1. Um Oh
há 2.200 anos.
Já
imaginaram a sensação de um grego dizer em praça pública: Eureka... Eureka...
Eureka... Descobri que um corpo sólido jogado numa banheira transbordante
transvaza uma quantidade de água exatamente igual ao seu volume. Isto dito
assim de repente lá em Siracusa, há 2.200 anos atrás, no meio da rua, deve ter
provocado gritos de “cruz, credo”, ou o raio que o valha, porque ninguém tinha
pensado nisso nem sabia para que servia. Mas o que mais se ouviu foi “Oh!” bem
exclamativo, mas no fundo com a mesma intenção de “cruz credo” e o significado
interrogativo de “ Para que serve isso?”.Houve quem dissesse: - Olha... É o
maluquinho do Arquimedes! E nem ganhou nenhum prêmio Nobel. Pergunte numa roda
de quadradinho de oito se alguém sabe quem foi Arquimedes e o que descobriu. Mas
sabem que podem mudar os seios e a bunda com implante de silicone, e que há
produtos para deixar os músculos tão arretados que o mulherio vai chover mais
que na horta do Venceslau, que também ninguém sabe quem é e até mora nas
redondezas. Se alguém disser “Eu sei”, passa por ser alguém “que se acha” e
quer aparecer no meio como sabichão. Nunca mais fará amigos no meio.
Mas
mais “Oh”, foram aparecendo desde então. Não muitos, é verdade, mas foram
aparecendo de vez em quando.
2. Um Oh
bem molhado há 700 anos.
Diziam
que a Terra era redonda. Diziam. A maioria pelas ruas comentava:
-
Ouvi dizer que a Terra é redonda, mas ninguém ainda provou... Só quero ver! Não
vão provar nunca!
-Quem
disse?
-
Um tal de Nicolau Copérnico, dizem uns, Galileu Galilei, outros, Giordano Bruno
outros ainda, mas os padres já os mandaram calar. São hereges!
(E
note-se que ainda hoje há quem diga que nunca pisamos na Lua...).
Então,
um belo dia veio a notícia para dirimir todas e quaisquer dúvidas. Outro
maluco, este português, saiu com umas caravelas penduradas ao pescoço e deu a
volta à Terra. Infelizmente morreu no caminho e foi um tal de Sebastião Del
Cano que acabou chegando ao mesmo ponto de partida.
Pelas
ruas, praças e campos do mundo, muita gente se benzeu e disse:
-
E então as tartarugas que sustentam a terra pra onde foram? Não as encontraram?
Vão ver... Comeram-nas para não morrerem de fome... Uma viagem tão longa
assim... Mas muitos disseram: Oh!... Com a boca bem aberta. Mas no fundo todos
penaram: Tá... E daí? A Terra é redonda, mas para que serve isso? E não faltou
quem julgasse:
-
A Terra sempre foi uma placa grossa sustentada por tartarugas. Se ficou redonda
foi só agora. Amanhã as tartarugas voltam a sustentá-la. São uns hereges!
E
começaram a aparecer uma porção de Oh, nos anos seguintes. Estava-se na
Renascença e a ciência tinha pressa, e mesmo sendo hereges, foram sendo aceitos
pelos padres. Alguns padres se transformaram em cientistas.
3. Um Oh
de 70 anos atrás.
Já
há muitos séculos se dizia que a matéria, essa coisa dura onde pisamos, que
trabalhamos para fazer objetos, desfeita à marretada iría chegar a um ponto que
seria apenas pó. A partir daí não se poderia dividir mais. Era um átomo puro.
Se fosse pó de vidro a menor partícula era um átomo de vidro, se fosse de sabão
era um átomo de sabão... Quem disse isso foi um sujeito inteligentíssimo
chamado Demócrito, mas ele não podia saber ainda que mais tarde descobririam
uma nova ciência chamada Química. Isso que ele descobrira era apenas um grupo
de moléculas de sabão, vidro ou de qualquer outro material, composto de vários
átomos diferentes. Também disseram que ele era louquinho de atar. Nem lhe deram
bola, ninguém fez “Oh”. Morreu sem a glória de um “oh”.
No
entanto, aquela sementinha do tal do “átomo” começou a fazer sentido para muita
gente, e Rutherford e Bhor conseguiram deixar todos os alquimistas na rua da
amargura ao descobrirem as propriedades dos átomos, e isolar uma porção deles.
A Química moderna começava a dar os primeiros passos, a perfumaria francesa a
prosperar. Antes deles, o que a cerveja, o vinho e o Whisky continham era
“espírito” porque deixavam nosso espírito mais alegre. A partir deles o que
continha mesmo era álcool puro diluído. Então apareceu a cachaça. Mas Albert
Einstein foi ainda mais longe. Muito longe. Descobriu que o átomo é energia
pura, concentrada, unida por forças tão fortes que é impossível separar suas
partes - os prótons nêutrons e elétrons - sem uso de forças imensas, incapazes
de serem produzidas em laboratórios, oficinas, fábricas. Para separar esses
átomos é necessário usar materiais que só por si já emitem partículas
naturalmente, os materiais radioativos como o Urânio e o Plutônio.
Muitos
se perguntaram para que serviria isso...
E
um ‘Oh” dilacerante, como um urro de fera ferida, se escutou pelo mundo inteiro
quando duas bombas nucleares foram detonadas no Japão há quase exatos 70 anos. Seria
estupidez nossa estabelecer uma comissão da verdade para julgar os que mandaram
os primeiros cientistas para uma fogueira por apenas falarem verdades que
soaram como bombas, ou cientistas que fabricaram as bombas atômicas, ou até
pelos que as lançaram.
A
partir daí todos os dias temos novidades de nos fazerem dizer “Oh” e batermos
palmas, mas estamos meio insensíveis para isso de tão habituados que estamos. Quem
poderia imaginar que já se pode implantar uma cabeça no tronco de pessoa
diferente, ou até da mesma, se a pessoa for degolada, que estamos quase prontos
para irmos a Marte, que as doenças que atazanaram a vida da humanidade estão
quase todas extintas, e que ainda não conseguimos decidir a questão do aborto,
o uso de maconha, a eliminação das gangues das drogas, os roubos na
administração pública, qual dos deuses é realmente o único neste planeta?
Estamos
deveras insensíveis, e continuamos fazendo as mesmas perguntas. Oh, muitos Oh e
palmas só para platéias educadas em programas de TV para dizerem que estão
agradando, e mesmo assim em programas de calouros, ou de apresentadores de programas, os ídolos da sociedade amorfa e anônima. Somos uma Pátria Educadora de quê?
Mas no fundo há sempre um prazer oculto em todos nós que nos redime das amarguras... A certeza que passamos a perna nos marcianos. Vamos chegar na terra deles antes deles terem chegado aqui...
®
Rui Rodrigues
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