1. Câmara “um”
focada na cidade. A cidade não tem focas, o esclarecimento é para quem precisa
nesta Pátria Educadora. “Brasil... Aqui não precisa de educação”. Porquê?
Porque “Brasil... Aqui tem educação”, já tem!... (Repórter reporta numa
reportagem com sua voz grávida de homem grávido).
“Carros,
ambulâncias, ônibus e carros “patrulha” da polícia, todos com buzinas e
sirenes; prédios, e pessoas enchendo ruas e praças; sinais de trânsito,
vitrines e shoppings nos obrigando a parar e olhar; aviões, avionetas,
helicópteros e asas delta no obrigando a levantar a cabeça para ver se estão
caindo; ouvidos enormes, olhos esbugalhados e pernas para fugirem de balas
perdidas; serviços básicos muito caros, impostos caríssimos, inflação
altíssima, remédios pela hora da morte, gente morrendo em fila do SUS, casas do
“minha casa minha vida” se transformando em “minha casa meu negócio”, morros
pacificados são comunidades não pacificadas, as drogas são negócio, o craque é
de crack e o crack é de craques. Na propaganda as granas destinadas são trilhonárias,
mas não chegam nem milionárias aos seus destinos. O que é não parece, o que
parece não é, o que será que será que não parece e é, que parece e não é, será
sexo ou será política?”
2. Câmara “dois”,
focada numa arrebentação de ondas na Praia do Pontal do Peró, onde conversam
discreta, pacífica e tranqüilamente um siri e uma Maria Farinha (MF), ao nascer
do sol. (Repórter reporta numa reportagem com sua voz grávida de homem grávido
dizendo: Olha gente, que coisa mais linda e sensível que escutamos na
tranqüilidade da praia do Peró).
MF – Que belo amanhecer, siri... Que
mundo é este de praia tão lindo... Se tivesse mais comida até que poderíamos
ser em maior número, mas somos muito poucas e temos que nos esconder em
buracos...
Siri – É linda a praia e belo o
amanhecer... Que a paz reine entre nós... Só somos mais porque nos comem mais
do que a vocês! Não temos como fazer buracos, o que podemos fazer é espadanar
umas areias em cima de nós para nos camuflarmos. Este mundo é muito pequeno!
- Engano
seu, siri... Daqui posso ver o mar e é enorme. Onde vivo é só uma faixa de
terra imprensada entre o mar e “eles”, os humanos.
- Vocês
vêem muito MF, mas sabem pouco da nossa vida. Não podemos penetrar muito longe
no mar. Só perto das ondas. Nossa “praia” é menor que a vossa.
-Pode
ser, siri. Nunca vamos para o mar, não sabemos o que tem por aí. Você sabe?
- Mais
ou menos. Eles vêm para cá quase nus, trepam dentro d’água e jogam camisinhas
no mar, uns plásticos que engasgam até tartarugas e pingüins.
- Aqui
na areia, siri, fazem o mesmo. Já assisti a muitas cenas de sexo. Vi tudo,
porque eles têm tanta pressa que nem vêem o que tem por baixo. Fazem sexo até
por cima dos buracos de nossas tocas. Assim na lata. E alguns ainda se injetam
com substâncias que nos deixam em transe.
- Como
em transe, Maria Farinha?
- Um dia
destes, uma seringa ficou vazando e experimentamos o sabor daquele líquido. Ficamos
em transe, sem comer durante três dias, vendo coisas que não entendemos bem,
nem reconhecemos, mas tão cheias de “nada” que foi o nada que nos emocionou
mais. O nada deve ser como a morte: Uma tranqüilidade sem nada que perturbe.
Aquilo é uma droga...
- Então
droga é bom, Maria?
- Pra
nós não foi, mas para eles que não entendem nada, o que é bom é ruim e o que é
ruim é bom. Se todo mundo sobe, acham que é ruim e passam a descer. Se todo
mundo desce, eles passam a subir. Eles contestam muito porque precisam lutar
contra alguma coisa nem que sejam fantasmas. São muito complicados. Vai tudo
bem? Eles mudam tudo para começar a ir mal, depois se arrependem e querem mudar
novamente, mas tem sempre alguém que inventa algo novo para mudar novamente
noutra direção.
- Já
sei... Li num jornal velho que deu à praia, batido pelas ondas... As barricadas
de Paris, pedindo liberdade, fraternidade e igualdade. Nós somos iguais, Maria
Farinha? Acho que somos parecidos, mas iguais não somos... Somos?
- Se é
por comermos carniça, somos todos iguais, menos os japoneses que comem até
peixes vivos. Todos comemos carne morta, meu amigo siri... Até os urubus da
praia. Tem que matar para comer... De resto, a não ser os japoneses, somos
todos iguais... Lutamos para comer, crescer, engordar e morrer o mais tarde
possível. A propósito, siri!... Pára de ficar disputando comigo a carne morta
da praia...Você e sua família têm o mar todo, e eu só a praia...Não posso
entrar no mar...
– Nem eu
na praia, Maria Farinha...Como fazer para vivermos em paz?
- Eles
têm armas, bombas, inventaram gaivotas metálicas que atiram bombas, tubarões
metálicos que atiram torpedos explosivos, e umas gaivotas do tipo mergulhadoras
que em vez de mergulhar, sobem aos céus em vôo picado e fazem explodir bombas
atômicas que destroem tudo... Você crê que temos que recorrer a uma corrida
armamentista para resolver nosso caso de área de alimentação? Vai... Fala,
siri...
- Não...
Não precisamos de tanto. Basta que se não houver comida se transe menos, e
assim podemos controlar a população para a disponibilidade de comida... Já eles,
os humanos, trepam e fazem filhotes como se quisessem encher a praia de gente.
Cada vez nos invadem mais a praia. Imagina que para se divertirem estão
atirando balas perdidas em gaivotas de verdade. Não as podemos comer porque
atiram quando elas estão paradas na praia. Vocês é que as comem. Nós não.
Deveriam gostar deles porque vos proporcionam comida grátis.
- Olha
quem fala, siri... E quando os pescadores vêm para a praia, pescam peixes de
tudo que é tamanho e os deixam morrer na praia porque são menores de idade?
- É...
Na verdade tiramos certas vantagens dos pescadores, mas vocês também... As
ondas levam os peixes mortos para cima, para o topo das areias até onde as
ondas podem alcançar e deixam os cadáveres dos peixes “neném” ao vosso alcance.
Não vem com essa que só nós, os siris, temos vantagem.
- Vamos
fazer amor, siri?
-
Vamos... Mas preciso saber se você usa silicone, batom, todas essas coisas que
não me deixam saber se você é como é, ou se é diferente... Gosto de você assim
cabeluda como é. Gosto de acordar sabendo com quem dormi, e com a certeza que
se arrumou só para mim, e não para o resto dos machos de sua espécie, como vejo
de montão aqui pela praia.
- Uma
pergunta: Vocês trepam entre o mesmo gênero?
- Às
vezes... Depende da vontade, na base do “não tem tu, vai tu mesmo”, por
engano... O mais fraco não tem opção e se deixa penetrar. Depois fica tão
moralmente “fraco” que qualquer outro o penetra. É como transar com
criancinha...
3. Câmara três – Focando
na repórter – ou no repórter – bonitinha(o) que é burra(o) como uma porta e que
“apresenta” o trabalho duro das(dos) demais repórteres – de quem deveria ser
realmente o mérito - só porque é mais bonitinha ou deu para o diretor do
programa.
Repórter
gostosuda (o)- Como
puderam assistir a esta fábula de Esopo, em que os animais falam, nós que somos
animais sem “introjectarmos” que somos animais de verdade, também falamos igual
a eles. Trepamos por vontade de gozar enquanto eles trepam sem saberem porque
razão trepam, mas gozam. Capaz de ser gostoso para eles, senão não trepariam,
mas independentemente disso, gozem com novelas porque quem não tem com quem
gozar, goza vendo o prazer dos outros. Nós não mostramos por ser uma cena muito
violenta, mas chegaram à praia alguns farofeiros, e apanharam a Maria Farinha e
muitos de seus familiares. Cozinharam ali mesmo na praia, juntaram farofa e uns
temperos e as comeram assim mesmo, sem saberem que tinham trepado minutos antes
e se preparavam para procriar. Um outro grupo, munido de puçás, invadiram as
ondas da praia e caçaram siris até quase a extinção, a maioria fêmeas prenhes
cheias de ovas.
Depois
que comeram, eles, ou seja “eles”, deitaram-se na praia e discretamente
foram-se despindo, e começaram a trepar, enfiando-se, trepando, uns com
camisinha, outros sem camisinha, mas com a certeza quase certamente incerta de
não procriarem. Inocentes pulgas da praia transavam freneticamente para
procriarem, sem saber que um dia serão caçadas para alimentar os humanos.
Tatuís faziam o mesmo, mas estes sabiam que os farofeiros os caçavam para os
cozinharem com temperos e farinha de mandioca, a preferida da presidente do
país.
Ainda
hoje se discute quem herdará a Terra. O ser humano não será. Ficou muito
sofisticado e exigente, não olha ao redor, não percebe onde vive, passa o tempo
no celular e nos shoppings, seu mundo é virtual. Trepam desesperadamente por
prazer, até de trair, e a natureza só observa. Nunca se preocuparam em
descobrir a “fala” dos demais seres vivos que habitam o mesmo planeta. A
maioria deles já conseguiram extinguir. Fazem ensopado de tudo que podem.
® Rui
Rodrigues.