O ultimo encontro com Fidel Castro
(Não sou fonte, não indico a fonte e não sou
jornalista, nem sob julgamento, mas entre o real e a ficção não vai tanta
distância, nem no tempo, nem no espaço. Fiquemos então assim, mas o que ouvi foi o que segue, contado por alguém: )
Nos velhos tempos em que o mundo se dividia
entre esquerda e direita, a esquerda tinha um atrativo a mais que a direita:
Era um desafio baseado na fraqueza com intelectualidade contra a força com
capital. Era como se fosse uma luta de S. Jorge contra o dragão, ou de David contra Golias. A juventude
torcia pelo dragão, por Golias. Era bonito, o sonho era morrer pela causa
independente do campo de batalha, se nas colinas de Sierra Maestra em Cuba, na
Serra da Lunda em Angola, ou na Coréia ou Vietnam. Era tempo da guerra fria e conheci
Fidel quando, como agente da CIA, comecei a mediar com ele a transição entre o
governo deposto de Batista e o seu governo ao final da revolução cubana quando
ainda se pensava que Fidel fazia apenas uma revolução para troca de governo e
não para mudar para o regime comunista. Na CIA havia o “intermediário oficial”
e o “intermediário real”. Os dois conversávamos com Fidel, mas só eu e Fidel
sabíamos quem era quem e quem poderia negociar com ele. Uma forma de preservar
a confidencialidade, caso algo desse errado sem me queimarem e sem
comprometerem Fidel. Eu era o oficial, o que não aparecia para ninguém. Acompanhei Fidel desde 1958 em Sierra Maestra e nossos
encontros terminaram abruptamente em 16 de abril de 1961. Nunca mais nos vimos
até alguns dias atrás.
Hoje Cuba está num processo de abertura. O mundo
comunista ruiu por completo, sobrou o socialismo que sempre era visto como um
comunismo mais leve, mais próximo do mundo ocidental, mas nos últimos tempos o
socialismo tem dado mostras de que tem que se modificar também ou irá perecer
como o comunismo. Foi-se a ideologia, ficou a corrupção, o dinheiro fácil à sombra do poder das democracias representativas. Um mundo entregue ao capitalismo sem freio parece ser um
cenário tão feio quanto o comunismo sem fronteiras. O governo americano me
chamou apenas para me aproximar de Fidel e dar-lhe um nome. Não havia ninguém
mais conhecido e de sua confiança que
pudesse aproximar-se dele em nome do governo dos EUA. O nome que eu teria de
dar-lhe era o do próximo negociador para a reabertura das relações entre EUA e
Cuba e do comércio entre os dois países. Quando a CIA me avisou, eu estava em
Lisboa. Era um sábado 25 de janeiro de 2014. Dilma Rousseff estava com seu
Airbus 319 pronto para viajar para La Habana, mas só o faria pela manhã de
domingo. Eu também, mas num voo da KLM que chegaria às 15h35min ao aeroporto de
José Martí a La Habana. Ela chegou um pouco mais cedo por volta das 14h50min.
Ela não me conhecia. Eu conhecia todos aqueles com os quais se encontraria de
forma indireta. O único que eu conhecia pessoalmente, e muito bem, era Fidel.
Eu poderia ter tentado entrar em contato com ele durante a reunião da 2ª Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), mas preferi estudar o ambiente, fazer meus contatos, escolher o melhor momento. Teria que ser depois da inauguração do Porto cubano com dinheiro do povo brasileiro. Cuba jamais pagará, mas isso não era problema meu. Decidi que veria Fidel quando visitasse uma nova galeria que fazia sua inauguração expondo obras de artistas cubanos sob o título de "Lam, eres imprescindible”. Embora já tivesse visto fotos recentes de Fidel, sua decrepitude era notável. Estava agora com 87 anos. Entrei como correspondente credenciado sem direito a tirar qualquer foto. Fui revistado como se me estivessem fazendo um exame de próstata, minhas roupas minuciosamente revistadas. Na primeira oportunidade que tive, aproveitando aquele momento em que, depois das apresentações, Fidel se deteve para apreciar as obras de arte, e no silêncio que se fez, balbuciei por detrás dele, a primeira das quatro palavras de código a que estávamos habituados décadas atrás: - “Três eme”.
Voltou a cabeça devagar e me olhou com o mesmo
olhar que eu já conhecia e que se podia traduzir facilmente: É verdade, mas
faço de conta que não conheço para ver o que acontece. Então me vi obrigado a
confirmar que eu era “aquele ” em quem ele agora pensava, porque eu também
envelheci, e lhe disse a segunda palavra: - Martí, ao que seus olhos se
abriram, seus lábios esboçaram um sorriso, e ele mesmo proferiu a terceira –
Maestra... E eu completei com a quarta, quando sua mão já se dirigia á minha para
um aperto de mão:- Muerte!
Com um gesto fez sinal para que ficássemos a
sós numa das salas da galeria. Ele falou primeiro:
- Sem segredos?
- Como sempre, entre nós, sem segredos! –
respondi-lhe.
- Que fazes em Cuba?
- O governo americano quer a abertura, mas tem
condições.
- Certo. Também tenho as minhas.
- Eu sei. Mas não vou negociar contigo. Será
outro. Minha função é apenas a de te informar quem será o próximo negociador.
Poderás negociar com ele ou indicar-lhe alguém, mas terás que o conhecer
primeiro e apresenta-lo a quem irá negociar em teu lugar como se fosses tu.
- Concordo. Mas diz-me. Que tens feito, e em
que enrascadas te tens metido desde Sierra Maestra?
- Já estou aposentado há mais de vinte anos.
Chamaram-me agora por tua causa. É serviço único. Posso fazer-te uma pergunta?
-Podes. Sem segredos.
- Sem segredos, como sempre. Como aguentaste todos
estes anos sendo socialista sem nunca teres sido comunista nem socialista?
Tive a impressão de que me iria mentir, porque
seu olhar ficou vago e seu cenho se franziu levemente, as mãos procuraram um
apoio fictício e desnecessário nos braços da cadeira, porque já estavam
apoiadas, mas o sorriso lhe voltou aos lábios sem que estes tomassem a forma de
“u” como quando costuma falar para enganar. E disse como se estivesse num confessionário
com seu sacerdote de confiança:
- Quando fiz a revolução, eu pertencia ao
partido “Povo Cubano” Também chamado de “Partido
Ortodoxo”. Tu te lembras... Mas conhecia a podridão de todos os outros desde os tempos de antes
de Batista. Confesso que esse partido tinha algo de socialista porque exigia
reforma agrária supressão do latifúndio, nacionalização dos serviços públicos. Porém,
eu tinha raiva mesmo era da prepotência dos ricos, da classe média. Detesto
classe média mesmo sendo cubana. Eu nem conseguia vingar como advogado. Então, para mim, ou é
todo mundo rico, ou todo mundo pobre. Quando Eisenhower se recusou a me receber
em minha visita aos EUA logo após a revolução, preferindo ir jogar golfe, nesse
dia caí para a esquerda. Definitivamente. Passei a odiar os EUA, o povo de
classe média. Daí meu grito de “Pátria ou morte”. Bem mais tarde, Che Guevara estava ficando mais famoso do que eu. Mandei-o para a Bolívia. Não houve problemas de sucessão em Cuba. Era um sanguinário. Eu mandei gente para o paredón, mas quase obrigado pelo pessoal do partido. Ele não. Matava com ternura. Era um filho da puta.
Falava com certa dificuldade, bem devagar, mas continuou:
- No começo pensei que os blocos comunistas me
ajudassem, e estava disposto até a usar os mísseis russos contra os EUA, embora
os russos só quisessem ter apenas uma presença forte à porta dos EUA não só
como arma de persuasão, como também para incentivar as populações da América do
sul para o comunismo. Depois que o comunismo começou a cair no mundo, e senti
isso em Angola com Eduardo dos Santos caindo para a direita e arrecadando
dinheiro, temi mais pela minha vida. Se o regime caísse em Cuba, eu seria um
homem morto com requintes de crueldade. Como fizeram com o duce italiano na
segunda guerra mundial. Sei que a
população me odeia, ainda mais com essa permissividade da internet. Sabem mais do que me informam, e Yoani
Sanchez é um exemplo desse ódio escondido por palavras que denotam oposição
comedida e educada. Enfim... Sobrevivendo,
meu caro. A revolução nunca existiu e está morta. Questão de dias, um par de meses mais.
- Posso fazer-lhe só mais uma pergunta, Comandante? A última, prometo. É uma questão apenas para medir minha capacidade de entender.
- Em frente... faça-a...
- E Maduro, Dilma Rousseff e Lula, Chávez, Cristina...
Pensam como você ou são realmente socialistas ou comunistas?
- São tontos. São apenas tontos. São como os
que tentaram fugir de Cuba em botes, pneus de caminhão, barcos de pesca
atolados. Veja que eu tenho uma formação. Sou advogado. Eles não. São
aproveitadores de situações e nunca trabalharam duro aliando o trabalho físico
ao intelectual. Apenas usaram a velha esperança dos que têm menos do que os
outros, ainda que tenham muito, para galgar o poder: A sede de “justiça” para angariar apoio
popular, votos. Nos países comunistas como Cuba, trocamos favores, bens e
cupons como objeto de troca. Nos outros países trocam favores por dinheiro. É
tudo igual. Mas se eu perder o governo me matam, trucidam. A eles não. O que
eles querem é poder, tirar fotografia com o velho comandante como turista tira
fotos com o Mickey da Disneylândia... Cuba precisa de dinheiro para os novos
tempos, porque já não temos quem nos envie ajuda como antigamente a China e
URSS... Quem nos emprestaria dinheiro senão os tontos dos falsos comunistas e
socialistas latino-americanos que não têm nem conhecimento nem cultura para governar?
Uma viúva, um torneiro mecânico, uma ex-terrorista, um caminhoneiro bronco de estrada e um homem de armas de posto
baixo... E acabam levando a parte deles,
mas não sou eu quem lhes paga... Uma mão lava a outra. Todos eles são ignorantes. Dilma é completamente burra e vaidosa como nova-rica. Mas... E quem negociará comigo?
Sua pergunta ao final da sua resposta punha fim
à entrevista. Disse-lhe um nome no ouvido e mostrei-lhe uma foto discretamente, enfiada no jornal que eu levava na mão.
Ele aquiesceu. Conhecia a pessoa das
fotos nos jornais e nem era americano. Na sua frente rasguei a foto em pedaços
e os distribui por dois bolsos de meu paletó. Seriam jogados fora logo que
saísse dali.
Fidel olhou-me nos olhos enquanto nos apertávamos
as mãos. Se o conhecia bem, eu tinha sido naquele momento uma nave do tempo.
Ele era uma nave do tempo também para mim, e em nada sua figura pública ficara
arranhada por suas confissões honestas. Todos os lideres eram assim, cada qual
com seus motivos para assumir e pretender ficar no poder por longo tempo, mas
sempre por misturas de alguns ingredientes fundamentais em maior ou menor grau:
Vaidade, poder, dinheiro, sobrevivência.
Apertamos as mãos. Saí da exposição aliviado,
tranquilo. Missão cumprida. Os “paredóns” tinham acabado. Fidel e Cuba já não
eram os mesmos, o Comunismo só existia agora na Coréia do Norte e também não
era real. Lá era também a sobrevivência de um líder, que aos poucos ia eliminando
até a sua própria família, começando pela mulher, pelo tio e pela família do
tio. Tal e qual como na Roma antiga.
Fui até o aeroporto. No bar pedi uma “cristal”
e teclei um numero de meu celular. Quando atenderam eu disse- Embarco no
horário. Tres eme. Escutei o Ok. Então tirei o chip do celular, dobrei-o até
quebrar e joguei metade na cesta do lixo. A foto picada já estava espalhada
pelas ruas de La Habana empurradas pela brisa do mar. A outra metade do chip
joguei no vaso do banheiro do aeroporto. Yoani estava chegando de um voo.
(Minha fonte não sei por onde anda. Provavelmente
jamais voltarei a vê-la. Porque contei isto? Porque já não faz diferença alguma se o mundo sabe ou não sabe. O mundo não é comunista. Se fosse, o muro de Berlim não teria caído e a China e URSS ainda seriam ferrenhamenta comunistas, ao lado dos EUA. Ora.. Nada disso aconteceu. Os lideres sul-americanos não são tontos. Gostam é de dinheiro e dizer: Cheguei, vi e venci!... Embora não tenham chegado a lugar nenhum, não tenham visto nada e não tenham vencido de ninguém. Apenas convenceram a massa ignota com promessas que jamais poderão ser cumpridas)
© Rui Rodrigues