O Bruxo do Pontal do Peró. Será bruxo?
Há dias que não parecem
dias, em que os grãos de areia empurrados pelos fortes ventos competem por
alvos invisíveis, formam dunas, encobrem esqueletos de peixes, aves e répteis,
e formam rios de névoa de areia que agitam a praia como se estivesse viva... E
é nestes dias em que não se avista vivalma que o bruxo do Pontal aparece, lê as
areias, consulta as águas superiores e inferiores em que o mundo está dividido,
e do cimo da rocha de onde tudo se vislumbra, se esclarece do porvir... Nada
vem sem que o bruxo dele saiba. São falsos os que lêem em vísceras de peixes e
animais, nos astros e em borras de café: Têm perfil, mas falta-lhes o
conhecimento dos verdadeiros bruxos, das leis que movem o mundo e o Universo. Assim
era Nostradamus, o que leu o porvir de tal forma que se interpreta como se quer
desde que pareça fazer sentido. O bruxo do Pontal do Peró, não! Ele vê com o
conhecimento pleno das ciências, dos subconscientes, dos inconscientes tanto do
que é vivo, como do que parece inerte, morto, sem cadáveres.
E viu, num desses dias de
fortes ventos que sempre chegam em céus claros de um só tom de azul, o rosto de
um velho que não era do Restelo, mas de perto para onde iam as naus que ele, o
velho do Restelo acautelava, que lhe mostrou os desenhos dos grãos de areia
empurrados para formar dunas, agitar a praia, que se transformou em enorme tela de cinema colorido em cinemascope, como nos velhos anos sessenta do século passado:
O velho, que não era do restelo falava como o vento forte, catalisando em sua
voz as imagens das areias esvoaçantes:
- Houve tempos em que se
definiram as fronteiras, de grandes e sangrentas lutas, em que a humanidade se
tentou aniquilar movida por apenas um sentimento: Cada uma das nações que se
formava queria prevalecer sobre as demais. Foi a época dos reis que depois se
estendeu pela dos presidentes. Uma das nações conseguiu pela primeira e única
vez na história dessa mesma humanidade, construir um Império onde o sol nunca
se punha. Hoje é uma ilha dividida. Outras nações são ainda maiores e
imperiosas pelo futuro. Da primeira nação imperialista ficou a língua, mas para
a futura, nova língua de milhares de caracteres se imporá. Não pela força, não
pelo derramamento de sangue humano, mas pela paciência. O perigo nunca foi o
amarelo, mas a ambição dos homens que copiaram
a ambição dos tais reis e presidentes: Querer dominar outros homens e
outras nações pela força dos braços, das armas ou do dinheiro com que se
constroem enormes e influentes empresas que compram e vendem os reis, os
presidentes, os homens e as nações. E nem só de homens se fazem as nações de
hoje, mas de mulheres também, nos destinos do mundo. O mundo já não é o mesmo
de ontem, nem do passado.
(As areias se agitaram ainda mais. Dunas que não
existiam se viram crescer e engolfar as casas. O céu ficou branco. As águas do
oceano recuaram mostrando o cadáver do fundo do mar. Uma chuva de cadáveres de
aves mortas inundou a areia do novo deserto onde antes era a praia. Barcos
naufragados que jaziam num fundo de mar agora exposto se oxidaram
instantaneamente. As areias engoliam múmias secas e esqueletos de mamíferos que
ainda há pouco viviam numa mata atlântica úmida e verdejante. Não havia corvos
para comerem os olhos da vida morta)
- Este que vês é o futuro
que não verás! Que importa a política, o comércio, a ambição, se este é o
futuro? Seria o futuro diferente se a política, o comércio e a ambição
mudassem? Claro que sim!... Mas são demasiado fortes os apelos imediatistas da
política, do comércio e da ambição para que sejam alterados pela cegueira dos
que detêm algum tipo de poder: Desejam perpetuá-lo! Só a humanidade em uníssono
pode alterar esse estado de coisas, mas para um Universo governado por leis que
a humanidade não pode controlar, apenas se podem protelar os efeitos, porque o
fim será um único! Apenas um fim final e definitivo aguarda este planeta Terra:
Será engolido por um Sol moribundo. Não sobrarão pedra sobre pedra, apenas
grãos de areia, que, mal comparando, do templo de Salomão ainda sobraram algumas!
(O Sol era agora uma enorme
bola vermelha que ocupava 90% de todos os horizontes. A Terra era um planeta
sem vestígios de civilizações ou sequer de restos de vida. Um cantil sem tampa
derretendo-se pelo calor do Sol avassalador em seu crescimento avermelhado
lembrava a secura de um deserto que reinou por milênios e que agora nada mais
era do que um pequeno e mísero detalhe de uma Terra completamente desértica.)
- A fartura gera
desperdícios. Quem tem muito, desperdiça porque pode pagar os custos do
desperdício. Quem não tem, nem pode desperdiçar. Se tivesse, também
desperdiçaria. Quem quer impor pelo poder, impõe por pouco tempo até que outros
ocupem o poder, mas cada um que ocupa o poder, destrói um pouco do Ambiente em
que vive. As tradições mantêm o “status quo”. Não há Terras santas nem
santificadas, porque servem aos negócios particulares de particulares. O grande
Templo de Salomão, não era o Templo do qual sobrou pedra, mas a Terra da qual
nada sobrará engolida pelo Sol. Humanidade despreparada pelo poder que se
alimenta da ignorância não terá salvação, porque perecerá junto com o planeta
sem meios de fugir para outro. Os Impérios que exilaram o povo do Templo de
Salomão, não são os Impérios que exilarão a humanidade da face da terra, mas os
novos Impérios da política, do comércio e da ambição. Portanto, vigiai, vós que
sois humanidade e não sois tradição, porque há modo de sobreviver ao fim destes
tempos e iniciar outros tempos em outros lugares do Universo, mas para isso há
que pensar desde já no futuro. O tempo é curto, urge e não tem alternativas.
E o velho e o filme em cinemascope acabaram de repente, tão de repente quanto o vento forte e a
corrida dos grãos de areia pela praia do Pontal do Peró. Ainda se ouviu a voz
do velho numa última e definitiva frase:
- Corre e conta o que viste
como o filho do Homem mandou que se apresentassem os que ganharam milagres, aos
senhores do Templo, porque não sobrará grão sobre grão deste Templo de vida
chamado Terra! Um outro velho do Restelo terá que aparecer para acautelar as naves que partirão para as novas Terras!
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Rui Rodrigues