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terça-feira, 16 de junho de 2015

Ensaio sobre a sutileza da percepção.



Bastam três pessoas para fazerem o ensaio. Apagam-se as luzes na sala e uma delas escolhida por sorteio, escolhe um objeto dos que estão disponíveis e diz aos demais: - O que fariam com este objeto?

As duas outras pessoas discorrerão distintamente sobre o que fariam, porque não têm a mínima idéia sobre o objeto escolhido. Se, porém, ampliarmos o universo dos objetos a escolher até o quarto, a cozinha e o banheiro, então teremos disparidades ainda maiores. Alguém pode descrever o que faria com uma jarra de vidro, a outra pessoa sobre o que faria com um sofá, enquanto o objeto em questão era um rolo de papel higiênico. Como brincadeira pode até ser interessante e divertido, mas aplicado a um relacionamento, no trabalho ou na política, seria certamente um desastre por haver enorme universo de variáveis. 

Neste caso da política monetária, por exemplo, imagine que alguém vai comprar dólares e tenha que pagar 3,00 reais, por cada dólar, quando há um ano comprava por apenas 1,80 reais e diga espantado: O dólar subiu!... Realmente, a primeira percepção é que o dólar subiu. Mas... Congelemos a câmara focando o indivíduo na saída do caixa da casa de câmbio, ainda olhando para o dinheiro em suas mãos com semblante decepcionado, e analisemos o momento para podermos entender melhor o que é a percepção e suas sutilezas. De notar que ele olhou ao redor de si superficialmente, mais preocupado com a hipótese de haver alguém na casa que o pudesse denunciar para parceiros que lá fora lhe extorquiriam os cem dólares que comprara. Olhar que se baseava apenas na aparência mal avaliada por apressada, e sem expertise por nem ser psicólogo nem detetive.

Uma senhora que passava a seu lado tendo notado que ele comprara dólares, pensou que se pudesse seria um sujeito adequado para acompanhá-la numa viagem ao Caribe, quem sabe às ilhas Fiji, Zanzibar...E por alguns segundos após, esqueceu o sujeito e se concentrou sobre o destino. Ilhas Fiji, San Andrés ou Zanzibar? Finalmente chegou ao caixa para trocar dólares. Achou que não subiria mais e que era o momento de trocar. Voltaria a comprar quando e se o dólar voltasse, não a subir ou descer, mas a ficar mais barato. Havia aqui uma sutileza no pensamento da senhora.

Um gay que passava, descansou por uns segundos seu olhar sobre o sujeito e sentiu uma vontade enorme de agarrá-lo, beijá-lo, mas o seu olhar, os traços do rosto e principalmente o modo determinado e concentrado do olhar fizeram-no afastar esse pensamento. Até pelo modo de vestir o indivíduo tinha aspecto de quem só gostava de mulheres. Nem se atreveu a continuar a observação e desviou o olhar seguindo bamboleante e com olhar altaneiro para a saída da casa de câmbio. Para ele o dólar era o que era. Não perdia nem ganhava fosse qual fosse o valor do dólar, porque trocava logo que os recebia. Se os guardasse poderiam roubá-los. Tinha plena consciência da vida que levava e de suas companhias. Um dia largaria aquela vida noturna da Cinelândia e seria um gay como tantos que conhecia, com classe e boa vida. Cruzou-se com uma prostituta de seu grupo que estava entrando na casa de câmbio.
- Trocou a quanto? (perguntou ela)
- A três! Fiz mal?
- Não cara. Dá no mesmo. Recebeu trocou. Que bom que está a três. Podia subir mais. Se continuar assim, compro uma passagem pra Miami, faço uns negócios por lá, junto e volto pra trocar aqui e compro um apartamento.

Dois irmãos, sócios em comércio, estavam á porta da casa de câmbio, e conversavam.
- Trocamos ou não? Será que sobe mais?
- Estou preocupado. Acho que ainda vai subir mais. Muito mais. Para ser sincero, vendia o que temos por aqui, e iríamos para o Paraguai. Lá a energia é mais barata, mão de obra também, e os impostos nem se fala. Há atividades lá que nem impostos pagam.
- Porque achas que vai subir mais?
- Porque não é por causa do dólar. É o Real que está baixando. O governo não em noção do que é “lucro” sobre a mercadoria. É dele que tiramos o que podemos para investir em infra-estruturas, como reformas, e sustentar empregados mais alguns meses sem demitir por causa da inflação. Os “lucros” servem também para vivermos e mantermos o negócio nas entressafras quando o comércio cai, e até serve para mantermos o preço das mercadorias apesar da subida dos preços. Guardamos ainda uma parte para podermos pagar impostos que sobem de repente. Se pudéssemos íamos para a China, Índia...
- Então trocamos e vamos embora! Para o Paraguai...
No andar superior, protegidos por vidros unidirecionais que não permitem que sejam vistos da loja, embora possam ver tudo o que se passa, dois homens conversavam.
- Sabes aquela loura peituda que se dirige agora para o caixa cinco?
- Sei... Não é daquela companhia...
- É... Vem trocar reais por dólares. Isso é lavagem de dinheiro. Como de costume ela vai subir aqui.
- Então vamos cotar o dólar para ela a quatro reais. É por conta dos riscos. Se ela trocar mais de cinqüenta mil, cobra a quatro e cinqüenta. A cada cinqüenta mil, mais cinqüenta centavos por dólar.
- E se ela disser que normalmente é o contrário?
- Diz apenas que para dólares de risco o preço sobe quanto mais se compra. Que temos poucos dólares em caixa...
Atrás do sujeito que mantivemos congelado na câmara de filmar - um simples celular - está um indivíduo de tênis cinza, calça preta, camiseta cinza, óculos escuros que trouxera pendurados na camiseta, e trocara apenas dez dólares no caixa. Nosso sujeito, objeto do ensaio sobre a percepção não reparou nele. Sua atitude na rua é de sujeito muito preocupado com a vida e com o ambiente que o cerca, mas não se pode avaliar sobre o que se desconhece. Estar sempre preparado, quer dizer também para perder o controle da situação.
Foi assim que logo na primeira esquina levou um encontrão por trás, obrigando-o a voltar-se enquanto o individuo de tênis cinza passava por ele sem que seus olhares se encontrassem. 

O homem dos cem dólares nunca tinha visto, não viu e jamais o verá. Um outro que vinha pela frente segurou-lhe o paletó e tirou-lhe a carteira do bolso, exibindo um rosto tresloucado que o paralisou. Foi tudo tão de repente que não durou cinco segundos. Então o rapaz correu, deu a volta no quarteirão, passou novamente pelo local do assalto tranquilamente e entrou na casa de câmbio. Trocou os cem dólares por 280 reais.
Nesse dia, a casa de câmbio ganhou duas vezes em cima de um valor relativo de cem dólares, de mesma origem de economia: O homem roubado. Uma mulher de fartos peitos, loura, voltou sem trocar dinheiro para a repartição do órgão publico e comunicou a seus chefes, que a mandaram, que teriam que falar diretamente com os donos da casa de câmbio porque eles disseram que o dinheiro era “de risco” e o preço era outro. Os dois punguistas que roubaram o homem saíram para outra casa de câmbio do outro lado do centro da cidade. Sabiam que o mesmo golpe dado em curto espaço de tempo chama a atenção e não estava a fim de ir em cana. A senhora que sonhava com as férias adiou por pelo menos mais um ano. Dólar alto não compensa viajar. Em vez disso passaria os próximos fins de semana nas praias da zona sul e iría economizando para quando pudesse voltar a Cancun. 
O casal de gays viajou para os Eua e não se sabe que fim levaram. Aparentemente perderam tudo com os "coiotes" que os levariam a atravessar a fronteira entre México e EUA.
Os donos da casa de câmbio resolveram aumentar o “spread”, ou seja, a diferença entre o valor do dólar para compra e do de venda, para cobrir riscos e contrataram uma equipe de advogados famosa por sua qualificação em assuntos internacionais, que tem escritórios na Avenida Rio Branco.
Chamado às pressas no palácio um expert em economia encontrou-se seu imediato acima. A conversa teria sido mais ou menos assim:
- Não quero abrir mão do que estou fazendo, dos meus gastos. Como arranjar dinheiro?
- Sem gerar inflação?
- Isso não me interessa. Isso é problema seu. Responda ao que lhe perguntei.
- Sem gerar inflação é impossível na conjuntura atual. Está tudo quase parando, quer o comércio quer a industria. Não havendo faturamento caem os impostos, arrecadamos menos, não há verbas. Já com inflação... (Deu um suspiro e rezou a seu Deus)
-... Já com inflação, podemos aumentar os combustíveis, a energia elétrica, os salários dos políticos e servidores públicos, dos professores, da água, dos transportes, porque tudo isso gera impostos, e quanto mais impostos se cobram mais verbas entram. Se isso não for suficiente, aumentam-se os impostos, cortam-se os “mortos”, ou seja, as aposentadorias, o bolsa-família, os serviços públicos em geral... Ou ainda... 
- Ainda o quê?
- Podemos dizer que a verba saiu para os serviços públicos sem sair e usar para o que a senhora quiser. Mas se descobrirem vai dar zebra.
- Gosta muito de sua carreira, de sua família, não é...O senhor vai contar?
- Eu não!
- Então não se preocupe que isso é assunto meu. Depois lhe comunico o que fazer...


E se a percepção do que não se conhece tiver laivos de realidade, assim poderia ter sido, mas se a percepção estiver equivocada, não é nada disto porque não se pode ter percepção sobre o que se desconhece, mas os efeitos são os mesmos que isto, o que se assiste e se sente. Afinal, não é o dólar que sobe como parece, mas o real que desce como a futuro se prove. E se não for por dôlo é por incompetência que também é o que se vê e sente. 

® Rui Rodrigues.   

   

segunda-feira, 15 de junho de 2015

anjos, demônios e outros bichos sem gênero


Não sou desses de acreditar em fantasmas de qualquer sexo, lobisomens de qualquer sexo, múmias vivas de qualquer sexo, bruxas ou bruxos, zumbis de qualquer sexo, e até já me perguntei porque razão algumas destas avantesmas não têm sexo definido. Somos obrigados a dizer fantasma fêmea, zumbi fêmea. Para anjos também ainda não existe o feminino anja. Vejo-me obrigado a adicionar a palavra ao dicionário. Então, lá pelos meus nove anos ainda rezava ao meu “anjo da guarda”, mas os meus hormônios já me puxavam para o lado das revistinhas onde aparecia mulher nua. Até perguntei a uns colegas do catecismo se sabiam que anjos da guarda tinham, se já tinham visto alguns. 

O Zé do porteiro, porque era filho do porteiro, disse-me com ares superiores que o sexo do anjo não importava. Eu já achava que não, de modo que continuei minhas pesquisas e fiquei espantado. Ninguém tinha visto ainda um anjo da guarda. Como era isso possível que, além de não se ver Deus, não se viam os santos, nem os anjos... Não se via nada daquilo em que queriam que acreditássemos. Foi então que li uma passagem da Bíblia da qual me ficou apenas o resumo: “Ver e crer como São Tomé”, e a partir daí, passei a acreditar apenas no que via ou no que alguém, conhecido, credível, dissesse que tinha visto. E mesmo assim, esperava sempre uma oportunidade em que eu também pudesse ver para confirmar, não fossem me enfiar uma patranha, como aquela das “luzes de Santa Eufêmia”, que passavam pelo caminho entre minha terra e uma outra chamada Viso, uma descendo a serra e outra subindo, e que paravam por instantes frente a uma capela e depois desapareciam. Nunca as vi. Lá na terra diziam que existiam e que já as tinham visto.
 As luzes eram das almas de dois almocreves que se mataram um ao outro ali mesmo, onde existe a tal capela. A caminho das festas do Viso, montanha acima, dá uma sede danada. Pois lá está a capela, e nem um cano de água para matar a sede dos peregrinos que vão à festa. Para mim, aplicaram equivocadamente o dinheiro ou da igreja, ou do povo que a construiu. Deve ser herança celta, estas crenças, porque também havia uma casa no “largo do senhor” que diziam, era habitada por um fantasma não sei de que sexo. Parece que era masculino, o fantasma. Nunca o vi também, nem ouvi os passos com grilhões de ferros amarrados nos pés que outras crianças da aldeia diziam ouvir. Não posso deixar de referenciar Mark Twain e seus pequenos e simpáticos personagens, Tom Sawyer e Huckleberry Finn que também passaram por essa prova da existência de fantasmas. Não há fantasmas. Nem extraterrestres. 
Essas idéias saíram da imaginação de gente muito interessante, que decidiram criar medo nos outros, até como diversão. E vampiros? Claro que não existem vampiros. “Morreu, tchau e benção”. Um amigo meu que morava na cidade e foi de férias à minha terra, nunca tinha visto a vida no campo e o leite era ainda engarrafado, se lhe falassem numa vaca que dava leite diria que vacas eram de vidro, redondas e tinham tampa. Chegaram ao entardecer e depois de jantar e uma conversa, fomos dormir com a recomendação de rezar ao anjo da guarda. Claro que lhe perguntei se tinha visto algum, e disse-lhe o que todos diziam: Que tinham asas com penas brancas. No dia seguinte logo pela manhã, uma algazarra, e lá vem o garoto gritando: Peguei um anjo, peguei um anjo!... Era a Matilde, uma galinha branca que tínhamos no quintal em meio a outros “anjos” de penas. Tal é a crença nos anjos da guarda. Mas, como crenças são crenças, cada um tem a sua. Mas tive sim, dentre outros, um anjo da guarda chamado Zé. Simplesmente Zé. Não era meu empregado, nunca lhe fiz favor nenhum. Ele se ofereceu para ser meu segurança na obra. Ele e mais vinte, pelo que me disse. Perguntei-lhe porquê. Disse-me que era pela forma como eu tratava o pessoal. Para ele e os outros não custava nada. Obra é um lugar perigoso onde tanto se arranjam amigos como inimigos.
 E muitas vezes por absolutamente nada. Nunca soube porque o elevador de obra caiu num sábado do sétimo andar até o primeiro subsolo, e assim mesmo porque logo que começou a despencar éramos dois a puxar o freio que estava por cima de nossas cabeças. Não foi o Zé que me cuidou, fomos dois puxando o freio. Se houve ou não intenção, nem quero saber, mas passei a evitar o elevador. Nem foi demônio macho ou demônio fêmea que fez soltar o cabo. Subia pelas escadas e isso me deu condicionamento físico excelente. Vinte e sete andares todos os dias várias vezes ao dia. Deu-me também mais um incentivo a meu espírito de programação: para evitar subir mais vezes ainda, programava tudo o que tinha que fazer em cada viagem antes e depois do almoço. As outras eram de emergência.




® Rui Rodrigues         

domingo, 14 de junho de 2015

O pequeno gafanhoto e a mestra...





- Mestra porque disse que devemos ter esperança?
- Por que, por falta de esperança querem tudo de imediato e torram a paciência dos outros...


- E quanto tempo devemos ter esperança? Um ano?
- Mais...

- Dois?
- Pode dobrar...

- Quatro?
- Pode dobrar...

- oito ??????... Mas não é muito? Na Bíblia diz que são sete anos de vacas gordas e sete de vacas magras...
- Isso é na Bíblia... Já se passaram 13 de vacas magras e ainda estou fazendo regime... Esperança e paciência...

- Desconfio que as vacas nunca mais vão engordar, mestra...
- Então vai pro Pronatec que lá tem Pátria Educadora. Deixa de pentelhar, pequeno gafanhoto


- E como que faz pra comprar com estes juros altos e esta inflaçao maluca?
-Pergunta ao Levy. Se não souber responder, filia-te ao PT e arranja 20 votos que nós resolve nas próximas eleição. 


Das Fábulas de Esopo em que animais falam adaptada para Bruce Lee.

® Rui Rodrigues 

Compra-se Reino sem estar à Venda.


(Crônica burlesca)
“Burlesca” está mais relacionada a burla e Berlusconni do que a pantomima. O que parece ser uma referência a religião, asseguro que não é, nem a costumes, mas se o leitor achar que tem a haver com política, provavelmente estará cheio de razão.Quanto ao país ao qual a crônica se refere e aos personagens podem ser de qualquer desses do mundo, ou o próprio mundo. A crônica em si não tem o mínimo valor literário, e se alguém a confundir com uma parábola ou fábula, não estaria longe da verdade. Se me perguntarem qual a verdade, não sei qual seja.)
Não consta nas crônicas de Avalon, nem das de Fernão Mendes Pinto. Shakespeare não ia tanto pelo burlesco, por isso se tivesse tido conhecimento das condições, história e do lugar deste reino, a que as crônicas de Frei Brito de Pedregoso se referem, não se pronunciaria a respeito, quase que certamente. Quem conhece razoavelmente Shakespeare bem sabe que não o faria. Podem procurar nas crônicas Kojiki, mas não alude a este reino. Nem Heródoto, que tanto andou pelo mundo, porque o reino surgiu depois que ele morreu. O Rei Arthur nem escrevia. Sua fama veio de suas obras na vida.
E assim como “no entanto ela se move”, também todos esses cronistas, de certa forma, falam deste reino – a que as Crônicas se referem.Frei Brito de Pedregoso foi um monge eremita que vivia numa gruta convivendo com escorpiões de ferrão mortal, mosquitos que lhe chupavam o sangue, moscas que lhe disputavam a comida, e passava os fins de semana num convento de freiras – o convento de Lindosa - onde relaxava num excelente banho e sabia das novidades do reino. Findo o remanso levava em seu bornal alguns doces de ovos, sanduíches e coxas de galinha empanadas. Levava também penas de pato para fazer suas penas de escrever, um vidro com tinta de fuligem diluída em água, alguns pergaminhos em branco, e uma lata de nafta do Cazaquistão para iluminar a caverna e poder escrever. Saudade mesmo levava de uma noviça rebelde e de uma freira mais madura de quem era amante. A noviça, não ele. Ele era das duas, por absoluta força da carne que todos os dias lhe gritava por amor para aliviar o cérebro. Nessa noite pegou fogo ao cordão que emergia da nafta, e à luz bruxuleante da chama continuou escrevendo sua crônica que começava assim:

Saibam quantos esta lerem que não nasci em Pedregoso, não me chamo Brito e não sou Frade. De minhas artes com a pena, de pato e não de ganso, que não tenho patrono que me pague os custos - nem há gansos por aqui de onde depená-las – fabriquei certidão mais certificada e fidedigna do que as que os bispos costumam emitir, e assim tenho acesso a todos os segredos da região e arredores, quer por parte dos templos e sucursais, quer dos governos e inimigos. Através dos bispos, e pelos segredos das confissões, escuto o povo.
Deixo registro para que saibam no futuro como que transgredindo as leis se sabem as verdades. Quem vive nelas nem sempre as sabe. Mas para se poderem transgredir é preciso que se esteja do lado delas.
Não foi talvez o caso do Bispo de São Lourenço do Rio Abaixo, uma pequena cidade nas cabeceiras do rio Xisto, que me chamou às pressas para ajudá-lo a resolver um assunto, mas foi o meu, porque me aproveitei de sua boa fé. Deu-se conta o prelado que no convento da Lindosa a madre superiora já estava meio que passada da idade, não enxergava bem, ouvia mal, falava pouco e quase não andava, e que talvez por isso, as noviças do convento não fossem escolhidas tanto pelos que os pais, irmãos ou maridos podiam pagar, por fidalgos, para mantê-las assexuadas e puras, porém castigadas, mas por aparentarem simplicidade, humildade e de poucas posses, sendo assim a internação um favor sem critério, dando origem a que algumas das noviças não só pervertessem uma ou outra freira já mais experiente como também obtivessem favores de bispos, padres, e até fidalgos. Em suma, em vez de convento seria uma casa de prostituição disfarçada, sem o conhecimento da igreja. Vim para a gruta, fiquei aqui por alguns dias e já sujo, fedorento, porque aqui não há água e frade não usa perfume, dirigi-me ao convento onde fui muito bem acolhido. Mostrei-lhes minhas credenciais, falsas, e fiquei lá uns dias. Foi uma noviça, Alexandra, quem me banhou sob a supervisão de sua superiora, uma freira chamada Venância. Da primeira vez me banharam como se fossem enfermeira e aprendiz de enfermeira, sem dizerem palavra. Depois nos banhávamos os três também mudos, apenas fazendo o que o corpo pedia e a censura da mente não conseguia bloquear, e foi então que conheci a tripa de porco passada na manteiga, crua, que elas mesmas me introduziram para não criarem problemas no convento. Não sei até hoje o que é melhor, das duas, se a experiência ou a inexperiência. Minha missão poderia ter terminado ali, com um simples relatório para o Bispo, mas resolvi ir mais longe, porque não era eu apenas o único a banhar-se. Fiquei assim de tocaia semana após semana, causando apreensão no Bispo, que tranqüilizei descrevendo-lhe apenas parte de meu plano. Disse-me, no entanto, que me apressasse para que não desconfiassem. Sem a mínima intenção de fazer-lhe a vontade, descobri que não só o dono do armazém fazia visitas mais demoradas no convento, como também o almocreve que sempre por ali passava, o padre da pequena igreja, e cidadãos abastados que viviam de suas criações de coelhos, galinhas, gado, e até ferreiros e sapateiros. 


O Convento era definitivamente um bordel disfarçado por ter uma Madre Superiora que quase não enxergava, quase não ouvia e por isso nem podia entender muito bem, pouco falava por não ter assunto, e não se movimentava por causa de um desentendimento entre os músculos já idosos e os ossos. Sem força nos músculos, os ossos não ficavam em pé. As finanças do Convento eram parcas, míseras, porque o Bispo segurava o dinheiro, mas não faltava comida embora fosse frugal. Algumas freiras antigas benziam-se, mas não diziam nada por medo das outras. As outras acharam que tudo era em nome do amor, da paz, da caridade e até pelo bem da causa, pensando que o dinheiro que se ganhava por lá ia para o santo Padre, lá em Roma, e que o sacrifício, se é que se pode chamar a isso de sacrifício, era uma prova de sua religiosidade e de sua fé e caridade. As celas, onde ninguém podia entrar, eram de luxo. Fora delas, o convento estava decaído, miserável, embora limpo, para que se desse essa exata impressão de que não havia dinheiro para cuidar, mas que quem lá estava trabalhava. Algumas noviças saíram pelas ruas das aldeias pedindo para que, sempre que matassem porcos, lhes guardassem as tripas que alguém do convento viria apanhá-las, porque sabiam como aproveitá-las na culinária, coisa que por aqueles tempos a ninguém passava pela cabeça comer. O barão de Lagredo que dominava uma área da cidade e tinha umas glebas perto do rio, levou certo dia ao convento um alguidar cheio de tripas de porco fresquinhas e ficou por lá mais de meia manhã, saindo na hora do almoço. Fiquei sabendo por Venância que pretendia ele um título de conde e que para tanto precisava das recomendações da Madre Superiora como benemérito do convento, e que do resto ele trataria. Não foi difícil aliar este desejo com as confissões do barão desvendadas em banhos no convento.


A Madre Superiora faleceu de uma queda nas escadas quando não havia ninguém por perto que pudesse ajudá-la. Nesse mesmo dia Venância assumiu interinamente enquanto aguardava autorização do Bispo. Recomendei-a, e confirmada que foi, começou a ir tanta gente ao convento que para não despertar suspeita e antes que fosse tarde demais, Venância arquitetou um plano. Onde havia um nicho com a estátua de uma santa, fez um furo na parede e colocou uma pequena mangueira que ligava o olho da estátua a um depósito mais alto do outro lado da parede. No depósito colocava sangue de galinhas misturado com vinagre para não coagular. De vez em quando ela mandava espalhar notícia pelas aldeias e pela cidade, avisando que os pecados do mundo eram muito grandes e que a estátua estava prestes a chorar sangue. Quando a audiência dos que esperavam era muito grande, abria a torneira do depósito, bem devagar, e a estátua lacrimejava lágrimas de sangue. Isso atraiu muita gente para o convento que fez muitas dádivas, moldes de cera, que até me serviram para iluminar minha gruta. O resto era derretido e vendido como cera no armazém da cidade. Em breve o lugar criou fama e a cidade e arredores se encheram de turistas da fé dispostos a assistir ao choro da santa e deixando na cidade boa parte de suas economias.
Com tanto dinheiro entrando nos cofres do convento, as freiras que se calavam por medo viram com regozijo que suas preces eram ouvidas: Venância afastara as noviças pecadoras e as freiras coniventes, porque já não precisava delas e eram até perigosas, e me confessou que em breve iría fazer uma viagem sem volta. Tinha pedido anulação de seus votos de castidade, largaria o hábito e iría para Paris abrir um cabaré. Mas não largaria o hábito por completo. Seu número em Paris seria o de um grupo de “can-can” vestido com roupas de freiras, que excitava muito esse tipo de público completamente tarado por comer o que não deveria.

A cidade progredira muito. O Barão de Lagredo, esse agora exportava carne de porco e enchidos através de uma associação de almocreves que a distribuíam depois de a salgarem, em mulas e burros país afora. A santa continuou chorando por alguns anos, mas depois que um garotinho daqueles irrequietos ficou xeretando pelo convento e descobriu a mangueira do sangue de galinha misturado com vinagre, tudo ruiu. Primeiro por falta de crédito na fé. Depois porque os turistas da fé deixaram de aparecer na região. Finalmente porque os negócios começaram a fracassar. O dinheiro faltou a todos. O padrão de vida caiu. Com tantas dificuldades, a juventude começou a emigrar para outras regiões e até para fora do reino. Faltou mão de obra porque a juventude tinha saído da região e não havia dinheiro para pagá-la. Logo apareceram compradores investidores e empreendedores estrangeiros comprando tudo: ouro, jóias, móveis, utensílios, casas, propriedades. O agora Conde de Lagredo continuou conde só no título que ninguém queria comprar. O Bispo foi destituído. O convento acabou por fechar, mas Venância já estava em Paris com suas belas pernas apresentando números de can-can. Alexandra, a boa noviça, foi junto com ela. Fiquei sozinho, sem as mulheres e sem excitantes banhos semanais. Tal o estrago que fez a ambição de gentes do lugar, e as diabruras de um garoto irrequieto que derrubaram o reino. Nem a fé sobrou. Um dia, num daqueles piores dias em que até a fome lavrava pela região, chegou um sujeito todo vestido de preto, com uma bíblia na mão, gritando a plenos pulmões que quem desse alguma coisa receberia em dobro. 


Não havia nada para dar, a não ser algumas cenouras, couves, uma ou outra batata, e o sujeito abandonou a região depois de passar fome por duas semanas e sem ter devolvido nada quanto mais em dobro. Fé sem dinheiro já não funcionava por lá. Com mais da metade da população emigrada, tudo vendido para estrangeiros, o que resta é uma população semi-idosa lutando para não morrer de fome, até porque quem comprou o que havia por lá foi motivado pelo descanso em tempos de aposentadoria, sem produzir. Pastagens se transformaram em jardins particulares, e, embora a bandeira continue a mesma, aquela pátria já foi vendida.
Tal é a história do reino cuja capital era São Lourenço do Rio Abaixo, e que agora é um amontoado de ruínas que ninguém quer comprar. Mudaram o nome para Convento do Rio Abaixo. Em compensação, como nada mais se produz na região, acabaram-se os ratos. 


® Rui Rodrigues (pelo Frei Brito de Pedregoso que não era de Pedregoso nem de Lagredo). 

sexta-feira, 12 de junho de 2015

As crianças de Ramenir e Benadia.


Esta estória se passa há tempos imemoriáveis. Nem faz parte daquela memória que vai passando de pais para filhos, porque naquela época, tal como em crianças até cerca de um ano e meio nos dias de hoje, não sabiam falar. Crianças nunca se lembram de fatos até essa idade. A humanidade nem se lembra deles também, nem de Ramenir nem Benadia. 

Não se sabe nada sobre suas origens nem onde foram originados, mas estavam lá, por aquela época, numa fronteira entre selva e savana á beira de um pequeno córrego de águas provenientes do degelo das montanhas que dali se avistavam. Levavam uma vida relativamente tranqüila alimentando-se de frutos das árvores, de algumas raízes que limpavam e molhavam na água do córrego porque a areia e a terra lhes incomodavam o mastigar e o paladar. Não transmitiam doenças porque não se beijavam. O sexo era uma coisa de “vontade” imediatamente atendida. Umas vezes ele a montava, sempre por detrás e não raras vezes errava o alvo, outras vezes ela o chamava e se punha de quatro na sua frente. Por vezes se sentava em seu colo, outras vezes o acarinhava com a cabeça entre suas pernas. Era instintivo. Não sabiam ler nem o Karma Sutra tinha ainda sido escrito. Precisariam esperar uns bons milhões de anos e não viveriam tanto assim. Lá pelos trinta anos já se teriam livrado da carne e ficariam apenas com os ossos, mas sem a mínima consciência do que se estivesse passando naquele ou em outro lugar. Não havia feras por ali, naquela mata fechada, exceto cobras que temiam muito, porque algumas eram imensas, podiam engoli-los. Lá fora, sim, na savana, viam animais enormes, alguns com dentes de sabre, alguns com afiados dentes e também peludos, que se revezavam em caçadas de animais mais fracos. Conseguiam ouvir-lhes os gritos, os urros ao serem dilacerados, os estertores da morte inexorável. Depois as feras se alimentavam de seus corpos, muitas vezes ainda vivos e estrebuchando. Para Ramenir e Ramenir aquilo era um inferno. Paraíso era ali à beira do córrego de água fresca, com frutas para comer o dia inteiro. Um dia teriam que mudar de lugar por causa da falta de frutas, mas procurariam em outras árvores. Havia muitas e nenhuma era proibida. Somente as que lhes davam ora prisão de ventre ora diarréias. Quando a barriga de Benadia desinchou viram um pequeno ser que berrava muito. Ela dizia que se parecia com Ramenir e ele que se parecia com Benadia, porque o único espelho que tinham era muito deficiente: Os locais de água parada do córrego. Benadia deu-lhe leite de suas próprias mamas à cria e teve que afastar Ramenir quando ele descobriu aquela fonte gostosa de alimento. Benadia teve muitos mais filhos. Praticamente tinha um a cada ano e meio. Só tinham duas preocupações: As feras com as serpentes, haver frutas e raízes disponíveis para comer. Quando precisavam fazer suas necessidades iam até o rio. A água levava tudo e não deixava rastros para que outros animais os detectassem e os comessem. Benadia e Ramenir protegiam-se um ao outro, faziam exatamente as mesmas tarefas.   

Quando Benadia tinha seus 40 anos, a família já era uma tribo, mas nunca souberam como isso acontecia. Atribuíam o nascimento das crianças ao mesmo fenômeno inexplicável que enviava a chuva e os raios do céu. Por vezes os raios pareciam gritar, urrar, ameaçar. Devia ser algo muito forte, muito superior a tudo que viam, porque tanto eram jogados no inferno da savana quanto no paraíso da mata. Em todos esses anos nada havia mudado nas imediações da mata nem da savana. O paraíso continuava igual, o inferno lá fora era o mesmo. Benadia não sabia porque razão, mas não tivera mais crianças há pelo menos uns quatro anos, mas em compensação as crianças tinham crescido e tido muitas outras crianças, todas muito parecidas. Tantas, que agora mudavam de árvores muito mais rapidamente porque as frutas logo se esgotavam.  As crianças estavam sempre, a toda hora, dispostas a se acasalarem entre si. Quando algum deles não queria, havia confusão na tribo. Ela mesma, Benadia, já se acasalara com alguns dos filhos, assim como Ramenir, mas este estava ficando diferente. Agora estava mais fraco, mais gordo, tinha cabelos brancos nas costas e na barriga. Por vezes nem comia. Nem ela, Benadia. Então, certo dia, o filho mais velho, o mais forte, partiu com mais de metade da família. Não escolheu quem o seguiria, mas rejeitou alguns que o quiseram seguir. O grupo se reduziu a uns trinta. O que partiu. Jafron, levou mais de sessenta com ele. 


Em sua caminhada pela mata o segundo grupo se enfrentou com outros grupos que já se tinham apossado desses lugares, normalmente junto a rios, matas, à borda da savana. Muitos morreram de ferimentos feitos por armas de ossos de animais mortos e pedras. A mata estava se transformando num inferno. E inferno por inferno, Jafron, o filho mais velho de Ramenir e Benadia, olhava com cada vez mais simpatia para a savana. Com armas de ossos, quem sabe, poderia vencer as feras do inferno?



Benadia um dia viu Ramenir se dirigir para a savana. Pensou em impedir-lhe os passos, mas não tinha forças. Gritou com gritos de horror, chorosos, com pena, assim como quando lhe morria um filho, e fechou os olhos quando viu um leão partir na correria para cima dele. Quando abriu os olhos já havia outros leões e leoas á volta do cadáver de Ramenir. Então tomou uma decisão e correu trôpega pela falta de forças para espantar os leões. Seria para espantar os leões? Em cima das árvores as crianças se agarravam entre si, as sobrancelhas caídas, lágrimas nos olhos. Então começaram a gritar para espantar os leões. Não podiam fazer outra coisa, nem socorrê-los. Pensaram que sem as feras na mata poderiam ser mais felizes. 
  

® Rui Rodrigues

Um Grande Vulto da História. Sonho ou pesadelo?


Esta noite, Januário olhou lá para fora e viu um vulto. Não deu pra perceber o que era, naquele lusco-fusco, mas era grande. Seria um dos grandes vultos da história? Mas olhando mais atentamente deu para perceber que era só, e simplesmente, uma anta emagrecida andando em duas patas. Estava se mostrando. Um dia ainda a convidam para desfilar na Unidos de Pilates. O Bloco das Piranhas já disse que lá ela não desfila. Como o Péricles criou o “Amigo da Onça”, lá pela metade do século passado, alguém se lembrou e criou  “Os amigos da Anta” que têm grande influência no Ministério da Cultura. Então resolveram fazer um filme sobre a Anta bípede, de forma a mostrar como ela é um grande vulto da história. A Sociedade Protetora dos Animais acha isso um absurdo. Os amigos da Natureza dizem que o lugar dos animais é no mato. As vacas que vão para o brejo perguntam porque ela não vai também. O IBAMA exige um certificado de criação legal em cativeiro, e a associação PT - Patriotas Travestidos -  está disposto a expedir um, uma vez que ela faz parte da safra. Então enfiaram-na num vestidinho preto da moda tubinho ou saco, Januário nem reparou, e mandaram-na para Bruxelas. Ela achou muito interessante como que uma couve se tinha transformado numa cidade tão rica, mas quando ia abrir a boca, levou uma canelada do Ministro da Economia que lhe disse: Mamãe... Posso pedir um sorvete que está muito calor? Posso? E depois que ele lhe disse que concordava em aumentar o orçamento dela em mais dois bilhões, ela lhe disse: - Então compra três sorvetes e fica com o troco. Mais tarde, quando ela disse que o mar da economia não mudara, todos os representantes dos países que estavam lá riram muito, às gargalhadas, porque estavam crescendo, eram eles mesmos que faziam e mudavam o mar e só a mata dela, lá naquele pedaço de continente perdido da América do Sul – O sul da América do Sul  é que não estava. Quando o garoto da economia voltou com os três sorvetes, ela disse: Acho que apesar da inflação, os brasileiros não se podem preocupar com isso e têm que continuar gastando. O guri da economia, que não é guru, com os três sorvetes na mão sem saber qual chupar, olhou para ela surpreso e perguntou: Então pra quê que estamos subindo os juros para dificultar a compra de mercadorias pelo povo? Vão comprar com que dinheiro?
 Irritada, pegou o guri pela mão e entraram no jatinho particular para voltar ao mato da Anta onde uma multidão inteira a espera com panelas, garfos e colheres para fazer tremendo barulho de apoio à sua volta para a mata, que é lá o seu lugar. O filhote de economista cada vez gagueja mais.


 Na foto, a Anta véia aprendendo a ler e a fazer contas de mais e menos.

® Rui Rodrigues  

À sinhora Dona Dirma, Prescindente do Brasil, Insolentíssima Sinhora.

À sinhora Dona Dirma, Prescindente do Brasil, Insolentíssima Sinhora...Duas expricaçaum...




1.   Como que faiz pra comprá?

Cumé que a sinhora qué qui continuemo comprano, si no tem imprego, a infração tá dimaiz, os impostos a sinhora manda subi, os custos di energia a sinhora manda aumentá, e os juro tá tudo tão arto qui em um ano um centavo vira milhão?
In donde que a sinhora veve? Si a sinhora toma argo qui num seje cachaça, intão tá duente i deve ir si tratá. Aqui pertim tem SUS. Podi vim que nóis encaminha a sinhora.
A sinhora deve mi entendê proque tem mais diproma qui eu e é uma Insolentíssima Prescindente de todos nóis.

 


2.   Como qui a sinhora exprica?

Marola é coisa piquena como costuma fazê quando a vaca entra no brejo e a água da lagoa ondeia em nossos pé. Já vi muito. Onda é quando a água do mar bate na praia ou nas rocha tudo, e faiz ispuma. Nunca vi porque aqui em Mins não tem mar não. Só lagoa, lagoinha e lagoão. Tisunami é o que faiz sertão virá mar, por exempu com a transposiçaum do rio São Francisco que num sabemo si é de Assis ou de Pádua, valhanus nosso padim Pade Çiço. A sinhora disse também que o mar não tinha mudado.

Oras... O que si intende de tudo qui a sinhora disse, já que a iconomia mundial vem crescendo há anos – deve ser o tal mar que a sinhora fala – é que de economia a sinhora deve intendê tanto, mais tanto, tanto, que si fosse a dona dela, já tinha falido. Proque si o salário mínimo é di seiscentos, se paga 200 para a energia elétrica, 150 para a água mesmo que não tenha nim gota, 150 di alugue, que a sinhora pensa que vamos fazê com uma nota de cem pra pagá comida, duas condução de trem e duas de ònibs, vesti e tomar um copo de água em shows grátis da prefeitura?

Ou o seu dinheiro não é daqui, ou a sinhora num sabe fazê conta direitim. Nem vou chamá de mentirosa proque num deve di ser. Mais que tem algo errado ca sinhora, isso tem. Já pensô em consultar um piçiquiatra, daqueles qui trata da cabeça invêiz di regime pra inmagrecê ? Assim num quero vê a sinhora nim mais gorda nim mais magra.


Assinado
Ex-Pronatec, Ex-FIES, Ex-ENEM, Ex-istudante por farta di vaga, di crédito e di dinheiro, mas todos mi chama de aluno. E tô di oio em seu relojio...Tem celulá também?


® Rui Rodrigues 

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Um conto “fiquitiço” de 13 anos de solidão.


Ou... De lembranças sujas do colégio.

(Nota: Contado por um casal no Bar do Chopp Grátis, num dia em que a seleção do Brasil perdeu para a Alemanha por 7x1 e se ouviram as mesmas vaias que se vinham repetindo amiúde nas ruas e nos estádios e que agora foram substituídas por tremendos panelaços. Este texto é um resumo)



Vandita não era bonita na verdadeira acepção da palavra, mas não era feia. Tinha um leve buço, é verdade, coisa herdada de sua família originária da Macedônia, e um rosto meio para o grandalhão que acompanhava as proporções do resto do corpo. Sabia perfeitamente que quando a convidavam para festas no colégio, o faziam para que as outras meninas pudessem ter com quem comparar a sua beleza. Elas eram mais disputadas pelo universo masculino. Ela compensava isso com a sua fé nos caminhos que traçara para o futuro. Teria seu futuro independentemente da beleza. Não queria seria notada pelos homens. Queria notar os homens e escolher os que desejasse. Não nascera para dona de casa. Também não nascera para ser doutora ou prêmio Nobel. Para ela, havia muitos modos de ser feliz, e a falta de instrução, educação, podia ser compensada com algo que lhe desse mais independência e lhe permitisse sobrepor-se a essa classe média instruída, esnobe, segura nos passos e no olhar altivo, com cara de quem sabe tudo. Ela sabia que eles sabiam quase tudo, mas sobreviveria bem mesmo sem saber nada. Seus pais comunistas vieram para o Brasil onde fizeram modesta fortuna. Falavam maravilhas do comunismo, mas gostavam de ter dinheiro. Ela achava que dinheiro não era necessário ganhar: Bastava que os outros o compartissem com ela, pouco ou muito, de acordo com a sua camaradagem. Tinha certeza que havia sempre gente com bom coração neste mundo, disposta a dividir e muitos mais idiotas que queriam mostrar seu bom coração, muitas vezes por um falso orgulho de mostrar que podem ajudar estando, portanto, por cima como a nata no leite. Pelo menos naquela oportunidade. Com muito jeito se poderia conseguir tudo: Documentos falsos, diplomas falsos, para ter o que todos à sua volta tinham, mas, tal como os cleptomaníacos, o teria fazendo esforço, sim, mas sem os procedimentos longos, cansativos, como por exemplo estudar, trabalhar. Mesmo no trabalho, os outros trabalhariam para ela. E foi assim que foi fazendo amizades onde poderia encontrar o que tanto buscava: A árvore da vida, que, em se abanando com força, tudo que se queira cai: Marido, amante, dinheiro, aventura. Adorava aventuras, fazer o papel de “intrusa vencedora”, a “coração valente feminina”. E completamente sem escrúpulos. De modo geral sua vida se baseava em alguns princípios fundamentais, tais como ser independente, diferente, ter sempre razão por desistência de opositores da arena de discussões, nunca levar adiante discussões em que perderia fatalmente, não dar importância a discussões perdidas, fingir-se de morta para depois dar o troco, fazer com prazer o que os outros detestam: Aborto, fumar maconha, mandar – interiormente - os padres pra puta que os pariu, mas beijar-lhes a mão se fosse conveniente. Podia facilmente tornar-se um capacho de alguma outra pessoa se vislumbrasse que depois poderia tirar partido dessa situação. Representava na vida como ator de famosa peça de teatro. E copiou de alguns filmes a que tinha assistido aquele olhar superior que transforma um inútil num prêmio Nobel, técnica apreendida da juventude de então com a qual convivia na alta sociedade brasileira no tempo do uísque com guaraná. Deve ter sido na Universidade Cândido Mendes que a polícia do Estado, em pleno regime militar, fez um corredor polonês na saída de estudantes “revolucionários” que protestavam contra a censura e a liberdade. Queriam democracia. Algumas estudantes tiveram o fígado rompido, algumas perderam a virgindade, muitos machucados, é o que diziam e foi o que ela disse a todos sem sequer ter estado lá. Não há uma única foto dela mostrando que tenha participado em algo contra o regime militar nessas manifestações corriqueiras de rua, universidades, instituições, mas, no entanto, a todos disse que participara. Uma coisa era certa. A aulas ela não ia. Pensavam alternativamente que estaria participando de reuniões, em grupos de “baderna”, ou no trabalho para sobreviver. Ela realmente não tinha queda pelos estudos. Eram completamente desnecessários, e os diplomas apenas serviam para dar “status” para engravatados “black-tie”. Ganhou fama nesse meio e um dia foi abordada para fazer parte de um movimento revolucionário. Era uma aventura que a poderia levar muito longe se a célula do movimento a que se afiliara fizesse um bom trabalho e o movimento assumisse o poder. Aquele povo pobre, campestre ou trabalhador das cidades, bucólico e sem instrução, se bem dirigido poderia formar um exército. Quem sabe, até países do leste europeu pudessem ajudar no movimento. Cuba certamente. Mais tarde se regozijaria de ver como entrava dinheiro desses países para ajudarem na causa. Uma boa parte era gasta em diversão pelo grupo. Vandita faria qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo, para viver sem ter que ir todo dia para o escritório, preparar almoço para o marido, costurar um par de meias. Seu corpo se bem arrumado, tanto poderia parecer o de uma mulher bem apessoada ou de um guerrilheiro feroz. Era uma aventura viver num completo disfarce, saber que os outros pensavam que ela era uma coisa e era na realidade o oposto completo . Disfarçar-se, passar desapercebida, ser perseguida por todas as forças militares e mesmo assim se dar ao luxo de ir tomar uma cerveja no Amarelinho, em pleno centro da cidade, dirigindo uma moto. Era tarada por motos. O que a deixava mais feliz era quando algum rapaz da classe média a convidava para sair no carro dele, crente que no meio do passeio transaria com ela. Naquele tempo não havia motéis. Só havia um prédio meio moderno ali na Barra da Tijuca que alugava quartos para transar. Ficava no final da ponte no sentido de quem ia pela Niemeyer, mas não havia ponte por aquela época. A viagem até a Barra da Tijuca se fazia pelo Alto da Boavista. Vandita fazia-se de menina difícil, mas aos poucos ia permitindo uma mão aqui, outra lá, mas não em seus órgãos genitais a princípio. Então de repente, permitia, mas interrompia-lhe os movimentos. O desejo do rapaz aumentava até quase a loucura. Fazia-o sentir que a qualquer momento transariam, mas enquanto ele fechava os olhos quando a beijava, enternecido, amoroso, entregando-se ao desejo, ela os mantinha abertos, com um leve sorriso no rosto. Para ele, o sorriso dela era de picardia, de conivência, de condescendência e companheirismo, mas ela sabia que não. O que ela sentia era um prazer antecipado pela frustração que o rapaz sentiria um pouco mais tarde, ao final do passeio. Durante o jantar num restaurante que havia no começo da subida para o Alto da Boavista, do outro lado da rua onde havia uma capela, falavam de muita coisa relacionada com música, cantores, festivais da canção, movimentos estudantis nas ruas de Paris, Jean Paul Sartre, cujos livros ela jamais lera. Nem do Neruda. Nunca lera ou leria algum livro. Para ela os livros eram uma babaquice melosa, fosse qual fosse o conteúdo, totalmente incompreensível para ela. Nesses momentos, quando ela percebia que o rapaz tinha simpatia pela esquerda, até poderia transar como transou algumas vezes. Porém, se ele se mostrasse de direita, ela prosseguia em seu plano de se divertir e finalmente gozar com a cara dele. Esse rapaz conseguiu que ela fosse até a porta do prédio de três andares na Barra que alugava quartos. Ficaram no carro uns instantes se beijando, acariciando-se. No fundo o rapaz em si não lhe interessava, mas ela estava a fim de ir o mais longe que pudesse sem se entregar. Seu prazer maior seria não se entregar para o mauricinho, ou Teddy Boy como se chamava na época aos mauricinhos. Acariciou e chupou-lhe o membro, parando antes que ele gozasse. O rapaz convidou-a então para saírem do carro e subirem para um quarto. Ela disse que não, que não podia porque já era tarde, se tinha perdido no tempo e teria que voltar antes que seu pai, com quem ela vivia e que trabalhava de noite, chegasse em casa. Ele entrou em delírio. Tentou convencê-la a subir. Então, ela sacou de uma 9mm, encostou-a na cabeça dele e disse-lhe que a levasse até o mais próximo ponto de ônibus. Antes de chegarem ao ponto, ela baixou a arma e encostou o cano nas costelas dele. Já no ponto ainda vazio àquela hora da madrugada, ordenou que ele saísse do carro e abalou a toda a velocidade no caminho de volta. Havia um sorriso de pura felicidade quando ela chegou à célula terrorista. Ninguém lhe perguntou onde andara, o que fizera, nem ela contou. O seu prazer, o seu poder, eram coisas absolutamente pessoais, segredos íntimos. Era dessas mulheres das quais ninguém sabe a vida que realmente leva. Ri para dentro, normalmente em banheiros, ou em quartos onde esteja sozinha. É capaz de aguardar o final do dia até que finalmente possa rever os acontecimentos e dar sonoras gargalhadas. Os sorrisos e risos que dava, para quem compartilhava sua vida, eram repetições de lembranças antigas de seus tempos de criancinha. Agora, já mais madura não havia qualquer traço emotivo em sua expressão corporal, embora pudesse haver indícios. Aprendera a representar. Seu ídolo era Che Guevara. Fez uns dois ou três abortos por transar apenas pela vontade de transar, porque nesses momentos nunca estava prevenida com preservativos. Achava que ao natural era muito melhor, pele com pele, sentir o jorro penetrar-lhe as entranhas e depois lhe escorrer pelas pernas. Era como se também tivesse gozado. Um dia, depois de transar com um companheiro com quem costumava fazer sexo para se distrair, limpou apenas as pernas e saiu de moto pela noite. Largou-a na Praça Saens Peña na Tijuca e esperou no meio fio. Apareceu um Teddy Boy que a convidou para entrar no carro. Ela entrou e disse que queria dar uma rapidinha antes que seu noivo chegasse. Foram para uma rua ali perto, escura, um beco, e disse-lhe que queria que ele a chupasse. Na esperança de prêmio maior, o Teddy Boy deu-lhe todo o prazer que imaginava estar lhe dando e mais um adicional que ele não sabia, mas ela sim: Indiretamente ele estava chupando o gozo de um camarada de esquerda da célula onde ela se escondia. Então lhe disse que tinham demorado muito, seu namorado era muito desconfiado, perigoso, e que ficava para outro dia. Deu-lhe um telefone falso que o rapaz anotou com toda a esperança. Ela cheirava bem, era macia. Assaltou Bancos, fez seqüestros, mas nunca entrou na guerrilha do Araguaia. Dizem que sim, mas só fez algumas visitas para ficar a par dos acontecimentos, do que se passava por lá. Sabia manejar armas, deu alguns tiros, mas nunca matou ninguém nem feriu. Sua vida era uma negação. Nunca conseguiu atingir qualquer objetivo por si mesma, no que dependesse dela. Sua vida sempre fora de “faz de conta” em tudo. Vivia de aparências. No colégio alegava que trabalhava para viver e que por isso tinha que faltar às aulas. Colegas de escola - se casou com um deles mais por gratidão do que por qualquer outra coisa - davam-lhe cola, faziam-lhe as provas. Um ou dois apenas sabiam que ela pertencia a uma célula terrorista. Quando a filha nasceu arrependeu-se, mas era tarde. Tinha casado, e teve que dizer para o marido que seu filho nascera de sete meses. Não era dele. Com o fim do regime militar, a esquerda assumiu o poder. Convidaram-na para ser secretária em um ministério. Por total falta de capacidade por falta de estudos, os companheiros arranjaram-lhe um diploma de filosofia em Matemática. Não tinha a mínima idéia de como se resolvem equações matemáticas e nunca soube como usar uma régua de cálculo, mas mesmo para o simples posto de secretária lhe arranjaram uma auxiliar que fazia todo o trabalho. Um dia, um chefão influente, com uma filosofia de vida muito similar, que levara toda a sua vida apenas falando, fazendo palanques, passou pela repartição e convidou-a para jantar. Não foi apenas um jantar nem apenas uma vez que saíram, mas em um par de semanas ela já tinha sido nomeada e aprovada como... Ah... Esta estória é apenas sobre lembranças de colégio. Já deveria ter parado uns dois parágrafos atrás. Sinto muito!

Mas porquê 13 anos de solidão? (Detesto quando faço uma pergunta para que eu mesmo responda, porque podem pensar que o faço pra mostrar erudição que não tenho...). Sim... Porquê? Pelo simples fato de ter sido durante 13 anos, de militância nas células do terror que se habituou a não amar, a não ter amigos, a viver só, mesmo acompanhada de um mar de companheiros. 

Fim da estória fiquitiça.


® Rui Rodrigues.   

quarta-feira, 10 de junho de 2015

A crise do “Oh”!



1.   Um Oh há 2.200 anos.

Já imaginaram a sensação de um grego dizer em praça pública: Eureka... Eureka... Eureka... Descobri que um corpo sólido jogado numa banheira transbordante transvaza uma quantidade de água exatamente igual ao seu volume. Isto dito assim de repente lá em Siracusa, há 2.200 anos atrás, no meio da rua, deve ter provocado gritos de “cruz, credo”, ou o raio que o valha, porque ninguém tinha pensado nisso nem sabia para que servia. Mas o que mais se ouviu foi “Oh!” bem exclamativo, mas no fundo com a mesma intenção de “cruz credo” e o significado interrogativo de “ Para que serve isso?”.Houve quem dissesse: - Olha... É o maluquinho do Arquimedes! E nem ganhou nenhum prêmio Nobel. Pergunte numa roda de quadradinho de oito se alguém sabe quem foi Arquimedes e o que descobriu. Mas sabem que podem mudar os seios e a bunda com implante de silicone, e que há produtos para deixar os músculos tão arretados que o mulherio vai chover mais que na horta do Venceslau, que também ninguém sabe quem é e até mora nas redondezas. Se alguém disser “Eu sei”, passa por ser alguém “que se acha” e quer aparecer no meio como sabichão. Nunca mais fará amigos no meio.

Mas mais “Oh”, foram aparecendo desde então. Não muitos, é verdade, mas foram aparecendo de vez em quando.

2.   Um Oh bem molhado há 700 anos.

Diziam que a Terra era redonda. Diziam. A maioria pelas ruas comentava:
- Ouvi dizer que a Terra é redonda, mas ninguém ainda provou... Só quero ver! Não vão provar nunca!
-Quem disse?
- Um tal de Nicolau Copérnico, dizem uns, Galileu Galilei, outros, Giordano Bruno outros ainda, mas os padres já os mandaram calar. São hereges!
(E note-se que ainda hoje há quem diga que nunca pisamos na Lua...).
Então, um belo dia veio a notícia para dirimir todas e quaisquer dúvidas. Outro maluco, este português, saiu com umas caravelas penduradas ao pescoço e deu a volta à Terra. Infelizmente morreu no caminho e foi um tal de Sebastião Del Cano que acabou chegando ao mesmo ponto de partida.
Pelas ruas, praças e campos do mundo, muita gente se benzeu e disse:
- E então as tartarugas que sustentam a terra pra onde foram? Não as encontraram? Vão ver... Comeram-nas para não morrerem de fome... Uma viagem tão longa assim... Mas muitos disseram: Oh!... Com a boca bem aberta. Mas no fundo todos penaram: Tá... E daí? A Terra é redonda, mas para que serve isso? E não faltou quem julgasse:
- A Terra sempre foi uma placa grossa sustentada por tartarugas. Se ficou redonda foi só agora. Amanhã as tartarugas voltam a sustentá-la. São uns hereges!

E começaram a aparecer uma porção de Oh, nos anos seguintes. Estava-se na Renascença e a ciência tinha pressa, e mesmo sendo hereges, foram sendo aceitos pelos padres. Alguns padres se transformaram em cientistas.

3.   Um Oh de 70 anos atrás.


Já há muitos séculos se dizia que a matéria, essa coisa dura onde pisamos, que trabalhamos para fazer objetos, desfeita à marretada iría chegar a um ponto que seria apenas pó. A partir daí não se poderia dividir mais. Era um átomo puro. Se fosse pó de vidro a menor partícula era um átomo de vidro, se fosse de sabão era um átomo de sabão... Quem disse isso foi um sujeito inteligentíssimo chamado Demócrito, mas ele não podia saber ainda que mais tarde descobririam uma nova ciência chamada Química. Isso que ele descobrira era apenas um grupo de moléculas de sabão, vidro ou de qualquer outro material, composto de vários átomos diferentes. Também disseram que ele era louquinho de atar. Nem lhe deram bola, ninguém fez “Oh”. Morreu sem a glória de um “oh”.

No entanto, aquela sementinha do tal do “átomo” começou a fazer sentido para muita gente, e Rutherford e Bhor conseguiram deixar todos os alquimistas na rua da amargura ao descobrirem as propriedades dos átomos, e isolar uma porção deles. A Química moderna começava a dar os primeiros passos, a perfumaria francesa a prosperar. Antes deles, o que a cerveja, o vinho e o Whisky continham era “espírito” porque deixavam nosso espírito mais alegre. A partir deles o que continha mesmo era álcool puro diluído. Então apareceu a cachaça. Mas Albert Einstein foi ainda mais longe. Muito longe. Descobriu que o átomo é energia pura, concentrada, unida por forças tão fortes que é impossível separar suas partes - os prótons nêutrons e elétrons - sem uso de forças imensas, incapazes de serem produzidas em laboratórios, oficinas, fábricas. Para separar esses átomos é necessário usar materiais que só por si já emitem partículas naturalmente, os materiais radioativos como o Urânio e o Plutônio.
Muitos se perguntaram para que serviria isso...

E um ‘Oh” dilacerante, como um urro de fera ferida, se escutou pelo mundo inteiro quando duas bombas nucleares foram detonadas no Japão há quase exatos 70 anos. Seria estupidez nossa estabelecer uma comissão da verdade para julgar os que mandaram os primeiros cientistas para uma fogueira por apenas falarem verdades que soaram como bombas, ou cientistas que fabricaram as bombas atômicas, ou até pelos que as lançaram.



A partir daí todos os dias temos novidades de nos fazerem dizer “Oh” e batermos palmas, mas estamos meio insensíveis para isso de tão habituados que estamos. Quem poderia imaginar que já se pode implantar uma cabeça no tronco de pessoa diferente, ou até da mesma, se a pessoa for degolada, que estamos quase prontos para irmos a Marte, que as doenças que atazanaram a vida da humanidade estão quase todas extintas, e que ainda não conseguimos decidir a questão do aborto, o uso de maconha, a eliminação das gangues das drogas, os roubos na administração pública, qual dos deuses é realmente o único neste planeta?



Estamos deveras insensíveis, e continuamos fazendo as mesmas perguntas. Oh, muitos Oh e palmas só para platéias educadas em programas de TV para dizerem que estão agradando, e mesmo assim em programas de calouros, ou de apresentadores de programas, os ídolos da sociedade amorfa e anônima. Somos uma Pátria Educadora de quê?

Mas no fundo há sempre um prazer oculto em todos nós que nos redime das amarguras... A certeza que passamos a perna nos marcianos. Vamos chegar na terra deles antes deles terem chegado aqui...

® Rui Rodrigues