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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Lisboa, anos 60, idade 15 anos.

Lisboa, anos 60, idade 15 anos, quase um homem, quase imigrante, minha vida ia mudar. Espero uma tromba d'água que anunciaram, mas agora no Brasil dos sonhos portugueses já eliminei tantos "quase" da minha vida que me julgo prática e definitivamente completo, mas 58 anos se passaram.

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Naquele ano certo dia estávamos duros, sem dinheiro pra cigarros, eu o Simões e o Boavida (era o nome dele, João Boavida Pedro). O Simões disse que as pessoas eram boas, que bastava pedir. E como ia passando uma senhora, foi na direção dela e disse que estávamos sem dinheiro para o "autocarro" e para o metrô, se ela poderia nos ajudar que eu e o outro éramos muito tímidos e tínhamos vergonha de pedir... A senhora ergueu os olhos como quem faz contas mentalmente, e deu-nos, fazendo nós as próprias contas, pra dois maços de cigarros. Despediu-se a senhora com um sorriso maternal e um sábio e ingênuo conselho:

- O resto peçam a outra que não tenho mais. Desculpem, mas acabaram-se-me os trocos...  
  
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Nós tínhamos credibilidade, com nossas roupas sempre limpas e não havia outras hipóteses para faltar dinheiro justamente para os três... Naqueles tempos eu fumava um maço a cada duas semanas.

Agora no início de março de 2018 terão decorrido dois anos sem uma única tragada de cigarro. Falta um mês. Não odeio cigarro... Lamento sim o tempo perdido em que fumei e sinceramente, não me deu tanto prazer assim... Creio até que era bom quando não me "obrigava a".... A dependência é que nos torna umas coisas deploravelmente fracas... qualquer vício, até o do amor, é um sinal de fraqueza.... 
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Aprendi graças a minha netinha que amo de paixão e me deu a maior força na base de muito tapa na minha bunda. Eu nunca levantei a mão pra ela, nunca! Mas ela pra mim já me bateu várias vezes na bunda por causa do cigarro... Ela é muito especial.

Dois anos!!!! Quanto mais velho fico, melhor me sinto... Deve haver alguma coisa demasiado certa comigo...

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Mas me lembrei hoje dos velhos tempos em Lisboa, 1960, eu e mais dois amigos sem dinheiro pra cigarros... Que eu saiba, O Boavida morreu de ataque cardíaco antes dos 20 anos e o Simões nas guerras de África. Eu tinha 22 amigos que via regularmente e que se foram despedir de mim no navio Aragon em 18 de abril de 1962 acenando lenços, e uma namorada que nunca mais vi. Dos 22, 20 morreram em África.   


Nas fotos:
- Varinas, vendedoras ambulantes de peixe... Coitadas... Andavam com cestos na cabeça pelos bairros da cidade...
- No Bonde, "elétrico", há um cara muito parecido comigo em pé, no estrado, de gabardine clara logo atrás do Fiscal...
- A vida nos empurra. Há sempre grandes amores que deixamos para trás.
- Os "autocarros" de dois andares que nos faziam esquecer onde deveríamos saltar...
Rui Rodrigues

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