Não sou desses de acreditar em fantasmas de qualquer sexo,
lobisomens de qualquer sexo, múmias vivas de qualquer sexo, bruxas ou bruxos,
zumbis de qualquer sexo, e até já me perguntei porque razão algumas destas
avantesmas não têm sexo definido. Somos obrigados a dizer fantasma fêmea, zumbi
fêmea. Para anjos também ainda não existe o feminino anja. Vejo-me obrigado a
adicionar a palavra ao dicionário. Então, lá pelos meus nove anos ainda rezava
ao meu “anjo da guarda”, mas os meus hormônios já me puxavam para o lado das
revistinhas onde aparecia mulher nua. Até perguntei a uns colegas do catecismo
se sabiam que anjos da guarda tinham, se já tinham visto alguns.
O Zé do
porteiro, porque era filho do porteiro, disse-me com ares superiores que o sexo
do anjo não importava. Eu já achava que não, de modo que continuei minhas
pesquisas e fiquei espantado. Ninguém tinha visto ainda um anjo da guarda. Como
era isso possível que, além de não se ver Deus, não se viam os santos, nem os
anjos... Não se via nada daquilo em que queriam que acreditássemos. Foi então
que li uma passagem da Bíblia da qual me ficou apenas o resumo: “Ver e crer
como São Tomé”, e a partir daí, passei a acreditar apenas no que via ou no que
alguém, conhecido, credível, dissesse que tinha visto. E mesmo assim, esperava
sempre uma oportunidade em que eu também pudesse ver para confirmar, não fossem
me enfiar uma patranha, como aquela das “luzes de Santa Eufêmia”, que passavam
pelo caminho entre minha terra e uma outra chamada Viso, uma descendo a serra e
outra subindo, e que paravam por instantes frente a uma capela e depois
desapareciam. Nunca as vi. Lá na terra diziam que existiam e que já as tinham
visto.
As luzes eram das almas de dois almocreves que se mataram um ao outro ali
mesmo, onde existe a tal capela. A caminho das festas do Viso, montanha acima,
dá uma sede danada. Pois lá está a capela, e nem um cano de água para matar a
sede dos peregrinos que vão à festa. Para mim, aplicaram equivocadamente o
dinheiro ou da igreja, ou do povo que a construiu. Deve ser herança celta,
estas crenças, porque também havia uma casa no “largo do senhor” que diziam,
era habitada por um fantasma não sei de que sexo. Parece que era masculino, o
fantasma. Nunca o vi também, nem ouvi os passos com grilhões de ferros
amarrados nos pés que outras crianças da aldeia diziam ouvir. Não posso deixar
de referenciar Mark Twain e seus pequenos e simpáticos personagens, Tom Sawyer
e Huckleberry Finn que também passaram por essa prova da existência de fantasmas.
Não há fantasmas. Nem extraterrestres.
Essas idéias saíram da imaginação de
gente muito interessante, que decidiram criar medo nos outros, até como
diversão. E vampiros? Claro que não existem vampiros. “Morreu, tchau e benção”.
Um amigo meu que morava na cidade e foi de férias à minha terra, nunca tinha
visto a vida no campo e o leite era ainda engarrafado, se lhe falassem numa
vaca que dava leite diria que vacas eram de vidro, redondas e tinham tampa.
Chegaram ao entardecer e depois de jantar e uma conversa, fomos dormir com a
recomendação de rezar ao anjo da guarda. Claro que lhe perguntei se tinha visto
algum, e disse-lhe o que todos diziam: Que tinham asas com penas brancas. No
dia seguinte logo pela manhã, uma algazarra, e lá vem o garoto gritando: Peguei
um anjo, peguei um anjo!... Era a Matilde, uma galinha branca que tínhamos no
quintal em meio a outros “anjos” de penas. Tal é a crença nos anjos da guarda.
Mas, como crenças são crenças, cada um tem a sua. Mas tive sim, dentre outros,
um anjo da guarda chamado Zé. Simplesmente Zé. Não era meu empregado, nunca lhe
fiz favor nenhum. Ele se ofereceu para ser meu segurança na obra. Ele e mais
vinte, pelo que me disse. Perguntei-lhe porquê. Disse-me que era pela forma
como eu tratava o pessoal. Para ele e os outros não custava nada. Obra é um
lugar perigoso onde tanto se arranjam amigos como inimigos.
E muitas vezes por
absolutamente nada. Nunca soube porque o elevador de obra caiu num sábado do
sétimo andar até o primeiro subsolo, e assim mesmo porque logo que começou a
despencar éramos dois a puxar o freio que estava por cima de nossas cabeças.
Não foi o Zé que me cuidou, fomos dois puxando o freio. Se houve ou não
intenção, nem quero saber, mas passei a evitar o elevador. Nem foi demônio
macho ou demônio fêmea que fez soltar o cabo. Subia pelas escadas e isso me deu
condicionamento físico excelente. Vinte e sete andares todos os dias várias
vezes ao dia. Deu-me também mais um incentivo a meu espírito de programação:
para evitar subir mais vezes ainda, programava tudo o que tinha que fazer em
cada viagem antes e depois do almoço. As outras eram de emergência.
® Rui Rodrigues
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