O
céu noturno das Dunas do Peró.
Nem sempre estou só, mas quando estou, não estou só.
O céu das
dunas do Peró não é um céu como outro qualquer. É um céu muito especial por não
ter o que muitos céus que aparecem por aí têm, mas tem outras coisas que eles
não têm. Sarkye, por exemplo, é uma tigre-fêmea mirim e minúscula a que muitos
chamam de gato – e sempre aviso que se trata de uma gata – que vai para onde
vou, quase não me deixa datilografar porque se encosta sempre em meu braço, e
me acompanha à cozinha, ao banheiro e ao banho de chuveirão na área da
churrasqueira, montando guarda sempre de costas para mim. Se miar, é sinal de
que alguém se aproxima do portão, a uns dez metros de distância. É esperta e
linda a minha tigre-fêmea anã, e é lindo e inteligente o meu céu. Nosso céu nos
contém. Ele não fica “lá em cima”, somos nós que estamos dentro do céu que
vemos. Lua cheia hoje. Desliguei as luzes e acabei de tomar o banho à luz da
lua. Todas as estrelas estavam lá no céu, mesmo as que sei que estão lá, mas
não as vejo a olho tão nu quanto eu no banho. Com um binóculo veria algumas
mais, com um telescópio veria milhões mais.
Os muros
da casa não me deixaram ver o Cruzeiro do Sul, mas não importa. Sei que está
lá, assim como sei que o céu que vejo é um enorme computador onde tudo se
equilibra. Se a Terra parasse, a Lua dispararia imediatamente como lançada por
uma catapulta e tomaria um novo rumo a caminho do Sol, provavelmente. É como se
as leis do Universo – aquelas da Física - fossem “automáticas” e houvesse censores
espalhados em cada ponto que transmitissem a informação de que algo mudou por
ali e precisa ser “equilibrado”. Tudo automaticamente. O Universo é um computador
automático, inteligente, que se sustém a si mesmo. Eu não! Minha tigre-fêmea
anã também não. Eu sustento a minha guardiã, o Universo me sustenta aqui na
Terra. Se eu sair completamente nu para dar um passeio pelo Universo, morro
logo que atingir a altitude de 5.000 metros por completa falta de ar, e se
conseguir sobreviver a mais uns tantos mil metros, meu corpo explode todo
estraçalhado, ensanguentado, tudo congelado, porque a minha pressão interna o
fará explodir. Lá fora a temperatura estará próxima do zero absoluto, ou seja,
- 253º graus centígrados. Esquisito esse meu céu. Não sei como alguns
religiosos imaginam que seja o céu, como paraíso, mas deve ficar em algum
planeta, ou numa porção deles, porque fora deles viver é quase uma
impossibilidade. Só pedras se dão bem.
Lembrei-me
de tomar um café. Minha gata gigante, guardiã levantou a cabeça – estava dormindo
– e olhou-me como quem pergunta: Para onde vamos? E tive que dizer-lhe como é
costume, que ficasse onde estava porque ia só tomar café. Deu-me uma lambida
rápida na mão esquerda que ainda mantinha apoiada no teclado, e se arrumou para
se encostar. Fui até a cozinha e me servi de um café. Só então ela se encostou
tranquilamente para dormir mais uns minutos. Ela não toma café. Em certos dias
o planeta vermelho que passa pelos céus em seu trabalho diário de girar em
torno do Sol e manter o equilíbrio do sistema solar parece mais com cor de café
ralo. Dizem que é vermelho, que já teve oceanos de água e até que já teve vida.
Interessante como isso me preocupa, mas nem deveria porque nunca me preocupou
antes de eu nascer e nem me preocupará depois que parar de viver. Com um pouco
de sorte, se não sofrer de Alzheimer, ainda poderei me preocupar com isso uns
anos mais. Mas mesmo com essa doença, também não terei porque me preocupar: Meu
computador craneano terá perdido a noção de quase tudo e terá outras
preocupações.
É claro
que eu sou o meu céu, dotado de um computador onde tudo está funcionando
perfeitamente, mas que já nasceu com um defeito congênito, problema que o céu
lá de cima (mas que na verdade cerca este planeta) não tem: Nasceu para ser
infinito no tempo, com uma temperatura média de 2,4º Kelvin, ou seja, próximo
do zero absoluto, mas com zonas tão quentes e tão temperadas como o meu corpo,
que fico impressionado, dentre tantas outras coisas, como até nas leis da
natureza alguém parece ter-se preocupado com o isolamento térmico. Se este
isolamento não funcionasse, estaríamos mortos há muito tempo, o Sol apagado, o
Universo inteiro morto.
Fica a pergunta
se o universo é assim para nos manter vivos. Parece que esse é o único
propósito deste Universo. O meu, é continuar gastando meu tempo com a vida que
herdei de forma tal que posso dar minha vida por um ente querido ou por uma causa
que mantenha a vida, mas preocupado a cada instante para que não seja em vão, á
toa, um desperdício. Já me perguntei se minha gata Sarkye faria o mesmo por
mim. Acho que não. Ela me avisa se tem algo “vivo” diferente nas imediações da
casa, faz vigília a meu lado, mas é a primeira a fugir a cada ruído estranho
que chegue mais perto. Se eu pudesse iria dar um passeio por Alfa de Centauro que
fica bem perto de nosso planeta, mas ainda não abriram as bilheterias para
embarque. El algum lugar do mundo haverá um “louco” pensando na melhor e mais eficiente
forma de chegar até lá, mas as Agências Espaciais têm outras prioridades, e os
governos nem se preocupam com as populações. Seu imediatismo é serem reeleitos
para serem donos das verbas públicas que dividirão com quem entenderem ser “melhor”
dividir, sempre pensando na reeleição.
O céu
desses – aquele céu divino de que falam as Escrituras e Livros Santos – Não o
céu que vemos, é nos palácios onde são servidos a expensas dos cidadãos. Dizem
eles que isso é Democracia. Democracia é a vida entre eu e minha gata: Eu cuido
dela como posso, ela cuida de mim como pode. O Céu, cheio de estrelas, planetas
e políticos é testemunha. O que o céu contém nem me conhece, mas continuarei
estudando o céu, o universo. Meu filho chega hoje da Noruega. Passou por Barcelona e Lisboa para se despedir dos amigos. Outros terras, outros céus.
® Rui
Rodrigues
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