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domingo, 3 de agosto de 2014

A fábula do robô das galinhas [1].

A fábula do robô das galinhas [1].



O galinheiro era bem grande. Estava dividido em terreiros, cada terreiro com seu galo de raça, suas galinhas de raça. Um galo para cada 12 galinhas. O dono do aviário resolveu automatizar o negócio. Raça humana é muito complicada, e quanto menos um negócio depender de trabalhadores sindicalizados, mais rentável e menos problemático se torna. Quanto mais os operários reclamam, mais automatizados vão ficando os negócios. O mundo das massas toca o mundo para um lado, mas o mundo vai sempre para o outro. Devagar, mas vai [2].

Aquela vozearia de galinheiro, na verdade um gigantesco presídio, parou de repente. Um som estranho de coisa mecânica, arremedo de humanos, apareceu na entrada, sua silhueta enorme tapando a luz do Sol. O primeiro galo do primeiro terreiro que ficava do lado direito da entrada, virou levemente a cabeça, meio inclinada e assestou o olhar sobre o intruso. Primeiro com um dos olhos, depois com o outro. Encheu o peito, levantou o pescoço, abriu a goela, bateu as asas e cantou alto e bom som.  Imediatamente todos os outros galos cantaram seguindo uma ordem hierárquica que só eles conheciam. O ultimo deles ainda estava cantando quando a agitação das galinhas começou. Todas perguntavam quem era “aquilo”, tão parecido com os guardiões humanos daquele presídio, daquele campo de concentração.
- Se ele for como os humanos, não adianta lhe perguntar – Disse o primeiro galo do primeiro terreiro, Primus, o guardião, para o circulo de galinhas que se formara à sua volta – Eles não entendem nossa língua nem estão interessados em entender.



Parecendo ter escutado e entendido a língua do galinheiro, aquele ser imenso, metálico, brilhante, semovente, abriu uma portinhola no meio da cabeça, sem dentes, e uma voz humana sem emoção disse tão alto que poderia ser ouvida em todo o galinheiro: - Sou um robô. Tenho a função de cuidar de todos vocês, alimentá-los, dar-lhes água, vacinas, e tudo o mais para que sejam saudáveis e fortes. Fui construído por meu deus à sua imagem, segundo sua vontade. Ele também fez vocês... Juntou ovos, aqueceu-os e deles vocês brotaram.
Primus, o galo do primeiro terreiro, olhou diretamente no olho do robô e contestou:- Aqui quem bota ovo são as nossas galinhas, e elas mesmas as chocam. Nós, galos, passamos o dia comendo e transando. É tudo o que qualquer galinha pode desejar. Reclamam normalmente. Parece que não gostam de transar, como se fosse uma obrigação, mas por isso são mais fracas que nós, galos. Se fossem mais fortes não haveria transa. Haveria brigas, a natalidade diminuiria. A postura seria diminuta.

As galinhas começaram a murmurar entre si. Pela primeira vez em suas vidas tinham consciência de sua fragilidade, de sua passividade perante os galos que as montavam sem dó nem piedade, alguns deles provocando-lhes a morte quando as montavam com seus pontiagudos esporões que literalmente as rasgavam dos lados. Galos tinham muita testosterona. Eram grossos, prepotentes, machistas ao extremo. De bom grado fariam greve de sexo. Sexo para quê? Só para botar ovos e gerar outras galinhas dependentes, outros galos prepotentes? Preferiam não ter sexo e serem independentes, do que ter sexo e serem dominadas pelos galos do terreiro que nem podiam escolher. Eram os tratadores que os traziam e substituíam do dia para a noite. Pior de tudo, aquele cantar forte que se ouvia a uma distancia de uns dois quilômetros, cantares repetidos, despertadores constantes a qualquer hora do dia. Primus e outros galos do galinheiro estavam atentos.

O robô observava tudo e vendo o murmúrio das galinhas, resolveu tomar partido da maioria. Aprendera dos humanos que quando a maioria apóia alguém, ou algo, a minoria se cala por não ter representatividade [3], ou então reclama, mas fica por isso mesmo desde que não use a força. Então vociferou:

- Sois muito reclamantes. Vós tendes tudo o que precisais para viver. Porque reclamais tanto da natureza? Não sabeis vós que para que haja evolução, Ordem e Progresso, é necessária a paz no convívio, o prazer na diversão constante, pouco trabalho que nem precisais correr pelas matas para procurar comida? Nem serpentes há por aqui neste galinheiro... Que mais quereis? Eu creio que sei o que quereis... Tomai e usai...




(E caminhando devagar como qualquer robô moderno, foi largando galos garnizés, lindos, multicoloridos, de penas brilhantes, um em cada terreiro. As galinhas imediatamente ficaram alucinadas. Para elas, tamanho não era documento. Preferiam um galo que não gritasse tanto, que fosse mais bonito e mais leve. O sexo seria mais leve, igualmente intenso, e com o sabor de “coisa roubada”, porque era nas distrações do galo machão que o nanico do garnizé as montava. E de repente, a minoria mais forte dos galos temeu seriamente por sua hegemonia no terreiro).

Ao verem os garnizés as galinhas nem deram pio. Primeiro olharam para os lindos garnizés. Como gostariam de ter pintinhos lindos com a genética daqueles futuros pais... Depois trocaram olhares entre si, entre as galinhas, protegendo os seus olhares da vigilância atenta dos galos de raça, agora desconfiados, frágeis, com o moral tão baixo que nem ameaçaram reação. Só quando o primeiro garnizé do primeiro terreiro montou a galinha preferida de Primus, o galo campeão. Mas o garnizé tinha a vantagem de ser pequeno, extremamente ágil, voar mais alto na fuga, o que despertava olhares de admiração entre as galinhas do terreiro. Para elas, o “lindo”, o “bom” da vida, que lhes trazia alegrias adicionais, era ver o mais fraco tripudiar do mais forte. E aplaudiram o robô. A partir desse dia os galinheiros ficaram muito mais alegres, interessantes para as galinhas. Como vantagem extra, sua postura de ovos já não era um sacrifico, botando aqueles ovos enormes galados pelos galos campeões de terreiro. Agora eram diminutos ovos de garnizés.
Nem se lembraram de aproveitar a oportunidade e exigir menos mortandade no galinheiro, porque quando as galinhas perdiam a capacidade de postura eram mortas  para fazerem caldos instantâneos, ou serem embaladas como frangos de granja para consumo em supermercados. Algumas delas, mortas há anos, eram descongeladas e vendidas como frescas.  

Estranharam quando o robô, passados uns dias, foi levado num veículo pela calada da noite e deixou de aparecer por mais de mês. Quando reapareceu, consertado devidamente, estava mudado. Foi logo dizendo ao abrir o portão do galinheiro, sua silhueta enorme se projetando contra a luz do Sol que reinava lá fora:
-- Sou um robô. Tenho a função de cuidar de todos vocês, alimentá-los, dar-lhes água, vacinas, e tudo o mais para que sejam saudáveis e fortes. Fui construído por meu Deus à sua imagem, segundo sua vontade que mudou. Ele se arrependeu de me ter construído daquela forma e me reprogramou depois de um enorme dilúvio de tinta e peças. Também fez vocês e inventou garnizés... Juntou ovos, aqueceu-os e deles vocês brotaram. Meu deus mandou recolher os garnizés embora ame o que é belo. O negócio dele é a venda de ovos. Ovos têm que ser grandes. Aqui galos gays, e galinhas de cloaca pequena, nem pensar. Os galos terão os esporões cortados. Galinha que não ponha cinco ovos por semana, vai direto para o corte para ração... E não se trata de descriminar. São apenas negócios. A propósito... Ele é assumidamente gay. Eu não tenho nem fêmea nem macho.

E começou a recolher os garnizés, sob o olhar atentamente triste das galinhas de todos os terreiros. Das Pedreses e caipiras às Leghorn.

® Rui Rodrigues

Nota GeraL: Se procurar alguma moralidade – ou falta dela – no texto, não perca seu tempo. Será pura imaginação sua (ou vontade de pentelhar por qualquer motivo que passará desapercebido ao autor). O texto reflete apenas a natureza segundo sua observação e interpretação. No entanto, é direito de todos interpretar o mundo e os textos segundo sua vontade e capacidade. A fraqueza deste texto poderá ser atribuída à incapacidade do autor em observar e interpretar. Jamais como texto provocativo.  O autor não tem opinião. Serve apenas à leitura de quem se interessar.





[1] Conto baseado na observação do dia a dia em meu galinheiro onde um galo e seis galinhas convivem entre si em meio a gritos, brigas, gemidos, cantares, rações disponíveis, sombra e água fresca à vontade. Algumas morreram no passado porque minha inexperiência não me despertou para o fato de os esporões poderem matar durante a transa sexual.
[2] Observado em minha experiência neste lindo Éden onde todos (as) nascemos prontos para comer algo ou alguém. De outra forma, morremos e ninguém se dá conta. Quando muito, há uns choros por perto, entre familiares. Alguns familiares, de certa forma também nos comem por mais que se tente dourar a pílula, pintar com lindas cores, Abrir sorrisos, dar presentes, versejar lindas odes à natureza e ao amor. (e para os entendidos  em Freud, não tenho nada a reclamar em particular. Pelo contrário, a vida me tem sido pródiga com uma dosagem gaussiana positiva de bons acontecimentos e negativa de maus acontecimentos. Estes, felizmente têm sido raros.
[3] E chamam a isto de “Democracia”... O governo das maiorias, ainda que incultas e sem educação, sobre as minorias. A curva de Gauss na natureza não foi muito pródiga sob este aspecto, mas graças a isso, a espécie humana é a rainha da natureza sem predadores que possam ser temidos. O que se pode temer são as maiorias incultas humanas, ou as minorias quando governam e têm forças armadas e policiais sob seu comando para garanti-las. E também chamam a isto de “democracia”. 

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Já não conheço este Brasil

Já não conheço este Brasil. Onde anda o zarolho?

Esqueci o hino!... Porque não faz mais sentido... Restaram-me os amigos tão incrédulos quanto eu. Não é sonho, é realidade.



Nem há fronteiras... Drogas, armas, mercadorias entram e saem sem controle, no que pese a tecnologia moderna que se despreza por que a lei é ainda mais permissiva do que as frágeis e inúteis fronteiras onde não há guarda credível e eficiente.

Grupos armados de traficantes, ladrões e ativistas agem impunemente espalhando o terror, porque presos, a lei solta em troca de fianças mesmo para crimes inafiançáveis. Presos, podem usar telefones das prisões e continuar comandando os crimes. Suas contas em bancos não são devassadas, e na saída da prisão têm o “futuro” garantido. Morrem mais cidadãos dentro das risíveis fronteiras do que em guerras pelo mundo afora. Se tivéssemos terroristas confessos no governo, não nos seria pior a vida, mas ligeiramente igual. O crime parece compensar aos olhos esbugalhados de uma população temerosa da própria vida.



O povo vulgo ao ouvir tiros morro acima, morro abaixo e pelas cidades florestas e prados, chega a pensar que é coisa das elites contra o governo e que este merece ser defendido, mas por vulgar, não percebe que é o próprio governo o grande inimigo da cidadania que não protege, não cuida, desdenha. Crêem, os do governo, que por eleitos podem fazer o que querem, porque as forças da nação os protegem. Partidos se locupletam na divisão das verbas públicas que, distribuídas documentadamente, não chegam ao seu destino incólumes. As que chegam, chegam estropiadas, insuficientes, caem em saco roto que mãos ávidas desnecesitadas, apressada e dissimuladamente escamoteiam, tudo sob os olhares de boi morto da lei. A lei não é cega: tem olhos de boi morto. Confunde-se socialismo social com socialismo partidário, democracia com concordância quando interessa e discordância livre sem obrigação de se ser ouvido em reclamações. A liberdade de imprensa tem pernas curtas e jornalistas são assassinados. Presos que são também políticos são mancomunadamente considerados como presos políticos. Confundiram o socialismo social com o direito de roubar impunemente. A pena aplicada, considerando a devolução das verbas roubadas considerou não o total, mas pequena parte, não fizessem eles parte do partido no poder e que lhes nomeou juízes. Aqueles que compraram com as verbas roubadas, continuam votando tudo no Congresso nacional. Nem se sabe quem são, mas eles, os que estão no governo, sabem.



Há hospitais, médicos e enfermeiros, transportes, professores, escolas e merenda escolar. Mas reza-se para não se precisar deles, e mesmo quando se paga, a peso de ouro, não há garantias de nada. Joga-se a vida nos dados viciados do azar do momento. A propaganda do governo está tão viciada quanto eles. A Ordem se perdeu sem Progresso. O Progresso se perdeu na Desordem. O socialismo se corrompeu mais do que o capitalismo porque não sabe lidar com o capital: Gasta enquanto há e arranja desculpas para o gasto. Quando acaba, pede emprestado, não paga, dá calote, culpa o passado, o capitalismo. Temos agora um socialismo completamente capitalista, ignorante e selvagem.  Viadutos caem um atrás do outro ainda em fase de construção. As valas de esgoto continuam a céu aberto, as estradas esburacadas.  Urubus do FMI estão de malas prontas, cheias de dinheiro para empréstimos. Já vimos isso antes, e veremos de novo em breve.

Esqueci meu hino.





O Brasil mudou-se para fora das permissivas e descontroladas fronteiras e não se sabe onde está. As forças armadas estão muito ocupadas no morro do alemão, o crime tem armas iguais às do policiamento, derrubam helicópteros, a aviação nacional voa promessas de fé no futuro. A base da Antártida queimou-se, a barreira do Inferno perdeu a tecnologia nacional de foguetes. O salário de aposentados não consegue pagar os remédios e os alimentos já comidos por inflação e impostos. A turba malta, crédula e crente, acredita que vive momento de glória porque a esquerda chegou finalmente ao poder. Como se Jesus tivesse ressuscitado. De porre de vinho e empanturrado de pão feito com trigo ainda argentino. Reduziram o tamanho das hóstias, em breve as bocas ficarão menores.  É o milagre da divisão do nada entre todos os famintos. 



Ar e água são vendidos ao mesmo preço pelas tubulações residenciais, mas entra mais ar do que água; os sinais de concessionárias para uso de Internet são interrompidas a todo o instante, não cobrem o território que dizem cobrir, e é tanto mais fraco quanto mais caro que ao redor do mundo. País pobre que é cobrado como se fosse rico. E nem temos frota de respeito, não temos uma Nasa, importamos armas para defesa nacional. O orgulho das vitórias no futebol, que antes serviam de “mas” para nosso atraso geral internacional, perdeu de sete a um. Está lanterna.



O país do futuro ficou no passado. O futuro chegou com futuro imprevisível, alheio, ausente talvez. Que o diga a juventude. A inflação não inflacionou a confiança, a fé, a vontade de continuar progredindo na ordem para o progresso. Ou com progresso na ordem...

Que pesadelo é este, se não é um sonho? Mas, se em terra de cego quem tem um olho é rei, onde anda o zarolho?


® Rui Rodrigues

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Crônicas do Peró - A fuga das galinhas


Crônicas do Peró - A fuga das galinhas





Vivo de bem com a vida. Isto quer dizer que, de tudo o que vive neste planeta, nunca me veio mal, e muito menos que fosse significativo. Pessoas, animais, plantas, de qualquer dos reinos em que se classifica a vida, sempre foram meus parceiros [1]. Tenho ligeiras restrições com os fungos porque alguns poucos me causam alergia, mas não dispenso um bom prato com cogumelos. E, porque me dou bem com a vida, não há comida que eu possa dizer “essa eu não como, ou detesto”, trabalho, me divirto, descanso, e assisto a filmes embora não seja cinéfilo viciado, mas convenhamos que assistir a um bom filme com uma boa companhia do lado tem seus bons méritos. Se for em família, o tema serve para discussões de todos os tipos, e se é numa boa companhia normalmente temos que assisti-lo várias vezes porque normalmente preferimos as cenas do namoro às do filme. Mau sintoma é quando sentimos o contrário: Ou o filme é excelente, ou o namoro deficiente.


Assisti ao filme “A Fuga Das Galinhas”. É imperdível. As galinhas do filme (um desenho animado) são galinhas absolutamente humanizadas pelo roteirista. Não contarei a história do filme, mas trata-se de uma população de aviário, maltratada pelos donos, tentando fugir. Mas, para isso, ou teriam que aprender a voar, ou construir um avião movido a força das pernas.


Crio algumas galinhas para me doarem ovos caipiras saudáveis sem hormônios, sem vacinas, sem ração “bombada”. Aqui comem eventuais restos de comida saudável e muito milho. Na verdade apenas tinha um galo vermelho transador de próstata gorda e vermelha e duas galinhas. Ele cantava a noite inteira. Então, seguindo conselhos de uma amiga, para que o galo não cantasse tanto, comprei mais quatro galinhas caipiras numa pequena loja de ração no bairro Jardim Esperança.  Olha que eu conheço a espécie, mas aquelas quatro, ainda franguinhas, me chamaram a atenção: Eram esguias, pescoços e pernas muito altos, agitadas, com uma cauda em forma de leme, alta, como se fosse um pedaço de tábua colada no traseiro, posta ao alto. Passam o dia num viveiro de 30 metros quadrados com um arbusto alto no meio que serve de pouso e de sombreiro, tudo coberto por uma malha plástica na qual o arbusto já abriu algumas passagens para os muros com três metros de altura. Na frente não há muro, apenas uma malha metálica. Elas gostam e apreciam.





Quando pela primeira as vi sobre o muro, temi que viessem a fugir. Galinhas não são reconhecidas por sua inteligência. Bem pelo contrário. Só as galinhas novas se acomodavam no topo do arbusto. E, como eu esperava, um dia uma delas desapareceu. Foi a branquinha. Sem tela disponível para fazer os reparos, rezei para mais nenhuma desaparecer. Não rezei por muito tempo. No dia seguinte pela tarde, ela tinha voltado. Mas como teria subido o muro? Logo descobri ao encaminhá-la para o viveiro. Ela simplesmente voou até um pouco mais da metade da malha e trepou o suficiente para caminhar sobre a malha. Encontrou o buraco da “fuga”, desceu pelo arbusto e foi comer o milho que recentemente eu havia jogado. Nas semanas seguintes, as outras três galinhas novas também começaram a desaparecer e a voltar. Mas aonde elas iam? Meu temor eram os gambás que passam todos os dias sobre o muro, fleumáticos e indiferentes à minha presença, a caminho de suas caçadas noturnas. Eles comem os ovos das galinhas e de vez em quando lhes chupam o sangue. Por isso a malha do viveiro. Todas “aprenderam” a fugir pelo buraco da malha e a voltar voando e trepando pela malha. Assim agitadas, creio que os lentos gambás teriam muito trabalho para lhes chupar o sangue. O problema eram os ovos. E por isso fugiam: para construir seus ninhos fora do viveiro. Descobri um entre as plantas de meu jardim, bem na quina do muro, a galinha marrom aninhada. Quando me aproximei ela fugiu, correu jardim afora, e sem errar o caminho ficou de frente para a malha metálica, alçou vôo, trepou o restante do muro, caminhou sobre a malha metálica, encontrou o buraco da fuga, desceu o arbusto e foi se juntar às outras. No ninho deixara três ovos quebrados, sugados pelos gambás. Certamente vou encontrar outros ninhos, porque todas as galinhas novas têm o mesmo comportamento. E o galo, embora transe com todas elas (são seis agora), só dorme com uma, a maior, marrom. Ele tem um harém sem pastor para lhe dizer que é pecado. Longe de mim a intenção de lhe trazer outro galo para lhe fazer concorrência.  


As galinhas não assistiram ao filme “A fuga das Galinhas”. Por isso acredito numa evolução de galinhas caipira, ou, quem sabe, seu comportamento, tal como o da gata Sarkye, que se deverá ao “ambiente” de minha casa e arredores, onde nos damos muito bem com este planeta e a natureza.


® Rui Rodrigues

  






[1] Tenho uma gata, a Sarkye, já uma senhora de 12 anos, que não me larga. Literalmente não me larga. Jogo-lhe uma bolinha pequena, daquelas que se compram com um real (quando lerem o preço terá subido neste Brasil inflacionário), e ela vai buscá-la, trazendo-a de volta para mim. Isto só uma das pequenas proezas que ela faz. Outra é vir correndo para onde estou quando assobio qualquer canção..,

sábado, 19 de julho de 2014

O homem que conversou com Deus

O homem que conversou com Deus



Ouviu o estampido e nada mais. Nada ficou do que passara, nem uma esperança de futuro. O que sentia era apenas escuridão, frio, silêncio. Apenas sentia, nada mais, nem uma lembrança sequer, e só uma coisa sentia: Que “ainda” existia embora tivesse perdido algo que não sabia definir. Então uma luz se acendeu e viu um vulto. A luz era tão forte que não lhe permitia ver se algo mais existia além do vulto e da luz. Nem a si mesmo se via nem tinha noção de nada. Era como se existisse sem saber o que era, como era. E ouviu sons perfeitamente entendíveis.

- Não estás entendendo nada do que está acontecendo, não é? (Foi o que ouviu vindo do vulto. Agora via um vulto)
- Não! Tu sabes? (e se deu conta de que podia emitir sons como os do vulto, e podia articular idéias)
- Morreste no mundo em que vivias...
- E o que é morrer?
- Realmente, por tuas perguntas, estás morto e bem morto. Vou ter que te devolver um pouco de vida para que te possas lembrar...
- Ah!... Agora me lembro... Foi tão rápido... Eu estava em pleno assalto à casa junto com meus companheiros quando de repente tudo parou, e veio a escuridão, o silêncio... Foi um tiro, não foi?
- Foi!
- E agora? O que me vai acontecer? Posso voltar a viver?
- Não há como. Regras não se mudam. Regras e leis não se mudam. Já imaginaste o mundo, o universo, funcionar durante uns tempos, depois parar para descanso e voltar a funcionar? A verdade é imutável. Se for verdade, como é, que tudo o que morre morre para sempre, então não há a mínima hipótese de se ressuscitar. O que está feito está feito, e resta o mérito.
- Mas não posso voltar no corpo de uma criancinha recém nascida?
- Não... A criancinha recém nascida terá seus próprios méritos em sua vivência. Tu tiveste o teu.
- Mas nem como uma ave, uma planta, uma vaca...
-Não... A vida é uma oportunidade única. Na verdade, uma dádiva deste Universo.
-Então por que me falas, se o que me espera é a escuridão, o frio, o silêncio? O que me acontece a seguir?
- Nada. Nem terás noção dessas coisas, escuridão, frio, silêncio... É como se nunca tivesses existido para o Universo. Assim como um átomo que desintegra. É transformado em energia e outras partículas, e até pode voltar a ser átomo. Teu corpo, por exemplo, já está sendo transformado até ficarem apenas os ossos e  nem isso sobrará com o passar do tempo. A Terra transforma tudo.
- Mas há algo que não está de acordo... Eu morri e estou falando... E me lembro de toda a minha vida.
- Não há nada de errado. Depois da “morte” física, o cérebro ainda tem energia para ficar vivo por uns dez minutos. Nós estamos conversando nesses dez minutos. Depois te apagas definitivamente.
- Todos os que morrem conversam contigo?
- Claro... Mas só para o s que têm uma noção do que é “Deus”... Cada um conversa com o seu!
- Mas eu era ateu!
- Ninguém é completamente ateu... Só se é ateu como forma de contestação ou revolta contra o mundo no qual se surge e do qual se tem consciência. A grande pergunta “Quem fez tudo isso, o universo, a vida”, só tem resposta credível na ignorância de que só um Deus poderoso o poderia ter feito. E na hora do medo, todos pensam em seu Deus. Quem nunca pensou, pensa numa “força” invisível...
- Então... Tu não existes?
- Como não?... Não estamos aqui conversando? Não vês o meu vulto?
- Vejo... Mas dizes que estamos nos dez minutos em que meu cérebro ainda vive, e que há muitos deuses... Quem é o Rei dos deuses?
- Claro... Depois de completamente morto, com cérebro morto, querias pensar com o quê, se já não tens nem a energia de uma pilha gasta? E quanto ao Rei dos deuses, um só Deus basta para não ter com que se preocupar com traições, guerras... Essas coisas...
- Quer dizer então, que fazendo o bem ou o mal, enquanto vivemos, tanto faz, que o fim será sempre o mesmo, isto é, a morte completa e irreversível?
- Não... Aí não... A morte sim é completa definitiva irreversível... Quanto ao “tanto faz”, é que não... Sociedades mais violentas tornam o mundo mais violento, menos cuidado, leva à deterioração e posterior extinção das sociedades. Sociedades mais educadas, mais pacatas prolongam a vida da espécie e da vida no planeta.  No tempo deste universo, tudo depende do que “já passou”.
- Entendi... Mas de que... me... vale... s a b e r    a go ra   de... tuuuudo... isso?

Ouviu, mas já não conseguiu responder...

- Devias ter pensado...



® Rui Rodrigues

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A lógica dos ilógicos




1.      A lógica do ilógico

  • Se todas as mulheres se prostituírem, acaba o problema da discriminação da prostituição feminina.
  • Se todos os homens se prostituírem, acaba o problema da prostituição masculina.
  • Se todos formos ignorantes, acaba-se o problema da discriminação por conhecimento.
  • Se todos tivermos conhecimento, todos seremos igualmente capazes de contestar os governos e não haverá governos.
  • Se todos formos gays, acabamos com mais um problema discriminatório.
  • Se todos formos só brancos, só negros, só amarelos, verdes, azuis, cor de rosa, ou furta-cor não haverá discriminação racial.
  • Se todos formos ateus, não haverá problemas de religião.
  • Se todos gostássemos só de ovos, o gado se extinguiria, o mar estaria coalhado de peixes sem espaço para nadarmos, e não se veria o chão de tantas galinhas espalhadas pelo planeta.
  • Se todos formos comerciantes de trigo, não haverá para quem vender.
  • Se todos fossemos do Flamengo não haveria outros clubes, não haveria FIFA nem similar.


(Me digam onde existe um planeta assim, sem problemas, para que eu não vá para lá. Deve ser um tédio, uma imobilidade vivencial, um imobilismo social, onde se deve dormir por ciclos consecutivos de dia e noite para “passar o tempo”). Nossos problemas são de solução de continuidade infinita por que sem eles, nossa existência não se justificaria. São as diferenças entre nós que movem a nossa existência. Impor idéias é infrutífero. E quando são impostas, duram apenas um lapso de tempo. Só mais uma...

  • Se todos fossemos médicos cientistas, a morte continuaria nos varrendo da face da terra. O mundo é como é – ainda que não o entendamos – e não como imaginamos que gostaríamos que ele fosse.


2.      Risco Real de Guerra

De repente, no dia Zero, ainda de madrugada, tropas pára-quedistas da OTAN Saltarão sobre a Criméia e territórios Ucranianos sublevados por separatistas apoiados pelo governo de Moscou. As tropas aerotransportadas serão apoiadas por terra por exércitos da OTAN e da EU. A China se absterá embora condene. O Bósforo será fechado por frotas.

O posicionamento da invasão será no sentido de que o território ucraniano separado da Rússia continuará ucraniano. A população que não quiser ser ucraniana ou fica em paz ou volta para a Rússia.

O desenrolar dos acontecimentos nos dirá da gravidade da situação, porém no mundo atual, antes e sempre, não se pode deixar que a violência unilateral tome o poder do mundo livre, quer seja de forma violenta, quer seja por subterfúgios como foi o caso da anexação da Criméia pela Rússia que parece voltar a ser uma URSS.

É bom começar a pensar em fazer estoques. Guerras, quando começam, começam da noite para o dia.




3.      O “Banco Bric”

A Rússia está sob sanções da Comunidade Européia e dos EUA e tem altos índices de corrupção. A Índia tem problemas de alta corrupção, balança comercial e sociais. A China tem todos estes problemas e uma moeda reconhecidamente fora da paridade real, além de se ter revelado altamente capitalista, com enormes diferenças sociais e baixos salários, quase um regime de escravidão. A África do Sul enfrenta também problemas de corrupção. Pelo menos se livraram do Apartheid, mas nada melhorou sensivelmente por lá. Brasil já conhecemos... Nossa! Com os donos do dinheiro mundial no FMI e no Banco Mundial, o Banco Bric vai pedir dinheiro a quem? Como já falta dinheiro na bricolândia, Já sabemos... Vão aumentar os impostos para alimentar o BB... Com mais um B, teríamos um BBB “Banco Bric Banquetário” financiado pelo trabalho escravo das populações... Novos projetos? Estão todos superfaturados...




4.      Receita do Rui - "Ratatouille do desespero"...

Ratatouille normalmente se faz no forno... Esta é na panela mesmo, por ser do "desespero", aproveitando ingredientes de sobra. 

Então vão para a panela:

- Meia cebola grande de ontem da geladeira, cortada em nacos
- Uma coxa de frango assada que restou de ontem, 
- um cubo de caldo de galinha caipira
- Uns 10 cm de chouriço tipo português que morria de congelamento no freezer cortado em cubos (calabresa serve)
- Uma berinjela e meia próximas do vencimento
- Um tomate cortado aos cubos tanto quanto se possa "cubar" um tomate
- Orégano
- Uma pitada de manjerona 
- água suficiente apenas para cozinhar e dar um molhinho (meio copo de água deve ser suficiente) - controle
- Queijo ralado

(não use sal porque os ingredientes já têm bastante)

Deixe que cozinhem, conversem e se entendam os ingredientes durante o cozimento, enquanto você aguarda com um vinho tinto seco tomando uns goles de vez em quando...

Quando estiver tudo no seu ponto (depende se gosta de pasta, meio cru ou cozido com molho), retire coma acompanhado de torradas ou "crotones" se desejar(pão em cubos passados no azeite e quase torrados numa frigideira, com ou se alho) ...

Boa quinta feira


5.      As pessoas não morrem quando "morrem"...




Elas ficam durante algum tempo entre nós pelas lembranças...

Hoje me lembrei do meu grande amigo Decker, gaúcho, um sujeito muito parecido comigo... Quase um irmão... Gostávamos de uns churrascos com cerveja e vinho da "colônia"... "Colônia" era o Uruguai antes do Mujica. Bons vinhos, tudo muito mais barato do que no Brasil... De vez em quando ele atravessava a fronteira. Mas que fronteira? Aquilo era um portão aberto, uma porteira escancarada... Qualquer velho ativista de esquerda sabia disso... Era mais fácil passar por lá, uma fronteira pequena, do que a da Alemanha Oriental para a Ocidental. 

Se passássemos este final de semana com nossas famílias, certamente teríamos os mesmos sentimentos: Termos sentimentos argentinos no jogo de hoje entre Brasil e Holanda, e alemães amanhã contra a Argentina...

Ah... O Uruguai... Tem bons vinhos, sim... Tem é que descobrir onde os vendem. Um dia ainda passo pelo Uruguai... Quem sabe? Acabo de descobrir mais um gol da Alemanha ao abrir uma lata de cerveja. Heineken... Mas Heineken é holandesa, não é? Parece que a Holanda também marca gols. E de gole em gole, enche-se o buxo. Sai tudo na urina com o tempo...

® Rui Rodrigues

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Os Herdeiros

Os Herdeiros




Foi numa segunda feira enevoada, pelas duas e pouco da manhã que o aparelho surgiu nos radares dos controladores de vôo do Aeroporto Eduardo Gomes de Manaus. Primeiro pensaram que se tratava de um vôo da TAM vindo do Rio de Janeiro (vôo 03250). Depois pensaram que era um outro, que chegaria com uma diferença de cinco minutos, vindo de Fortaleza (vôo 03742). Mas estranhamente o sinal era intermitente, como se o avião ora estivesse “lá”, ora desaparecesse para reaparecer logo mais perto por breves instantes. Aquilo era muito estranho. Talvez um defeito do radar. Eram 01:48 da madrugada de uma segunda feira. Pela velocidade, absolutamente normal, chegaria ao aeroporto em aproximadamente dois a três minutos. Nenhum pedido para pouso tinha sido escutado no centro de controle de vôos, vindo do avião que se aproximava. Quem consultasse as informações da Infraero sobre chegada e partida de vôos, através da NET leria “Informações fornecidas diretamente pela Infraero. Não nos responsabilizamos por conseqüências resultantes de possíveis erros ou omissões.  Atualizado em 07/07/14 02:05:25 (Horário de Brasília)” [1].



Os bombeiros foram avisados, a defesa aérea também, o aeroporto Eduardo Gomes transformou-se numa praça de combate a incêndios, ambulâncias indo para a pista, aviões de caça nos ares. O avião “esquisito” poderia ser de narcotraficantes, estar com defeito ou ser um “intruso” de potência inimiga, mas aqui pela América do Sul, sempre historicamente em paz, não havia potências e muito menos inimigas. Era exatamente uma hora e cinqüenta e cinco minutos quando na direção da cabeceira da pista surgiram as luzes de um avião, preparando-se para aterrissar. Estupefatos, os controladores de vôo viram um avião, um Boeing 737, todo tão pintado em tons de verde que nem se enxergaria direito se visto do alto enquanto sobrevoasse a floresta amazônica. Parecia uma árvore voadora toda iluminada, brilhante, como se mil holofotes estivessem apontados para ele.

Pousara impecavelmente. Todos os carros de bombeiros, ambulâncias, carros de apoio, empregados do aeroporto, forças policiais, o aeroporto inteiro parou para ver o que aconteceria em seguida. Logo que se imobilizou na pista, as três portas se abriram. Escadas foram baixadas diretamente do avião, tapetes brancos foram estendidos escorrendo das escadas, desenrolando-se até a entrada do saguão do aeroporto. O próprio tapete tinha lâmpadas pelas bordas que iluminavam para cima com bastante intensidade. Então eles apareceram. Hoje sabemos que eram os “herdeiros” que havia chegado. Naquela oportunidade, Lá no aeroporto, uns pensaram que era “mágica”, outros que era uma propaganda por causa da Copa do Mundo de 2014, outros que era algo “divino”, a volta de Jesus Cristo, milagre de um santo. Só uma criancinha se atreveu a dizer em sua inocência lógica: “ - Olha mãe... São extraterrestres!” Disse isso quando duas pessoas apareceram na porta da frente: Uma bela mulher de pele marrom, olhos azuis, cabelo branco como a neve, vestida com um lindo vestido branco todo bordado, acompanhada de um homem de pele de batráquio, em tons verdes, enormes olhos negros, cabelo vermelho. A população que assistia ao desembarque emitiu um alto e longo “Óoooooo” como se fosse um gol salvador perdido aos noventa minutos da prorrogação de um jogo de final de Copa do Mundo. Depois gritaram amedrontados e horrorizados. Enquanto o casal ia descendo as escadas do avião, seres parecidos iam aparecendo minúsculos, que logo inchavam até as proporções e estaturas naturais humanas, como se o contato com o ar os fizesse inchar. Era um exército. Parecia que tinham viajado “comprimidos”, miniaturizados, até que a atmosfera terrestre os fizesse recuperar seu tamanho natural. Num avião só poderia caber assim o maior exército da Terra, com milhões de soldados. Começaram a aparecer por “equipes”: Os vestidos de branco, os de vermelho, os azuis, os laranja, depois cores combinadas. Cada grupo tinha sua função. Alertas foram dadas pelo rádio, e de longe vôos começaram a ser fretados, trazendo jornalistas de todo o mundo. O chefe de polícia de plantão no aeroporto, um tenente de cara patibular, cheio de condecorações, dirigiu-se ao casal que tal como reis, já haviam chegado ás portas do saguão, e lhes perguntou:

- Quem sois? De onde vindes?
- Somos os Herdeiros da Terra, desta Galáxia. Onde estão os vossos reis? Queremos negociar com eles.




Seguiu-se uma conversa entre o tenente e o casal, o tenente tentando explicar em breves momentos, de forma apressada, como funcionava o governo nas cercanias de Manaus, do Brasil e do Mundo, coisa muito complicada para o entendimento do casal de reis recém chegado de um mundo onde tudo era muito mais simples: havia em cada planeta um só governo gerido por todos. Uma só nação em que seus habitantes defendiam a sobrevivência do planeta sem se preocuparem com fronteiras que nem existiam. Enquanto esta conversa decorria, as forças armadas entraram em prontidão, a ONU e a OTAN marcaram reunião urgente, e até a Rússia e a China foram convidadas para se unirem à OTAN. Não havia dúvidas que a Terra estava sendo invadida. Por todo o globo terrestre templos e igrejas conclamaram fiéis para a oração, as portas se abriram para refugiados e carentes de consolo. Quem tinha abrigos antiaéreos começou a abastecê-los com alimentos e água, produtos faltaram nos supermercados já no dia seguinte. Um simples vôo estranho abalara as fracas convicções e modo de viver de toda a humanidade. Tinha sido um vôo muito estranho, uma situação para a qual o mundo não estava preparado.  Manaus já havia caído, de forma pacífica, nas mãos dos “herdeiros”. Logo se seguiria o Brasil e o mundo. Os Herdeiros não traziam armas, parecia que conquistavam o mundo de forma completamente pacífica. No mesmo dia em que haviam chegado, uns artesãos dos herdeiros haviam começado a construir uma “arca da aliança”: Uma enorme caixa de Jacarandá, toda trabalhada, pintada em dourado, com dois enormes aviões na tampa, um voltado para o outro, em posição de subida. Um ligeiramente inclinado para a direita, outro para a esquerda. Começou também a construção de enorme Templo, todo construído com pedras de basalto. No centro do Templo, em cima de uma pedra negra de basalto, em forma de cubo com cinco metros de lado, ficaria a arca da aliança. Os sacerdotes dos Herdeiros, todos vestidos de azul, prometiam 25.000 céus à disposição dos fiéis [2]. Do dia para a noite, a religião mais incrível da história do planeta começava a governar a Amazônia, a Terra. Pelo terceiro dia de invasão dos Herdeiros, sacrificaram um deles no fogo, queimando-o vivo, enquanto diziam que ele morria para salvar a humanidade. Logo lhe erigiram estátua em forma de labareda. Os fiéis se juntaram aos milhares, aos milhões. Qualquer símbolo quer fosse da arca da amizade, da pedra cúbica preta, dos 25.000 céus simbolizados numa pedra enorme de ágata, ou pela labareda, era motivo para prostração, procrastinação, adoração, meditação. Os reis dos Herdeiros tinham feito um acordo com as autoridades da Terra: Em nome da boa vontade e da paz, fariam transferência de tecnologia – Apenas em parte – em troca do direito de abrir templos, evangelizar e propagar a fé por todos os cantos do planeta. Um dia perguntaram aos Reis dos Herdeiros:

- E como é a vida no planeta de vocês?




- Não temos fronteiras nem religiões. Aqui, quando chegamos, vos oferecemos o que de melhor vocês têm como religião. Se tivéssemos fronteiras e religião, não seriamos unidos, haveria guerras, teríamos morrido, nos explodido, não teríamos chegado aqui. Sintetizamos nossos alimentos dos minerais e não precisamos nos alimentar nem de carnes nem de vegetais. Cuidamos de nossos planetas, e quando a população total atinge níveis alarmantes, saímos para povoar novos planetas.  Somos Reis simbólicos, porque quem manda em nós é a vontade do povo. Viemos de Andrômeda, de planetas do sétimo sol da sétima espiral da Galáxia, a contar da direção Andrômeda x Via Láctea, no sentido de sua rotação. Pretendemos criar uma colônia em Marte. Não nos miscigenamos porque nosso ADN não pode ser alterado por princípios. Podemos rever este princípio, mas vós tendes de aprender a não querer ser superior a ninguém, nem mandar nos outros. O princípio fundamental é “Conviver”. Esta é a nossa constituição de uma só palavra.

Os Herdeiros da Terra não tinham sido os dinossauros, nem um povo, uma nação... Os herdeiros eram intrusos.

® Rui Rodrigues  






[1] Pelos vistos a atualização da Infraero não é feita nem de cinco em cinco minutos, nem de dez em dez minutos. Parece não haver regra para as atualizações. E pelos vistos, a Infraero não se responsabiliza por nada, no que é copiada em grande parte pelas companhias aéreas. Um dia os passageiros terão que comprar seus próprios pára-quedas e levar seu lanche a bordo, contratando suas próprias aeromoças, muitas delas sem serem moças nem mocinhas. Simpatia poderá até ser comprada por “grau”: Aeromoças mais simpáticas custarão mais caro por vôo.
[2] Fiéis seriam todos aqueles que “acreditassem” fielmente, sem se questionarem nem questionar os princípios da religião dos Herdeiros, sendo pacatos, bons, e aceitassem sem reclamar as leis do templo, tornando assim mais fácil o governo dos fiéis pelo governo e pelos sacerdotes. 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Eu tenho um relógio.

Eu tenho um relógio.



Relógios marcam o tempo, o que quer que isso possa significar dada a sua relatividade mostrada e provada por Einstein. Meu relógio tanto está no coração, como no meu cérebro. Ele pula de um lado para o outro, assim me corre a vida. Tenho problemas com o “tempo”. Apressado chego a chegar atrasado, preguiçoso chego a chegar antes do tempo, mas normalmente estou no horário de quem cruzo pelo caminho da vida. É assim que entendo quando pergunto as horas, me respondem e confiro pelo meu relógio de pulso: Sempre conferem, mais minuto menos minuto, mas isso é problema de quem “acertou” os relógios com que mede o tempo comum. Não é o tempo de chuva, calor, frio ou sol. É o tempo, essa medida tão esdrúxula com que se medem os anos, o nosso imprevisível, inconstante e imponderável “viver”, outro aspecto da vivência que não tem um significado bem definido. Viver para uns é uma obrigação, para outros uma necessidade, e há quem faça da vida uma ambição perpétua, coisa que sabemos não o ser.



Esperei a semana inteira, ansioso, para me encontrar com Hortênsia que não cheira a hortênsias, mas a Noah, um perfume francês de ensandecer qualquer macho viril que anseie por uma fêmea pronta para a união de corpos, desejos, anseios, gozo, prazer. Meu relógio me enganou durante toda a semana, fazendo-me sentir que o tempo, aquele tempo dos relógios comuns, estivesse atrasado, mas Hortênsia, que nunca tinha sido verdadeiramente minha, porque era de quem ela queria ser, já não era mais “minha”, coisa que descobri tempos depois do tempo a que me refiro, essa longa semana. Foi nessa noite, do final de semana, que percebi esse duro fato, principalmente porque o tempo do amor em comum, que deveria ser breve para ser gostoso, se transformou numa eternidade dolorosa de explicações do óbvio: Já não era como antes. Algo muito importante mudara e não foi no tempo, mas foi durante o “tempo”, tempo de uma semana, que tudo mudou, o mundo parecia ruir. Uma catástrofe? Não! Sempre falta tempo para quem muito quer, sempre sobra tempo para quem quer apenas o necessário. E com tanto tempo disponível na vida, outras Hortênsias apareceriam. Talvez Rosas, Margaridas, Flores sem nomes de flores, sem cheiros de Noah, talvez com cheiro de Channel, ou apenas com o cheiro do corpo, natural como a natureza, úmida como o orvalho, um perfume que é “da” mulher e não de mulher. Que importa o que fala no tempo, do tempo, se todo o seu tempo não é só de mulher mas de ser humano de gênero feminino ?



Nada no tempo mais o distorce do que os argumentos, as necessidades, as explicações, porque gostamos do tempo curto e não do tempo que muito dure, porque o tempo que demora muito, nos rouba o nosso “tempo”, aquele que mede os segundos imprescindíveis para sentirmos que vivemos e não que morremos. Parece até um paradoxo do tempo: O tempo mais longo é o que menos tempo nos faz viver porque é constituído de angústias. As esperanças não realizadas no tempo “previsto” nos encurtam a vida. È quando percebemos que lutar contra o tempo, nos prejudica o viver. Paciência parece ser bem melhor do que a esperança, porque nos torna a vida mais pacífica e tranqüila. O verde deveria ser o símbolo da paciência e não da esperança. Esperança, no tempo, parece ser um ideal sem participação. Um ideal inerte que depende nem se sabe de quê ou de quem. Pelo contrário, a paciência parece ser algo apenas temporário enquanto se verifica o progresso de nossas atitudes. Paciência é atitude. Esperança é inércia, loteria em que quase ninguém acerta, idolatria do irracional.



Recém-nascidos têm um relógio não se sabe onde, mas mais dias menos dias, nascem com nove meses. Alguns apressados nascem com sete meses, uns por que seu relógio se defasou, outros porque a mãe defasou o relógio do que seria o pai. Mas que importância isso pode ter se o Universo tem tempo eterno e nós, apenas uma tão ínfima parte que por pouco não “existiríamos”, se é que esse fato tenha alguma importância para o Universo, para a natureza ou para a vida de qualquer espécie outra que não a nossa... Recém-nascidos constroem seu próprio tempo. E mesmo na nossa, quem se importa realmente com a existência do próximo, desde que não tenha vivido algum tempo do relógio do tempo em comunhão de corpos, princípios, vivência?

Eu tenho um relógio. Tu tens um relógio. Todos temos relógios, mas não pensamos nas mesmas coisas no mesmo minuto em que estamos juntos, mesmo que discutamos o mesmo assunto, compartilhemos o mesmo minuto. E mesmo pensando nas mesmas coisas, as vemos  e interpretamos de formas diferentes mesmo que tenhamos de admitir que são diferentes, ou iguais, apenas “ligeiramente”.  E ficaríamos assim, eternamente no tempo, meio que confusos, meio que confundidos, sem noção do fim a que queremos chegar, não fosse a relativa importância do tempo de que tudo vem a seu tempo, sem sabermos o que é realmente importante, o que é o tempo, e o que é esse “tudo”. Viver apenas por viver como assistentes do tempo, assistidos pelo tempo, ou espectadores do tempo? Não. Não em absoluto. Um dia descobriremos que podemos fazer o “tempo”... Fazer acontecer no tempo o que queremos que aconteça, mas, como tudo é relativo, esta vontade factível não se aplicará a tudo. Apenas a uma pequena parte do quotidiano a futuro, assim como algo parecido em apostar numa roleta com a ajuda do croupier. Há quem ainda pense que “Deus” – seja ele qual for – é o Croupier. Mas, para se existir, é necessário  que se exista no tempo universal, e Deus precisaria existir nele. Não antes. Por isso, Deus é do tempo, e deste é Deus. Nasceram juntos, ambos eternos. E sendo eternos, não haverá fim dos tempos.



Como disse antes, eu tenho um relógio. Não quero ser eterno, e se não tem Hortênsias, buscam-se Rosas, Margaridas, e Cravos só na lapela em dia de festa se for moda. E quando for o tempo de não haver flores disponíveis para alegrar a vida, a vida se alegrará com outras opções do tempo. No tempo tudo que existe aqui está á nossa disposição.



® Rui Rodrigues 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Andou aí pelo mundo doando o corpo em troca de carinhos...

Andou aí pelo mundo doando o corpo em troca de carinhos...

(crônica de uma alma em qualquer lugar do vetor tempo e espaço, independente de gênero).



... Lavando-se e perfumando-se para atrair, para lavar o cheiro e o sabor dos dias já passados, como se assim toda a alma ficasse lavada. Carência de companhia, carência de amor mesmo que só desejo, sem nunca ter encontrado respostas para o mundo em que viveu. Teve muito tempo de sobra em sua vida, mas nunca desejou o conhecimento com os calafrios do suor do estudo porque o imediato era-lhe muito mais importante e premente. Ajudou as outras almas certamente, e há até testemunhas, mas sempre o fez ora para apaziguar a sua moral que lhe apontava um rol de erros irreparáveis com os quais não podia conviver, ora para que lhe dissessem, até pelas costas, que ali estava uma boa alma. Chegou até a ajudar almas para lhes conquistar a admiração, e até por compensação de seus desvarios anteriores. No dia de seu funeral seu corpo saiu inerte e duro de uma cama de hospital para a laje também fria do chão do necrotério, ali colocado displicentemente por funcionário apressado que não encontrou outro lugar enquanto aguardava o rabecão. Um mar de gente em passos comedidos e lentos acompanharam o féretro murmurando de olhos postos no chão que aquele corpo, agora sem vida, tinha sido uma grande alma.



Tinha vivido - na pobreza e na riqueza - sob a capa de uma pele genética que diziam ser linda na cor, na textura e na forma, apenas uma capa ilusória de um corpo interior sanguinolento da ponta dos pés ao mais interior de seu cérebro, preso com músculos moventes a um esqueleto ósseo. Quem via o corpo o admirava. Quem lhe via a alma se dividia: uns a amavam, outros a detestavam. Mas viveu a vida intensamente apreciando flores pelo cheiro e pela aparência, olhando o firmamento sem saber como se sustenta sem cair, trabalhando com a firme convicção que seu salário serve apenas para se sustentar e seu trabalho para compensar o favor de lhe terem dado essa oportunidade de trabalhar. Os impostos eram um bem necessário não importava como fossem usados. Não era seu atributo julgar o que não podia entender.  E se soubesse, se tivesse todo o conhecimento do mundo, que diferença lhe faria? Sempre achara que o que justificava a vida eram os bons momentos, a alegria, o conforto, a segurança, o prazer e para isso era necessário ter dinheiro. Como consegui-lo tinha que parecer honesto aos olhos de duas entidades: A justiça e o conceito dos amigos e conhecidos. Se aos olhos de alguma destas entidades seus atos não parecessem honestos, poderia perder a liberdade ou o convívio. Sua vida passou então a ser dependente de sua esperteza em apregoar seu lado bom, esconder seus males e suas maldades na vida. Quem via essa alma escondida num corpo coberto por uma pele bem dotada geneticamente, jamais poderia perceber o rio negro que lhe inundava o dia a dia. O mundo era de aparências, de sorrisos, de mostrar sentimentos treinados em família, nas escolas, em sociedades, também escondidos em família, nas escolas e para as sociedades. A teatralidade não como expressão para divertir, mas como expressão para sobreviver o melhor que pudesse. Tinha sido assim a sua vida, sempre caminhando ao longo de um corredor cheio de portas fechadas, outras abertas, algumas fechadas que pôde abrir, algumas abertas que não escolheu para entrar.



Teve que passar por cima de muitos conceitos e muita gente durante sua breve vida. Primeiro começou a transgredir em pequenas coisas, como roubar um brinquedo de outra criança ou comer biscoitos sem autorização. Aprendeu que as pessoas cuidam muito desse tipo de bens materiais e se cuidam muito para não serem roubadas. Não valiam o risco de tentativas de furto que poderiam ser detectadas e causar-lhe um enorme dano irreversível a seu conceito na sociedade em que vivia, mas aos poucos foi aprendendo que só havia dois meios de lesar os outros sem que percebessem: Ou tendo poder para amedrontar fazendo calar a vitima e impor sua vontade, ou agindo sobre a ignorância alheia, quando só muito tarde as vítimas percebiam que tinham sido logradas, sem provas para apelarem junto à justiça, ou contarem a verdade para a sociedade à sua volta. As vítimas geralmente escondiam os fatos para não passarem por perdedoras, perderem seu conceito na vizinhança e serem confundidas com pessoas menos dotadas de inteligência. Nenhuma alma vivente gosta de ser considerada menos inteligente, menos esperta ou perdedora.  Percebeu também que o mundo em que vivia era construído em grande parte sobre uma forte base conceitual de amor próprio. Forte por ser difícil de amenizar, mas fraca porque são apenas conceitos de um tipo de bem que se deseja e não que se possua realmente: As pessoas em geral não vivem neste mundo o que são, mas o que gostariam de ser. 



O momento em que mais foi comentada aquela alma, em toda a sua vida, tinha sido no dia de seu funeral. Depois, a cada dia que se passava, menos de seus conhecidos lhe comentava a existência, até que apenas foi lembrada por algumas de suas vítimas, em suados pesadelos noturnos, porque nunca conseguiram superar as suas perdas. Vista a humanidade como um enorme conjunto de corpos ambulantes que se movem por uma química molecular reprodutível, nada precisa ser explicado ou ter uma explicação intrínseca, porque a reprodução e a manutenção da espécie justificam mais do que o individuo por si mesmo.  Porém, visto o indivíduo como a parte que se reproduz, com ou sem alma, com ou sem moral, se justifica do mesmo modo: Há que se reproduzir e adaptar para a espécie não perecer nos vetores de tempo e espaço. As aparências genéticas, os perfumes e os banhos são a parte de apresentação para o fim da sobrevivência, as roupas parte de um figurino que deve estar sempre limpo e atualizado. Nossas filtragens de quem nos acompanham na vida se fazem considerando essas aparências e o aprendizado em separar o “bem” do “mal”, sem considerarmos, porque nos é impossível, que o bem de um é o mal de outro e vice-versa, num emaranhado de situações que nos escapam quase por completo: Não podemos saber de tudo, e muito menos de um estado de espírito guardado num corpo e que pouco se revela para o mundo tal como realmente é.



Não nos admiremos, pois, que pessoas aparentemente intocáveis em sua moral e ética e nas quais acreditávamos, venham a trair nossa imaginação em maior ou menor grau do que aparentavam ser. Nós mesmos somos capazes de destruir a moral de um ser por um ato isolado que nos interessava – desprezando todos os outros de moralidade irretocável - exatamente para que possamos destruir a reputação desse ser que no fundo queremos ver destruído? São muitos os matizes e as tessituras de nossa forma de pensar, e para cada erro nosso conseguimos sempre lhe dar uma explicação plausível que nos desculpa perante nós mesmos e os outros.

Andou por aí, como todos nós realmente andamos, doando o corpo em troca de carinhos ou guardando o corpo por falta deles como castigo ou autopunição, dando-nos “beijinho no ombro” como parte de um teatro da vida cuja função é a perenidade da espécie e não do indivíduo. E enquanto nos preocupamos com o nosso interior, é ele mesmo que é ambicionado por empresas, governos, que buscam conhecer-nos nos mínimos detalhes, quer para nos vender e estabelecerem preços de produtos em função de nosso perfil pessoal, quer para conseguir votos ou saber até que ponto uma população pode suportar o sufoco do governo sobre nossas vidas. Finalmente a humanidade se volta para dentro de si mesma, mas há que duvidar das intenções. Alguém já disse: - “Conhece-te a ti mesmo para poderes julgar os outros”, e sua intenção era exatamente essa.  Três mil anos depois a frase começa a acontecer de fato, mas sem ninguém se importar em se conhecer realmente a si mesmo. O amor começa a ser decomposto em suas partes essenciais que antes pensávamos não existirem. Sempre pensamos que o amor era a parte mais nobre, pura e indivisível do sentimento, assim como se pensava sobre o átomo, até descobrirmos que o átomo é uma composição de partículas.  A humanidade quer conhecer o indivíduo. 


® Rui Rodrigues