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segunda-feira, 23 de julho de 2012

SÓRDIDA SOLIDÃO 
(Escrito com a letra inicial em S)
Marlene Caminhoto Nassa

Sua sorte:
Seu simples sudário
Seu seco, sensível,
Sucinto ser  soluça,
Sacudindo sua sorte.
Sentado, sozinho,
Sofrido,
Sem solução...
Somente só
Sofridamente sozinho...
Sacudindo saudades,
Suspiros saindo
Sorrateiramente
Sem suspeitarem serem sinais...
Satisfação? Só solitária...
Suculenta sofreguidão
Solidária?
Somente sórdida e sentida:
Solidão!

domingo, 22 de julho de 2012

Notícias do céu




Notícias do céu

Quando fui aos correios em Cabo Frio e abri a minha caixa postal, vi uma carta. O remetente era um amigo meu que havia falecido há uns dez anos atrás. Pensei que era uma brincadeira de mau gosto, mas abri curioso. Impressionante que reconheci a sua letra e o seu estilo de escrever. Sorvi o texto avidamente e voltei a ler. Não uma, mas duas vezes, encostado a uma banca de jornal que fica mesmo em frente ao posto de correios. Depois, como que por encanto, a carta desfez-se em pó que desapareceu antes de atingir a calçada. Do que me lembro, reproduzo a seguir.


Caro amigo,

Sei que dificilmente acreditará, mas consegui mandar-lhe esta carta que logrei introduzir em sua caixa postal aproveitando quando o funcionário dos correios a abriu para deixar uma outra sua correspondência. Mas se acreditar no que lhe conto, prepare-se muito bem. Não se arrependerá!

Não adianta. Seja num dia de sol, chovendo, escuro ao anoitecer, e esteja numa floresta, num deserto, no mar, numa montanha na neve, ou em seu apartamento, num restaurante, viajando, quando a morte vem, tudo fica escuro, um breu como a noite mais escura sem lua nem vela de glicerina. Por uns instantes ficamos pairando no ar vendo tudo o que se passa em baixo, onde nosso corpo ainda está, amarelado, sem vida. Com um pouco de sorte não terá ninguém conhecido perto e não verá ninguém chorando. Com muito azar, morre-se em família e sai aquela choradeira toda. Por uns seis a nove minutos ainda se escuta o que dizem. É um desaforo que temos que agüentar calados: A esposa que diz para as amigas mais íntimas: ”Até que enfim...”, os filhos dizendo “lá foi o muquirana”, a gata desesperada e o cachorro uivando como lobo triste e desamparado, o amante da mulher dizer para si mesmo: “Acabou-se!... Agora já não tem graça nenhuma trair o cara...”, Depois vê-se um clarão de luz vindo em nossa direção, e umas pessoas completamente nuas parecem vir para nós, mas é ilusão... Nós é que estamos indo em direção a elas, que nos vêem passar sem sair do lugar, dizendo adeusinhos com lindos sorrisos e abanando as mãos. Aquela coisa de vir trem ou ônibus nos apanhar como pensou o Jean Paul Sartre, é pura mentira. Não há nenhum escritório lá em cima, nem comitê de boas vindas para nos separar em grupos e fazerem perguntas idiotas. O que há é um avião muito bacana, todo de vidro, transparente, sem motor, como se fosse uma bolha que nos leva para vários lugares. A bordo, lindas bolhomoças e comissários de bordo, todo mundo nu. Ninguém levava bagagem alguma, nem de mão. Não temos que passar por detectores de metal. Já no imenso aeroporto nos dão algumas explicações: Vamos para o céu que sempre desejamos quando éramos vivos e teremos oportunidade de ver outros céus, conforme desejos de outras pessoas.

De longe podíamos ver outro aeroporto com filas imensas de viajantes exatamente iguais a nós. Até as bolhas eram iguais. Perguntei se era o Terminal número II. Uma anja simpaticíssima disse que não, enquanto me segurava a mão enquanto se encostava a mim sorridente: Era o terminal dos que iam para o inferno. Tremi, ou julguei que tremi. Então, como tenho a mania de querer saber tudo, perguntei qual a diferença entre céu e inferno: A diferença era que o inferno era um lugar onde só existia o que as pessoas mais detestavam. Somente depois de subir a bordo é que reparei em duas coisas fundamentais: a bolha em que viajávamos não tinha cadeiras, e lá embaixo, o que víamos era a Terra. Fazia sentido. Só fez mais sentido ainda quando minha bela bolhomoça me perguntou: - Está pensando que é a terra de onde veio. Não é? Assenti com a minha cabeça, completamente perdido com a beleza dela. - É... É a Terra, confirmou-me ela - mas é uma coisa impressionante, porque existem várias terras-céu. Uma para cada ano terrestre, porque não podemos misturar mentalidades diferentes. Logo entrariam em conflito.

Enquanto assimilava o que a minha bolhomoça me informara, olhei à minha volta, percorrendo todo o interior da bolha. Todos éramos jovens, naquela idade em que mais nos amaramos, fortes, bonitos, corpo esbelto. Cada mulher tinha um comissário de bolha e cada homem sua bolhomoça. Em breve troca de impressões com as pessoas que estavam mais perto de mim, ouvi que “aquela” era a mulher que sempre quisera ter, ou “aquele” era o homem com quem sempre sonhara. Havia lésbicas e gays na bolha, o que deu pra notar logo em seguida. Lá na frente havia um grupo sem acompanhantes. Eram sacerdotes de várias religiões que tinham feito votos de castidade. Alguns reclamavam que não tinham acompanhantes. Outros - ouvi pelas conversas - já tinham pedido as suas ou os seus.  A cada minuto ia ficando mais íntimo de minha bolhomoça.

Voávamos a baixa altitude, bem devagar. Passamos por um lugar lindo, cheio de tendas de circo, carroças de doces. Crianças e alguns adultos desceram A Disney era “fichinha” comparada com aquele imenso parque onde se andava em brinquedos perigosos sem necessidade de cintos de segurança. Crianças brincavam e divertiam-se, algumas sem acompanhantes, outras estavam acompanhadas de pais e babás. Lambuzavam-se com chocolates, pirulitos. Um pouco mais adiante, vi umas boates a céu aberto. As estrelas eram o teto. O povo dançava alucinadamente. Mas o maior recinto estava cheio de gente sentada, de frente para computadores, mandando mensagens e combinando encontros. À sua frente, biscoitos, pipocas, refrigerantes, pizzas, pratos de miojo, taças de vinho, bolachas champanhe. Logo ao lado, um outro recinto muito parecido onde multidões jogavam sofregamente em maquinas e aparatos de todos os tipos num arraial de luzes que piscavam, sons de maquinas anunciando que haviam acertado um “Jackpot”. A barulheira de vozes, gritos de satisfação, era imensa em qualquer dos cenários por que passávamos.

Em breve restávamos apenas um razoável grupo para sermos largados em nosso paraíso. Eu estava ansioso para saber. Largaram-nos numa praia tropical, imensa, com pequenas cabanas ao longo da linha de água. Não havia garçons. Tínhamos tudo à disposição. Podíamos preparar o que quiséssemos. Para cada casal uma cabana.  A luz do Sol já ia baixa e lançava tons róseos e alaranjados pelo céu. Eu estava no planeta Terra. Não tinha dúvidas. Ali, bem perto de mim, deveria estar gente real que ainda vivia, mas não podia vê-las.  Talvez com o tempo houvesse alguma forma de me contatar com elas. Deixei isso para depois, porque já estava com minha bolhomoça agarrada a mim, a caminho de uma cabana isolada. A luz que vinha do interior era convidativa. Entramos e nos beijamos. Então ela me disse: - Estranhará porque não tem nada para ejacular. Toda a bebida, comida que aqui comemos é apenas uma sensação... Não se come realmente ou se ejacula. Somos apenas uma forma. Nada do que vemos é material, embora sintamos tudo como se o fosse. Mas vamos entrar... Vamos aproveitar a noite.

Quando amanheceu estava reconfortado. Sentia-me eufórico. Vivo, alegre e feliz. Perguntei a minha companheira o que significava a vida na Terra. Respondeu-me:
- Lá é o purgatório, onde aprendemos a sofrer para que possamos discernir o que é bom do que é ruim e resolver o que realmente queremos. É um lugar de livre arbítrio. Aqui é o destino final, e não é tudo. Pode-se ir a qualquer lugar, saber qualquer coisa do universo, visitar ancestrais em suas terras-céu. Somos anjos sem asas, nem precisamos de bolhas para nos transportar de um lugar ao outro.  Esta viagem que fizemos foi apenas uma “cortesia”. Não há como enganar ninguém, fazer mal a alguém, matar alguém. Impossível. Não existe o “mal” por aqui, e como nada é material, não há disputas nem ambições. Cada um tem o que deseja e isso não depende do trabalho de outros.   

Espero que acreditem.

Rui Rodrigues

sábado, 21 de julho de 2012

O menino e os gibis.




O menino e os gibis.


Antevira o futuro, agora já presente, pela nuvem que costumava pairar em dias negros de sua infância, de sua juventude. O pai emigrara para um estrangeiro muito longe e a tia histérica que cuidava dele batia-lhe todos os dias com cinto, chinelo, o que tivesse à mão. Não raro lhe davam ataques que a deixavam contorcendo-se no chão por breves instantes. Depois ela levantava-se e tudo voltava ao normal. Freud teria certamente uma boa conversa com ela que a faria terminar com as divergências entre o seu alter-ego e o seu ego, mas naqueles tempos ainda se limpavam chaminés, os tempos eram difíceis e não tinham dinheiro para consultas. Ela só melhorou quando casou com um homem bom, gordo, calado, bonachão. Depois, passado pouco tempo, ela, que sempre vivera sozinha, começou a irritar-se com o marido, e novamente o garoto se viu mergulhado em dias negros, quando então se recolhia a sua nuvem. A nuvem podia ser interpretada porque falava através de sua própria linguagem. Falava através de livros de história em quadrinhos. O futuro estava todo lá, contado de forma acessível a qualquer um. O que a criança não sabia muito bem era se as histórias faziam o caminho para o futuro, ou se o futuro simplesmente se revelava nos livrinhos de histórias.

Sua personalidade foi sempre construída entre escolhas, dia a dia, reagindo a cada atitude do mundo, boa ou hostil, por reação contrária ou por adoção do comportamento, da idéia, da situação. Procuraria jamais bater em crianças, defenderia os fracos, teria que ser um forte até mesmo na determinação. Hoje, muitas décadas passadas, olha para o passado de vez em quando e vê, relembra, revê o que sempre lhe foi óbvio: Todas as histórias infantis eram tristes ou tinham seu lado triste. Até nas canções infantis. Talvez o futuro viesse a ser triste. Não o seu próprio futuro, mas o futuro da humanidade.

Quando assistiu ao filme “Pinóquio”, um livro de histórias em quadrinhos contado em movimento, preocupou-o mais a raposa que desviava o boneco vivo de madeira do que propriamente as suas mentiras, porque estas por vezes eram necessárias para fugir do furor crônico da tia, enquanto o ser desviado de seu caminho por pessoas interesseiras e que não estariam verdadeiramente interessadas nele, era muito mais importante. Notou que Pinóquio só tinha um pai. Ele não tinha mãe nem madrasta. Ele tinha uma tia que dizia cuidar dele, mas que era como se fosse uma madrasta. Talvez um dia o mundo não tivesse mais mães desse tipo, talvez os homens não casassem, talvez só nascessem filhos amados, desejados, que não fossem largados. Quem escreveu esta história não gostava muito de mulheres.

Assistiu ao filme “João e Maria”, e percebeu um mundo hostil às crianças, em que uma madrasta aconselha o pai delas a largá-los na floresta porque não tinham o que comer. O pai concordara e elas vão parar na casa de uma bruxa cega que tinha construído uma casa de doces e chocolates para atrair as crianças que engordava para depois as comer. O pai e a madrasta perdem tudo. Joãozinho mostrava sempre um osso de um dedo á bruxa, para mostrar que estava magro. Livres da bruxa que Maria consegue matar reencontram o pai que os recebe de braços abertos porque lhe trouxeram os tesouros da bruxa.
O menino aprendeu com esta história que tinha de fugir das bruxas, das madrastas, e que teria que ser independente para não depender de pai cativado por elas. Quem escrevera esta história não gostava muito de mulheres.

Folheou livros e livros de histórias em quadrinhos de super heróis: Batman, O Fantasma, Superman, Homem Aranha, Tarzan, todos muito poderosos beirando o endeusamento, mas nenhum era casado, nenhum tinha filhos ou filhas. Tinham dinheiro mas não se sabia de onde vinha. Tarzan preferia viver com uma macaca, mas soube-se depois que era na verdade um macaco. Os que escreveram estas histórias não gostavam muito de mulheres.


Branca de Neve divertia-se com os sete anões, demonstrando uma juventude promiscua. Os anões eram trabalhadores e extremamente ciumentos, cercando-a de todo o conforto. A madrasta dela era linda também, mas transforma-se numa bruxa velha e caquética para matá-la com um sono eterno produzido por um veneno contido numa maçã.  Traidora e ingrata, Branca de Neve acaba por apaixonar-se por um príncipe que herdaria a riqueza dos pais. Afinal, os sete anões eram apenas trabalhadores de minas que produziam qualquer coisa que não os fazia enriquecer nunca. Quem escreveu esta história não gostava muito de trabalhadores nem de mulheres.

Ali Babá não era casado e rouba uma caverna de ladrões cheia de riquezas mas não as devolve aos que foram roubados. Estes ficaram sem as suas economias. Casa-se com uma empregada que nem se sabe se era bonita ou feia, mas que tinha moral e ética, por avisar Ali Babá que os ladrões estavam escondidos em grandes ânforas de barro para matá-lo e ao irmão ambicioso que tinha ido sozinho na gruta também para roubar. Salvou-o Ali Babá, e por isso os outros ladrões os procuravam para se vingarem. Quem escreveu esta história achava que se pode roubar impunemente sem devolver o dinheiro roubado a seus donos. Não se vê outra coisa neste maravilhoso mundo novo.

A Gata Borralheira é uma irmã perseguida que sofre bullyng por parte das irmãs e da madrasta. Havendo um baile e impedida de ir, A Gata Borralheira recebe ajuda de uma fada “irreal” e vai á festa perdendo um sapato na pressa de voltar para casa. A madrasta e as irmãs são reais, a expressão do mal, mas a fada, que expressa o bem, é de mentirinha e usa uma vara para fazer milagres. O príncipe, inveterado pedólogo, apreciador de pés femininos pequenos, irá torrar toda a grana do pai casando-se com a dona do sapatinho perdido. Quem escreveu esta história deixou patente que uma em cada cinco mulheres é terrível, ruim. Não gostava de mulheres certamente.

O pato Donald tinha três sobrinhos e não era casado. Vivia amando uma garota, a Margarida, que tinha um amante chamado Gastão e era rico. Os três porquinhos viviam sozinhos numa casa instável porque o Lobo Mau as derrubava para comê-los. Mickey tinha uma namorada, a Minnie, mas não viviam juntos. Ele vestindo uma cueca e ela uma minissaia curtíssima. Ambos viviam sós. Amavam-se mas jamais se casaram. O casamento não era recomendável para quem escreveu estas histórias. Bom mesmo era a eterna namorada sem compromissos com quem se pode dar uma rapidinha e até passear de vez em quando.

Na história do chapeuzinho vermelho, a mãe e o pai não aparecem, a avó vive sozinha e o lobo mau quer transar com as duas. O gato Tom não tem uma amiguinha chamada Gerry. Gerry é um rato macho que o Tom quer comer de qualquer modo.

O menino da nuvem lidou com tudo isto pensando nas razões que levavam os autores a escrever histórias tristes para crianças, que dentro de um quadro imaginário incluíam mensagens subliminares esclarecedoras de suas próprias experiências infantis. Ou tinham tido uma madrasta das brabas, ou sofrido bullyng, ou eram gays por opção ou natureza. Decididamente o mundo era muito parecido com as histórias em quadrinhos, e, ou apontavam para um comportamento futuro, ou faziam o futuro do comportamento.

O menino já não vê nuvens em sua vida. Casou cedo, teve seus filhos, suas mulheres, não foi príncipe nem pobre, enfrentou ondas e vendavais. Não está na idade do lobo mas não é mau e gosta das mulheres. Teve a sorte de perceber que o mundo nada mais é do que uma história em quadrinhos contada de forma real todos os dias, mas já se abstém de ler essas histórias. Há novas edições e novas histórias no mercado. Calvin tem um amigo confidente de pelúcia, um tigre, mas é ainda muito criança. Tem pais ainda casados e só detesta a professora. Já é um progresso. Mas bom mesmo era a literatura de cordel. 


Rui Rodrigues

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A insustentável leveza do desejo.(para adultos)




A insustentável leveza do desejo.

Seu sonho era tocar “sonata ao luar” só com a mão esquerda e com a direita explorar as virilhas e a entrada para o paraíso da loura que costumava sentar-se à mesa cinco sempre acompanhada de um sujeito que em sua opinião não valia nem um rap. Não sabia se era marido, amante ou amizade colorida, mas realmente não conseguia entender como uma mulher daquelas andava com um sujeito irritante como aquele. Pensou que talvez fosse uma mensagem ao mundo masculino dizendo que o assédio seria fácil, que estava disponível porque qualquer um era mis interessante do que o homem que sempre a acompanhava. Havia mulheres assim. No auge de sua beleza com tantos homens disputando a sua beleza, elas podiam escolher aqueles com quem se deitariam e com os quais desfrutariam de suas partes mais íntimas. Lançou-lhe mais um olhar na esperança vã de que ela desse uma cruzada de pernas. Aquelas belas pernas tão bem torneadas, lisas, joelhos perfeitos, pele levemente rosada. Suspirou e continuou a tocar “as time goes by”, aquela do filme Casablanca. A loura olhara-o como sempre, com aquele olhar que não queria dizer nada além de que gostava da música.

Na mesa numero cinco a loura bateu palmas quando o pianista acabou de tocar “as time goes by” (http://www.youtube.com/watch?v=F_bMFVDu9yo). Pegou seu copo de cerveja, deu um leve gole e comeu um pequeno pastel de bacalhau. Conversou com seu acompanhante sobre banalidades de que não se lembraria amanhã. Segurou-lhe a mão sem qualquer intenção de carinho, um gesto mecânico de marcar presença, dar-lhe a confiança de que estava com ele e só ele interessava. Vira o olhar do pianista que costumava olhar para suas pernas. Se olhasse para seu rosto mais do que para as pernas, ficaria preocupada. Significaria que ele tinha intenções de uma relação duradoura. O olhar-lhe preferencialmente para as pernas significava que ele queria seu corpo por uma noite, uma semana. Talvez um mês, mas jamais por um ano. Se resolvesse incentivar o pianista teria que mudar de boteco porque seus olhares se denunciariam. Não queria ficar falada. Seus amores eram segredos da alma que vivia todos os dias. Não queria machucar ninguém, mas não conseguia ficar muito tempo com o mesmo homem. Só com aquele que escolhera por ser exatamente como é: Um homem dedicado que a entende e que não faz muitas perguntas, porque sabe que a pode perder para outro num estalar de dedos. Ele ficaria uma vida inteira para arranjar outra como ela. O pianista era um cara interessante. Já o notara varias vezes, e vinha ao boteco porque se sentia bem com ele no piano. Abriu um pouco as pernas e cruzou-as bem devagar enquanto seus olhos aparentemente desinteressados se cruzavam com os do pianista.

Tocava agora “New York, New York” com entusiasmo (http://www.youtube.com/watch?v=aqlJl1LfDP4). Seu cérebro estava inteiramente nas coxas bem torneadas da loura. Seu coração batia mais forte. O mundo valia a pena. Queria beijá-la, abraçá-la, tê-la nos braços, explorar-lhe o corpo por inteiro. As notas da canção saiam automaticamente. Precisava aproximar-se, dar-lhe o seu numero de telefone, marcar um encontro. Esperaria mais um sinal que ela lhe enviasse. Um sorriso. Esperava por um sorriso daquela boca de lábios carnudos, vermelhos, como fruta doce, madura. Imaginou-se de olhos fechados beijando-a em algum lugar de um motel. Beijando-a em todos os seus segredos. Um por um, suavemente. Um de cada vez. Seus dedos corriam pelas teclas do piano como se percorressem o corpo daquela mulher loura, desejada. Desejava tê-la para si, um sentimento que não era de inveja do homem que agora a acompanhava, que para ele nem parecia existir. Era algo diferente, como saber que ela se interessava por ele, secretamente, dividir não só o corpo como o segredo de se unirem, estar dentro dela, receber seus carinhos e sentir-lhe o sexo úmido, desejosa de ser penetrada. Era isso que o inebriava: Sentir que ela o desejava. Sentir-se desejado tornava o tempo mais ansioso e extenso esperando pelo momento da consumação do desejo. Olhou-a novamente. Ela pusera os pés sobre o suporte para os pés da mesa, e do ângulo em que ele a olhou podia ver todas as suas coxas. Só ele podia ver. Ela o desejava. Não tinha dúvidas. Fez um sinal para o balcão de que iria interromper o seu trabalho. Acabou de tocar a canção que celebrizara Frank Sinatra, levantou-se. Passou pelo balcão, apanhou um papel e uma caneta. Dirigiu-se ao banheiro. Tinha que ser discreto porque o patrão não gostava de envolvimento entre empregados e clientes.

A bela mulher viu o pianista terminar a música, levantar-se e ir ao balcão. Viu quando ele apanhou uma caneta e um papel, e se dirigiu ao banheiro. Os banheiros masculino e feminino ficavam lado a lado. Tinha certeza que seu acompanhante também vira isso. Sabia que ele não poderia desconfiar de seu interesse pelo pianista porque não dera qualquer motivo, seu rosto não demonstrara emoções, seus gestos eram comedidos. No entanto não arriscaria a dirigir-se também ao banheiro para apanhar algum bilhete com um numero de telefone, um local indicado para um encontro amoroso. Não naquela oportunidade. Esperaria mais um pouco. Estava gostando de viver aquela aventura. Imaginava-se nua, ao lado do pianista tocando uma música romântica, sentar-se em seu colo, encostar-lhe os peitos abundantes em seu rosto, oferecer-lhe os mamilos para serem beijados, até mordidos levemente. Depois sentar-se em seu colo e dar-se toda até o ultimo milímetro de sua vagina úmida. Percebeu então que estava úmida, desejosa. Queria aquele homem naquele exato momento. Desejava que o tempo parasse e somente ela e ele se movessem no tempo, todas as outras pessoas olhando sem nada verem, paradas, imóveis, inertes. O homem a seu lado disse-lhe ao ouvido que chegara a hora. Iriam embora. Já tinha pedido e pago a conta. Iriam a outro lugar e depois voltariam para casa. Ela levantou-se e acompanhou-o quando o pianista já voltava para seu assento ao piano. Seus olhares se cruzaram rapidamente.

Ao voltar a sentar-se ao piano, começou com uma música antiga: “bye bye love” dos Everly Brothers. (http://www.youtube.com/watch?v=dTWOwUich78). Ficara repentinamente triste e melancólico. Aquele momento de prazer que somente os atos de sedução proporcionam havia passado de forma frustrante. Não tivera oportunidade de deixar-lhe seu telefone, marcar um encontro. Talvez ela nunca mais voltasse. Chegou a sentir um leve ciúme, sem saber em que mãos ela entregaria aquele corpo que ele queria somente para si. Não era possível que somente ele, um pianista, lhe interessasse fora daquele relacionamento que ela parecia ter com o acompanhante de sempre, que tanto poderia ser o marido como um amante. Pensou que talvez fosse melhor que fosse marido. Mulheres muito dadas, oferecidas, perdiam um pouco daquele valor que só se encontra na dificuldade em conquistar. Quanto mais difícil uma mulher aparentar ser, mais saborosa é a vitória de desfrutar de seus carinhos. É como se fosse sempre virgem, dando-se exclusivamente a um homem só. Ao homem que a “merecesse”, o que quer que merecer pudesse significar. Nem que fosse simplesmente o desejo de ter prazeres livres, sem compromisso, destinados apenas ao prazer pessoal. A loura parecia destas que se entregam raramente e apenas quando acham algum homem interessante. Ele por exemplo. Seu ego estava agora nas nuvens, mas não podia esconder sua frustração. Gostava de ser desejado e a espera, os adiamentos, eram um sofrimento. Um sofrimento agradável. Esperaria mais uma semana para voltar a vê-la. Até lá, sonharia.

Na rua, a loura entrou no carro do acompanhante. Ele disse-lhe: - Você gostou do pianista... Ela sorriu e comentou: - Hoje tivemos um dia agitado. Fomos naquela recepção na embaixada e depois ao boteco do costume. Quando precisará de mim novamente? Ele passou-lhe umas notas para as mãos, deu-lhe um beijo no rosto e disse: - Telefonarei. Você é a melhor acompanhante que eu já tive. Merece o que ganha. Semana que vem há um concerto e vamos com um grupo grande. Será na Maison de France lá no centro. Prepare-se. Quinta feira!


Rui Rodrigues




quarta-feira, 18 de julho de 2012

Da Rússia com amor





A Rússia Emergente – História, Idiossincrasia e Democracia.


O lindo e inteligente povo russo é fruto de invasões de outros povos sobre uma base étnica predominantemente eslava. Afora o estado Persa da antiguidade, a Rússia sempre foi e é o maior país - ou império – do planeta. São 17 milhões e setenta e cinco mil quilômetros quadrados com 145 milhões de habitantes e uma história rica no cenário mundial. Mas para entendermos melhor o que se passa nesta grande nação temos que retroceder na história e resumir o passado em algumas linhas.



  1. Um pouco de História



Logo após um povoamento inicial na pré-história, e o degelo da era glacial, o território do sul da Rússia foi ocupado pelos Citas, povo indo-ariano de língua iraniana no século VI AC. Por outro lado, em suas investidas, os Vikings já faziam escravos a um povo que habitava os Montes Cárpatos e a sul da atual Bielorússia bem como a leste de onde hoje se situa Kiev. Os Vikings chamavam a este povo “Rus” e os utilizavam como “Slav” ou escravos. Talvez daí os nomes de Rússia e Eslavos. Até o século II DC os Citas eram o povo dominante, mas a partir daí e até o século IX DC a região foi invadida por hunos, avaros e magiares. Apesar de dominados, estes eslavos sempre foram a população dominante. O alfabeto russo, conhecido como cirílico, deve-se a um diácono cristão de Constantinopla que evangelizou os eslavos no século IX DC e criou esse alfabeto.

Em 1223 o povo mongol com um exército de 25.000 homens invade a Rússia e derrota as coligações na batalha do Rio Kalka fragmentando-a em pequenos principados como conseqüência. De 1236 a 1241 os Mongóis tomaram todo o território russo. Somente no século XIV, com a batalha do Rio Ugra o povo russo se livrou do domínio tártaro a quem pagava impostos regulares. Começou então uma expansão da Rússia iniciada pelo príncipe Ivan III. Ivan IV – O terrível – foi o primeiro a usar o título de Czar. Morreu louco em 1584, depois de ter sido obrigado na infância a assistir a torturas e execuções pelos nobres que mantinham a ferro e fogo os seus feudos, fez o mesmo quando assumiu o poder, tornando-se chefe da Igreja da qual expropriou os bens, perseguindo os boiardos. Tinha certamente um transtorno bipolar. Perdeu o único filho e não deixou descendência. A consolidação do território russo se deve em parte á sua gestão.

No século XVII a Rússia já era considerada uma grande potência européia expressa pela expansão territorial, pelo desenvolvimento da indústria e pela criação de um senado e ministérios nos moldes ocidentais. Em 1682 Pedro I ascende ao poder e em 1721 torna-se imperador do Império Russo com fortes laços comerciais com a Inglaterra e junta-se à Prússia e á Áustria contra Napoleão em 1805. Pedro I sentindo o atraso russo em termos de desenvolvimento, viaja 18 meses pela Europa e volta com idéias renovadas, começando um franco desenvolvimento russo em todos os campos da técnica, das artes e das filosofias de governo.  Expande as fronteiras do Império até a Moldávia, a Valáquia, toda a região de Amur e na Ásia central até a fronteiras da Índia.

Somente em 1864 foi decretada a emancipação dos servos, criando-se uma assembléia e uma junta executiva - a Zemstvo. Alexandre III voltou a reduzir as liberdades do povo russo: desprezava a influência externa que via como desnecessária e aditou princípios nacionalistas. Seu ideal era o de uma Rússia homogênea na língua, na religião e na administração. Envolveu-se em políticas anti-semitas restringindo-lhes até as profissões. Isto resultou numa emigração de judeus para os Estados Unidos da América no período de 1880 a 1920. Monarquia absolutista desde o século XVI, A Rússia chegou a 1894 tendo à frente o Czar Nicolau II num sistema absolutista tão forte e enraizado, que 25% das terras pertenciam à nobreza, rica, e 80% da população, completamente pobre, estava ligada à terra.
Sob o domínio do Czar Nicolau II, e em disputa pelos territórios da Manchúria e da Coréia, o Império Russo envolveu-se numa guerra com o Império Japonês. Com um território imensamente maior, a Rússia foi derrotada perdendo a guerra no mar em 1905. Sucederam-se revoltas populares exigindo uma mudança radical na forma de governo e aconteceu a revolta no navio de guerra - O Encouraçado Potenkim. Além de consolidar o Japão como um Império, teve esta guerra a conseqüência de demonstrar a fraqueza do governo do Czar e de ser um dos motivos que daria origem ao levante de 1917.

Em 1917 dá-se a revolução russa com forte e decisiva participação de Lênin que assistiu à morte de seu irmão mais velho Alexandre Uliánov por ter participado de um atentado contra o Czar Alexandre III em 1887. Stalin governou a Rússia com mão de ferro. Matou, assassinou, tudo em nome de uma ideologia que ruiu exatamente por falta do que criticava: o capital. Sem capital, a URSS começou a ruir, incapaz de manter os seus programas e planejamentos de governo. Perdia também a corrida espacial. Em 1985, Mikhail Gorbatchev assumiu o poder e lançou o livro “Perestroika” com idéias inovadoras na direção de uma reestruturação da economia e a “glasnost” no sentido de aliviar a intromissão do estado em assuntos civis. Boris Yeltsin em 1992, com o Partido comunista já na ilegalidade assume o primeiro governo liberal numa nova Rússia. Em 1999, com Vladimir Putin no governo, a nova Rússia começou a mostrar os primeiros sintomas de recuperação.


  1. Apenas um pouco sobre Idiossincrasia

A densidade demográfica russa é relativamente baixa. Para a riqueza do País, que tem área cultivável imensa, petróleo, diamantes, minerais, e é praticamente auto-sustentável, com indústria moderna, o que tanto se desejava no comunismo poderia ser agora possível com o capitalismo: Um país enorme, com recursos naturais, produzindo de forma inteligente, com uma população muito abaixo da superpopulação como o Japão ou Índia, uma grande classe rica e absolutamente nenhum pobre, nenhum russo excluído nem dependente do Estado. Não é isso, no entanto, o que se vê. Como em qualquer país do mundo, a ambição humana é sempre exagerada e sem fundamento realmente válido. Exigem-se cada vez maiores taxas de lucros visando o crescimento da empresa. Crescer para dominar o mercado. Nesse sentido, retém-se o capital que pára de girar e fica retido nos bancos esperando a oportunidade para “crescer”, ampliar a empresa. Perdem-se postos de trabalho. O progresso fica contido. Sobem os preços porque há menos quem compre. Segundo relatório do Banco Mundial A Rússia tem hoje cerca de 40% de sua população abaixo do limiar da pobreza, ou seja, vive com cerca de 1.000 rublos mensais, menos de 38 dólares. As expectativas são de aumento do número de pobres.
O passado russo demonstrou uma enorme capacidade de seu povo de “agüentar” situações de estresse por falta de alimentos, dinheiro, condições, tudo em nome da mãe Rússia. Fazem-se sacrifícios em nome de uma nação, mas na verdade os sacrifícios canalizam-se para uma classe que a cada dia fica mais rica. Desde 1990 cerca de oito milhões de russos morreram prematuramente. Para se ter uma idéia das discrepâncias, a Rússia ocupa o terceiro lugar no mundo pelo número de bilionários, e o 13º pelo número das maiores empresas.
A renda russa não está sendo distribuída de forma razoável pela população, e corre no ocidente a desconfiança da legalidade das eleições em que Putin foi eleito.
O povo russo é um grande povo, inteligente, e tem seus limites de aceitação do que é certo ou errado, mas tal como em qualquer outro povo, o poder embriaga e Putín, para mostrar que tem poder, deixa Bashar Al-Assad da Síria, um tirano déspota e ditador, abater 170.000 cidadãos sem que se decida a contribuir para acabar com tal genocídio. Uma faceta de Pedro – O grande – demonstram a idiossincrasia de quem governa a Rússia, como Krutchev batendo com os sapatos na mesa em plena sessão da ONU: Em sua viagem de 18 meses pela Europa e assistindo a um plenário na sessão de visitantes em Londres, Pedro foi convidado pelo governo inglês a habitar uma moradia de um aristocrata inglês. Deixou a casa com móveis quebrados e retratos utilizados como alvos de tiro. Pedro indenizou o proprietário com um enorme diamante bruto envolto num papel sujo.


3.      Um pouco ainda menos sobre democracia

Creio que já abordei sobre democracia na Rússia e seu histórico de povo dominado de forma cruel por seus governantes ao longo da história. Esta forma de dominar o povo é uma tradição russa. É um povo habituado a ser dominado ora por idealistas que se perderam no gozo do poder, ora por capitalistas que se perdem da mesma forma. Somente Stalin foi responsável pela morte de dois milhões de pessoas por perseguição política e oito milhões pela fome devido à sua ineficiência em proporcionar disponibilidade de alimentos, num total de dez milhões. Há quem diga que foram vinte milhões de mortes. A Rússia tenta reaprender o que é democracia mas não a encontrará nos exemplos das demais nações do mundo exceto nas dos países nórdicos, da Islândia e da Suíça, que fizeram aprovar uma nova constituição votada item por item pela população via redes sociais. Os políticos democratas já não fazem o que querem nesses países: fazem o que o povo manda ou aprova.
Em particular, Putín ainda acha que um aparente antagonismo com o Ocidente lhe dará credibilidade junto a seu povo, uma áurea de poder.

Rui Rodrigues


Para conhecer a Democracia Participativa: http://conscienciademocrata.no.comunidades.net/


terça-feira, 17 de julho de 2012

As gatas e os gatos - Tentando compreender




As gatas e os gatos

Muita gente tem gatos, mas vê-os como animais quietos que gostam de estar perto. Alimentam-nos e isso é tudo. Algumas outras pessoas fazem carinho em seus animais. São mais raros. Mas gato é muito mais do que isso. Passarei a referir-me a uma gata em especial, a Sarkye, minha agradável e interessante companheira.

Sarkye é uma gata tricolor, branco negro e laranja dourado, que tem um comportamento específico. Por seu comportamento, merece uma homenagem. Se fosse um ser humano poderia ter uma estátua em qualquer parque de qualquer cidade. Ela merece muito mais do que isso, ou a ração que lhe dou.

Lourdes Vieira e uma amiga me perguntaram por telefone, da rua, se eu gostava de gatos. Isso foi em 2002, em Lisboa e me lembro de ter respondido que “dependia da cara” do gato ou da gata, certamente tendo como referência os que eu já vira em toda a minha vida, e em desenhos de Walt Disney. Nessa mesma tarde, apareceram lá em casa com uma gatinha tricolor que não tinha nem um palmo de comprimento. Tinha sido encontrada numa lixeira de rua, buscando comida. Encontraram-na faminta, perseguida, deprimida e estressada. Sobretudo arredia a qualquer contacto. Mas era linda. Como apreciador da beleza e dos perseguidos adotei-a como o mais novo membro de um lar que há dois anos era apenas meu, fruto de uma onda internacional de lares desfeitos por divergências no modo de viver, uma caverna urbana de pintor, cheia de telas prontas, duas ou três em execução.

Pintores sempre sofreram a influência dos odores das tintas, e muitos se viciaram com eles. Muitos também bebiam quer pelo prazer de beber, quer pelo relaxamento mental que lhes reduzia a censura própria e os libertava para os devaneios no uso das cores, dos temas, das formas. Sem viciar em tintas porque passei a pintar com acrílico, eu bebia uísque, Whisky e Whiskey, e na oportunidade, quando a sarkye entrou em minha vida, de uma garrafa de Cutty Sark. Daí o nome de minha simpática gata.

Ela consegue adivinhar quando estou meditabundo. Nessas ocasiões, sinto algo no ambiente e olho em volta. Invariavelmente dou com os meus olhos nos olhos dela que me fitam amarelos, límpidos, transparentes, perscrutadores como que a me perguntar: - E então...Qual é o problema? 

Se algo cai no chão, não sai do lugar até que eu preste atenção e apanhe o objeto caído. Quando tenho algo aquecendo no fogão, olha insistente e freqüentemente para lá. Mia para sair de casa e fazer as suas necessidades lá fora na área de serviço, e quando por motivos que desconheço parece avessa a miar, fica parada em frente à porta até que eu me dê conta e a abra. Deve ter seus motivos para umas vezes miar e outras não. Bebe água da torneira. Quando sente sede ou fome, mia diferente como se dissesse algumas frases. Quando vou para o banheiro acompanha-me e fica ali do meu lado. Já perdeu o hábito de se enfiar dentro de minhas calças ou shorts arriados. Aprendeu a entender o meu “não” dito de forma firme mas em tom baixo e carinhoso. E quando digo “vem sarkye”, esteja onde estiver vem correndo. Quando subo nos quartos, no alto da escada, acompanha-me, como sempre. Mete-se debaixo das camas, mas quando digo “vem sarkye”, ela sai correndo para o hall. Aprendeu que quando chamava e não vinha, ficava trancada por bom tempo.

Moro perto da praia, a uns cento e cinqüenta metros no máximo. Não há cachorros nas ruas. Um dia experimentei deixar que ela me acompanhasse á praia. Seguiu-me sempre, miando atrás de mim, como que dizendo que eu me afastava muito. Na metade do caminho parou. Voltei e deixei-a em casa. Interessante quando assobio... Esteja onde estiver vem ronronar e deita-se a meu lado buscando meus braços. Fica me cheirando, seu rosto quase encostado ao meu, tentando perceber onde está aquele “passarinho” que canta. Quando me deito, enrosca-se aos meus pés. É bom no inverno. Quando estou no computador, vem encostar sua cabeça em meu braço. Adora quando lhe coço a garganta ou lhe faço um cafuné na cabeça. Gosta quando saio para pescar e lhe dou algum peixe. É dia de sair da ração e quando cozinho, fica de costas para mim, na cozinha, como que a me guardar de “predadores”. Deve ser um hábito antigo, adquirido de quando foram domesticados os primeiros gatos.

Afora isso sempre me surpreende chamando-me para brincar. Ou o faz dando-me uns tapas na minha perna e correndo em seguida para se esconder, ou indo para o alto das escadas e começando a miar para que eu corra atrás dela. Não há como não me lembrar da religião hindu e levado a pensar que ela é inteligente, sabe o que faz, e que numa próxima reencarnação virá no corpo de uma bela mulher. Já estou pedindo a Deus que lhe dê uma alma, se é que a não tem já... Ela merece!

Rui Rodrigues


Apêndice: A história dos gatos pode ser resumida assim:

Os primeiros animais mamíferos chamavam-se Creodontes e surgiram há cerca de 60 milhões de anos atrás, e floresceram admiravelmente após a extinção dos dinossauros. O gato partilha com cães, ursos e outros mamíferos um ancestral comum - uma criatura pequena, semelhante à doninha, de corpo comprido e pernas curtas, chamada Miacis. Surgido dos creodontes há cerca de 50 milhões de anos e bem adaptado a uma época hostil da história do planeta, o Miacis evoluiu e prosperou, transformando-se na diversidade da moderna família de carnívoros que hoje conhecemos. Uma das ramificações do Miacis produziu os primeiros "gatos", os Proailurus, que caminhavam com a planta dos pés no chão. 

Há cerca de 20 milhões de anos, o Proailurus deu lugar ao Pseudaelurus, que já caminhava nas pontas dos dedos e possuíam poderosos caninos afiados. Do grupo dos Pseudaelurus emergiram os antepassados diretos do atual gato doméstico, os Felidae. Durante os milhões de anos seguintes, o Felidae  subdividiram-se em muitas subespécies, todas extraordinariamente aparentadas com os gatos modernos. Há doze milhões de anos atrás surgiu o Felis lunensis, espécie européia que se julga ser a antepassada direta da atual família de gatos selvagens, sendo menores que seus predecessores. Nesta época, os gatos modernos dividiram-se em dois grupos, os do Velho Mundo e os do Novo Mundo. Um grupo de felídeos selvagens, pequenos e independentes,   espalhou-se então pela Ásia, Europa e África. Parentes dos gatos contemporâneos eram criaturas sofisticadas, construídas para sobreviverem. Pequenos, asseados, perfeitos carnívoros, os gatos de então já possuíam garras retráteis, que podem ser consideradas uma obra-prima da natureza, imprimindo maior velocidade na caça e contribuindo para um bote mortífero. 

A dentição do gato também evoluiu com perfeição, com dentes preparados para segurar, furar, matar, cortar e reduzir a presa a pequenos pedaços facilmente engolidos.Com a domesticação, outras mudanças se perpetuaram, tanto físicas quanto comportamentais. O cérebro diminuiu de tamanho, o sistema digestivo modificou-se para adaptar-se a outro tipo de alimentação, a pelagem tornou-se mais variada, e o temperamento bravio do gato sofreu uma alteração permanente, para adequar-se ao convívio com o homem. O gato doméstico atual parece ser produto de um cruzamento entre o Felis sylvestris (europeu) e o Felis lybica (africano).
No antigo Egito eram mumificados e considerados como pequenos deuses.

₢ Rui Rodrigues

Fácil introdução à Física Quântica para leigos (como eu).






Fácil introdução à Física Quântica para leigos (como eu).

Esta é uma tentativa para tornar fácil o conhecimento da Física Quântica até para quem nunca freqüentou os bancos de uma Universidade. Pode ser que assim se desperte o interesse e se comece uma busca na Net para entender mais e mais, cada vez mais...

Escolha o momento para pensar na Física quântica. Não pode ser qualquer um. De preferência à noite, descansado(a), relaxado(a). Apague todas as luzes. Relaxe. De preferência num sofá, numa cama. Assegure-se de que não há ruídos nem sons de qualquer natureza à sua volta. Antes, porém, lembre-se que para explicar o Universo onde estamos os físicos (teóricos) começaram por teorias. Se essas teorias explicassem o universo que vemos, seriam consideradas e aceitas. Se houvesse falhas seriam revistas ou até mesmo esquecidas.

Vamos começar?

Feche agora os seus olhos sem apertá-los. O que vê?

Nada. Não vê nada! Pior ainda, não tem nem noção de profundidade, de espaços, comprimento largura e altura. Com um pouco de abstração poderá sentir que o tempo também não existe. Isto é muito parecido com o que existia “antes” do início deste Universo. Se esperar, de olhos fechados, por um bom tempo, verá que começam a aparecer alguns sinais de que algo existe nessa escuridão, e pode ver alguns pontos de tonalidade diferente, talvez uma estrela, um ponto de luz. Vamos chamar a esse “nada” de “falso vácuo”, porque o vácuo verdadeiro nem o conseguimos fazer ainda. Por melhores que sejam os nossos instrumentos ou que o espaço fora da Terra seja considerado como vácuo, há sempre uma partícula, um raio de luz, e isso, como é matéria ou energia, não permite o vácuo total ou verdadeiro. Desse vácuo verdadeiro nada poderia emergir, aparecer. No falso vácuo, pode.

Nossos conhecimentos atuais não permitem que se saiba o que existia “antes” do início dos universos. Somente a partir de algo tão pequeno no tempo como 0,00000000000000000000000000000000001 segundo após o seu inicio.  Aquele “nada” que viu é apenas uma aproximação. O falso vácuo que existia era metaestável, ou seja, algo poderia aparecer a qualquer tempo. Bastava que se esperasse o tempo suficiente. Teoricamente – apenas teoricamente – poderíamos algum dia vir a fazer novos universos, mas isso está fora de cogitação: Exigiria condições que não podemos antever como viáveis nem num futuro em longuíssimo prazo.

O que a Física Quântica nos diz é que nesse “nada” a que chamamos de “falso vácuo”, poderia materializar-se uma partícula, até um ônibus ou coisa maior. A probabilidade de aparecer um ônibus seria tão infinitamente menor do que aparecer uma partícula, que, se esperássemos uma eternidade poderíamos correr o risco de jamais o vermos materializar-se. Pelo contrário, o aparecimento de uma partícula seria mais provável. Bem mais provável. Podemos entender essa probabilidade através da complexidade do que se materializaria.

Chamemos a esse “nada” que sabemos agora ser o “falso vácuo” de Campo. Campo é uma região, um local, onde atuam forças. Peter Higgs, um físico teórico britânico, ainda vivo, e que deverá ganhar o prêmio Nobel deste ano de 2012, imaginou que esse campo, sujeito a forças, completamente instável, pudesse gerar uma partícula, a menor possível, chamada de bóson de Higgs. Esse campo de “nada” passou a ser chamado de “campo de Higgs”. Recentemente, no Grande Colisor de Hádrons em Genebra, descobriu-se que Higgs estava certo! A partícula de Higgs existe realmente e é a constituinte de toda a matéria que conhecemos.

Numa dessas flutuações dos campos de Higgs formou-se uma pequeníssima esfera com algumas “protuberâncias”. O diâmetro dessa pequena esfera era ainda menor do que o diâmetro de um átomo atual. Ele inflou e deu origem a todo o Universo que conhecemos e o que sabemos existir, muitas e muitas vezes maior. Tantas que podemos até julgá-lo infinito, mas para uma ideia melhor do que é a Física Quântica, poderíamos dizer que se baseia nas probabilidades de uma partícula estar ou não em determinado lugar.  

Tentei simplificar ao máximo o que é a Física Quântica de que tanto se fala e a sua principal conseqüência: O Universo e a vida, e para os mais céticos, que acham que a física quântica é coisa de cientistas, aqueles que nem acreditam na teoria da evolução ou que o homem já foi á Lua, este fenômeno quântico da probabilidade das partículas pode ser visto no "salto quântico" dos elétrons. Se fecharmos um punho e o considerarmos como o núcleo de um átomo, a última camada de elétrons - guardadas as proporções - Estaria passando no topo do Empire State Building. Pois bem, o salto quântico, é efetuado pelos eletrons - que nunca sabemos onde realmente estão, apenas podemos saber o local mais provavel de estarem -  saltam de uma camada para as outras sem "percorrerem" o espaço entre elas. 

Rui Rodrigues


Para saber mais


Outros assuntos correlacionados neste blog 


Livros :

O Universo numa Casca de Noz, Stephen Hawking, ARX, São Paulo, 2002
O Universo Inflacionário, Alan Guth, Campus, São Paulo, 1998
God in the Equation, Corey S. Powell, Free Press, Nova York, EUA, 2002
Instabitity Rules, Charles Flowers, John Wiley & Sons, Nove York, 2002
The Big Questions Richard Morris, Times Books, Nova York, 2002

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Mulher gostosa – O que é isso? (Para adultos)









Mulher gostosa não é uma mulher qualquer, mas pode ser qualquer mulher. Depende muito da sua entrega ao parceiro, do apetite do parceiro, e muitas vezes do estado de embriagues dos dois. Tive um amigo que nem sei onde anda nem se é vivo ou morto, que costumava passar uns dias no sítio dele lá em Xerém. Era advogado de meu pai. Levava criminosos para o sítio onde os treinava antes de apresentá-los à corte para julgamento. Isso demorava alguns dias, por vezes semanas. A mulher empurrara-lhe uma empregada feia como um raio, toda torta, desproporcional para que ele não sofresse tentações. Quando começava a olhar para a empregada com intenções de traçá-la ali mesmo imediatamente pegava as chaves do carro, interrompia o treinamento e voltava a 120 km por hora para o Rio. Naquele tempo dava pra molhar as mãos do guarda com uns trocadinhos. Agora cobram quase um tanque de gasolina para se poder andar a essa velocidade. É a inflação “obscura” que ninguém vê.

Conheci uma estagiária, a Fernanda, que era bonitinha, usava óculos, um metro e sessenta e cinco quando muito, bem torneada 20 anos, inteligente, formanda em direito. O que me chamava mais a atenção eram as suas ancas perfeitas, as pernas e aquele olhar de mulher inexperiente na qual não se percebia nenhum sinal de estar interessada em alguém. Logo percebi porquê, quando um dia o Cardoso, era o nome dele, entrou na loja suado, amarelado, com olheiras. Meu pai que já sabia das razões perguntou-lhe já afirmando:

- Hoje você também não foi para casa dormir...
- Não Gabriel... Não estou agüentando mais. Ela me mata!

(Ela era a Fernanda, aquela moça simpática, bonitinha, com olhar de mulher inexperiente, ancas largas, pernas bem torneadas que não tinha mais do que 1,65 metros e usava óculos. Eu já comecei a imaginar como seria a Fernanda numa cama... e comecei a pensar que em vez daquele coroa ela deveria era deitar comigo. Um dia ainda teria uma Fernanda daquelas)

- Minha mulher já anda desconfiada – Disse o Cardoso. Mas não dá pra ficar com uma mulher dessas. Foi a noite toda, Gabriel. Estou cansado, arrasado e nem penso direito. E olha que eu não sou mole... Vou ter que mandá-la embora, ou ainda vou me separar de minha mulher e jogar tudo pro alto...

Ele mandou-a embora passados um par de meses. Ela nunca deu para ninguém da rua. Foram dois meses de sofrimento da Fernanda e do Cardoso. Ela ficara triste, irritadiça, brigava com tudo e com todos. Já não era uma mulher gostosa. Era uma mulher largada. Não sei o que aconteceu com ela.
Mas mulher gostosa não é só a Fernanda. Eu tive algumas. Uma delas era como a Fernanda, um pouco mais alta, loura de olhos azuis, mas era muito “dada “, bonita, solta. Elsa era o nome dela. Ganhei-a quando fui comprar meu primeiro carro zero: Um fuscão 72 fabricado nos finais de 1971. Paguei á vista com desconto. Ela tinha-me atendido na loja e convidei-a para inaugurar o automóvel nesse fim de semana. Leva-la-ia a casa de mamãe e jantaríamos juntos. Apanhei-a, levei-a para jantar e depois passei num motel que ainda existe em S. Conrado antes do túnel dois irmãos. Quando paramos á porta do motel ela sorriu e perguntou-me se ”aquela “ era a casa de mamãe. Eu disse que ela não se preocupasse. Mamãe não estaria em casa com toda a certeza. Passamos uma noite em que houve desde inocente jogada de travesseiro até transarmos com ela plantando bananeira contra a parede e eu de pé numa transa ”normal “. Ficamos no motel até o entardecer do dia seguinte. Creio que Roberto Carlos se inspirou nisso quando cantou aquela canção do café da manhã. Elsa era uma mulher gostosa: Fazia tudo, era bonita, bem feita, a mulher que todos olham quando passa na rua. Mas obcecada por sexo como a Fernanda. Se não fosse comigo seria com outro qualquer, todos os dias, de manhã, à tarde e á noite e nos intervalos. Soube disso quando um dia Elsa pegou nas malas, despediu-se do pai, pegou um avião e sem que eu a convidasse apareceu em minha casa em Porto Alegre – eu tinha mudado para lá para ser gerente do maior grupo empresarial da época, o grupo Lume. Em três meses eu estava exausto como o velho Cardoso, mas não tinha um Gabriel a quem pedir conselhos. Porém, usei a experiência do Cardoso, e agora minha, para dizer à minha gostosa que era melhor ela voltar para o Rio porque o grupo ia fechar a filial. Ela foi! Vi-a mais um par de vezes.

Coisa que as mulheres não entendem nos homens, e muito menos as gostosas é a produção de espermatozóides e a ejaculação. Cada vez que se goza, lá vai uma catrefada de energia que é necessário repor. Mulher não. Gasta apenas a energia do mexer... Não é todos os dias que nós homens podemos dar seis gozadas. Na última das seis já não gozamos. Sentimos aflição!
Mulher gostosa era a Marilyn Monroe, com aquele olhar fatal, mortal, de “disponível santinha de pouco uso”, e aquele corpo e rosto que deixava muito garoto, inclusivamente eu, correndo para o banheiro mais próximo quando me lembrava dela, com os meus 14 anos, de forma a aliviar o meu saco de tamanha ansiedade. Isto num tempo em que as meninas só davam depois de casadas ou noivas, não havia motéis e as putas não aceitavam garotos menores de 18. Nunca entendi porque não disponibilizavam as mulheres para maiores de 12 se com essa idade já se é homem para essas coisas.

Mulher gostosa é mulher proibida, mulher de amigo, com pelo menos uma característica que a torne“apetitosa”, nem que seja uma “vingança” sobre o amigo. Se você é homem e está lendo este ensaio sobre mulheres gostosas, fique de olho em sua mulher. Se ela “evitar” ficar muito perto de você e de seu amigo, já pode botar os chifres de molho. Você deve ser ciumento e ela não quer dar-lhe motivos para desconfiar dela. Com os outros, com os quais ela não tem envolvimento, fica perto, ri, age normalmente. Se pelo contrário, sua mulher se abre com todos os seus amigos, fique de olho também: chuva de morro abaixo, fogo morro acima e mulher quando quer soltar a franga, dar o traseiro, arribar a saia... Sai debaixo que ninguém segura! (elas dizem o mesmo de nós com toda a razão. Sempre digo que homens e mulheres são iguais, mas ninguém me acredita.

Um dia viajei num avião e sentei ao lado de uma moça linda. Conversamos por uma hora e vinte minutos, que foi o tempo de vôo. Combinamos sair no dia seguinte á noite. Saímos. Encontrei outra mulher gostosa em minha vida. Era secretária numa empresa de tabacos e estava “disponível”. Saí com ela nesse dia, no dia seguinte e no outro. Depois nunca mais. Podia juntar a Fernanda (aquela do Cardoso advogado) e a Elsa (aquela do fuscão que se mudou para minha casa) que não dava meio da secretaria da empresa de tabacos cujo nome nem me lembro mais (nem da empresa nem da moça). Era gostosa demais e tinha o dom de fazer o pompoarismo, isto é, contrair a vagina apertando o meu órgão sexual. Quando ela sentia que eu estava indo, dizia-me para esperar um pouco. Quando eu parava de fazer os movimentos, ela começava a bombear a vagina. Eu ia ao delírio. Se continuasse com ela, eu jogaria toda a minha vida fora. Isso é mulher “gostosa”.
Mulher gostosa pode ser feia, gorda, magra, independentemente da classe social, cor, religião, ou qualquer outra coisa que não importa. Tudo depende da vontade de se entregar, da vontade de receber. O resto é pano de fundo, adereços.

Cardoso por pouco não traçou aquela empregada “fora de padrão”. Foi o que ele disse.
Ainda estou para acreditar...

Rui Rodrigues