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quarta-feira, 19 de março de 2014

O céu noturno das Dunas do Peró.

O céu noturno das Dunas do Peró.



Nem sempre estou só, mas quando estou, não estou só. 

O céu das dunas do Peró não é um céu como outro qualquer. É um céu muito especial por não ter o que muitos céus que aparecem por aí têm, mas tem outras coisas que eles não têm. Sarkye, por exemplo, é uma tigre-fêmea mirim e minúscula a que muitos chamam de gato – e sempre aviso que se trata de uma gata – que vai para onde vou, quase não me deixa datilografar porque se encosta sempre em meu braço, e me acompanha à cozinha, ao banheiro e ao banho de chuveirão na área da churrasqueira, montando guarda sempre de costas para mim. Se miar, é sinal de que alguém se aproxima do portão, a uns dez metros de distância. É esperta e linda a minha tigre-fêmea anã, e é lindo e inteligente o meu céu. Nosso céu nos contém. Ele não fica “lá em cima”, somos nós que estamos dentro do céu que vemos. Lua cheia hoje. Desliguei as luzes e acabei de tomar o banho à luz da lua. Todas as estrelas estavam lá no céu, mesmo as que sei que estão lá, mas não as vejo a olho tão nu quanto eu no banho. Com um binóculo veria algumas mais, com um telescópio veria milhões mais.



Os muros da casa não me deixaram ver o Cruzeiro do Sul, mas não importa. Sei que está lá, assim como sei que o céu que vejo é um enorme computador onde tudo se equilibra. Se a Terra parasse, a Lua dispararia imediatamente como lançada por uma catapulta e tomaria um novo rumo a caminho do Sol, provavelmente. É como se as leis do Universo – aquelas da Física - fossem “automáticas” e houvesse censores espalhados em cada ponto que transmitissem a informação de que algo mudou por ali e precisa ser “equilibrado”. Tudo automaticamente. O Universo é um computador automático, inteligente, que se sustém a si mesmo. Eu não! Minha tigre-fêmea anã também não. Eu sustento a minha guardiã, o Universo me sustenta aqui na Terra. Se eu sair completamente nu para dar um passeio pelo Universo, morro logo que atingir a altitude de 5.000 metros por completa falta de ar, e se conseguir sobreviver a mais uns tantos mil metros, meu corpo explode todo estraçalhado, ensanguentado, tudo congelado, porque a minha pressão interna o fará explodir. Lá fora a temperatura estará próxima do zero absoluto, ou seja, - 253º graus centígrados. Esquisito esse meu céu. Não sei como alguns religiosos imaginam que seja o céu, como paraíso, mas deve ficar em algum planeta, ou numa porção deles, porque fora deles viver é quase uma impossibilidade. Só pedras se dão bem.




Lembrei-me de tomar um café. Minha gata gigante, guardiã levantou a cabeça – estava dormindo – e olhou-me como quem pergunta: Para onde vamos? E tive que dizer-lhe como é costume, que ficasse onde estava porque ia só tomar café. Deu-me uma lambida rápida na mão esquerda que ainda mantinha apoiada no teclado, e se arrumou para se encostar. Fui até a cozinha e me servi de um café. Só então ela se encostou tranquilamente para dormir mais uns minutos. Ela não toma café. Em certos dias o planeta vermelho que passa pelos céus em seu trabalho diário de girar em torno do Sol e manter o equilíbrio do sistema solar parece mais com cor de café ralo. Dizem que é vermelho, que já teve oceanos de água e até que já teve vida. Interessante como isso me preocupa, mas nem deveria porque nunca me preocupou antes de eu nascer e nem me preocupará depois que parar de viver. Com um pouco de sorte, se não sofrer de Alzheimer, ainda poderei me preocupar com isso uns anos mais. Mas mesmo com essa doença, também não terei porque me preocupar: Meu computador craneano terá perdido a noção de quase tudo e terá outras preocupações.



É claro que eu sou o meu céu, dotado de um computador onde tudo está funcionando perfeitamente, mas que já nasceu com um defeito congênito, problema que o céu lá de cima (mas que na verdade cerca este planeta) não tem: Nasceu para ser infinito no tempo, com uma temperatura média de 2,4º Kelvin, ou seja, próximo do zero absoluto, mas com zonas tão quentes e tão temperadas como o meu corpo, que fico impressionado, dentre tantas outras coisas, como até nas leis da natureza alguém parece ter-se preocupado com o isolamento térmico. Se este isolamento não funcionasse, estaríamos mortos há muito tempo, o Sol apagado, o Universo inteiro morto.



Fica a pergunta se o universo é assim para nos manter vivos. Parece que esse é o único propósito deste Universo. O meu, é continuar gastando meu tempo com a vida que herdei de forma tal que posso dar minha vida por um ente querido ou por uma causa que mantenha a vida, mas preocupado a cada instante para que não seja em vão, á toa, um desperdício. Já me perguntei se minha gata Sarkye faria o mesmo por mim. Acho que não. Ela me avisa se tem algo “vivo” diferente nas imediações da casa, faz vigília a meu lado, mas é a primeira a fugir a cada ruído estranho que chegue mais perto. Se eu pudesse iria dar um passeio por Alfa de Centauro que fica bem perto de nosso planeta, mas ainda não abriram as bilheterias para embarque. El algum lugar do mundo haverá um “louco” pensando na melhor e mais eficiente forma de chegar até lá, mas as Agências Espaciais têm outras prioridades, e os governos nem se preocupam com as populações. Seu imediatismo é serem reeleitos para serem donos das verbas públicas que dividirão com quem entenderem ser “melhor” dividir, sempre pensando na reeleição.




O céu desses – aquele céu divino de que falam as Escrituras e Livros Santos – Não o céu que vemos, é nos palácios onde são servidos a expensas dos cidadãos. Dizem eles que isso é Democracia. Democracia é a vida entre eu e minha gata: Eu cuido dela como posso, ela cuida de mim como pode. O Céu, cheio de estrelas, planetas e políticos é testemunha. O que o céu contém nem me conhece, mas continuarei estudando o céu, o universo. Meu filho chega hoje da Noruega. Passou por Barcelona e Lisboa para se despedir dos amigos. Outros terras, outros céus.

® Rui Rodrigues






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