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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Alergia ao tempo, só por estes dias.

Assim à guisa de esclarecimento, como intróito.

Não sei quantas pessoas se interessam por meus escritos. 
Quem se interessa sabe de meu sentimento positivista (apenas sentimento, porque olhando com os olhos da razão começamos a ver uma "paisagem" diferente e perdemos um pouco desse senso)e de minha alegria pela vida, minha felicidade, meu interesse pela ciência, e também de não alimentar falsas esperanças ou falsa fé. Então talvez estranhe esta "alergia" ao tempo por estes dias, só por estes dias. Depois passará porque sou positivista. Quem não se interessa não estranhará nada, porque provavelmente já escutou de tudo.  Talvez note que não tenho muitos cuidados com revisão de textos. Na verdade me preocupo mais com o pensamento. Acho interessante que minhas experiencias na vida sirvam para quem ler meus escritos, não como ensinamentos, mas como objeto de analise e reflexão, assim como cobaia humana de pensamentos, ou doador de informação. Cada um que a classifique. De zero a mil, vai uma infinidade, dependendo do número de casas decimais... 

Interação Primeira 
O velhinho do Ônibus e o menino do bonde.



O velhinho e o menino são os mesmos. São uma e a mesma pessoa. O que os distingue é apenas o tempo. 

O idoso subiu no ônibus, pegou seu cartão eletrônico, encostou-o no leitor, deu um aceno de cabeça para o trocador, empurrou a roleta e veio sentar-se a meu lado, o único lugar vago disponível. Fomos conversando por algum tempo sobre banalidades importantíssimas. As pessoas, quaisquer que sejam, precisam conversar para se situarem e equilibrarem no mundo, senão "desequilibram-se", sentem "tonteiras" e ficam perdidas, algumas completamente desajustadas. Usava um celular com fones de ouvido, mas tirou os auriculares para conversar comigo. Contou-me que sentia saudades dos tempos dos bondes e que nunca entendeu porque tinham acabado com eles. Também sentia saudades das rádios que se ouviam antigamente. Não entendia como o controle das emissoras tinha passado para gente que não se interessava por rádio. Estragaram as rádios. As pessoas vestiam-se melhor, conversavam mais, havia mais amizade no mundo. Agora parecia que as pessoas se evitavam. Olhar para mulher e demorar um tisco de segundo mais olhando, pode ser entendido como "assédio" sexual. Sentia muito a falta de rádios tocando musicas boas, românticas, como "champanhe", criavam "climas" de amor e amizade. 


Agora com o funk não despertam os mesmos sentimentos. Disse-me que se nascesse hoje sentiria muitas dificuldades em viver, pais separados, ter que andar de casa em casa nos finais de semana, passar a maior parte dos dias mais tempo convivendo com colegas de escola do que com a família. Achava que nos dias de hoje a tendencia é que a criança não crie raízes, mas que como sente naturalmente falta de raízes, que a médio ou longo prazo tudo reverta a um maior convivo familiar como era antigamente, no tempo em que ele era criança e andava de bonde. E antes de me avisar que iria descer no próximo ponto, ele me disse, a mim, que também sou velhinho, idoso é um coletivo de anos, que as pessoas se vestiam melhor, cheiravam melhor, sorriam mais francamente, com a boca e os olhos da alma. Para ele, estávamos nos transformando em "unidades" produtoras de serviços diretos e indiretos, cada vez mais fáceis de agradar, ate um dia perdermos a alma, por alergia ao tempo. Unidades que nem se preocuparão em ceder lugar para uma senhora, para um velhinho, ou ter que sorrir. Conseguirão suas doses de amor com bonecos infláveis totalmente automatizados, que não usarão suas qualidades para nos tirarem vantagens, e obterem as suas. O fim da prostituição física e moral. Casamentos totalmente dispensáveis. Sem herdeiros. Não haverá crianças para adotar. Os serviços para procriação serão contratados. Dirão que como há pagamento envolvido, procriar será um certo tipo de prostituição. Ele desceu no ponto em frente a um condomínio de muros muito altos. Quem passasse pela rua, mesmo de ônibus, não conseguia ver o que se passava lá dentro. 


Interação Segunda 
Os muros que se levantam e caem.         




Muros são barreiras físicas e morais. Sempre. Nenhum muro foi levantado apenas para embelezar. Não há beleza em muros. Muros em sua maioria são construídos para defesa. A verdade é que nascemos todos num planeta cheio de limitações, sujeito a uma cadeia alimentar. Para se sobreviver, nada melhor que estar no topo da cadeia. O ser humano conseguiu evoluir até o topo, mas mesmo entre a humanidade se pratica o canibalismo de várias formas, sendo a mais sutil, a eliminação de semelhantes de forma indireta pela privação da subsistência. A menos útil é a guerra. Uma e outra podem ser praticados entre nações, entre grupos étnicos e mesmo entre familiares. 

Cheguei a conhecer alguns judeus com número impresso no braço. E nasci cerca de um mês depois que a guerra terminou. Os muros dos guetos de Varsóvia e de outros foram demolidos, mas o de Berlim foi construído depois do de Varsóvia(e derrubado) pelos que haviam antes derrubado muros de guetos. Alguns outros ainda estão de pé, como em cidades amuralhadas da Europa por motivos turísticos. O que impressiona, e muito, é como os princípios morais, que embasam o comportamento da humanidade, ou a sua falta de compostura, se alteram de forma tão oposta, dependendo de que lado se está... Judeus construíram muros na faixa de Gaza, americanos construíram-nos na fronteira com o México, nossas cidades estão cheias de muros que dividem condomínios do resto das casas do bairro, mas esses se veem. As sutilezas da convivência que nos separam, essas não

Mas paradoxalmente, o problema não está na construção dos muros, mas o que significam e o que se oculta em sua construção. Visto por um turista, o muro pode ser uma separação porque uns são muito bonzinhos e os outros ruins, ou uns gostam de trabalhar e ganham mais, e outros nem tanto. Se o turista for socialista, dirá que de dentro do muro são de extrema-direita, burgueses ou capitalistas, esquecendo que quem está dentro deles também são socialistas, como na China a qualquer tempo, na ex-URSS e Russia. O povo mais igual do mundo é o cubano. Não existe riqueza para dividir porque todos são pobres exceto os "homens" do governo que têm regalias. Na Índia de fantástica meditação e espiritualidade, quem nasce pária, pária morrerá, sem a minima chance de virar capitalista ou sequer socialista. Fiéis muçulmanos dos que vão a Meca pelo menos uma vez na vida, cortam pescoços de gente inocente sem julgamento imparcial, e se formos falar em outros fiéis de outras religiões, todos construímos muros de algum tipo entre nações, etnias, cidades, lares. O problema principal continuam sendo os entardeceres do tempo das crises, quando se desperta, olhamos ao redor, e constatamos que somos muitos para espaço tão apertado que não dá pra todos. Em tempos de vacas gordas a humanidade cresce muito. Em tempos de vacas magras, Anacreonte devora os próprios filhos, Brutus matou o pai. Deveria haver um Yom Kipur para toda a humanidade, o dia do perdão universal.   


® Rui Rodrigues 

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