. Saudade é muito mais do que isso. Saudade é o sentimento da falta quando se pressente que difícil ou impossivelmente se voltará a ter no futuro exatamente, e tal como, o que tanto amamos no passado.

A saudade que tenho é a dos meus amigos que enriqueceram a minha curta infância por lá, como o meu padrinho Faustino, a minha prima Neli, o amigo Mário, o primo Otílio, a tia Candidinha, a prima Dina, e tantos outros e outras cujas imagens continuam em minhas recordações, mas que cujas letras dos nomes o tempo já borrou. O tempo!

É o tempo que parece trazer a saudade, mas mais uma vez nos enganamos. Não é o tempo. É a certeza de que o passado não pode ser redimido, não pode ser trazido para o presente, que o que passou já passou, e só viverá na memória dos vivos e nem de todos. Há os que não se lembram de nada. Mas não posso esquecer o lagar de azeite quando na época da prensa das azeitonas, lá no alto da rua, no Largo do Senhor, as portas se abriam e as crianças como eu já faziam fila com seus pedaços de broa para molhar no azeite quente que comiam deliciadas. Era falta de educação levar uma broa inteira e o pedaço de broa que levávamos nos parecia ridiculamente minúsculo para tanto azeite que ainda se via no lagar, no que pesasse a bondade do produtor. Olhos de criança são sempre muito grandes. Só de crianças? Cremos todos que não.
Como esquecer as corridas de carros de madeira pela estrada nova, sem capacete, sem joelheiras, sem cotoveleiras, todos se julgando um Fangio, Stirling Moss, os grandes heróis das corridas de automóveis e que pouco mais equipamentos de segurança tinham do que nós? Eles morriam. Nós só nos escalavrávamos nas pedras, nos ralávamos na terra poeirenta da estrada, e que se saiba ninguém caiu da ponte no rio.


Nas minhas o Marão está sempre com neve, todos estão vivos e caminham pelas ruas úmidas de inverno, cobertas de neve, ou abanam-se com abanicos nos verões quentes e secos, quando se abrem os alçapões na sala, cobertos com tapetes e se descem as escadas até chegar ao frio da adega, onde entre uma conversa e outra se toma um bom copo de vinho bem acompanhado de uma chouriça, umas castanhas defumadas, queijo, pão acabado de sair do forno. A saudade vem do aconchego, da amizade, dos abraços, que não se podem repetir porque a vida não é eterna, a paisagem muda, a convivência foi interrompida e o rio do tempo corre inexoravelmente na mesma direção, sempre em frente. Quem estuda Física sabe que o tempo não é uma linha contínua, mas vai sempre numa direção... Em frente.


Foi assim em 1983 quando voltei à “minha” terra, Fornelos. Fornelos já não era a minha terra. Era a terra dos que lá viviam, e por mais que me dissessem ou digam que é minha já não é. É a terra amada onde nasci. Linda, com gente que amo, e onde a amizade, por mais forte que seja, já não é a mesma daquela que provém da convivência. Amizade hoje é uma cortesia agradável. Fornelos já não me pertence. A não ser no passado, aquele que passou e jamais se poderá alterar.
Mas... Alterar para quê?  Porque vivenciar duas vezes a mesma coisa? Não teria sentido. É melhor, por melhor que tenha sido o passado, que haja a saudade, aquela que nos lembra que o passado não volta.














A Fornelos de Santa Marta de Penaguião, terra do Douro, com muita, muita saudade!


Rui Rodrigues

Fotos pela ordem: 
Fornelos
Rio douro
Rio douro
Vitral de Peso da Régua
Lagar de azeite
Amoras silvestres
Dançando enquanto se pisam as uvas para fazer vinho
Corridas de carros de madeira
Serra do Marão com neve 




quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Adoção de cachorro cãopanheiro, carente e de raça.



Adoção de cachorro cãopanheiro, carente e de raça.


Pode me adotar que não vai se arrepender!

Solto pouco pêlo, faço minhas necessidades e até tomo banho sozinho, todos os dias, sem custos adicionais em lojas de beleza canina. Basta-me água de um chuveiro e sabão ou sabonete. Claro que prefiro sabonete para ficar mais cheiroso. Não como muito, mas como de qualquer coisa, o que sobra das travessas e panelas. Do prato não. Normalmente o que sobra nos pratos é o que ninguém quer. Aliás, não exijo nada e estou sempre de bem com a vida. Sou extremamente saudável e nunca fui a médico. Só para tomar vacinas quando era um cachorrinho na casa em que nasci. Fui bem ensinado e sei fazer muitas coisas. Não sou castrado mas tenho a cabeça no lugar e não saio por aí atrás de qualquer cachorra só por que estou com vontade desenfreada.

Aprendi a miar. Se desejarem me adotar, posso latir, ladrar ou miar. Imito passarinho. Á vezes ronco, mas é raro. Aprendi a conter os meus intestinos e não solto “pum”. Sei exatamente onde se fazem as “necessidades”, que é no banheiro, e vou sempre lá quando estou apertado. Na rua não faço necessidades porque fui bem ensinado e nem precisa levar aquele saquinho de plástico e luvas de plástico para apanhar e guardar as minhas necessidades. Quando preciso vou ao banheiro. Fui bem ensinado. Posso ficar no meu canto caladinho, fazendo companhia, de frente ou de lado para a TV, gosto de escutar música, e se tiver um computador por perto, sempre fico de bituca nas postagens das redes sociais. Gosto de tudo o que se move. Faço a maior companhia. Escreva num bilhete o que quer, dê-me uma bolsa e dinheiro e me mande no supermercado que trago tudo direitinho e o troco também. Não é qualquer cachorro que faz isso. E aprendi a não roer móveis.    

Nada de bebida. Basta um carinho, um cafuné, uns beijinhos e fico numa boa, feliz da vida. Se for dar uma caminhada, me leve. Sou um bom “cãompanheiro”. Tenho uma vantagem quando for num restaurante: Nenhum garçom sente vontade de me botar para fora, nenhum dono proíbe que eu entre, porque sou simpático, tenho olhar meigo, comporto-me muito bem e não incomodo ninguém, mas se precisar espantar ladrão sou dos melhores. Ninguém encostará a mão em você. Nem ladrão se atreve quando estou por perto. Agora imagine a seguinte situação: Você está carente e gostaria de um afago. Também aprendi isso. Afago como ninguém afaga. Faço todos os tipos de carinho e se não gostar, não lambuzo. Mas se gostar, lambuzo pra valer. Minhas lambuzadas, o seu prazer, o seu conforto. Se pedir mais, sempre tem. É o mínimo que posso fazer por quem me dá carinho. Carinho com carinho se retribui. Também aprendi isso.

Também sei dirigir, mas preciso renovar a minha carteira de motorista. Sou um aposentado de baixo salário e alta instrução. E só aceito uma dona. Dono não! De dono estou fora... Mas se prefere um cachorro de verdade, posso compreender perfeitamente.



Anúncio lançado na Internet por um morador de rua que teve acesso a uma LAN.  
Rui Rodrigues

domingo, 27 de janeiro de 2013

O caso do crime da Bedale Street.


Anne G. Slomp assassinada entre a Bedale Street e a Winchester Walk


Carl Logger aluguou por cerca de quinze dias um quarto num Apart Hotel na Winchester Walk, perto da Ponte de Londres quando foi a trabalho para uma empresa norte-americana. Como o trabalho era de consultoria, limitava-se a estar disponível para acompanhar os resultados, analisar e aconselhar medidas decorrentes. Na verdade sobrava-lhe muito tempo que sempre aproveitava para caminhar pelo centro financeiro de Londres. Era final de Inverno e em plena ponte havia um protesto de artistas de rua, aqueles que desenham rostos, fazem caricaturas: Queriam a reabertura da Leicester Square para as suas atividades que não poderiam, por lógica, ficar longe da National Portrait Gallery. A praça fora re-inaugurada e estava agora coberta de milhares de lajes de granito importadas da China. Acusavam o Conselho de Westminster. Ficaram lá com cartazes por alguns dias, constatando que todos os governos são teimosos. Alguns artistas portavam desenhos de pessoas - normalmente rostos - como propaganda e prova de que eram trabalhadores úteis ao Conselho. Temos o costume em todo mundo de reclamar quando nos mudam os nossos referenciais. Carl deteve o olhar em alguns desenhos e num em particular que mostrava um casal. Ela estava sorridente, mas o sujeito parecia destoar da alegria da moça, traços que o artista captou. Era sutil mas destoava.   
Como observador da cidade Carl não conseguia evitar ver os transeuntes com aquela curiosidade que todos temos: O que há de diferente nos habitantes de outros países que os tornam “diferentes”. A resposta era invariavelmente a mesma. Nada! Absolutamente nada! Nossas coisas comuns, a quaisquer seres humanos, são tantas, que o mais lógico é dizer que todos somos iguais.  Gostamos do que é bom e nos é agradável ou faz bem, suportamos o que nos incomoda e detestamos o completamente oposto. Londrinos eram cariocas, nova-iorquinos ou lisboetas apenas com línguas ligeiramente diferentes, e enquanto uns tomam café outros tomavam chá, e em vez de vinho outros tomavam mais cerveja, mas todos têm excelentes times de futebol. São unidos pelo que têm em comum e não pelas diferenças. A paisagem é que é bem diferente na arquitetura, na cor e nos sons, além do trânsito que corre sempre na contramão, em Londres, com os mesmos problemas dos trânsitos que rodam na mão convencional. De resto são casas, água, ruas, policiais, serviços públicos... A lei e a ordem contra a desordem.

Ao anoitecer de 23 de dezembro de 2011 Carl estava voltando para o Apart Hotel quando foi surpreendido por uma cena insólita. Havia policiais na esquina da Winchester com a Bedale Street. A polícia tinha montado uma barreira e interrogava quem passava por ali. Alguns guardas iam de porta em porta recolhendo informação sobre a vizinhança. Havia um corpo coberto no chão. A cena do crime estava isolada. Aguardavam os serviços da Morgue. Um policial  abordou Carl com olhar completamente sem expressão ao entrar no Apart Hotel e o interrogou rapidamente. Ficaram sabendo que morava ali mesmo, a empresa para quem trabalhava e lhes disse que ficaria por lá até 10 de janeiro. O guarda Spencer perguntou-lhe se tinha visto algo sobre o assassinato de uma moça. Disse-lhe que não, mas que estava disposto a cooperar. Liberado, entrou, subiu para o quarto e tomou um whisky de sua própria garrafa enquanto assistia a um programa de TV. Não deixou de pensar que, da forma como gostava de Londres, mais do que a decantada Paris, seria oportuno que se envolvesse o suficiente nas investigações sobre o crime só para passar mais uns dias por lá. Sorriu. Isso que lhe passara pela cabeça era um absurdo. Seria uma catástrofe para sua carreira, mesmo como simples suspeito ou testemunha, porque nós, humanos, somos muito simplistas na hora de julgar os outros e muito complicados na hora de entendê-los.

Afastou o pensamento e desceu cinco minutos depois até um PUB famoso, ali mesmo na Bedale Street, o Globe Tavern, ao encontro de alguns colegas de trabalho. É impossível consumir bebidas em público fora do horário permitido por lei: Antes das 19:00. Contou-lhes o caso. A moça que lavava os copos com uma mágica de rapidez impressionante, contou que se tratava de uma garçonete do Globe Tavern contratada na noite anterior. Tinha sido o seu primeiro e ultimo dia de trabalho na casa. Chamava-se Anne G. Slomp.  A simpática garçonete contou ainda que Anne Slomp chegara para pedir emprego umas semanas atrás, sozinha, e no seu primeiro dia de trabalho viera também só.  Passou rapidamente pela cabeça de Carl um pensamento que guardou na memória: Como cada vez mais se vive só, o Estado deveria ser a nossa segunda família, ou seja, deveríamos trabalhar e pagar ao Estado uma apreciável quantia para que este nos cuidasse nas idades mais avançadas, mas os fundos deveriam ser atrelados aos Bonds do tesouro nacional, e permanecer intocáveis, para que não pudessem ser repassados por qualquer motivo e virem dizer no futuro que os fundos haviam apresentado prejuízos.
Ainda pensava nisto quando no dia seguinte no escritório comentaraam o caso do crime da Bedale Street como estava sendo chamado o caso. Nos jornais havia uma foto da moça e não pôde deixar de se lembrar dos artistas da ponte de Londres. Ele ja vira aquele rosto. Como aguardava um relatório que só chegaria no dia seguinte, foi até a ponte. Os artistas ainda estavam lá. Como não encontrou a foto que procurava perguntou se podia entrar em contato com um artista que estava ali com eles no dia anterior, e descreveu-lhes o desenho do casal. Deram-lhe um nome e um endereço. Pegou um táxi e foi até lá. O artista morava num beco ladeado por casas vitorianas construídas para trabalhadores há mais de duzentos anos. Quando ia bater à porta, esta se abriu e um homem saiu apressado sem o olhar diretamente. Vestia-se esportivamente, com um agasalho de moletom, mas algo nele não estava de acordo. Algo chamara a atenção de Carl e não sabia exatamente o que era. Pensaria nisso mais tarde. Subiu umas escadas  íngremes e deparou-se com duas portas, uma de cada lado das escadas. Uma delas estava aberta. Era exatamente a que correspondia ao apartamento do artista. Carl teve um mau pressentimento... Empurrou um pouco a porta e deu uma espiada lá dentro. Havia um corpo no chão e não lhe foi difícil adivinhar quem era. Aparentemente o apartamento em desordem como costuma ser de qualquer artista que faz do apartamento um estúdio, não tinha sido revirado. Saiu rapidamente. Quando estava saindo do portão vitoriano do prédio, encontrou um conhecido,
Spencer, o guarda que o interrogara na noite anterior estava na frente dele. Perguntou-lhe o que fazia ali, quem e o que procurava. Carl contou-lhe rapidamente sobre os artistas da ponte, o desenho do casal, e do homem que vira sair do prédio quando ele estava entrando ainda agora, há pouco. Finalmente contou-lhe do cadáver no quarto do andar superior. Spencer chamou os serviços da polícia pelo radio e pediu-lhe que subisse com ele, disse para não tocar em nada e para não entrar no apartamento. Depois desceram e entraram no carro de Spencer e foram para a delegacia. O desenho não tinha sido encontrado.           

  - Vamos la, senhor Carl... Tente lembrar-se do sujeito do desenho e descreva-o para o nosso assistente aqui. Por computador tentaremos  fazer um desenho do acompanhante de miss Anne Slomp e compará-lo com os de nossos arquivos.  Esse sujeito pode ser a chave do crime.
 Carl passou a tarde na delegacia. Ao final tinha um rosto na tela muito parecido com o do desenho do artista que vira na ponte. Pelo menos assim julgava. Spencer aproximou-se, olhou o desenho e disse: 
- Acho altamente improvável que seu desenho esteja correto... Esse aí é  Alfred O. Gibson, famoso apresentador de programas de televisão, colunista de vários jornais. O que ele faria com uma moça desempregada, pousando para desenhos na ponte?


Quando saiu, Carl carregava consigo um convite da Scotland Yard para permanecer a seu serviço até que fosse encontrado o homem parecido com o apresentador de televisão e que só Carl tinha visto de forma mais próxima do real no desenho do artista. O envolvimento de Carl com a polícia londrina permaneceu em sigilo

Em qualquer caso de crime, e logo a seguir à fatalidade, os acontecimentos costumam precipitar-se  numa velocidade crescente até que o criminoso seja descoberto e isto se deve à pressa de cobrir rastros, apagar testemunhas, limpar o caminho por parte dos criminosos que lutam contra o tempo. No fundo eles têm consciência de que lutam contra o tempo. Então se precipitam. Aconteceu o mesmo no caso do assassinato de Anne G. Slomp. Nessa mesma noite Carl voltou com os amigos ao Globe Tavern. A moça que lavava os copos tinha instrução, era loura e muito bonita. Ficou lá até as 23:00 tomando a melhor cerveja inglesa, cor de urina escura, típica de quem não bebe água, só cerveja para não enferrujar, umas boas e excelenteFuller’s London Pride . Depois saiu a pé até seu apartamento na Winchester Street, logo a seguir ao cruzamento com a Bedale, onde o cadáver de Anne tinha sido encontrado.  O táxi apareceu de repente, vindo bem devagar. Quando Carl viu surgir um revólver pela janela do motorista, sua adrenalina subiu e preparou-se para o pior. A bala passou a milímetros de seu pescoço e instantaneamente   levou a mão ao pescoço e se jogou rolando no chão, ficando inerte. O taxi continuou seu caminho acelerando. Provavelmente acreditaram que tinham acertado sua vítima. Quando desapareceu da vista, Carl levantou-se e voltou ao Globe Tavern. Ligou para Spencer e contou o ocorrido. O taxi tinha uma placa falsa com letras e números. Os taxis de Londres apenas têm letras. 

Nessa noite Carl dormiu acompanhado com a bela inglesinha. Arrumada para sair, ela era uma raínha. Uma raínha que parecia movida a pilhas. 

(Continua)