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domingo, 22 de julho de 2012

Notícias do céu




Notícias do céu

Quando fui aos correios em Cabo Frio e abri a minha caixa postal, vi uma carta. O remetente era um amigo meu que havia falecido há uns dez anos atrás. Pensei que era uma brincadeira de mau gosto, mas abri curioso. Impressionante que reconheci a sua letra e o seu estilo de escrever. Sorvi o texto avidamente e voltei a ler. Não uma, mas duas vezes, encostado a uma banca de jornal que fica mesmo em frente ao posto de correios. Depois, como que por encanto, a carta desfez-se em pó que desapareceu antes de atingir a calçada. Do que me lembro, reproduzo a seguir.


Caro amigo,

Sei que dificilmente acreditará, mas consegui mandar-lhe esta carta que logrei introduzir em sua caixa postal aproveitando quando o funcionário dos correios a abriu para deixar uma outra sua correspondência. Mas se acreditar no que lhe conto, prepare-se muito bem. Não se arrependerá!

Não adianta. Seja num dia de sol, chovendo, escuro ao anoitecer, e esteja numa floresta, num deserto, no mar, numa montanha na neve, ou em seu apartamento, num restaurante, viajando, quando a morte vem, tudo fica escuro, um breu como a noite mais escura sem lua nem vela de glicerina. Por uns instantes ficamos pairando no ar vendo tudo o que se passa em baixo, onde nosso corpo ainda está, amarelado, sem vida. Com um pouco de sorte não terá ninguém conhecido perto e não verá ninguém chorando. Com muito azar, morre-se em família e sai aquela choradeira toda. Por uns seis a nove minutos ainda se escuta o que dizem. É um desaforo que temos que agüentar calados: A esposa que diz para as amigas mais íntimas: ”Até que enfim...”, os filhos dizendo “lá foi o muquirana”, a gata desesperada e o cachorro uivando como lobo triste e desamparado, o amante da mulher dizer para si mesmo: “Acabou-se!... Agora já não tem graça nenhuma trair o cara...”, Depois vê-se um clarão de luz vindo em nossa direção, e umas pessoas completamente nuas parecem vir para nós, mas é ilusão... Nós é que estamos indo em direção a elas, que nos vêem passar sem sair do lugar, dizendo adeusinhos com lindos sorrisos e abanando as mãos. Aquela coisa de vir trem ou ônibus nos apanhar como pensou o Jean Paul Sartre, é pura mentira. Não há nenhum escritório lá em cima, nem comitê de boas vindas para nos separar em grupos e fazerem perguntas idiotas. O que há é um avião muito bacana, todo de vidro, transparente, sem motor, como se fosse uma bolha que nos leva para vários lugares. A bordo, lindas bolhomoças e comissários de bordo, todo mundo nu. Ninguém levava bagagem alguma, nem de mão. Não temos que passar por detectores de metal. Já no imenso aeroporto nos dão algumas explicações: Vamos para o céu que sempre desejamos quando éramos vivos e teremos oportunidade de ver outros céus, conforme desejos de outras pessoas.

De longe podíamos ver outro aeroporto com filas imensas de viajantes exatamente iguais a nós. Até as bolhas eram iguais. Perguntei se era o Terminal número II. Uma anja simpaticíssima disse que não, enquanto me segurava a mão enquanto se encostava a mim sorridente: Era o terminal dos que iam para o inferno. Tremi, ou julguei que tremi. Então, como tenho a mania de querer saber tudo, perguntei qual a diferença entre céu e inferno: A diferença era que o inferno era um lugar onde só existia o que as pessoas mais detestavam. Somente depois de subir a bordo é que reparei em duas coisas fundamentais: a bolha em que viajávamos não tinha cadeiras, e lá embaixo, o que víamos era a Terra. Fazia sentido. Só fez mais sentido ainda quando minha bela bolhomoça me perguntou: - Está pensando que é a terra de onde veio. Não é? Assenti com a minha cabeça, completamente perdido com a beleza dela. - É... É a Terra, confirmou-me ela - mas é uma coisa impressionante, porque existem várias terras-céu. Uma para cada ano terrestre, porque não podemos misturar mentalidades diferentes. Logo entrariam em conflito.

Enquanto assimilava o que a minha bolhomoça me informara, olhei à minha volta, percorrendo todo o interior da bolha. Todos éramos jovens, naquela idade em que mais nos amaramos, fortes, bonitos, corpo esbelto. Cada mulher tinha um comissário de bolha e cada homem sua bolhomoça. Em breve troca de impressões com as pessoas que estavam mais perto de mim, ouvi que “aquela” era a mulher que sempre quisera ter, ou “aquele” era o homem com quem sempre sonhara. Havia lésbicas e gays na bolha, o que deu pra notar logo em seguida. Lá na frente havia um grupo sem acompanhantes. Eram sacerdotes de várias religiões que tinham feito votos de castidade. Alguns reclamavam que não tinham acompanhantes. Outros - ouvi pelas conversas - já tinham pedido as suas ou os seus.  A cada minuto ia ficando mais íntimo de minha bolhomoça.

Voávamos a baixa altitude, bem devagar. Passamos por um lugar lindo, cheio de tendas de circo, carroças de doces. Crianças e alguns adultos desceram A Disney era “fichinha” comparada com aquele imenso parque onde se andava em brinquedos perigosos sem necessidade de cintos de segurança. Crianças brincavam e divertiam-se, algumas sem acompanhantes, outras estavam acompanhadas de pais e babás. Lambuzavam-se com chocolates, pirulitos. Um pouco mais adiante, vi umas boates a céu aberto. As estrelas eram o teto. O povo dançava alucinadamente. Mas o maior recinto estava cheio de gente sentada, de frente para computadores, mandando mensagens e combinando encontros. À sua frente, biscoitos, pipocas, refrigerantes, pizzas, pratos de miojo, taças de vinho, bolachas champanhe. Logo ao lado, um outro recinto muito parecido onde multidões jogavam sofregamente em maquinas e aparatos de todos os tipos num arraial de luzes que piscavam, sons de maquinas anunciando que haviam acertado um “Jackpot”. A barulheira de vozes, gritos de satisfação, era imensa em qualquer dos cenários por que passávamos.

Em breve restávamos apenas um razoável grupo para sermos largados em nosso paraíso. Eu estava ansioso para saber. Largaram-nos numa praia tropical, imensa, com pequenas cabanas ao longo da linha de água. Não havia garçons. Tínhamos tudo à disposição. Podíamos preparar o que quiséssemos. Para cada casal uma cabana.  A luz do Sol já ia baixa e lançava tons róseos e alaranjados pelo céu. Eu estava no planeta Terra. Não tinha dúvidas. Ali, bem perto de mim, deveria estar gente real que ainda vivia, mas não podia vê-las.  Talvez com o tempo houvesse alguma forma de me contatar com elas. Deixei isso para depois, porque já estava com minha bolhomoça agarrada a mim, a caminho de uma cabana isolada. A luz que vinha do interior era convidativa. Entramos e nos beijamos. Então ela me disse: - Estranhará porque não tem nada para ejacular. Toda a bebida, comida que aqui comemos é apenas uma sensação... Não se come realmente ou se ejacula. Somos apenas uma forma. Nada do que vemos é material, embora sintamos tudo como se o fosse. Mas vamos entrar... Vamos aproveitar a noite.

Quando amanheceu estava reconfortado. Sentia-me eufórico. Vivo, alegre e feliz. Perguntei a minha companheira o que significava a vida na Terra. Respondeu-me:
- Lá é o purgatório, onde aprendemos a sofrer para que possamos discernir o que é bom do que é ruim e resolver o que realmente queremos. É um lugar de livre arbítrio. Aqui é o destino final, e não é tudo. Pode-se ir a qualquer lugar, saber qualquer coisa do universo, visitar ancestrais em suas terras-céu. Somos anjos sem asas, nem precisamos de bolhas para nos transportar de um lugar ao outro.  Esta viagem que fizemos foi apenas uma “cortesia”. Não há como enganar ninguém, fazer mal a alguém, matar alguém. Impossível. Não existe o “mal” por aqui, e como nada é material, não há disputas nem ambições. Cada um tem o que deseja e isso não depende do trabalho de outros.   

Espero que acreditem.

Rui Rodrigues

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