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sábado, 19 de setembro de 2015

O velório do “Homem” [1].



O velório do Homem (individual).



A criança estava febril. Ardia em febre há dois dias. A mãe fazia o que podia para baixá-la, passando panos úmidos pelo corpo da criança. Sabia que a evaporação da água fazia baixar a temperatura. Tudo o que ela mais queria era que o marido conseguisse chegar a tempo á vila mais próxima e trazer o doutor. Provavelmente faria uma sangria na criança, ou quem sabe, trouxesse sanguessugas para evitar incisões. As sanguessugas chupam o sangue e fazem quase o mesmo efeito. Se o médico fizesse sangria, então sim, o caso seria grave. Até a vila eram dez quilômetros por uma estrada de terra nua e crua por onde passavam carruagens com passageiros, cavalos e condutores insensíveis. Não paravam nem acenando. Por segurança, as carruagens não viajavam á noite. O marido fora a pé por aquela estrada de terra nua e crua, por onde não passam carruagens á noite e que nem parariam mesmo que se lhes acenasse, sujeito a ataques de lobos [2]e assaltantes, para trazer o médico que não sabe se o atenderia. Tudo para salvar seu único filho. Quando a mãe sentiu a mão do filho esfriar ficou satisfeita. Finalmente a febre cedera. Passou-lhe a mão pela testa. Estava gelada!... Foi então que se deu conta da morte do filho. A criança estava morta. Culpou e maldisse o marido que estava atrasado, mas reconheceu que o coitado tivera que ir a pé porque o único cavalo que tinham estava com a pata quebrada. 

O marido nunca chegou a saber que a criança falecera e que sua esposa ainda jovem, ficaria viúva, voltaria a casar, e teria um filho de outro homem. Seu cadáver foi encontrado á beira da estrada espancado por bandoleiros, as carnes esfaceladas pelos lobos.
Uma senhora das redondezas, numa visita de solidariedade em que levou á viúva o ultimo presente que lhe daria, um pão que pesaria mais ou menos um quilo, comentou que a vida era assim mesmo, que deveríamos ser fortes e solidários, e que se precisasse de alguma coisa que ela estaria “ao seu dispor”... Meses mais tarde a viúva até precisou, mas a vizinha do pão não tinha mais nada para lhe poder oferecer. 

A vida realmente era assim. Nem houve velório porque as casas eram muito distantes umas das outras, o padre não ia á Igreja todos os dias, só uma vez por mês e o dia de voltar estava ainda longe, e o que o marido tinha deixado era uma pequena propriedade onde cultivavam o essencial, cheia de dívidas, além de uma fama de família honesta, trabalhadora e boa pagadora até então. Depois da morte do marido, até a fama seria enterrada, como ele, em cova rasa na parte dos fundos da propriedade. A lua daquela noite nada tinha de romântica. A essência dos momentos e a disposição é que fazem o romantismo. Mas isso foi em 1825 lá nos pampas do Rio Grande do Sul, numa pequena propriedade do quinto distrito de Piratini, entre um capão e outro dos tantos que se vêm por lá. A ultima ovelha foi a abate logo na semana seguinte. A viúva não tinha mais nada. Só a pequena propriedade cheia de dívidas. Para a carne durar mais teve que salgar boa parte.

O velório do Homem (particular).

Em 1971, 150 anos após o incidente, um órgão, apresentado como o pênis de Napoleão, apareceu no Christie's Fine Arts Auctioneers, em Londres.

Lá no meio do salão de velórios do cemitério, havia muitas flores em vasos, coroas de outras com fitas letradas encostadas no esquife, de madeira envernizada escura, com alças douradas que jazia, mais imóvel que o próprio defunto, sobre pedestais de mármore branco luzidio. Flores, defunto e vivos, tinham todos aquele aspecto amarelado de coisa morta, o cheiro das flores sobrepondo-se á dos perfumes franceses da França ou franceses do Paraguai. Apenas o cachorro estava sentado ao lado do esquife. De vez em quando dava uma volta ao redor, levantava o nariz, cheirava, gania, e voltava a sentar-se. Lá no meio da gente sentada em confortáveis cadeiras, uma senhora idosa, toda vestida de azul noturno, incluindo o chapéu e os sapatos de veludo, perguntou para um senhor a seu lado de terno cinza, camisa cor pérola, gravata preta, lenço preto no bolso pequeno do paletó, chapéu preto, sapatos pretos, cabelo preto e bengala de ébano, num luto total:
- Morreu de quê?

- De assalto. Os bandidos furaram o meu amigo com uma faca de cozinha chinesa, dessas que soltam o cabo e não cortam nada depois do primeiro uso. Foram umas seis facadas. Ele estava no ponto do ônibus e foi assaltado. Ele que sempre anda de carro... Ele tem um carro, mas estava no conserto... Que infelicidade, não é minha senhora? Que azar...
- Muito... Ele era rico?
- Não... Ou melhor, era sim minha senhora, foi! Melhor dizendo, e na verdade, foi rico, mas só deixou dívidas.  
- É... Sim... Mas que fazer... Sabe me dizer se há mais alguma sala de velórios neste cemitério?
- Há sim, minha senhora! Agora mesmo estão velando um sujeito que a mulher cortou em pedaços, pôs dentro de três malas e enterrou perto de uma placa de trânsito á beira da estrada. Porque perguntou?
- Porque esse é que é o defunto que vim velar, o da esposa que esquartejou o marido. Pensei que fosse este. Sabe... Não conheço ninguém. Eu era a amante dela.
- Acho que a senhora não ouviu bem. Não se trata “dela”. Quem morreu foi “ele”, que era empresário e tinha uma fábrica de salsichas. Dizem que as salsichas da fábrica dele têm mais pasta de papel reutilizado e aromatizantes que carne, e mesmo sobre a carne têm dúvidas sobre a procedência.  
- Ouvi muito bem, meu caro senhor. O senhor é que não entendeu. Eu era amante “dela” - a viúva dele - mas ela é que era “ele” na minha relação com ela. Entendeu agora?
E sem esperar resposta, a senhora de azul noturno levantou-se da cadeira e caminhou com um andar de roçar os dois lábios vaginais um no outro, até a sala vizinha onde se velava outro defunto, também alheio a tudo, cercado de flores e gente amarelada, mas sem cachorro amigo que soubesse prantear. Em vez do cachorro havia uma criança correndo pelo salão. Um senhor se acercou dele e perguntou:
- Você deve estar muito triste por ter perdido o papai, não é, pobre criança?
- Eu não sou pobre. Vou ser muito rico. Minha mãe está presa por ter esquartejado meu pai, que está irremediavelmente morto, olha só pra ele ali no caixão, e a fortuna deles vai ser só minha. Minha mãe tinha uma amante que era igualzinha a meu pai, porque discutiam muito. Um dia vou esquartejar ela. Olha ela lá...
E apontou para uma senhora que entrava no salão do velório, toda vestida de azul noturno desde o chapéu aos sapatos de veludo. O senhor olhou para a mulher, bela, certamente sem sombra de dúvidas, e perguntou ao garotinho:
- Você a odeia?

- Não moço...Mas quando puder ainda farei sexo com ela. Deve ser muito gostosa. Depois é que esquartejava. Quando se  é de menor não se vai preso. É apreendido. Se eu demorar muito, vou preso. E não conta nada do que eu te disse pra ninguém, senão solto os meus cachorros lá da comunidade...
Mas isto é coisa do mundo atual. Evoluimos muito mas não sabemos nem para onde nem para quê.










O velório do Homem (múltiplo)



A professora de antropologia mostrou para a turma um velho esquema da evolução do homem. Realmente os desenhos mostram um “homem” supostamente “macho” desde quando caminhava em quatro patas até seu andar bípede em cujo trajeto muita coisa mudou incluindo a perda de grande parte da pelagem. Hoje em dia, na vã esperança de uma evolução mais rápida, homens e mulheres raspam todos os pelos escondidos para parecerem mais “limpos”. Deve ser por estarem - supostamente, coisa de Freud - cercados de muita sujeira de todos os tipos físicos e morais. A turma toda ao ver as imagens já sabia que elas se referiam á espécie “homo” e não homem, incluindo homens e mulheres, cujas diferenças físicas principais são apenas na genitália, nas mamas (são mamíferos) e nos contornos do corpo. No restante são iguais. Nas diferenças no “pensar” é apenas uma questão de educação tradicional, porque a moral muda a cada era ou período geológico. Ao longo dessa evolução houve bilhões, trilhões de velórios. Outros, a maioria, foram enterrados em cova rasa sem cruz nem nome. Cruz é geometria recente. Nenhum dos mortos veio á luz reclamar de coisa alguma do seu tempo. Mortos não falam. Políticos sabem muito bem disso. Inteligência e esperteza são dois atributos animais muito diferentes. Os ignorantes pensam que esperteza é inteligência, porque não conhecem a inteligência em todo o seu esplendor. Os inteligentes, evidentemente, aceitam a esperteza, mas lidam com ela como os gatos lidam com ratos: Primeiro brincam, depois os comem. O que se muda hoje, e se mudou ontem, será mudado amanhã, porque homens e mulheres vivem de moda para “experimentar” e muito pouco da moda atual sobra para os tempos do futuro. Ao fazermos apologia da moda, estamos descuidando do principal, que é a razão e a inteligência, e enquanto nos preocupamos com a moda, vamos poluindo rios, oceanos, atmosfera, preparando, então sem flores, o velório do “homo sapiens”. Os espertos não sabem de onde surgiu o homo sapiens. Apenas sabem que existe e nem percebem que já mudou. Somos o “homem inconseqüente” ou “homo temerarium”. Não somos Sapiens... Só alguns!E se a vida fosse "perfeita" não seria necessária a evolução. 

® Rui Rodrigues






[1] “Homem” é um termo geral. Talvez tenha que ser substituído por “macho” para que se estabeleça uma diferença que delimite os diversos e infinitos graus do que se possa entender por “ser homem”. O termo “hetero” já parece ser uma corruptela de “macho” na terminologia do mundo gay.
[2] Lobo Guará. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Com corrupção e má administração nem placas adiantam.


Quando se passa por cima da constituição, das leis, se rouba, vai preso, e só se devolve menos que meio centésimo de tudo que foi roubado, placas proibitivas não adiantam nada. O primeiro pensamento que prevalece é que se eles podem, o problema não é de moral, nem de ética, é da forma como se aplica e interpreta a lei. O povo está pau da vida por causa disso.

Aqui no Bairro das Dunas do Peró – antigo Loteamento Caravelas do Peró - há duas placas: Uma dizendo que a área é da APA do Pau Brasil, e que impede uma antiga trilha de “motocociclanagem” sobre as dunas de areia, e outra que deveria impedir o acesso de automóveis á praia. De vez em quando aparecem alguns veículos que vão desde a Ponta do Pontal até a das Conchas, no outro extremo. Volta e meia aparecem “motociclistanas” que por serem sacanas contornam a placa só pra não sofrerem acidente. Para ambos, motociclistas e automobilistas passadas as placas o caminho está livre em qualquer sentido. Deve haver muita gente nas prefeituras que trabalham fora da “alocação” indicada, porque não se vê ninguém para fiscalizar. Há “trilhas” pela APA, e não são de onças, antas, cotias ou tatus... Onde moro não faz parte da APA. É um Loteamento legalizado. Pagam-se e devem-se impostos, assim como também se devem obras de infra-estrutura e não é uma: São todas as obras de infra-estrutura. Nem água potável tem, nem linhas de telefone fixo nos lotes mais perto da praia. Fiz uma consulta na Oi para instalação de linha fixa, o que facilitaria a instalação de Internet: Fui avisado que não há viabilidade no meu bairro. Como não há, se a linha seria fixa, através de fio? Assim como não posso obrigar a que coloquem fiscais para que se ponha ordem no lugar, também não posso obrigar a que a OI instale linha fixa aqui. Governos incitam a que “façamos a nossa parte” para se eximirem da culpa... Quando “fazemos a nossa parte” dão desculpas para não continuarem atendendo. Política se transformou em sinônimo de Mentira. Temos governos “desculpistas”, e se reclamamos e pedimos impeachment, dizem que somos golpistas... Ora não é ela, a suprema governanta, que tem o apoio dos governadores, ávidos por grana como filhotes de Cuco, de boca aberta e ávida, e traseiros gordos, para que se aumentem impostos como a CPMF? Precisa de dinheiro? Que use a CREFISA – crédito para negativados... Mas quando o (des) governo quer dinheiro tira de você, cidadão, e te empurra para a CREFISA, a “salvação” dos negativados...


As eleições estão chegando. O pesadelo Dilma não dura mais de três anos e meio, se tanto... E vão nos empurrar goela abaixo os candidatos que os partidos querem, daquela velha guarda surrada, viciada em tudo e em ambição de qualquer tipo, e seremos obrigados a votar...

Não entenderam – isto é, não quiseram entender - nada das reivindicações das ruas... Dilma não é ANTA... Antas somos todos nós... Ela é outra coisa que não se sabe se é ou não é, nem o que é, melhor lugar seria em circo junto com o homem anão, a mulher barbada, e o homem com pés de elefante. Quanto á natureza, por estes dias de ressacas, ela deu um jeito: Levou areia da praia, tornou-a mais baixa, as dunas foram cortadas como que por maquina de terraplanagem, formando um “paredão” que por vezes passa dos dois metros de altura impedindo a entrada de automóveis na praia. Na próxima ressaca o mar trará de volta a areia que levou e com acesso ao loteamento, os carros na praia. Tem sido sempre assim ano após ano, e já lá vão onze anos sem que a maré da "boa vontade" - que impere sobre a da OBRIGAÇÃO - da Prefeitura se tenha estendido até este Loteamento. Só temos energia elétrica cara e um pouco de iluminação de ruas. Do resto, não temos absolutamente mais nada!...


® Rui Rodrigues   

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Selos, economia e beleza comparada.



1.   Para que servem os selos que “selam”?

Ainda não aprendemos a falar com a natureza... Não aprendemos nem a língua dos passarinhos, não sabemos o que dizem as vacas quando mugem, os carneiros quando balem, as baleias quando emitem aqueles sinais sonoros que são composições musicais, obras de arte...

Nem sabemos porque temos pés, membros, cabeça, olhos, nem como "ficamos assim" como somos, se foi uma obra da natureza, ou se "evoluímos assim". Há quem nem pense nisso de tão complicado que parece ser. Assusta!... Para simplificar, uns dizem que "fomos feitos assim"... Para complicar, porque nesta vida nada é assim tão simples que possa ser tão simplificado como E=mc2, Darwin disse que "evoluímos"... Mais tarde Freud veio complicar ainda mais o entendimento da "evolução"... O "Efeito Freud-Darwin"' é devastador nas mentes mais simplistas em terráqueos....Todos amam o simples, por um motivo muito simples: Não é nada complicado!

E estamos aqui nos perguntando sobre os lacres, suas necessidades. É obvio que um lacre não rompido significa que é íntegro, secreto, não foi violado... Entendemos isso desde cartas trocadas entre governantes, até pacotes de produtos de supermercados... É importante, não é? Todos – homens e mulheres - gostam de “coisas” só para nós...

Mas... E o hímen, o tal selo da natureza?

Várias espécies de mamíferos têm hímen, como as éguas e as fêmeas de hienas, toupeiras e porquinhos-da-índia, baleias, golfinhos e dugongos (um parente do peixe-boi).
Porque a natureza colocaria hímen nestes mamíferos? São eles capazes de entender o significado do hímen e classificar as suas fêmeas? Ter hímen significa que a espécie é inteligente e pode perceber, quando se acasala, os aspectos morais da "virgindade" ? Ou não há aspectos morais, isso nem interessa?

Conheceram-se na roça, namoraram durante anos, casaram,e ficou uma mancha no lençol... Na Itália era costume colocar esse lençol manchado de sangue na janela após a noite de núpcias... Depois a virgindade perdeu a importância e ninguém põe lençóis ensanguentados nas janelas...

Mas não estamos falando de "casamentos" nem de moral... Isso ficou tão banalizado, que qualquer dia se poderá casar com uma anta, uma lula, um veado, um ratinho da índia, uma arara... Não. Não estamos falando de casamentos... Estamos falando de Himens, incluindo os complacentes.
Para que serve um selo e um hímen, que também é selo, como se fosse um atestado? Esta pergunta só tem um começo. Não tem um fim...
  
2.   Crônica a jato de Cabo Frio - 10 setembro de 2015

Não sei se me transformei num índio aculturado ou num caubói indianizado, mas hoje fui á cidade e fiz extravagâncias. Comprei um Lucky Strike, um Cabernet Sauvignon, um camembert, que o pão já tinha. Isso foi depois que o motorista de táxi me assustou: Disse-me do alto de sua atualidade política:  
- A Dilma vai acabar com o décimo terceiro salário. 
Ele sabia tanto quanto eu, o que não esperava é que já fosse de domínio público. Quando a moça quer jogar o povo contra o governo ela joga. É o caso dela levar o povo a pensar que é o “governo” que não a deixa ser socialista nem comunista, e que será preciso fazer uma revolução para acabar com o “governo” que não a deixa governar, mantendo-a no governo... 
Como estratégia é muito similar ás dos Rapanui da Ilha de Páscoa, que se comeram uns aos outros, se bem que a Páscoa ainda esteja longe, mas por aqui, tudo acontece sem tempo nem hora, sem previsão das condições atmosféricas. Na minha ignorância lhe perguntei, ao motorista - que ela nunca nos diz nada nem coisa com coisa - se sabia de mais alguma coisa:
- Ela vai proibir ser investigada, e os políticos vão votar e aceitar...
Bem... Já não se dormia como antigamente, de modo que um pouco menos de sono já nem faz diferença...Mês que vem comprarei menos batatas, menos tudo e menos de cada coisa, mas hoje tinha que dormir de porre.
Mas alegre, porque quem pariu o Mateus que o embale, e vai ter que passar muitos anos dizendo entre dentes: - Nana neném... Nana neném que a Bruxa vai chegar... Vai te comer bem na hora de jantar...
O fato de o comércio por aqui estar ás moscas é atribuível ao fato de ser inverno. Prometem as autoridades que no verão que se aproxima, haverá nuvens de moscas... Já ninguém acredita! Eu acredito... Tudo ás moscas...
Mas o que o motorista não sabia é que Freud já decifrou Dilma Rousseff quando ela fala em "golpe": É uma "projeção". Coloca seus defeitos nos outros. Quem quer um golpe real contra um golpe imaginário, é ela. Ficaria para sempre no poder. 


3.   A beleza exposta e propagandeada.


Little Freud é uma cidadezinha muito pequena que fica na cabeça de cada um de nós... Freud nunca esteve lá, porque estava na dele...
Estive lá quando, trazendo compras, um amigo se ofereceu para ajudar a carregar e eu dispensei alegando que precisava fazer exercício. Consegui carregar o bujão de água numa mão só. e depois o de gás da mesma forma...
Freud só apareceu quando o amigo me convidou para ir numa balada. Disse-lhe que estava meio velho pra isso e que estava trabalhando num conto... Aí Freud incorporou no cara que me disse:
- “Simbora cara, que o mulherio tá dando solto.. Antigamente homens e mulheres iam pra baile, se arrumavam o melhor que podiam, rebolavam pra caramba, e acabavam chamando a atenção de Kojac... Aí vinha o Ricardão e Créu!!!! Vinha a Ricardona e Créu... Babaca levava a mulher pro baile pra ser apreciada pelos malandro... As muié diziam que se arrumavam pra agradar aos marido.. Poha nenhuma!... Era para os pretendente”...
Fui fazer meditação transcendental, liguei para minha analista e disse:
- Dá pra dar... (ia dizer "uma passadinha aqui", mas ela interrompeu)
- Dou... Espera-me que estou chegando...
Minha analista é casada, tem dois filhos e ama o marido.
Contei-lhe o que se passara...Disse-me assim num “tête à tête”: - Quem gosta de pureza, casa com virgem... Quem gosta de experiência, casa com puta. Mas cuidado... Tem muita puta pura de alma, e muita virgem com uma vontade danada de ser prostituta. Ambas podem casar.
E continuamos transando, eu e minha analista, até o amor daquele dia acabar. Amanhã seria outro dia. Veríamos se ainda nos amaríamos.

(João Pintassilgo, comerciante da Rua Augusta - Mil novecentos e carcalhada)


® Rui Rodrigues 

A sexta extinção - Crônica da Terra.


Estava á porta do supermercado “Extra” em Cabo Frio, recém chegado de Niterói e que fica no quarteirão ao lado da rodoviária. Os supermercados são os maiores antros de coisas mortas concentradas neste planeta. Têm cadáveres de tudo, desde peixes, vacas, porcos, galinhas, até centeio, milho, couves e laranjas. Tudo morto e preservado em plásticos, papelões, cartelas, latas, salgados ou arrumados em lingüiças. O cheiro só é atraente ao olfato por causa dos temperos e aqueles conservantes químicos, cuja maioria provoca câncer. Morre-se de câncer transmitido de todas as formas, ora por causa dos poluentes que provêm da queima de combustíveis fósseis, ora por causa dos agrotóxicos. O planeta que nos alimenta também nos mata. Não é curiosa esta dualidade, e até para se falar de modo mais científico, esta assimetria em que tanto se nasce quanto se morre, mas com vantagem patente dos nascimentos? É evidente que quanto mais comida disponível houver pelo mundo, mais nascimentos haverá. Como nosso planeta não infla, há limites para a produção de alimentos e mortes em grande quantidade por inanição. Quanto mais produzirmos alimentos, mais nascerão, mais morrerão. Não será hoje, será num desses amanhãs terríveis de conturbações mundiais até que se estabilize uma proporção razoável que permita a vida dos que sobrarem em um novo equilíbrio. Estas perturbações, nas condições atuais em que nos encontramos, serão sempre por efeitos de nossos “efeitos” sobre nosso modo de viver e do Ambiente em que nos encontramos. Somos a causa.
Há um nome para guardar enquanto pudermos lembrá-lo em nossa memória: Antropoceno [1]. Trata-se do nome dado por alguns cientistas ao período mais recente da história de nosso planeta. Faz sentido. É um período relacionado com a espécie humana, o tipo de vida que predomina, de forma inteligente – ou não - no nosso nada querido planeta, porque se fosse querido e amado realmente, cuidaríamos dele devidamente. Aquele amor do “eu te amo meu amor”, sem os necessários cuidados, não é amor. É conveniência.
Já tinha feito minhas compras e esperava o táxi que havia chamado, do meu amigo Anselmo, quando se acercaram as duas senhoras que logo reconheci, esposa e filha de um amigo meu que morou no condomínio. Houve tempos em que batíamos grandes papos sobre o futuro do lugar á beira-mar plantado. Depois resolveu construir uma casa em Jardim Esperança e saiu do condomínio. Quando perguntei ás duas por meu amigo que até me havia dado de presente uma bermuda de linho branco, das antigas com duas pregas por cima dos bolsos, e que não se usam mais, deram-me uns sorrisos tristes. O meu amigo havia-se extinguido. Não geneticamente, por que seus genes estão nos filhos e nos netos. Mas todas as suas células faleceram há um mês e dois dias. Não fiquei chocado porque aos 70 anos faço agora parte de uma fauna com alto índice de mortandade. Como reflexo da humanidade, não penso muito nisso. A humanidade também não pensa. Todos acham que o mundo sempre foi assim, que está um pouco complicado, mas que sempre será. Não! Nunca foi assim, já se extinguiu várias vezes – ou quase – e estamos á porta da sexta extinção. Ela já bateu á porta e quer agir, deixando apenas meia dúzia de espécies que criarão novas formas de vida pela evolução inerente aos seres vivos. Para quem crê que “Deus” fez o homem, talvez algum dia no futuro surja uma civilização que possa dizer – ao descobrir nossos ossos fossilizados enterrados – “E Deus fez o segundo homem, e homem e mulher os fez - pela segunda vez - sem quebrar as costelas de ninguém”. Mas não será igual ao primeiro. Será muito diferente, porque todas as espécies extintas são exemplos: Espécies que se extinguiram jamais ressurgiram.
A filha do amigo morto tem uma pequena fábrica caseira de vestidos e roupas femininas. Ela quer vender para poder se alimentar e ter um padrão de vida. É uma pessoal normal como todos nós. Todos nós trabalhamos para termos um “padrão” de vida. Lê-se pouco, sabemos pouco, estamos geralmente interessados em comprar um carro novo, ir ao baile funk, comprar novos tipos de esmalte para as unhas, fazer uma plástica, ir a todos os jogos do Flamengo, comprar o álbum das celebridades, prepararmos novas armas para guerrear. Vivemos num planeta “alugado” por tempo determinado e não temos a mínima preocupação em manter a casa equilibrada. Quando muito nos preocupamos – e ensinamos as crianças – a coletar o lixo, a plantar arvorezinhas, mas não a consumir menos. Ganham presentes de ultima geração os quais, para serem fabricados, obrigam a mover montanhas em busca dos materiais, despejar toneladas de CO2[2] e outros produtos químicos na atmosfera, consumir água potável que é desviada do consumo popular. Vacas e bois criados largam bosta, urina e peidam, enchendo o planeta de gás metano. Estão poluindo mais que os dinossauros. Já somos sete bilhões e meio de seres humanos poluindo indiretamente este planeta através de nosso consumo a qualquer nível e de qualquer tipo de poluição. Não há lugar para todos nós, nem podemos sustentar o crescimento populacional que estamos apresentando. Mais crescimento, mais consumo, mais poluição, mais aquecimento global, mais rapidamente virá a sexta extinção, porque nosso planeta já entrou numa fase de modificação sensível de suas características. Até o ano de 2.100 teremos apenas 50% das espécies atuais. O resto se extinguirá. Considerando que foi a partir da revolução industrial iniciada entre 1760 e 1840 e o ano de 2.100 em que teremos apenas 50% das espécies ainda vivas, e muitas desta porcentagem em processo de extinção, somente a do K-T há cerca de 65,5 milhões de anos terá sido processada num período de tempo tão curto, em escala de tempo universal quase do dia para a noite. A extinção do K-T ao final do Jurássico acabou com 60% da vida na Terra incluindo os dinossauros e não durou mais que dois ou três invernos. Foi provocada pela queda de um meteoro. Todas as demais foram provocadas por alterações na atmosfera terrestre. As mais famosas[3] foram a do Cambriano (há 488 milhões de anos), Ordoviciano Superior (444 milhões de anos) Permiano (251 milhões de anos), Triássico Superior (há 200 milhões de anos) Cretáceo-Paleogeno (K-7 há 65,5 Milhões de anos).
Recentemente descobriu-se uma “bomba ecológica” no Ártico: CO2 e gás metano que estavam comprimidos pela camada de gelo no leito do oceano, com o degelo a espessura da camada diminuiu gerando menos pressão. Cientistas dizem que o oceano “borbulha” com estes gases letais. Amostras cilíndricas de gelo colhidas no Ártico e na Antártida mostram os bilhões de toneladas de metano, CO2 e outros gases tóxicos que foram lançados na nossa atmosfera a partir da revolução industrial. A essas teremos que somar as que serão liberadas das profundezas do Ártico por derretimento da camada de gelo.
Acabar com a queima de combustíveis fósseis é louvável, mas é fazer muito pouco. Reciclar lixo é muito pouco também. Pedir a criancinhas que aprendam a plantar árvores para renovar o planeta, é muito pouco. Decretar pena de morte para quem invadir reservas e explore madeira nativa, seria muito pouco, embora tudo isto pudesse ajudar.
A China quer crescer mais. Deveria conter-se. Todos os países deveriam conter o crescimento. Não precisamos crescer. Precisamos viver e tornar este planeta habitável para todos os que nele vivem e venham a viver, tantos quantos o planeta suportar. Estamos numa casa alugada que gira ao redor do Sol. Mas muito mais do que isso precisamos encolher nossa população mundial urgentemente. Somos a causa de nossas próprias desgraças. As causas devem ser controladas.        
  
® Rui Rodrigues





[1] Também chamado de Holoceno.
[2] Dióxido de Carbono.
[3] Alguns cientistas ainda têm dúvidas sobre algumas delas. Uma das dúvidas deve-se á evolução. Algumas espécies “extintas” teriam apenas evoluído para outras espécies dando a impressão de serem novas espécies. Isto porque a extinção se deu ao longo de períodos muito grandes de tempo.  

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O caderno do senhor Kent.


Nunca se ouvira falar de Johnny Crisp Lend, na verdade Johnny Lend. Crisp era o apelido por ter a pele seca como couro de cobra, a barba dura que ao cortar fazia barulho como estalar de batata frita quando amassada, e ter tão bom ouvido que podia perceber uma cobra rastejando a mais de dez metros de distância. Foi no Bar do Chopp Grátis – “Free Beer Bar” – um posto de troca de cavalos de diligências que ficamos sabendo de sua existência. Um dia, pelos idos de 1860, Sally O. Burke entrou no bar acompanhada de Preston “Cake” Bernardine, tomou uma garrafa inteira de whisky e contou a história. Johnny saiu da Carolina do Norte em 1841, atravessou o Tennessee, Arkansas, Oklahoma, Novo México e Arizona, e só conseguiu chegar á Califórnia [1]em 1855. O caminho foi-lhe ficando mais comprido a cada dia. Fez essa proeza de atravessar os Estados Unidos da América do Norte a pé, a cavalo, de carroça, deitado e algemado. Mas sempre foi um homem livre. Eis sua breve e desconhecida história. Quem contou foi Sally e Preston.Sim senhora... Johnny Lend tinha sido seu amante. O melhor segundo ela. Ele tinha sido um cara de sorte por toda a vida até aparecer todo o seu azar até então represado, num dia só, num minuto só, talvez num segundo só se seu relógio tivesse ponteiros de segundo. Isso foi no segundo qüinquagésimo nono, do quadragésimo minuto da décima sétima hora do dia 13 de agosto de 1865. Ele nunca soube disso. O relógio marcaria 05:40:59 PM. Preston Cake Bernardine sabia.Por aquela época, o dono do “Free Beer Bar” era o meu ta-tará-tatáravô, senhor Kent, que anotou tudo em seu caderno junto com algumas fotos. Resolvi contar hoje.



Naquele dia o vento soprava forte, de levantar poeira e encobrir o sol, tempo extremamente seco. Construíam-se linhas férreas por todos os Estados Unidos da América. A Wells Fargo, uma companhia de diligências, tinha iniciado seus serviços havia poucos anos. Havia guerras com tribos índias por todo o território. A União comprava territórios e conquistava outros. 
À beira da estrada poeirenta por onde passavam as diligências ficava o “Free Beer Bar” cujo dono, o senhor Kent, costumava sempre oferecer grátis a ultima cerveja, mas só depois de pagarem a conta desde que fosse superior a dois dólares. Ele já se tinha sentado em sua cadeira de balanço, no lado do Bar protegido do vento mais forte, que levantava rodamoinhos, quando sentiu os passos do casal que se alojara na véspera, descendo as escadas para o saloon. Então entrou para lhes dar atendimento. Sentou-se com eles á mesa.


Preston Cake meteu a mão em seu colete preto, puxou um pacote de tabaco de mascar, tirou uma dedada, enfiou na boca ajeitando com o dedo indicador e deixou que ficasse entre a bochecha esquerda e os dentes por um bom tempo antes de dar a primeira cusparada no piso do bar. Segundo ele, era tabaco do bom, da Virgínia, mas começou a ficar tão alegre que todos suspeitamos que tinha mais alguma coisa (estava escrito assim mesmo no caderno do meu tatá-taravô, o senhor Kent). Ofereceu-lhe um copo de whisky bem cheio, mas Preston apontando com o dedo para a bochecha cheia de tabaco ou que quer que fosse, com a outra mão fez um gesto largo horizontal, negando a oferta. 
Aquilo não era uma ofensa.  Sally em contrapartida bebia pelo gargalo. Tinham chegado pela manhã, empoeirados, suados, montando bons cavalos, e haviam pagado adiantado com dólares de ouro “double eagle” [2].Sally era magra como um pingo de chuva do Novo México, onde a chuva já chega quase seca ao solo, depois de despencar lá de cima, de milhares de milhas de altura. Era interessante Miss Sally. Por vezes parecia ter carnes apetitosas, dependendo por onde se lhe olhasse o corpo proporcional. Sua magreza era falsa, e era bonita, embora parecesse daquelas mulheres de Saloon de N. Orleans.


Abusava das rendas e tinha uma fita preta no pescoço. O senhor Kent por essa época ainda podia desejar uma bela mulher e já beirava os setenta anos.Preston Cake era o típico jogador elegante, de mãos finas, casaco aprumado, botas de couro trabalhado, e não dava importância aos olhares do senhor Kent para a linda Sally. Preston o julgaria velho demais. Foi quando Sally se referiu a Johnny Crisp Lend, dizendo que o amava, que era companheiro de Preston e que falecera.
O senhor Kent perguntou a Sally porque amava tanto o Johnny Lend. Disse-lhe que era por sua conversa, a história de sua vida, e porque o achava muito triste do tipo de sujeito calado e muito só. E antes que o senhor Kent perguntasse, ela foi adiantando: - Não é que ele tivesse a coisa daquelas enormes, mas sabia usar tudo que tinha para agradar. Dava atenção, falava coisas lindas no meu ouvido. Mas vou lhe contar a história dele conforme me contou. Quer ouvir? O senhor Kent assentiu com a cabeça e apanhou mais uma garrafa de whisky. Não tinha muita coisa para fazer. Preston já tinha deixado uma poça de cuspe meio marrom, meio cor de whisky, pastosa, no chão do bar. O senhor Kent ofereceu-lhe então um copo. Ele aceitou. Cuspiu o tabaco que tinha na boca dentro do copo e começou a tomar seu whisky. O senhor Kent cheirava rapé, aquele pó de tabaco de colocar no nariz e que fazia espirrar muito, e nunca entendeu como se podia mascar tabaco e tomar whisky ao mesmo tempo. O senhor Kent escreveu em seu caderno que Sally tomava whisky na garrafa para não se enganar com os copos do senhor Preston Cake Bernardine, e beber coisa errada. Mas Sally já estava contando a estória.  
- Contou-me o Johnny Crisp Lend, que quando saiu da Carolina do Norte, terras de Cherokees, o presidente dos EUA ainda era o John Tyler. Crisp tinha saído para lá em 1841 por causa da corrida do ouro, mas ela terminou em 1850. Quando chegou em 1855, foi uma grande decepção. Deu azar.
Crisp fugiu de Charlotte ao que parece porque não lhe quiseram pagar o que deviam na plantação de algodão onde trabalhava. Foi despedido e na noite seguinte entrou no escritório da companhia e tirou exatamente o que lhe deviam. Não foi muito esperto, porque o contador da companhia associou o volume de dinheiro roubado ao valor total reclamado por Crisp. Então o Xerife de Charlotte reuniu uma patrulha de civis a cavalo e partiram no encalço do homem. Acharam que não poderia ir muito longe, mas Crisp era muito esperto, e tinha amigos.
- O melhor amigo dele era eu, senhor kent! – Disse Preston. Fugimos juntos desde Charlotte. E continuou: Aliás, ajudei-o a assaltar os escritórios da companhia. Naquela noite levamos dois cavalos encilhados com armas e roupas, dois cantis de água e cavalgamos a noite toda, e chegamos aos Montes Apalaches. Logo na saída resolvemos cavalgar, um de cada lado da estrada das diligências até passarmos pelas primeiras duas estações. Assim se alguém da "Posse" - aquele grupo que nos perseguiria - perguntasse, não teriam visto ninguém passar parecido conosco. Depois da segunda estação passamos a usar a estrada que era mais conveniente para as montarias. Encontramos manadas de búfalos. Da costa levamos sal. Salgamos uma porção de carne de búfalo e tocamos para Nashville, passando pela reserva Cherokee. Não tivemos problemas com eles porque quando fomos abordados por um grupo de cinco cherokees que nos interceptaram, dissemos que éramos desertores. Então nos perguntaram porque tínhamos desertado. Dissemos que tínhamos que avisar as nações dos Arapaho, Cheyenees e Sioux no Arkansas, porque o exército ia atacá-los. Deixaram-nos passar e ainda nos deram uma cota de tabaco e duas mantas de pele de urso em troca de dois pacotes de sal. Ainda nos interrogaram antes de sairmos. 


Apontaram para o John Crisp e perguntaram se era meu escravo...
- Escravo? Como escravo? Os EUA nunca tiveram escravos brancos...Perguntou-lhe o senhor Kent.
- Ele não era branco, senhor Kent. Disse Sally. Crisp era negro! Ele decidiu vir para a Califórnia porque soube que aqui havia gente com pele mais escura, e que eram mais compreensivos com os negros. Foi por isso que veio para cá. E prosseguiu: - Johnny Crisp Lend e esse sujeito aí, o Preston, pretendiam chegar a São Francisco em um par de meses desde que fugiram de Charlotte, mas sofreram atrasos porque as pessoas só criam dificuldades. Ninguém aceita qualquer um em seu meio. Só as igrejas, mas isso é porque cobram os dízimos e lhes interessa. Sofreram muito. No Tennessee o xerife de Nashville os interpelou quando tomavam um drinque num bar e disse pra saírem da cidade no dia seguinte porque não foi com a cara deles. Como é que foi, mesmo, Preston? Conta você...



- Dia seguinte para nós era depois que amanhecesse até que a noite chegasse, mas o xerife nos mandou dois delegados com estrela no peito para nos tirar da cama porque já tinha passado da meia noite e já era “dia seguinte”... Nem nos tínhamos deitado e estávamos ainda vestidos. Entendemos logo que o xerife queria nos encrencar e dissemos para nos deixarem em paz. Então um deles levou a mão á arma enquanto o outro já estava com as mãos ocupadas empunhando algemas. 


Já encrencados e com mais uma encrenca á vista pela frente, olhamos um para o outro e sacamos as nossas. O delegado bandido tombou ali mesmo de arma na mão. Tiramos a arma do outro, trancamo-lo no quarto e abalamos a cavalo com intenção de irmos para o Missouri, mas fomos levados para o Arkansas á força.
- E porquê? Perguntou o senhor Kent.  
- Por bobagem, disse Sally. Resolveram jogar pôker num bar de Dyersburg, no Tennessee, e ganharam muito dinheiro, mas se enganaram no caminho e foram parar em Blytheville no Arkansas. Não conseguiram explicar para o Xerife de lá como tinham tanto dinheiro, e porque o Preston tinha um escravo. Foi o modo de explicar por que ele estava acompanhado de um negro. Tinham até falsificado um título de propriedade. O Xerife disse que ia investigar, mas tirou-lhes tudo que ficou sob custódia num cofre no escritório do Xerife que era também comerciante. Ele tinha um saloon na cidade e só trabalhava quando o chamavam. No segundo dia em que estavam presos, os dois se aproveitaram de uma bobeada do carcereiro que tinha o péssimo hábito de beber e conseguiram sair da cela. Arrombaram o cofre que não era nada seguro, mas não havia nada dentro dele. O Xerife os enganara. 
Na fuga tiveram que embarcar num vagão de carga vazio. Estavam duros.Quando viram umas grandes plantações de tabaco, aproveitaram e saltaram do trem. Ficaram por lá empregados durante mais de ano até conseguirem dinheiro para seguir viagem.Não se fala muito nisso, mas há alguns índios descendentes de negros com índios. Crisp teve uma filha com uma índia Cherokee. Ela morreu num ataque de cavalaria.


- Mas trabalhando em plantação não se ganhava muito...- Interrompeu o senhor Kent.
- Não - respondeu Preston – Mas tenho métodos seguros de ganhar no pôquer quando os outros jogadores não são muito violentos. Sempre observo quem está na mesa. Partimos então a cavalo porque nem havia a companhia de diligências Wells Fargo [3] passamos por Little Rock e fomos até Fort Smith na fronteira com Oklahoma. Não deveríamos ter ido. Os índios Creek e Cherokee, dentre outras tribos, atacaram o forte logo depois que chegamos lá.
- E da guerra contra o México, vocês não participaram? Perguntou o senhor Kent.
- Oh.. Sim... A guerra terminou em 1848 se é que terminou mesmo até hoje. Por essa altura, em 1846, quando começou, andávamos já por Oklahoma, na fronteira com o Novo México. Participamos de batalhas sangrentas. Os mortos ficaram lá, enterrados, e ninguém mais sabe quem foram. Tivemos que perseguir e prender um batalhão inteiro de irlandeses desertores que apoiavam o México por serem católicos e não protestantes.
Eles achavam que nós éramos muito violentos com o tratamento aos mexicanos por sermos protestantes. Formaram um batalhão o "San Patricio Batallon". Conseguimos prender 16. Em setembro de 1847 o exército enforcou esses dezesseis por traição á pátria. Foi uma satisfação politica porque o pessoal não gostava muito dos imigrantes irlandeses. Vocês não sabem o que é ver gente estrebuchando na ponta da corda desesperados para se aguentarem enquanto os músculos ainda estão fortes e conseguem respirar, mas o peso do corpo vai apertando o nó da corda e com a perda da força, ainda mais. Os olhos ficam esbugalhados, o pênis fica grande e duro. Escolheram o Johnny para abrir os alçapões da forca e a mim para lhes passar os laços á volta do pescoço um por um. 
Fizemos isso por obediência e não por prazer. Foi por isso que sempre fugimos desde Charlotte na Carolina do Norte até São Francisco na Califórnia. A lei é muito cega. Produz "foras da lei" e depois os persegue.
- O senhor é religioso, senhor Preston?Perguntou-lhe o senhor Kent.
- A pergunta que sempre se fazia o Jonnhy Lend, senhor Kent, era esta: Se um Deus criou a humanidade e a protege, pode ele proteger apenas uma parte dela? Claro que não. Não seria justo, e um deus tem que ser justo. Por outro lado, são tantos os deuses que se adoram, e até o mesmo de forma tão diferente, que teremos que nos perguntar qual a razão verdadeira dos religiosos.Eles passam bem de vida, sempre. É como se deus os ajudasse e aos fiéis não.
- A vida deles até chegarem a São Francisco foi toda assim. Em 1855 finalmente chegaram lá. Foi quando os conheci - disse Sally – Preston até foi eleito xerife e Crisp seu ajudante, mas deviam um favor a quem o elegera:Um Grande criador de gado que os queria usar para se apropriar de terras de outros criadores mais fracos. Um dia se rebelaram e mataram o sujeito e os dois filhos no meio da rua em frente ao saloon em duelo, porque resistiram á prisão. 


O senhor Kent tem uma porção de anotações em seu caderno sobre este trio que eram quatro. Havia também a mulher do Preston Cake. Nem contei sobre aquela vez em que, para encontrá-la e salvá-la, tiveram que ir até o Colorado. Preston foi apanhado e enterrado na areia do deserto só com a cabeça para fora, e quem o salvou foi Johnny Crisp. Mas não lhe conseguiu salvar os olhos. Preston perdeu um para os corvos e sua boca ainda tem as marcas da secura dos lábios por falta de água. Passou quatro dias enterrado. Voltaram para São Francisco. Numa tarde, um garoto com seus quinze anos de idade apareceu-lhe na frente. Vinha armado. Desafiou  o Johnny, que não aceitou o desafio e lhe disse: - Não se brinca com armas, garoto. Solta o cinto bem devagar para que não tenha que te machucar. Mas o garoto sacou rápido e atirou. O relógio marcava 05 horas, 40 minutos e 59 segundos no relógio de Preston que assistiu impotente de longe.

O copo de cuspir tabaco do senhor Preston Cake estava agora cheio de um líquido que parecia whisky. Sally encostou a cabeça na mesa e dormia. 

Um dia conto o resto.

® Rui Rodrigues

Os filmes de Hollywood contaram histórias de um velho Oeste violento, para encher bilheteria, mas não era. Quem acreditou enganou-se. A maioria dos Estados proibia armas de fogo. Mortes assim não passavam anualmente de cinco a seis em média por Estado, 30 a 40 foi o máximo. Mas aqui no Brasil ultimamente estão fazendo filmes sobre bandidos que querem transformar em heróis e preparam-se para escrever "biografias” com o mesmo intuito. Gastarão milhões de verbas públicas para escrever livros que só meia duzia irá comprar e ler. Só falta que obriguem á compra, novamente com verbas públicas, pelas universidades: O povo pagaria duas vezes pelo mesmo produto questionável.    






[1] O primeiro explorador europeu a chegar á Califórnia foi o português João Rodrigues Cabrilho em 1542. A serviço de Espanha.
[2] Dupla Águia. Valia 20 dólares, o que era muito dinheiro, embora envolvesse uma troca de cavalos. Os cavalos de meu avô até nem eram tão bons quanto os de Sally e Preston. Na época da corrida ao ouro, as passagens de navio custavam 90 dólares e davam a volta ao continente porque ainda não tinha sido construído o canal do Panamá. Era mais seguro do que ir por terra sem a estrada de ferro ainda construída até a Califórnia, evitando bandoleiros e índios renegados.
[3] Fundada em 1852.