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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A sexta extinção - Crônica da Terra.


Estava á porta do supermercado “Extra” em Cabo Frio, recém chegado de Niterói e que fica no quarteirão ao lado da rodoviária. Os supermercados são os maiores antros de coisas mortas concentradas neste planeta. Têm cadáveres de tudo, desde peixes, vacas, porcos, galinhas, até centeio, milho, couves e laranjas. Tudo morto e preservado em plásticos, papelões, cartelas, latas, salgados ou arrumados em lingüiças. O cheiro só é atraente ao olfato por causa dos temperos e aqueles conservantes químicos, cuja maioria provoca câncer. Morre-se de câncer transmitido de todas as formas, ora por causa dos poluentes que provêm da queima de combustíveis fósseis, ora por causa dos agrotóxicos. O planeta que nos alimenta também nos mata. Não é curiosa esta dualidade, e até para se falar de modo mais científico, esta assimetria em que tanto se nasce quanto se morre, mas com vantagem patente dos nascimentos? É evidente que quanto mais comida disponível houver pelo mundo, mais nascimentos haverá. Como nosso planeta não infla, há limites para a produção de alimentos e mortes em grande quantidade por inanição. Quanto mais produzirmos alimentos, mais nascerão, mais morrerão. Não será hoje, será num desses amanhãs terríveis de conturbações mundiais até que se estabilize uma proporção razoável que permita a vida dos que sobrarem em um novo equilíbrio. Estas perturbações, nas condições atuais em que nos encontramos, serão sempre por efeitos de nossos “efeitos” sobre nosso modo de viver e do Ambiente em que nos encontramos. Somos a causa.
Há um nome para guardar enquanto pudermos lembrá-lo em nossa memória: Antropoceno [1]. Trata-se do nome dado por alguns cientistas ao período mais recente da história de nosso planeta. Faz sentido. É um período relacionado com a espécie humana, o tipo de vida que predomina, de forma inteligente – ou não - no nosso nada querido planeta, porque se fosse querido e amado realmente, cuidaríamos dele devidamente. Aquele amor do “eu te amo meu amor”, sem os necessários cuidados, não é amor. É conveniência.
Já tinha feito minhas compras e esperava o táxi que havia chamado, do meu amigo Anselmo, quando se acercaram as duas senhoras que logo reconheci, esposa e filha de um amigo meu que morou no condomínio. Houve tempos em que batíamos grandes papos sobre o futuro do lugar á beira-mar plantado. Depois resolveu construir uma casa em Jardim Esperança e saiu do condomínio. Quando perguntei ás duas por meu amigo que até me havia dado de presente uma bermuda de linho branco, das antigas com duas pregas por cima dos bolsos, e que não se usam mais, deram-me uns sorrisos tristes. O meu amigo havia-se extinguido. Não geneticamente, por que seus genes estão nos filhos e nos netos. Mas todas as suas células faleceram há um mês e dois dias. Não fiquei chocado porque aos 70 anos faço agora parte de uma fauna com alto índice de mortandade. Como reflexo da humanidade, não penso muito nisso. A humanidade também não pensa. Todos acham que o mundo sempre foi assim, que está um pouco complicado, mas que sempre será. Não! Nunca foi assim, já se extinguiu várias vezes – ou quase – e estamos á porta da sexta extinção. Ela já bateu á porta e quer agir, deixando apenas meia dúzia de espécies que criarão novas formas de vida pela evolução inerente aos seres vivos. Para quem crê que “Deus” fez o homem, talvez algum dia no futuro surja uma civilização que possa dizer – ao descobrir nossos ossos fossilizados enterrados – “E Deus fez o segundo homem, e homem e mulher os fez - pela segunda vez - sem quebrar as costelas de ninguém”. Mas não será igual ao primeiro. Será muito diferente, porque todas as espécies extintas são exemplos: Espécies que se extinguiram jamais ressurgiram.
A filha do amigo morto tem uma pequena fábrica caseira de vestidos e roupas femininas. Ela quer vender para poder se alimentar e ter um padrão de vida. É uma pessoal normal como todos nós. Todos nós trabalhamos para termos um “padrão” de vida. Lê-se pouco, sabemos pouco, estamos geralmente interessados em comprar um carro novo, ir ao baile funk, comprar novos tipos de esmalte para as unhas, fazer uma plástica, ir a todos os jogos do Flamengo, comprar o álbum das celebridades, prepararmos novas armas para guerrear. Vivemos num planeta “alugado” por tempo determinado e não temos a mínima preocupação em manter a casa equilibrada. Quando muito nos preocupamos – e ensinamos as crianças – a coletar o lixo, a plantar arvorezinhas, mas não a consumir menos. Ganham presentes de ultima geração os quais, para serem fabricados, obrigam a mover montanhas em busca dos materiais, despejar toneladas de CO2[2] e outros produtos químicos na atmosfera, consumir água potável que é desviada do consumo popular. Vacas e bois criados largam bosta, urina e peidam, enchendo o planeta de gás metano. Estão poluindo mais que os dinossauros. Já somos sete bilhões e meio de seres humanos poluindo indiretamente este planeta através de nosso consumo a qualquer nível e de qualquer tipo de poluição. Não há lugar para todos nós, nem podemos sustentar o crescimento populacional que estamos apresentando. Mais crescimento, mais consumo, mais poluição, mais aquecimento global, mais rapidamente virá a sexta extinção, porque nosso planeta já entrou numa fase de modificação sensível de suas características. Até o ano de 2.100 teremos apenas 50% das espécies atuais. O resto se extinguirá. Considerando que foi a partir da revolução industrial iniciada entre 1760 e 1840 e o ano de 2.100 em que teremos apenas 50% das espécies ainda vivas, e muitas desta porcentagem em processo de extinção, somente a do K-T há cerca de 65,5 milhões de anos terá sido processada num período de tempo tão curto, em escala de tempo universal quase do dia para a noite. A extinção do K-T ao final do Jurássico acabou com 60% da vida na Terra incluindo os dinossauros e não durou mais que dois ou três invernos. Foi provocada pela queda de um meteoro. Todas as demais foram provocadas por alterações na atmosfera terrestre. As mais famosas[3] foram a do Cambriano (há 488 milhões de anos), Ordoviciano Superior (444 milhões de anos) Permiano (251 milhões de anos), Triássico Superior (há 200 milhões de anos) Cretáceo-Paleogeno (K-7 há 65,5 Milhões de anos).
Recentemente descobriu-se uma “bomba ecológica” no Ártico: CO2 e gás metano que estavam comprimidos pela camada de gelo no leito do oceano, com o degelo a espessura da camada diminuiu gerando menos pressão. Cientistas dizem que o oceano “borbulha” com estes gases letais. Amostras cilíndricas de gelo colhidas no Ártico e na Antártida mostram os bilhões de toneladas de metano, CO2 e outros gases tóxicos que foram lançados na nossa atmosfera a partir da revolução industrial. A essas teremos que somar as que serão liberadas das profundezas do Ártico por derretimento da camada de gelo.
Acabar com a queima de combustíveis fósseis é louvável, mas é fazer muito pouco. Reciclar lixo é muito pouco também. Pedir a criancinhas que aprendam a plantar árvores para renovar o planeta, é muito pouco. Decretar pena de morte para quem invadir reservas e explore madeira nativa, seria muito pouco, embora tudo isto pudesse ajudar.
A China quer crescer mais. Deveria conter-se. Todos os países deveriam conter o crescimento. Não precisamos crescer. Precisamos viver e tornar este planeta habitável para todos os que nele vivem e venham a viver, tantos quantos o planeta suportar. Estamos numa casa alugada que gira ao redor do Sol. Mas muito mais do que isso precisamos encolher nossa população mundial urgentemente. Somos a causa de nossas próprias desgraças. As causas devem ser controladas.        
  
® Rui Rodrigues





[1] Também chamado de Holoceno.
[2] Dióxido de Carbono.
[3] Alguns cientistas ainda têm dúvidas sobre algumas delas. Uma das dúvidas deve-se á evolução. Algumas espécies “extintas” teriam apenas evoluído para outras espécies dando a impressão de serem novas espécies. Isto porque a extinção se deu ao longo de períodos muito grandes de tempo.  

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