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terça-feira, 7 de julho de 2015

Quatro histórias entre amor e traição



Podemos sempre nos perguntar até que ponto um pequeno fator, como por exemplo, uma temporária situação econômica, pode afetar um relacionamento ou como ele pode ser afetado por que um dia se esqueceu a data de aniversário da mulher amada e até mesmo se o que afetou o relacionamento, foi apenas esse lapso de memória ou uma soma de outros fatores. O que não se tem questionado em si, é o amor, o que ele significa. Parece que quando falamos em amor todos temos o mesmo sentimento do que isso possa ser. Pensando melhor, podemos questionar sim, porque amor não significa a mesma coisa para todos nós. Há sempre um ponto de discórdia. Amor não é absoluto e não é gratuito. Assim parece. Muda de lugar para lugar, de época para época do ano e da história, de pessoa para pessoa, e é impossível conhecer todos os tipos de amor que existem neste mundo. E amor não é nada “particular”. O que é “particular”?  

  1.  Cabo frio, Junho de 2009.


Era inverno, quando os hormônios masculinos e femininos mais pedem para se unir, ficar junto, unirem-se, buscando o calor do verão que agora faz falta. No supermercado só tinha menina bonita para os padrões da cidade. Carolina com seus 17 anos não precisava trabalhar para os “outros”. Seu pai tinha um pequeno negócio que lhe permitia a ela e à mãe viverem com tranqüilidade. O pai, separado, mantinha duas casas. O irmão tinha um táxi, e embora morasse sozinho, sempre ajudava. Carolina queria ter sua própria vida independente e foi procurar emprego. A melhor oportunidade que encontrou foi num supermercado, aquele mesmo, no centro da cidade, onde agora estava aguardando a entrevista. Na sua frente havia mais duas concorrentes ao posto de menina de balcão de laticínios, doces, e outros artigos de maior cuidado. Olhando-as de alto a baixo, e imaginando que só houvesse uma vaga, tranqüilizou-se. Nenhuma das duas tinha um corpo mais bem delineado que o dela, nem eram tão bonitas, nem tinham a mesma postura. O lugar seria seu. Ela sabia o quanto era importante ter boa apresentação, ser bonita e simpática para lidar com o público. Foi contratada. Logo no segundo dia viu uma colega do supermercado, uma das caixas, entrar no reservado dos banheiros acompanhada do rapaz do açougue. Trocavam olhares discretos de conivência e notava-se em seus olhares que havia “um caso” entre eles. Ficaram lá por uns bons dez minutos. Na hora do almoço as duas conversaram. A moça pediu a Carolina que não contasse nada para ninguém porque embora todo mundo fizesse isso ali dentro, ninguém deveria falar do assunto. Nem era preciso pedir. Carolina se lembrava do dia em que transou pela primeira vez, quando tinha quatorze anos, mais por curiosidade do que por vontade. Queria saber como era. Não foi o que pensava que seria, pelo que ouvia falar. A vontade de continuar transando veio depois. Era o momento, o envolvimento, os beijos, o tocarem-se mutuamente, sentir-se ficar úmida entre as pernas, perder a noção do tempo e do lugar, uma vontade que agia como droga. Precisava de mais. O problema era pegar alguma doença ou ficar grávida. Claro que usava camisinha, mas houve oportunidades em que era ali ou nunca mais. Até então tinha tido sorte. Só ficara grávida uma vez quando tinha 16 anos. Casara e se separara. O marido era mais velho que ela. Ele largara a mulher por sua causa e ela o largara porque se enchera dele. Havia pelas ruas rapazes mais jovens, até bem de vida, que a olhavam com olhares de desejo. Como lhes dizer não, se não havia conseqüências? Gostava que a cortejassem, de sentir-se desejada. Para ela não havia traição alguma em ter outros relacionamentos fora do relacionamento principal. Sexo era uma questão de vontade e oportunidade sem outras conseqüências. Não casou novamente. Isso não, mas agora, já em 2015, vive de modo muito confortável com o gerente do supermercado que a admitiu. Claro que de vez em quando não resiste a um olhar, mas é tudo muito rápido, num piscar de olhos, pouco mais de meia hora, quando mata uma ou outra aula de um curso que está fazendo num estabelecimento de ensino que fica fora da cidade, bem ao lado de um Motel. Muitas vezes falou com sua mãe perguntando como seria o amor tempos atrás, nos tempos de sua juventude antes de casar com o pai. As duas se perguntavam como seria o amor até em outros tempos de que ouviam falar em livros, vendo fotografias antigas. Para a mãe, sempre fora a mesma coisa. A diferença estava no modo como se entendia o amor. 

  1.  Londres, junho de 1942.  


Era verão, quando os hormônios masculinos e femininos mais clamam por união. Caíam bombas em Londres todos os dias. Os bombardeiros alemães apareciam de repente sobre o canal de Dover e avançavam sobre Londres despejando bombas de arrasar quarteirões. As sirenes tocavam sons que mais pareciam gemidos de dor gritados por moribundos. Quando se ouviam algumas pessoas caminhavam tranqüilamente para os abrigos, mas sempre havia gente que chegava correndo atrasada. Poucos não chegavam a tempo. Caroline [1] e Thompson conheceram-se no abrigo que ficava ali na King William Street. O marido de Caroline andava na guerra, embarcado num vaso de guerra comboiando navios mercantes no Atlântico. Passava meses sem ir a casa. Caroline, num país em regime de guerra, com todos os bens limitados á disponibilidade de cupons, trabalhava num escritório do Almirantado ligado à Inteligência. Isso a mantinha de certa forma mais ligada ao marido, porque sabia exatamente onde seu navio estava. Notícias de afundamentos de navios eram constantes. A vida na Inglaterra só tinha uma certeza: Era preciso sobreviver para poder garantir a existência do povo inglês, livre da ocupação nazista. Qualquer outro pensamento era uma precariedade. Nada estava garantido nem a própria vida. A vida poderia durar décadas, um ano mais, meses, dias, ou apenas horas. Muitas vezes o viver dependia apenas do fator sorte. Não estar no caminho de uma bomba. Thompson trabalhava ali perto e era a segunda vez que se encontrava com ela. Aquele ataque alemão iría demorar. Resolveram ficar os dois, deitados lado a lado, perto dos banheiros. Tinha sido uma sorte terem ficado na própria estação. Assim sairiam logo que o ataque acabasse. Thompson então lhe contou que partiria daí a um par de semanas para uma missão. Era piloto de avião e seria deslocado para um porta-aviões que atuaria no Mar do Norte. Falava-se muito num vaso de guerra alemão, o Bismarck. Thompson desconfiava que essa seria a sua missão. Volta e meia sentiam o piso tremer. Eram as bombas explodindo lá fora. Parece que o desejo ou o amor tem uma noção perfeita do tempo. Os dois não tinham tempo nenhum. Nem Thompson nem Caroline perceberam quando começou o desejo ou a concessão a si mesmos. Porque não? Quando sentiram a primeira bomba explodir, Caroline teve a intenção de encaminhar sua mão para a de Tom, mas se conteve. Tom percebeu o movimento e desejou que ela o repetisse se mais alguma bomba caísse. Havia luzes tênues na estação que mal davam para ver alguma coisa, mas quando a segunda bomba caiu, nem Caroline nem Tom viram no olhar do outro um olhar de medo ou pesar. O que viram foi o desejo estampado no olhar, no rito dos lábios, nas sobrancelhas, nos músculos de seus rostos, e as mãos se buscaram, se entrelaçaram, os corpos se uniram, os lábios se beijaram. Nesse momento a guerra deu uma trégua, não existia, nada existia, a não ser um banheiro ali perto, longe dos olhares dos outros que se aninhavam nos trilhos dos trens do metrô. Do pensamento de Tom desapareceu a imagem de sua noiva, do pensamento de Caroline seu marido não fazia parte. Não havia pensamento, mas quando horas depois saíram da estação, com as ruas atulhadas de escombros, mas de uma nação ainda livre, Caroline não soube dizer-se a si mesma porque fizera amor com Tom. Ficou na duvida se por pena dele partir para o front e poder ter sido ela a ultima com quem ele fez amor, se foi para seu próprio prazer apenas. Perguntou-se o que era o amor e se ela estava muito avançada para a época ou se sempre teria sido assim tratado o amor. Essa foi exatamente a pergunta que Tom se fez. O que seria o amor?

  1.  Paris, Abril de 1792.


Era Abril... Primavera em flor, quando os hormônios masculinos e femininos se procuram inebriados e carregam os corpos para a celebração do amor. As putas mais famosas dos EUA vieram de França na época da corrida do ouro, e chegavam á Colônia americana normalmente na primavera ou no verão. Não eram famosas porque sendo francesas fossem menos puritanas que as demais mulheres do mundo, mas porque sempre trataram o amor como o vinho: Algo inebriante, que deve ser tomado com certo cuidado, mas que no momento certo tem que permitir total liberdade e evaporar até se esgotar naquele dia, inebriar, alegrar, divertir, e se entrar alguém amigo e não estranho, o sexo deve continuar como se quem entrou realmente existisse. Mulheres casadas faziam o amor através de um buraco aberto no lençol, para evitar o cheiro mútuo. Naquela época já era comum o uso de perfumes, mas o tomar banho quase que diariamente era quase que exclusivo das cortesãs, porque se davam muito e tinham que se limpar. Mulher casada que se banhasse muito podia ser confundida com as cortesãs. Mesmo sem banho, mulher casada estava sempre “limpa”, homem casado também. Somente aqueles que viviam naquela “imundície” e “promiscuidade” da corte, principalmente em Versailles, precisava lavar-se. Homem que se lavasse muito poderia ser olhado com a desconfiança de ser promiscuo. No livro “Shogum”, logo no primeiro capítulo, esta tendência a rejeitar o banho por toda a Europa, fica bem descrita e explícita. Caroline [2] era uma cortesã. Casada certamente, por consenso bem explícito, de que cortesã tinha sido enviada para a corte por seus dotes que compartia pela corte, e que o marido os consentia porque estava lá pelos mesmos motivos: Usufruir. Há sempre quem “usufrua” do marido, e quem “usufrua” da mulher, cada um “assistido” pelo outro. Marcel era o marido de Caroline. Naquele reinado de Louis XVI e sua esposa Maria Antonieta, a corte de Versailles estava radiante. Havia uma grande inflação, tudo custava mais caro a cada dia, a corte se divertia. Não havia muito para pensar na verdade. A única preocupação eram os mexericos na rua, criticando a corte, a luxuria e o luxo, as despesas exorbitantes, e o que o povo chamava de “pouca vergonha”, embora o desejo de todas as mães de França fosse ver seu filho ou filha fazendo parte da corte. Caroline sempre evitara ter seus encontros enquanto seu marido Marcel estivesse em tempo livre, exatamente a mesma atitude que Marcel tomava. Só tinha seus encontros amorosos quando tinha certeza que sua mulher estava nos aposentos da Rainha Maria Antonieta ou servindo-a em alguma viagem. Naquele dia, porém, com as árvores em flor na primavera, o tempo era diáfano. Havia uma luminosidade primaveril, um cheiro no ar provavelmente proveniente do polem das flores, sonhos e expectativas para o verão, que Marcel se descuidou e deixou cair um copo em presença de Louis XVI interrompendo-lhe o discurso para uma meia dúzia de nobres provincianos que o visitavam. Mostrando ser magnânimo e compreensivo, o rei com um gesto largo, indicou a Marcel o caminho da porta, deu-lhe um sorriso e disse-lhe que fosse para casa porque já tinha trabalhado bastante e merecia descansar. Este gesto do rei teve enorme impacto entre os nobres que o visitavam, mas teve um impacto ainda maior em Marcel, que foi para casa onde não era esperado. Encontrou a mulher, Caroline, na cama com outra mulher que ele conhecia bem e com quem já se tinha deitado. Eram amigas. As duas se beijavam, Caroline como que sentada na cama, de costas para a porta, fazendo movimentos para frente e para trás, a amiga beijando-lhes os seios e sua mão esquerda tocando-a por trás. Parecia que Caroline se sentava na mão da amiga. No primeiro instante Marcel ficou chocado. Depois ficou mais chocado ainda. Sua mulher cavalgava um homem, Pierre, seu amigo de infância ido para Versailles mais ou menos na mesma oportunidade que ele. A amiga de Caroline acariciava na verdade a amiga e o amigo. Marcel não teve oportunidade de falar nada. A amiga e sua mulher Caroline, olhos enlevados, sem pararem o que estavam fazendo, lhe fizeram um gesto para que ele se aproximasse e entrasse na cama junto com elas. 

  1.  Portugal, Abril de 1128.


Junho já não estava muito longe, mas já se falava sobre uma possível batalha, talvez no campo de São Mamede, entre os fiéis de Afonso Henriques, um garoto imberbe ainda de seus 13 anos, e as forças de sua mãe, fiéis á palavra dada em tempos de feudalismo religioso, a seus suseranos da Galiza. O jovem Afonso seguia o conselho de quem pensava no seu povo e não na palavra, seus conselheiros. Eles queriam a independência de Portugal contra a vontade dos suseranos e da própria igreja católica.

Carolina era a moça mais desejada de Lamego. Seus vestidos farfalhudos não conseguiam esconder as curvas de seu corpo, por mais que seus pais a obrigassem a usar vestidos que lhe “enchessem” o corpo e a fizessem parecer mais forte e larga. Amor, paixão, desejo, não se resumem a um corpo e um olhar. Fazem parte de um ritual impresso no cérebro de todo o ser humano que congrega todos os sentidos ao qual a emoção pergunta a cada um deles o que acha do que vê, cheira, ouve, degusta, tateia, sente. Amor, desejo e paixão são o resultado final de uma análise inconseqüente e inconsciente que tanto pode demorar segundos como meses, anos, até que transborde e se manifeste, nem sempre de modo a que se possa chamar de tradicional ou normal. Se Carolina tinha apenas 16 anos, já não era considerada muito jovem por aquelas épocas em que aos 45 anos em geral já se era considerado velho. Tomaz pouco mais tinha, beirando os 17. Um dia, por puro acaso, quando Tomaz cavalgava pela margem do rio Balsemão, parou seu cavalo para que ele se aliviasse um pouco e pastasse ervas frescas. Ouviu então vozes alegres femininas e o barulho de água sendo jogada, como se mulheres se divertissem por ali. Afastou uns ramos que lhe impediam a visão, e não pode mais esquecer aquele sorriso, aquele corpo semivestido, apenas com um corpete molhado que lhe faziam sobressair os seios, as pernas salpicadas de cabelinhos louros que brilhavam à luz do sol, como se fizessem parte da auréola de um ser angelical, virgem, que nem a religiosidade de pensar num ser angelical lhe impedia o desejo. Seu coração disparou a bater, como de corcel a galope, queria pensar, mas não podia. Não sabe como poderia ter sido tão desastrado, mas se deparou de repente não mais olhando e apreciando a beleza de Carolina, mas sendo olhado e apreciado por ela e sua amiga. As duas o olhavam á distância despertas talvez pelo relinchar do cavalo, ou por sua desastrosa posição que nem se prevenira em fechar os galhos da moita que tinha afastado para ver quem estava no rio. Elas não saíram do lugar, assim como confiantes em sua presença, e ele resolveu se aproximar. Conversaram meio a medo, não fosse o caso de outros olhares indiscretos que fossem contar na cidade de Lamego que as duas não eram decentes a ponto de falarem naquele estado com estranhos, o que acabaria por lhes impedir casamento com gente decente da terra e a ele, a anulação de sua vida obrigando-se, na melhor das hipóteses a partir da cidade para sempre. Carolina nunca tinha visto homem numa situação assim, Tomaz jamais vira uma mulher assim, com a roupa tão colada ao corpo que até o sexo se lhe via, fosse de que idade fosse. Só tinha desejos desde os quatorze anos que aliviava em suas idas ao rio, masturbando-se atrás das moitas. Não era diferente com Carolina que sonhava em ser possuída por um homem, um príncipe encantado e se masturbava pela noite entre suspiros e lençóis. Sua amiga estava na mesma situação. Sua ida ao rio só fora possível porque o abade e uma freira foram com elas, mas o abade disse que tinham algo a fazer, e saiu com a freira, dizendo que voltaria logo que resolvesse um assunto numa aldeia a um par de léguas. A amiga de Carolina afastou-se dos dois, a pretexto de ir vestir-se. Carolina ficou olhando Tomaz que a olhava. Não era preciso que falassem. Sentiam que não era necessário. Apenas se foram aproximando um do outro até se tocarem, se beijarem e se deitarem à borda do rio. Ela sabia que outra oportunidade como aquela não voltaria a ter tão cedo, a menos que combinasse com ele, agora que o conhecia. Ele sabia que dificilmente voltaria a vê-la. Então se amaram docemente entre suspiros, ali mesmo, à luz do sol, na natureza, ao som do marulhar da água do rio que apenas num pequeno ponto ficou vermelho. E foi tanto o desejo, já misturado com paixão, que voltaram a se amar. Carolina arriscava-se a ir para um convento e passar o resto da vida entre grades, entre suspiros e lençóis que ela mesma lavaria nas águas daquele rio. Mas nem ela nem Tomaz pensavam. Apenas faziam. Faziam... E jamais esqueceriam.

® Rui Rodrigues.      







[1] Lê-se “ Carôlaine”
[2] Lê-se “ Carrôlíne”.

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