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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Crônicas de Ursia - Dia xôxo de céu encoberto


Dia xôxo de céu encoberto sem nesga que azuleie, nem brecha que brilhe e esquente, dia frio ameaçando tempos. Mudança de tempos... Os de Brigitte Bardot se foram para sempre. Desde que o mundo é mundo que se mudam os tempos como quem muda as décadas. A década de 20 não era nada parecida com a de 10 (desta ninguém fala) nem das de 30 , 40, o mundo diferente a cada década. 

Cabo Frio se afantasma (deu pra entender este termo, afantasmar? pois então, se não existir fica desde já inventado). Foi numa segunda-feira sem desculpa para descanso extra porque nesse fim de semana ninguém trabalhara por falta de turistas. Cabo Frio não tem recebido turistas porque a grana anda curta.



Precisava comprar uma televisão pra quebrar um galho, ouvir umas noticias, porque sou estupido. Se eu me tivesse escutado o que me vinha do cérebro, teria comprado um barquinho "maneiro", navegado até uns 10 km da costa, ali pelas bandas largas da linha do Equador, e me refastelado para pescar, ver televisão internacional transmitida por satélites, dar umas tecladas na net e tomar umas e outras com ela, de ouvidos sempre atentos no equipamento de radio-amador. O melhor modo de passar uns meses de aposentado por ano. 

Ela poderia ser qualquer uma desde que não fosse uma qualquer. Ali ela poderia fazer o que quisesse - como sempre - desde que não me pedisse para levá-la onde eu não queria ir. Viver bem em sociedade e numa relação, não é obrigar o "outro" a fazer o que queremos, mas não incomodar o outro a fazer o que sabemos que ele não gosta. (isto funciona sempre tanto para meninos quanto para meninas em qualquer idade). Insistência, mesmo que por descuido, vira aporrinhação. Um mal que um não poderia fazer ao outro seria a traição, e mesmo assim, nunca se sabe que pensamentos ocorreriam na mente de cada um. 

Me arrumei rapidamente, e encontrei o Urso com o rabo abanando à minha espera. Urso é um cachorro burrinho, mas alegre e simpático, amigo infiel, que vai com todo mundo e depois corre para me alcançar. Burrinho porque ainda não aprendeu a não pular no meu peito e tentar me lamber a cara. Também é burrinho porque eu não sou o dono dele. Somos apenas vizinhos. Toda a noite ele ladra até conseguir trazer o Cadillac, um cavalo, para debaixo de minha janela. Ursia e onde vivo são o mesmo lugar, mas Ursia é o mundo como meu amigo Urso vê as coisas. 
Botei a roupa na máquina pra lavar e saímos.



As ruas de Ursia são cheias de portões, cães, dogues e cachorros. Ursia nesse aspecto parece como todo o Brasil parece, dia de "Independence day", atacado por bandidos alienígenas. Todos latem mas sem mostrar os caninos, mas nenhum é tão inteligente como Urso, o meu cachorro que não é meu. Hoje, olhou para um portão onde vive um "desafeto" dele. Sem ladrar, aproximou-se. Os outros dois cachorrinhos do andar de cima de uma casa, do outro lado da rua, ladraram ferozes na varanda, mas do cachorro debaixo, do portão, nem sinal. Então Urso levantou a perna e urinou na fresta da soleira, onde o desafeto costumava colocar o focinho para olhar para a rua. Pensei que Urso tivesse urinado por "acaso" ali, junto aos gonzos do portão, mas mudei de ideia. Urso é muito mais inteligente do que eu pensava. Logo que acabou de urinar, virou-se e veio para mim. E atravessou a rua, saracoteando o corpo abanando a cauda e murmurou sorridente (aquilo não era latido):

- Arrrummm... Iaruuuun... 

Pronto. Entendi. Marcara o lugar com urina como seu território. Quando soltassem o desafeto, ele saberia quem era o rei de Ursia, dentro e fora de seu paraíso fechado com portão. 


Logo no quarteirão a seguir vi que o comércio estava fechado como se o tráfico tivesse mandado fechar. De modo geral o comércio está muito parado, os estoques dos supermercados reduzido (há 3 no Bairro), algumas lojas abrem apenas pela tarde, outras nem todos os dias da semana. Não sei se no Brasil estamos parando ou levantando voo para a morte. Lojas fechadas com anúncios de "passo o ponto", "aluga-se" e "vende-se" deixam as ruas com cara de feriado nacional no centro da cidade. Estão vazios os supermercados. Isso que impressiona mais... Dá a falsa impressão que não se come, mas como ainda se come, certamente comemos menos. 

Aqui onde vivo por uns dias, por vezes me parece estar em Londres. Tempo enevoado, economia de guerra, 1943 ou 44, por vezes o comércio não abre, vive-se temendo o inimigo invisível que te pode assaltar em qualquer lugar. Antigamente as pessoas conversavam no meio da rua. Agora não.
Para compensar as épocas de defeso do Camarão e da sardinha, em Ursia, criaram uma ajuda de custo aos pescadores. 




A ninguém passou pela cabeça ministrar cursos de cultivo de peixes, crustáceos, e de camarão da Malásia aos pescadores. Nem as prefeituras entraram em contato com o ministério das pescas e a marinha, para cessão de áreas de cultivo. Socialismo é o modo de distribuir verbas para passar férias, consumindo renda sem gerar renda.

Meu caro Urso, estou contigo no mato. Estou no mato com cachorro. Sem patroa, mas com cachorro. De vez em quando devemos meditar pelo prazer de meditar. Urso ganhou uma coxa de galinha inteira. Sem sal, mas bem temperada. Ele gostou de temperos hindus, mas não tem a minima noção do que sejam os párias. Nem Vishnu. Como disse, Urso é meu melhor amigo burrinho que tenho. E Ursia, a Urbi et Orbi nostrum com mare nostrum. 

® Rui Rodrigues



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