Gostei! - Cadê o perfume novo?...
Os
tempos daquela excitação animal, heróica, já se tinham ido sem quase nem
sentir. Um dia seu pênis não ficou tão duro como antes, mas não deu muita
importância, porque ainda funcionava. Atribuiu o fato à perda do apetite pela
esposa, coisa natural, depois de tantos anos fazendo amor. Conhecia todos os
aspectos da mulher com quem se casara, todos os recantos, todas as vontades,
preferências, cuidados. Talvez esse conhecimento fosse a causa maior de sua
perda parcial do apetite. Os carinhos, esses, sim, ainda tinham um valor maior,
porque eram mais complexos, envoltos em muitos sentimentos, que não os de puro
prazer pelo clímax do gozo.
Um
dia saíra de casa com a cabeça cheia de minhocas de tristeza, aranhas de pensamentos
de frustração pelo que a longevidade lhe trouxera, vivendo um mundo de saudades
de sua juventude e adolescência. Macaquinhos pulavam agitados em seu cérebro,
buscando a explicação da vida. Ainda se lembrava como costumava fazer amor
muitas vezes sem amor, mas com uma vontade hercúlea de gozar, de sentir a
umidade vaginal, símbolo maior de desejo, e do vai e vem de seu pênis,
trabalhando forte e incessantemente para lhe dar o prazer de que tanto gostava.
Gostava e necessitava. Certo dia, há muito, a umidade ficou menos úmida, e
assim foi ficando, cada vez menos úmida, até cessar. A partir daí, pomadas
faziam de conta que ainda havia aquele desejo úmido... Não era a mesma coisa.
Na rua, dera umas voltas, e quando uma moça bem mais jovem lhe lançou aqueles
olhares pagos, ainda relutou preso de um sentimento de vergonha insensata, mas
explicável, temendo que a juventude da moça lhe exigisse mais do que lhe
poderia dar. Quando finalmente se conscientizou de que o que importava á moça
era o pagamento que lhe faria, decidiu-se e deitou-se com ela. Sua mulher
jamais saberia desse fato. Afinal, ela era a mulher de sua vida, e essa fugida
do cotidiano era como um bálsamo, uma aventura tardia, que nem era inconseqüente,
porque sabia que não haveria conseqüências. Ficara três horas com a moça, que
entendendo bem a sua idade, não o apressara, cheia de paciência que por
momentos o incomodou, porque gostaria que tudo fosse diferente, e não
necessitasse de compreensão para ir uma segunda vez ao céu. Quando finalmente
conseguiu, sentiu-se um herói, merecedor de estátua, mas mudo. Teria que ficar
mudo. Não poderia contar para ninguém sua façanha. Seus amigos não entenderiam.
Quem sabe eles mesmos também tinham seus segredos semelhantes ao seu? Não
pagaria para saber... Sua vida com a mulher valia muito mais do que esse prazer
dúbio e estroncho de contar para os outros suas aventuras bem sucedidas para
ganhar o quê? Fama? Respeito? Consideração? ... Não!... Ficaria calado e
levaria para o túmulo esse seu segredo.
Quando
chegou em casa, sentiu-se um traidor alegre. Olhou para a cachorrinha que
acolhiam em sua casa, e viu recriminação em seu olhar. Como a cachorrinha
poderia saber? Talvez o faro de cheiros novos que os humanos não podem
perceber. Afastou a idéia, mas quando a gata da família veio cheirar-lhe as
calças, as mãos, temeu que também ela percebesse o seu ato impensado.
Impensado, não. Ele pensara muito antes de receber os favores da moça. Decidira-se
pelo último grito do guerreiro, algo que serviria para testar suas verdades,
saber se sua aparente apatia sexual era fruto da longeva convivência com a
mulher, ou se estava realmente ficando decrépito, senil, velho, um cacareco...
Tirara sua dúvida, adquirira a verdade... Mas o que fazer com ela? Isto é, com
a verdade e com a sua mulher? Era evidente que sua mulher não tinha culpa da
natureza humana, quer física, quer moral. Ele também não tinha esse tipo de
culpa, ou pelo menos não deveria ter. Que culpa poderia ele ter da falta de
umidade vaginal de sua mulher? Que culpa ele poderia ter se a natureza o dotara
de um apetite sexual que ainda estava vigente com essa sua idade já tardia?
Afinal de tudo, o que era o amor? Certamente convivência, o lado a lado, o
companheirismo, e sexo. Muitas vezes pensara no companheirismo com a sua
mulher, ela gostando de umas coisas preferencialmente, e ele de outras, e das
reticências no relacionamento que haviam causado. Mas apesar de tudo, sentia-se
culpado. Esse sentimento de culpa ele tinha. Se contasse à mulher, o casamento
poderia acabar, apesar dela ser extremamente compreensível, mas o descortinar
da verdade, abriria as portas para que sua mulher tivesse também suas
aventuras... E pensando bem, nada mais justo!... Decidido a morrer justo,
apesar de culpado, abraçou a idéia de contar á mulher a sua aventura,
explicando os motivos... Se sua mulher optasse por ter suas aventuras, correria
o risco. Afinal, ele era um sujeito justo, que se sentia culpado, e queria
morrer justo, com suas contas expiadas em vida...
Quando a mulher, vendo o cachorro e a gata o olhou nos olhos e se aproximou dele, sentiu um calafrio na espinha... Será que até ela percebera o seu pecado?
-
Gostei! Cadê o perfume novo? – perguntou-lhe a mulher, sentindo umas réstias de
perfume diferente no ar, que ele exalava.
Então,
ele contou. Muito se discutiu naquela noite. À beira de um ataque cardíaco,
fizeram confissões. Quando ele soube que ela o traíra com um homem mais novo, a
quem ajudava até financeiramente de vez em quando, a dor veio lancinante. Era
um ataque cardíaco sem dúvida. Ainda teve uns momentos breves de raciocínio consciente
voltado para sua vida pregressa antes de apagar definitivamente.
Nos
dias seguintes, mas já no velório, a viúva contava para suas amigas mais
íntimas o quanto seu marido a enganara durante toda a vida, aquele safado,
mentiroso, machista. Logo ela, que tanto o amara.
Rui
Rodrigues
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