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segunda-feira, 15 de junho de 2015

anjos, demônios e outros bichos sem gênero


Não sou desses de acreditar em fantasmas de qualquer sexo, lobisomens de qualquer sexo, múmias vivas de qualquer sexo, bruxas ou bruxos, zumbis de qualquer sexo, e até já me perguntei porque razão algumas destas avantesmas não têm sexo definido. Somos obrigados a dizer fantasma fêmea, zumbi fêmea. Para anjos também ainda não existe o feminino anja. Vejo-me obrigado a adicionar a palavra ao dicionário. Então, lá pelos meus nove anos ainda rezava ao meu “anjo da guarda”, mas os meus hormônios já me puxavam para o lado das revistinhas onde aparecia mulher nua. Até perguntei a uns colegas do catecismo se sabiam que anjos da guarda tinham, se já tinham visto alguns. 

O Zé do porteiro, porque era filho do porteiro, disse-me com ares superiores que o sexo do anjo não importava. Eu já achava que não, de modo que continuei minhas pesquisas e fiquei espantado. Ninguém tinha visto ainda um anjo da guarda. Como era isso possível que, além de não se ver Deus, não se viam os santos, nem os anjos... Não se via nada daquilo em que queriam que acreditássemos. Foi então que li uma passagem da Bíblia da qual me ficou apenas o resumo: “Ver e crer como São Tomé”, e a partir daí, passei a acreditar apenas no que via ou no que alguém, conhecido, credível, dissesse que tinha visto. E mesmo assim, esperava sempre uma oportunidade em que eu também pudesse ver para confirmar, não fossem me enfiar uma patranha, como aquela das “luzes de Santa Eufêmia”, que passavam pelo caminho entre minha terra e uma outra chamada Viso, uma descendo a serra e outra subindo, e que paravam por instantes frente a uma capela e depois desapareciam. Nunca as vi. Lá na terra diziam que existiam e que já as tinham visto.
 As luzes eram das almas de dois almocreves que se mataram um ao outro ali mesmo, onde existe a tal capela. A caminho das festas do Viso, montanha acima, dá uma sede danada. Pois lá está a capela, e nem um cano de água para matar a sede dos peregrinos que vão à festa. Para mim, aplicaram equivocadamente o dinheiro ou da igreja, ou do povo que a construiu. Deve ser herança celta, estas crenças, porque também havia uma casa no “largo do senhor” que diziam, era habitada por um fantasma não sei de que sexo. Parece que era masculino, o fantasma. Nunca o vi também, nem ouvi os passos com grilhões de ferros amarrados nos pés que outras crianças da aldeia diziam ouvir. Não posso deixar de referenciar Mark Twain e seus pequenos e simpáticos personagens, Tom Sawyer e Huckleberry Finn que também passaram por essa prova da existência de fantasmas. Não há fantasmas. Nem extraterrestres. 
Essas idéias saíram da imaginação de gente muito interessante, que decidiram criar medo nos outros, até como diversão. E vampiros? Claro que não existem vampiros. “Morreu, tchau e benção”. Um amigo meu que morava na cidade e foi de férias à minha terra, nunca tinha visto a vida no campo e o leite era ainda engarrafado, se lhe falassem numa vaca que dava leite diria que vacas eram de vidro, redondas e tinham tampa. Chegaram ao entardecer e depois de jantar e uma conversa, fomos dormir com a recomendação de rezar ao anjo da guarda. Claro que lhe perguntei se tinha visto algum, e disse-lhe o que todos diziam: Que tinham asas com penas brancas. No dia seguinte logo pela manhã, uma algazarra, e lá vem o garoto gritando: Peguei um anjo, peguei um anjo!... Era a Matilde, uma galinha branca que tínhamos no quintal em meio a outros “anjos” de penas. Tal é a crença nos anjos da guarda. Mas, como crenças são crenças, cada um tem a sua. Mas tive sim, dentre outros, um anjo da guarda chamado Zé. Simplesmente Zé. Não era meu empregado, nunca lhe fiz favor nenhum. Ele se ofereceu para ser meu segurança na obra. Ele e mais vinte, pelo que me disse. Perguntei-lhe porquê. Disse-me que era pela forma como eu tratava o pessoal. Para ele e os outros não custava nada. Obra é um lugar perigoso onde tanto se arranjam amigos como inimigos.
 E muitas vezes por absolutamente nada. Nunca soube porque o elevador de obra caiu num sábado do sétimo andar até o primeiro subsolo, e assim mesmo porque logo que começou a despencar éramos dois a puxar o freio que estava por cima de nossas cabeças. Não foi o Zé que me cuidou, fomos dois puxando o freio. Se houve ou não intenção, nem quero saber, mas passei a evitar o elevador. Nem foi demônio macho ou demônio fêmea que fez soltar o cabo. Subia pelas escadas e isso me deu condicionamento físico excelente. Vinte e sete andares todos os dias várias vezes ao dia. Deu-me também mais um incentivo a meu espírito de programação: para evitar subir mais vezes ainda, programava tudo o que tinha que fazer em cada viagem antes e depois do almoço. As outras eram de emergência.




® Rui Rodrigues         

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