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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Crônicas da Praia do Peró: O mundo e as conchas.


Montei um posto de observação da vida. Nela já fui desde “aprendiz” a “professor” e agora apenas a observo entre pinturas, fazer um móvel ou outro, cumprir compromissos inadiáveis e até dificilmente pagáveis, escrever, curtir a família quando é possível, cuidar de minhas galinhas que parecem falar, curtir a natureza. Afinal fiz por merecer. Dinheiro é o mínimo, mas pensando bem, como o usaria agora? Já conheço meio mundo, e pensar supre tudo. Em nossos pensamentos viaja-se ao passado, percorre-se o presente, desvenda-se alguma coisa da infinidade dos possíveis futuros, e até há tempo para qualquer coisa que se possa imaginar. Sou um grande domador de tempos, desde quando tive que programar as obras que eu mesmo iría gerenciar. Nunca falharam o prazo, nem a qualidade, e isto, dito assim, soa como prosápia, como gozação. Meus amigos sabem que é verdade. Criava-se motivação nas equipes, e que equipes que trabalharam comigo, ou das quais fiz parte, ou para as quais trabalhei... Mas não é o tema desta crônica que só foi crônica até este ponto. A partir deste parágrafo é outra coisa.

Percorremos a história universal, e o que vemos em termos de governos? Quem foram os “líderes” [1] que estiveram á frente de seus povos assumindo a responsabilidade de governar? Os melhores cientistas? Os mais filósofos? Os mais inteligentes? Os mais espertos? Os mais religiosos? Os mais artistas? Os melhores cantores? Podemos ler a história de qualquer país e veremos que se misturarmos todos estes ingredientes poderemos contar pelos dedos os que assumiram governos sendo filósofos, artistas, cantores, cientistas... Se é que houve algum. Vamos encontrar governantes entre os até inteligentes, mais entre os espertos, muitos religiosos, mas destes últimos só no passado e agora alguns poucos. No Vaticano há um que parece ser um bom sujeito; Muitos eram generais e ainda os há. O que podemos esperar deste mundo se são sempre estes que nos governam? Não podemos esperar muita coisa enquanto o permitirmos. A tal "Pátria Educadora" de hoje, é o Livro vermelho de Mao de ontem. Aliás, já foi até abolido. Sobram cópias em sebos da China. Mas a que propósito vem isto?


Vem da finalidade de nossa “luta” diária para tentar impor ou convencer quem nos cerca que nossa linha de pensamento é a “melhor”, porque achamos que “pensamos” muito bem e que devemos ter crédito entre aqueles com os quais convivemos. Aliás, foi por aí que comecei, lá em cima, quando disse que uma das atividades de minha preferência é a de pensar. Tive uma gata, a saudosa Sarkye, um cachorro que morreu de câncer, o Oréba, e algumas árvores. Nenhum deles precisa convencer ninguém de nada, viveram e vivem bem, o mundo para eles é um paraíso e nem lhes perguntem pelo inferno. Simplesmente não existe nada disso para eles. Simplesmente vivem. Bicam-se por comida, mas dormem juntos para se aquecerem. Árvores nem disso precisam. Mas então que trabalho é esse nosso de tentar convencer os outros de que nossos pensamentos são os melhores? A resposta pode estar num passeio á praia na maré baixa. Hoje voltei lá porque há dois dias tinha apanhado três grandes conchas vivas, para comer, dessas enterradas na areia e que mal cabem na mão (minha mão não é pequena). Como-as com arroz como se fosse um arroz de frango, mas com temperos adequados aos frutos do mar, ou cruas depois de limpas (estão sempre limpas. Basta tirar-lhes o bisso [2]). A melhor forma, porém, é numa panela alta colocar as conchas limpas com manteiga e alho cortado, um pouco de sal, sem água, e dar-lhes uma leve cozedura para não ficarem duras. Na medida em que for cozinhando (uns cinco minutos) deve sacudir-se a panela para que o molho envolva as conchas. Naturalmente elas se abrem durante o cozimento. Pode colocar ervas a seu gosto. Assim ao natural, na manteiga, parecem-me mais saborosas. Junto-lhes umas gotas de limão.

Hoje não encontrei nenhuma concha em meu pequeno passeio. Perguntei-me porque razão e comecei de cabeça a fazer as contas. Imagine-se que todo o dia fosse á praia e trouxe-se de lá três conchas, percorrendo cerca de 700 metros, numa faixa de areia na maré vazante, de cerca de 30 metros (que é a faixa viável para encontrá-las sem ter que mergulhar. São 21.000 metros quadrados e não conheço a faixa de habitat delas que pode até entrar mar adentro). Ao final de um mês, eu teria retirado 90 conchas daquele tamanho. Elas levam de seis a dez anos para crescer tanto. Nota-se pela cor dos anéis que as formam, de diversas colorações, muito provavelmente em função da quantidade de alimentos disponíveis e de sua composição. Feitas as contas com mais calma, já em casa, conclui que apenas eu, coletando 90 conchas por metro quadrado por mês, poderia acabar com a espécie em meia dúzia de anos. Não acabaria, porque sempre sobrariam alguns ovos e de tão pequenas nem as perceberia. Continuariam procriando, mas durante seis a dez anos não se encontraria nenhuma daquele tamanho.


Então agora já me pareceu que estaria a ponto de saber porque razão, ou razões, sempre desejamos que as demais pessoas com as quais nos relacionamos pensem de forma parecida á nossa. É uma questão de sobrevivência. Assim no “tu para tu”, caro leitor, se pensares como eu e comigo te identificares posso pedir-te um favor, ordenar-te que faças algo, e vice-versa, mas como há sutis diferenças na nossa forma de pensar, logo um estará “mandando” e o outro se enchendo de ser mandado por não entender que haja “compensação”. Assim como a praia e suas disponibilidades estabelecem e determinam quantas conchas podem existir por metro quadrado sem disputarem   alimento [3] assim também entre nós, neste planeta cheio de quilômetros quadrados se estabelece quantos de nós podemos existir sem ser “lado a lado”, disputando cargos, mercados, comida, espaço, dinheiro. Dizem alguns comunistas que dinheiro não é necessário. Certo. Que não seja então, mas mesmo sem a existência do dinheiro as disputas continuam por um favor a mais ou a menos, um cargo no governo, uma fatia de mercado negro, seja o que for.

Não há sensíveis diferenças entra a esquerda do PT e a do PMDB ou PSDB.

Lá em casa, durante a minha fase de aprendizado, antes de me soltar para o mundo, era costume dizerem-me: “Quanto maior a nau, maior a tormenta”. É verdade. Nada deve ser tão pequeno que não permita o crescimento, nem tão grande que o sufoque. Nossa Terra, nosso planeta, é do tamanho certo. Nós é que crescemos muito, talvez porque em dado momento histórico, resolvemos ser mais cooperativos, mais democráticos, mais compreensivos, mais “idênticos”. Isso ainda é muito bom, mas os movimentos que se vêm pelo mundo nos mostram que há forças crescentes que visam a diminuição da população. O processo como um todo, pode ser atribuído a grupos, nações, intolerância, e uma porção de nomes que vão desde o mais calão e falta de bom-senso, até o mais impregnado de filosofia, mas para mim, que andei lendo algumas coisas por aí, fica-me a sensação de que são apenas efeitos da natureza. Não apenas da “natureza” de que somos feitos, mas da natureza como um todo. A natureza é sempre equilibrada. Nós, Homo Sapiens, somos o fator de desequilíbrio da natureza. Puxamos para um lado e ela para o outro. Por falta de predadores nos depredamos.


Precisamos nos sintonizar de forma racional antes que o inconsciente coletivo nos faça destruir-nos uns aos outros para restabelecer o equilíbrio. É o emocional que nos faz produzir lindas obras e depois destruí-las, sempre por amor. Temos fartos históricos disso que não acontecem aleatoriamente, mas quando as “necessidades” da natureza se fazem imperar. Podemos até nos perguntar qual a razão de em Academias de Letras os Acadêmicos usarem um fardão com bainha, espada e talabarte, se a Academia é de letras e não de artes marciais.  

® Rui Rodrigues  





[1] Não gosto desta palavra "líder"... Na maioria das vezes é bajulação para conseguir alguma coisa com eles, ou para não destoar do meio em que se circula pela vida tentando sobreviver ou viver melhor.
[2] Filamentos que nas conchas bivalves servem para fixação nas rochas, parecendo uma raiz. Estas conchas da areia, no entanto, também possuem bisso. É possível que estejam em processo de evolução: Ou abandonaram seu habitat em rochas, ou recentemente criaram bisso para se adaptarem ás rochas. Darwin me negaria, ao não aceitar a “intenção de” no processo evolucionário. Eu acredito na memória e inteligência genéticas. Não sei  o que pensaria Jay Gould.
[3] Nunca vi uma concha brigar com a outra por causa de alimento. Elas “sabem” quantas cabem por metro quadrado, ou como parece comprovado, os predadores controlam a “criação” de conchas. Muitas conchas, muitos predadores, Muitos predadores menos conchas, menos conchas, menos predadores, 

sábado, 15 de agosto de 2015

O filósofo Sócrates e o Brasil atual.

Sócrates, o filósofo que sabia muito mais que todos, chamou a si, lá do fundo da alma toda a humildade que podia reunir e disse a célebre frase: “Só sei que nada sei”. Foi um dos principais fundadores da Democracia.
Mas desconfio que Sócrates era mais político do que filosofo, embora o sentimento da Democracia, posto a nu como sistema político, tenha sido de um brilhantismo e de um heroísmo impressionantemente fantásticos. Ganharia um Nobel hoje, com todo o merecimento. Ele era Grego.
Ainda bem que não veio nas caravelas do Cabral, porque se um filósofo do seu porte declarava que nada sabia, então quem se atreveria a dizer que sabia alguma coisa?  Seriamos um povo dominado pela humildade, admiração do mestre, e subserviência pela dúvida entre o certo e o errado.
Discordo de Sócrates e não me perguntem porque razão, mas quanto a mim, “Só sei o que sei, e há muitas coisas que não sei”. Há uma diferença, quase um abismo, embora também com humildade: Não nego o que sei que sei e não o junto politicamente com o que não sei, generalizando o que não é generalizável.

É por isso que minha visão do Brasil diverge talvez de muita gente. É que entendo o Brasil como uma nação que recebeu muito cedo um choque político e amadureceu em decorrência: De repente passou de colônia a Reino Principal de um Império, sem esforço algum, lutando uma guerra “externa” que nunca chegou aqui. Já vai longe a história, mas tentem imaginar a situação: A Europa se destruindo em guerras, destruição para todos os lados, e há um reino que luta por um dos lados, mas onde a guerra não chega...E mesmo a independência não foi uma “guerra”.[1] Dom João VI casou-se no Brasil, e mesmo depois da guerra terminar na Europa, não queria sair daqui. Nossa  idiossincrasia se instalou na forma de resolvermos nossos problemas pessoais, nacionais e internacionais de forma tranquila e democrática e permanece desde os descobrimentos até hoje. Mas não se enganem os aproveitadores da história e da nação: Somos um povo que sabe defender-se com garra e heroísmo.


Até 13 anos atrás éramos a inveja do mundo inteiro, a sexta economia, o povo mais feliz do mundo. Somos ainda hoje um “reino” onde os piores males do mundo parecem não chegar. Mas como pode isso acontecer?

Creio que se pode explicar.

Uma nação democrática se constitui basicamente de “governo, Povo e... Ambiente”. Sempre esquecem o ambiente quando definem uma nação. É tempo de falarmos do Ambiente como parte intrínseca, mas não é apenas o Ambiente da natureza. É mais do que isso. É o ambiente “geral” da nação, incluindo a economia, as artes, as ciências, as facilidades de locomoção, a eficiência dos serviços de segurança pública, de educação, de saúde públicas e tudo em geral de que depende uma nação para viver em paz, tranqüilidade, com ordem e progresso. E no nosso caso atual, o governo é “representativo”. Deve governar em razão da vontade da maioria, para atender seus principais e necessários desejos, e é pelo voto que se define quem é a maioria e a quem o governo deve “agradar” principalmente, sem esquecer jamais as minorias porque também são BRASILEIRAS.

Experimentalmente isto se constata pela forma normal e coerente de colocar uma garrafa em pé pela base e não pelo gargalo. O bom senso nos diz isso. Há muitos outros exemplos.Então, em relação ao pensamento de Sócrates, e considerando o exposto para fechar este tema, o que é que eu sei?
Não apenas sei que o PT e a base aliada desde que assumiram o Brasil, bonito por natureza, varonil de encantos mil, mudaram o seu ambiente político, a ponto de psicologicamente a nação se achar impotente. O estrago foi tão grande no ambiente geral, que gente boa se transforma em sádicos algozes, gente forte em masoquistas, o mal assola a nação, e nem vale a pena entrar em detalhes. A forma de pensar da população está mudando da paz para a raiva e a revolta, é a inconformação. Estamos nos tornando num povo mais belicoso, mais revoltado. Não são dores de crescimento, são dores de não crescermos como nação, a nossa que sempre foi das melhores do mundo.


Nem no futebol acertamos mais, e o funk destronou o samba. Um dia o desfile será de 'escolas de funk", mas aqui para nós, que se dane o futebol e o samba, que o que importa é vivermos bem. Vamos colocar essa garrafa em pé, pela base. É de água, cristalina, pura. Quando estiver em pé, pode tomar com toda a energia de forma segura, com muita educação para não se engasgar. Água é saúde!

® Rui Rodrigues  



[1] E a “ditadura” no Brasil foi das mais leves de todo o  mundo.  

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Crônicas do Peró - O Mundo tem suas redomas.





Todas as redomas do mundo são permeáveis. Sempre permitem que passe alguma coisa através de sua superfície, em qualquer dos dois sentidos: De dentro para fora e vice-versa. Passar passa, o problema é se é aceite, aplaudido, rejeitado, execrado, bem ou mal interpretado. Tentam construir muros nas fronteiras das nações, mas tal como as redomas, não vedam completamente e podem ser mal ou bem interpretados. O mundo é simétrico, não de simetria perfeita, mas tem sempre os dois aspectos: “Para mim é ruim”, ou “para mim é bom”, e, como nada é perfeito realmente, erros de julgamento ou avaliação fazem com que o que parecia bom se revele ruim, ou o contrário. Há redomas duras, flácidas, complacentes, e de todos os tipos imaginários. Todos nós temos uma pensando que ela “nos protege” do mundo exterior. De vez em quando lhe abrimos uma “janela” para deixar o mundo entrar. Tenho vivido de janelas tão abertas, que minha redoma se transformou numa tênue e transparente membrana. E há redomas que não deixam passar a luz azul ou vermelha ou quaisquer outras. Não é difícil aceitar que quem comanda as redomas só raramente somos nós mesmos.


Sempre gostei de praias, largos horizontes, transparência atmosférica, revigorantes cheiros marinhos á base de dimetil-sulfeto (DMS) liberado pelas algas marinhas [1]. Gaivotas no céu nos dizem sempre que também queremos e podemos voar, para vermos o que elas vêem. Sobretudo nos dão a sensação de vida, de que não estamos sós. Muitas vezes pensei que nossa imperfeição como “ser evoluído” beirava o absurdo da quase completa imperfeição. Em meus devaneios deveríamos ser funcionalmente aptos para voarmos e para nadarmos: Podermos sair de uma praia voando, e quando cansados amerissarmos no oceano e continuar nadando até o outro lado, desembarcar em outra praia, em outro mundo. Tivesse o mundo sido assim desde o início, e tão fácil, e nosso pequeno planeta já estaria entupido de seres acotovelados disputando até o espaço onde pudesse pelo menos se deitar para descansar. As dificuldades nos mantêm “viáveis”, dentro de limites aceitáveis pelas condições do ambiente em que vivemos. Para este ambiente, que não tem olhos, mas tem “algo” invisível que o controla a si mesmo, não importa quem é o inquilino nem o que faz, porque sempre se renova e adapta. Foi assim que os dinossauros se foram, porque não estavam adaptados para mudanças drásticas. Pelo contrário, seres que haviam evoluído em outra direção, peludos, mamíferos, pequenos, rápidos, vivendo em sua maioria em grutas ou em ninhos subterrâneos, conseguiram sobreviver ao holocausto de uma imensa pira de fogo que se formou neste planeta quando um enorme meteoro e abateu no que é hoje o atual mar do Caribe, no golfo do México. Não há redomas que protejam da natureza. A natureza que nos parece aliada, por vezes parece trair-nos. Não se alia nem trai. A natureza simplesmente é, nós complicadamente somos, embora façamos parte dela. Para a natureza, somos assim como células de nossa pele que mais dia menos dia morrem, se transformam numa farinha leve que os ácaros [2] apreciam, e que não faz a mínima diferença se um dia estiveram vivas.

Quando saí hoje para a praia, o dia estava nublado. Saio cedo, quando saio, ou ao entardecer para não apanhar sol. Sol tenho no jardim de minha casa onde posso gozar de suas propriedades durante uns quinze a vinte minutos por dia. Demais, pode dar câncer, de menos nos obriga a comer mais queijo para termos a vitamina D de que necessitamos. Sol produz vitamina D em nossos corpos e o queijo também a tem. Não fui á praia apanhar queijo nem Sol. Fui exercitar os músculos, olhar os horizontes, ver gaivotas, e perceber que alguém anda exterminando “marias-farinha” [3] e gaivotas. Cada vez vejo menos. Foi quando vi o casal e o cachorro bege ao longe, quase nas pedras, ao final do Peró. Vinham caminhando em minha direção, cada um segurando uma vara grossa com que se apoiavam na areia. O homem caminhava com algum tipo de dificuldade. Primeiro foi o cachorro que chegou. Parecia um “cão d’água” [4]. Chegou-se a mim, e tentou rodear-me passando para a parte de trás. Imediatamente me voltei e ele ganiu (tinha sido descoberto) e se afastou. Logo chegou o casal e então veio a surpresa. Eram conhecidos. Ele é meu patrício, que tinha construído uma casa a uns vinte metros da praia. Uma casa enorme e linda. Tinha sido dono de restaurante na zona norte do Rio. A ultima vez que o vira, há cerca de dois anos, estava em seu carro a caminho de Cabo Frio e me dera uma carona até o ponto de ônibus na portaria do Loteamento. Sempre fora muito calado, e não conversamos muito, até porque em três minutos já nos estávamos despedindo. Tinha-o visto também na reunião da Associação de Moradores quando eu era o vice-presidente, o que não quer dizer muita coisa. Aprendi que os caminhos mais fáceis parecem ser sempre os melhores, e que quase nunca dão certo. Parei de dar idéias, de ir ás reuniões, afastei-me por completo embora esteja sempre á disposição. Meu amigo tinha sofrido um AVC. Por sorte caminhava, falava, embora ainda menos. Um casal francês lhes dera o cachorro, que enquanto conversávamos já entrara na água umas três vezes, e escavara freneticamente as areias á procura de algo que farejava dentro delas. O abanar da cauda é simpático, mas nunca entendi essa escolha traseira canina para transmitir sentimentos. Só soubera do falecimento da Carminha cerca de três meses após o seu falecimento. Ela cozinhava muito bem. Mas se me perguntarem qual a redoma que nos faz manter-nos tão isolados de vizinhos, amigos, familiares, direi que não sei. Talvez seja algo tão complexo e sutil que leva muita gente a ter amigos virtuais com os quais se comunica amiúde, por vezes segundo a segundo dia e noite, e não permite cumprimentar os vizinhos, dar bom dia, boa tarde, boa noite a não ser no elevador, e mesmo assim, por vezes com apenas um abanar de cabeça pretensamente educado, parecendo “nobre”.


Tivesse sido este encontro há dez anos atrás e se marcaria um jantar, um churrasco, convidar-se-iam amigos do lugar. Mas os tempos mudaram muito. Há uma fábrica “invisível” que produz e faz a manutenção de redomas. O Estado tem muita culpa disso na verdade. Embora tudo se possa privatizar, e a tudo dar liberdade, há coisas que têm que ser evitadas, controladas, e se infringidas, punir os responsáveis. Não se pode ser “compreensivo” com todos de forma igual, o exemplo vem de cima, e população desprotegida desconfia até de amigos. Quando cheguei ás pedras havia um casal que chegara de bicicleta, agarrados aos beijos. Não sei se me viram. Têm ainda muita areia para caminhar na vida, e bons momentos devem ser aproveitados. Servem para lembranças quando a redoma que separa jovens de idosos for criada. A minha está em plena formação. Promete ser igual ás outras. Transparente, mas extremamente forte, exceto por uma pequena, mas agradável janela chamada família á qual se juntam alguns raros e remanescentes amigos. Há sempre amigos de papo, dos que sabem perfeitamente que abusaram da amizade ou não lhe deram importância e teimam em dizer que são amigos para terem uma redoma só de amigos, e os olham como que esperando que brilhem como pirilampos para mostrar aos outros amigos. É um código, uma mensagem a outras pessoas conhecidas dizendo-lhes: Vejam... Sou legal e tenho amigos. Sejam meus amigos “também”...


Certo mesmo estava o “el diablo”, meu amigo Romero Monteiro, quando me disse da primeira vez na Colombia: Pareces-te com meu irmão Rui e até tens o mesmo nome. Acho que vamos ser amigos... E quando me disse da segunda já no Chile: - Falas muito em “teus amigos”... Cai na real, Rui... Não temos amigos. Há interesses em comum...No dia em que precisares, não vais reaver nem o que já lhes deste. Festas servem para manter a aproximação enquanto convir...Mas sempre sobram amigos... Grande abraço, amigo Romero. Por aqui, logo acima das dunas, sempre há "amigos" ávidos que interrompem o fornecimento de água. Alguns têm criados que instalam e abrem e fecham registros quando lhes convém.


 Nunca fomos mesmo de muitas festas, quer os Romero, quer os Rodrigues, mas de curtos, diretos e amigos papos que valem uma vida. Como daquela vez em que eu e minha família nos montamos numa Toyota, monitorados por radio da segurança do projeto, e nos abalamos de noite para a Mina para não faltarmos ao aniversário de teu filho. Foram 450 quilômetros de deserto, na verdade ainda mais protegidos pelo cacique índio e sua tribo que tinha um restaurante á beira da estrada chamado Casablanca em homenagem ao primeiro filme que ele vira na vida. Depois comprou um Betamax...


Há sempre esperança de um mundo melhor. Sim... Podemos! Nas praias há menos redomas, e nota-se até pelas roupas que se usam, mas há conchas. Precisamos também ter cuidados com as conchas. Há quem se feche nelas.

® Rui Rodrigues.   





[1] Pesquisadores do Instituto de Ciência Weizmann, em Rehovot, Israel,  descobriram como essas moléculas de DMS são produzidas.
[2] Aracnídeo invisível a olho nu, com dispositivo para perfuração, e que vive em nossa pele, lençóis, carpetes e que causam alergia. Há mais de 300 espécies. 
[3] Pequenos caranguejos esbranquiçados que fazem toca na areia, extremamente rápidos, mas que não têm quase carne nenhuma. São os urubus da praia, comendo carne em decomposição.
[4] Raça portuguesa caracterizada por ser de médio porte, pelos enrolados e meio longos, franja sobre os olhos, agitados, inteligentes, olhar muito esperto, e grandes amigos muito alegres. 

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Mulheres flores, homens e insetos.



1.   Mulheres gostam de flores, homens de mulheres.


Um amigo meu, O “Waltinho” bom sujeito, simpático, bonachão, ultrafamíliar, que não vejo há muitos anos, e a quem a linda mulher Vânia chamava simpaticamente de “gordo”, disse-me uma vez: - “Mulher não se compreende. Decora-se”. Ele, além de colega de profissão era também um grande filósofo gozador. Acabou separado amigavelmente da mulher muito cedo, em menos de cinco anos, e sempre me ficou a dúvida que nunca me interessei em pesquisar, se tinha decorado bem a mulher e por isso se separara, ou pelo contrário e o resultado tivesse sido o mesmo. Também estou separado, mas não sei há quanto tempo, porque casamentos terminam muito antes de terminarem. O que importa é que há sempre aquela fase desde o namoro em que um deseja, quer, faz questão absoluta de agradar ao outro, muitas vezes, ou quase sempre, á custa da individualidade, daquela coisa a que chamamos “eu” e que amamos tanto e da qual relutamos em abrir mão. Nós e elas também. Mas é nessa fase do agradar que, romanticamente, homens oferecem flores ás namoradas, noivas, esposas. Quando começa a oferecer também á primeira amante, a coisa está feia, o coração já começou a dividir-se, melhor parar. Homens podem gostar de flores, mas não ficam sensibilizados com elas e as usam para mostrar agrado e consideração.  Preferem ter sua marca própria de cerveja, marca de vinho, preferência por seu time de futebol, um lugar específico na casa, como uma cadeira, um canto, um lugar no sofá, um lado da cama com qualquer mulher que lhe agrade. Na cama fica quase sempre do lado direito da mulher para que a sua mão direita fique livre para poder defender-se. Se ficasse do lado esquerdo da mulher, sua mão direita que normalmente usa para se defender de estranhos, ficaria imprensada e imobilizada no meio dos corpos, e teria dificuldades para afastar o lençol. Á primeira vista parece que há explicações para tudo, mas não é verdade. Há coisas que não sabemos, nem sabemos se um dia saberemos. Minha teoria, não sei se alguém já falou sobre isso, é que sabemos mais do que aparentemente temos consciência de sabermos, e essa “memória” oculta estaria em cada gene que possuímos. Seria uma “memória genética”, parte integrante do “inconsciente” freudiano. Mas que tipo de flores cada mulher prefere? Aparentemente todas. Haverá uma explicação para as preferências? Não sei. Talvez alguém, algum dia, decida fazer pesquisa com sobras de alguma verba disponível. 


Abstendo-nos do "computador" que terá elaborado as leis de nosso universo, o DNA é o mais perfeito "computador" da natureza que conhecemos. 
Antes que me esqueça, nem todos os homens gostam de mulheres, nem todas as mulheres gostam de homens, mas isso para mim não muda em nada minha preferência exclusiva por mulheres. Ser hétero não é caso para se ter orgulho mas para se ter muito prazer e felicidade nisso.





2.   As preferências das flores por polinizadores.



Ao contrário do “Waltinho”, penso que mulher tem que ser decifrada e compreendida apenas para garantir um bom tempo de relacionamento, porque homem e mulher, como disse algum filósofo de boteco, quando querem dar-se, não tem quem segure. Nem fogo de morro acima, nem água de morro abaixo. O filósofo deveria ser flamenguista lá do morro da Mangueira, lugar de minha Escola de Samba preferida, do tempo em que malandro não era mané e o Flamengo tem a maior torcida do Brasil.


Mulheres não preferem receber flores nem de maracujá nem de mangueira.Nas primeiras a fecundação é feita principalmente por morcegos, e as segundas são muito pequenas, com a desvantagem de se perderem os frutos comestíveis, ao arrancarmos a flor. Rosas dão pequenos frutos, alguns até comestíveis, que têm cheiro fragrante forte agradável e segundo a “Universidad de Extremadura” na Espanha, tem propriedades antioxidantes. 
São muitos os polinizadores de flores, desde reles moscas e irritantes mosquitos, a melíferas abelhas, passando por hediondos marimbondos e formigas acidulantes, esvoaçantes mariposas palpitantes. Aves, como os colibris promovem a polinização entre outras flores, e até mesmo cobras e outros répteis podem fazer esse serviço. O vento e a água também. Que tipo de ser vivo poliniza cada flor? É aí que entra a nossa memória genética. Não temos consciência, mas “sabemos” o que fertiliza cada flor, e por repulsa ou por desejo relacionados freudianamente com os polinizadores, são escolhidas para simbolizar sentimentos, considerando
evidentemente o cheiro, a aparência, a simetria, e o “número de ouro, o Φ , que se lê fi e se escreve Phi“ [1], função que determina pelas proporções das formas, a beleza de cada flor, dos seres vivos em geral e tudo nas formas da natureza.


3.   A psicologia das flores


Se formos mais longe no estudo das flores e dos polinizadores, ainda podemos nos surpreender ainda mais com a “síndrome floral”. As flores atraem os polinizadores – são elas que os atraem - pelo tamanho da flor, pela profundidade e largura da corola, pelos “guias do néctar” que são cores visíveis apenas sob luz ultravioleta, e pelo odor e composição do néctar. Mais ou menos como se a flor fosse uma fêmea atraindo um macho para ser fecundada. Coroa grande, “macho” grande, coroa pequena, “macho” – ou polinizador - pequeno. Pássaros preferem flores vermelhas com longos tubos estreitos e muito néctar. Besouros são atraídos por flores largas, com pouco néctar e pólen.


Ora se não se vê analogia no nosso mundo humano... Parece evidente que sim.  Basta que se imagine o prazer de uma bela moça, na flor da idade, cheia de hormônios, com a vagina de bela cor interna rosada, úmida cheia de “néctar”, ao receber um lindo ramo de rosas vermelhas de um admirador, cujo gesto deve significar que lhe entende os desejos e que os quer compartir. Por outro lado, rosas brancas significam pureza, amarelas amizade que pode até vir a ter outra conotação com o tempo, assim no padrão, “vamos devagar”. Não vale a pena um estudo sobre as flores, principalmente quando se considera que homens podem ser considerados como os “insetos” que polinizam qualquer flor, e as “flores” que atraem insetos que as polinizem?


De que tipo de flores gostas tu mulher, e que ser a poliniza ?

® Rui Rodrigues.







[1] Phi = Φ, que equivale à dízima não periódica 1,61803398 também chamado de ‘razão áurea” estabelece as proporções que mais agradam ao ser humano, símbolo da perfeição. 

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Crônicas do Pontal do Peró, 10 ago 15.


Eram umas dez e meia da manhã quando interrompi a limpeza do remanso do lar e decidi ir a Cabo Frio para repor umas faltas e tirar uma merrequinha do Banco só para não ficar usando meu dinheiro para emprestar a 400 por cento ao mês e me dar só meio por cento de “lucros” na poupança que, considerando a inflação, me representa um rombo, um desperdício, um déficit, uma gozação, uma hilariedade fenomenal. Ia tirar uma merrequinha, tirei uma merrequeta que é um pouco maior. Não tirei mais, um marrecão, por que não sou pato tanto assim. Não tenho marrecão em banco. Nem adianta me assaltar. É uma perda de tempo.  
Fui de táxi.
Assim de supetão, vidros fume, que não quero dar bandeira, ninguém precisa saber que não estou em casa. Se souberem, quando voltar não encontro nem as paredes. Desta vez passei primeiro na loja de um casal de chineses que me querem ensinar mandarim em troca de lhes ensinar português. São muito simpáticos e os dois têm aquele “espírito” bem brasileiro, riem, contam piadas, evidentemente trocando os erres, mas isso não importa. O que importa é o pastel de queijo. O pastel deles não é pastel de vento com cheiro de queijo, mas um pastel de meio vento e a outra metade queijo. Vale a pena. O caldo de cana é sempre de cana esmagada ali mesmo. O resto das bebidas que vendem não as garanto. Podem ser de qualquer coisa com muita água e cheiro de qualquer coisa. Como não sei a data de vencimento dos ingredientes, e supermercados tentam desfazer-se sempre desses que vencem, não como os maravilhosos quibes, os quibebes, as tortas, as pizzas que estão na vitrine com saudável aspecto de moça dadivosa. Acho que vou topar esse negócio de aprender mandarim só pra ficar moderno e poder aplicar-me na cultura chinesa com todas as minhas “ÐÙÝfurada”  que pouco mais passam de cinco reais.

Depois do banco fui numa loja onde comprei duas telas de algodão para pintar, dei uma passada na casa de uma amiga e dali ao supermercado. Na volta o motorista do táxi era outro. Há motoristas calados e motoristas que falam. Prefiro os que falam. Havia uma motorista que eu gostava muito, mas ela foi para Macaé, depois para Campos e agora não sei por onde anda. Essa que era legal. É casada, conheço o marido, e tem dois filhos. Um barato. Ríamos muito ás minhas custas, porque nunca deixei de lhe pagar as viagens, e se um dia eu vier a ter motorista particular ela será a primeira a ser convidada, coisa de que duvido porque a situação do país é catastrófica e eu já não faço parte de mercado de trabalho. 



Na volta do supermercado, viemos conversando. Sempre me sento ao lado do motorista para que saiba que não sou “diferente”. Sou pop. Sou igual. Sou companheiro do motorista. A conversa fica mais agradável, acaba aquela coisa do senhor lá atrás, o lugar do motorista é na frente. Ele acha que no governo os políticos estão todos unidos como unha na carne, atrás de grana, e que por isso Dilma não cai. O tempo todo conversamos sobre isso, cerca de meia hora, porque tive que passar no Jardim Esperança, mas de lá para cá, mudamos de assunto. Foi no trevo logo na entrada do loteamento onde vivo, que lhe disse:


- Cara... Aqui mesmo nesta esquina, o ônibus costumava parar e um dia saltei e o que vejo no chão misturado com a grama verde á margem da pista? Um saco cheio de limões... Peguei, porque não havia ninguém na parada. Mas sou daqueles que andam com os olhos no chão. Já achei muita coisa...
- Eu também... Mas achou mais alguma coisa?
- Um dia em Lisboa, ao entrar na porta da rua do edifício onde trabalhava encontrei um cordão grosso de ouro enrolado num suporte de mão daqueles para empurrar a porta. Levei para o escritório e guardado, foi comunicado que se tinha encontrado um objeto de ouro. Se alguém tivesse perdido algum que o descrevesse ficaria com ele. Alguns do escritório tinham perdido objetos de ouro, mas ninguém descreveu o que eu tinha encontrado e me foi devolvido...Mas encontrei muitas coisas mais, algumas também de ouro perdidas na rua...
- Pois você não vai acreditar... Um dia vinha pela estrada que leva até Araruama, e vejo um peixe grande sobre a linha amarela que divide as pistas. Diminui um pouco a velocidade e deu para ver claramente que era uma anchova enorme, aí dos seus quatro quilos. Diminui um pouco a velocidade, mas vinha um cara atrás de mim, que pelo espelho vi que também diminuiu a velocidade. Pensei que ele ia apanhar o peixe mas seguiu. Não encostou.
- E você não apanhou o peixe?
- Não... Já estava longe, tinha que dar a volta arriscando a não o encontrar mais. Alguém o perdeu, talvez de algum carregamento de peixe, caído de um carro, alguma esposa briguenta que o jogou no marido que dirigia e caiu na estrada...

Então lhe contei dos dois pescadores que encontrei na praia do Pontal do Peró, com tarrafas, e que a meio do caminho encontrei uma tainha de uns três quilos se debatendo na areia. Ainda dei uma gozada nos pescadores dizendo que eu pescava sem tarrafa. Eles que me disseram que não é incomum as tainhas virem com a onda, serem jogadas na praia, o mar recuar e ficarem por ali morrendo. Meu amigo motorista me deu uma dica muito boa. Quando a corrente de Humboldt que passa por aqui, chega um pouco mais perto das águas mais quentes da beira da praia, que até meros sentem o choque térmico e podem até ficar se debatendo na água morna até morrerem.


Aprendi a conversar com motoristas de táxi com meu tio Adolfo em Lisboa, sem me importar se eram negros, brancos, homens, mulheres, ou o que quer que fossem. O importante é conviver, nos comunicarmos, trocar informações, aproveitar o tempo. Um de meus motoristas, esse com quem tive o prazer de viajar hoje, é negrinho. Eu sou branquela, mas nenhum de nós teve culpa ou virtude nisso. Ele ganha muito mais do que eu. Que continue assim, que seja abençoado por esta natureza que nos deveria unir. Também tem dois filhos. Quer um táxi porreta em Cabo Frio? Chame 22- 99967-6950 e fale com o Anselmo.

® Rui Rodrigues.





[1] Pataca-furada. Antiga moeda da região que não valia nada. 

Prefere assistir filmes legendados ou dublados?


Filmes legendados obrigam você a ler e tem que ser muito rápido senão perde a meada do filme. É uma vantagem que pode ajudar muito para as provas do Enem, competir para o Fies. Sabia que se você passar na prova e até para o Enem, é porque teve mais competência que os outros que não conseguiram passar? Mesmo sendo de origem índia, negra, branca, oriental, eslava, watusi, quíchua, ou esquimó? E isso nem faz de você um racista ou um burguês. 

Por outro lado tem a vantagem de poder escutar o timbre de voz de grandes artistas. Quem dubla nem sempre tem a veia artística suficiente para dar a “entonação” de acordo com a situação e fica aquela coisa lida, corrida, que até parece ter sido posta lá no estúdio, de propósito, para satisfazer algum pedido de grandalhão petista. Pior ainda quando têm o sotaque paulista carregado sem que o filme seja passado em São Paulo. Nestes casos fica a impressão que o personagem é paulista emigrado para o local das filmagens.

Filmes dublados tiram de você a possibilidade de testar a tradução das legendas (acredita que há filmes dublados com legenda?). Sempre há furos nas traduções. Por economia são feitas por uma só pessoa. Traduções teriam que ser feitas sempre por uma dupla que não se agredisse um ao outro: Uma que falasse a língua dos personagens da película, e um do lugar onde vai ser passada. Reduziria as dúvidas e a tradução seria perfeita. Seriam raros os casos de brigas entre tradutores juramentados. Sim. Teriam que ser juramentados porque esses é que entendem de traduções. Mesmo quando o filme for russo para ser rodado nos EUA, ou iraniano para passar em Jerusalém.

Você sabe como é “falar búlgaro”? Aposto que não. É uma língua tão rara, que alguns remanescentes do comunismo poderiam achar que passar filmes búlgaros seria de um requinte “bulgarês” – burguês para filmes búlgaros em particular - inaceitável. Bulgarês é um termo moderno criado aqui só a título de ilustração, que é como se fosse uma metáfora que é uma imagem, segundo uma célebre metáfora do presidencialismo tupiniquim cujos pais nunca a conseguiram ensinar direito a falar búlgaro. A primeira vez que visitou a Bulgária, essa célebre metáfora tupiniquim, quase que foi parar na Bósnia-Herzegovina porque dispensou a tradutora e achou que o vôo deveria ser para Sarajevo. Sófia (capital da Bulgária) para ela não existe, deve dizer-se “sofisma”, ou então é o nome de uma mulher com assento que não existe. Assento com dois esses mesmo.

Filmes com legendas permitem que se treine o falar, e entendimento da língua inglesa, por exemplo. Basta tampar com um anteparo as legendas e ficar escutando o que dizem. Também poderia, num processo semelhante treinar seu inglês em filmes dublados usando o controle remoto: Escuta o que dizem, dá um pause no filme, e num caderno de notas vai anotando a tradução. Depois aluga o mesmo filme com legendas e compara. Este processo, porém, é tão complicado e chato que ninguém usa.

Pretendem lançar um filme sobre essa metáfora presidencial chamado “Coração Valente”, só porque a tal da metáfora é uma mulher e o herói do verdadeiro filme é um escocês que usava Kilt, que parece muito com uma saia, mas é pra homem. Para que se veja como são os arremedos de películas Stalinistas que promoviam a imagem do líder, assim como agora são na Coréia do Norte, a tal da metáfora não usa kilt, nem saia. Usa calças. Também a guerra do filme original era pela independência, e a daqui, a ser pela independência, também, a heroína teria que passar seus últimos momentos numa forca esperneando de calças, porque de saias seria um filme pornográfico com requintes maquiavélicos. E não é assim que morre o herói do filme original sobre a Escócia.

Estudantes pagam meia, tapas devem ser com luvas de pelica (só para povo gay) e votante da milícia sempre paga, mas com dinheiro doado pelo partido segundo as regras da casa, que é sempre haver uma “claque” para quando a metáfora estiver presente. Nada de pipoca. Só bandeirolas, coca-cola inventada pelos americanos, e mortaleca que não se sabe quem inventou, porque tem muita polpa de jornal á mistura. Quem faz claque não trabalha, e com a falta de trabalho atual, há riscos de cada vez haver mais claques com cada vez menos coca-cola e menos mortadela, porque não há dinheiro para tudo. De saco cheio de tanto ganharem só coca-cola com mortadela enquanto os empresários de seus partidos ganham bilhões, assim mole-mole, só no papo, as hostes dos claques está diminuindo a olhos vistos. Afinal, eles lutam pela divisão do capital: Uns trabalham como animais sendo até mal pagos, e teriam que dividir seus ganhos com os outros: Os que não podem (e deveria ser justa a divisão) e os que não querem trabalhar (aqui o bicho pega e morde).

Já tentaram traduzir: “Shit not always sink, it floats. Flush is needed”. São capazes de traduzir por “ Folhas nem sempre pensam. Precisa acender um flash”. No fundo e muitas vezes, uma espécie de censura velada, ou promoção adúltera ou adulterada que para os efeitos dá no mesmo.

® Rui Rodrigues

  



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Trem Extra Noturno


Não é necessário tomar drogas nem beber demasiado para se “viajar” na imaginação. Basta deixar-se levar pelos pensamentos sem censura alguma (ou muito pouca) com um tema na cabeça – que é o do título - e desbloquear a mente [1]. Lá vamos...Viagem comigo no tempo e na imaginação. Será um prazer.

1.  Numa estação de trem.


Passa da meia-noite. Ouço sons de patas de cavalos, relinchos, sons de metais, como que de uma brigada de cavalaria apressada, em carga, que se aproxima da estação. O tropel estanca como que de repente, justo na hora em que escuto o silvo penetrante, agudo, como que de uma locomotiva a vapor. Sim, é uma locomotiva a vapor, verde escura, com marcas da companhia douradas e bem polidas em relevo. As roupas das pessoas que estão na estação são estranhas. Não eram para serem assim. Aparentam ser do início do século 20, talvez por volta de 1910. Ainda não tenho certeza. As mulheres usam vestidos escuros de cintura marcada, a bunda arrebitada, chapéus com enfeites, os homens alguns com chapéus de coco outros com cartolas ou chapéus de abas, sapatos brilhantes, pontudos, e usam bengalas. Estão atônitos, olhares voltados para a entrada da estação de onde chegam os sons do tropel. Algumas pessoas começam a correr para procurar abrigo.


Uma coruja pequena, talvez habitante daquele lugar, agora perdida no meio da confusão, passava esvoaçante de um lado para o outro do trem. No ultimo instante um homem vestido com uma capa preta carrega uma mulher no ombro, com uma mão e com a outra segura o balaústre de uma das portas do trem ainda não fechada e pula para o primeiro degrau. Parece que ambos vão cair, mas consegue segurar-se. A mulher parece desmaiada.
Não demorou mais de um minuto toda esta cena, até que o trem, jogando vapores de fumaça pelos lados e pela chaminé, se afasta completamente. Tudo a preto e branco, menos a mulher e o homem que conseguiram entrar no trem no ultimo minuto. Julgo ter visto a coruja esvoaçante entrar também pela porta ainda aberta. Então Os cavaleiros invadem as gares de piso escorregadio. Ouvem-se tiros. Alguns cavalos tombam arrastando os cavaleiros. Há corpos inertes no chão e sangue escorregadio pelas gares. A cena é de completa devastação.Não estou na estação e nem sei onde estou.

2.  Para onde vai o trem nem todos vão.


A bordo do trem os passageiros murmuravam. Ninguém sabia o que tinha acontecido na estação. Alguns levantavam hipóteses. Seria uma revolução, um bando de criminosos perseguidos pela polícia. Nenhum deles tinha ouvido os tiros ou visto o que se passara. O barulho do trem e os apitos na saída, tocados a todo o vapor na força de largada para impelir velocidade, não o tinham permitido. Além do mais, por causa da fumaça as janelas estavam fechadas. O ambiente era tétrico, reinava um clima de preocupação encerrado num trem fechado com estofados de couro escuro. Um senhor sentado na penúltima fila, bem apessoado a julgar por suas roupas, comentou que no dia seguinte leriam nos jornais e não deveria ser nada de importante, que o importante mesmo é que cada um estava a caminho de seus destinos. E certamente para aliviar o clima, começou a perguntar aos que estavam nas poltronas mais cerca, para onde iam. Uma senhora ia para Paris, um casal para Berlim. Voltou-se para trás para perguntar a um casal, mas interrompeu a pergunta, e fez outra: - Há algum médico neste vagão? Esta jovem está ferida. O companheiro também estava, de raspão na cabeça. Havia uma mancha de sangue no abdômen da moça. Vi quando um médico se acercou e começou a tratar-lhes as feridas. Segundo disseram, tinham estado hospedados no Hotel Bristol em Pyatigorsk e estavam de partida para Calais onde apanhariam um ferryboat para Dover na Inglaterra, quando já á porta da estação tinham sido atingidos pelos cavalarianos. 




Largaram a bagagem, duas maletas, e correram para o trem. Não podiam perder aquela viagem. Não havia ainda cinco minutos que o trem saíra da estação.


Mas que estação? Eu não estava naquele trem, nem sabia onde ficava nem porque a chacina acontecera, mas a julgar pelo destino dos passageiros, seria para trás, na direção de Berlim, da Polônia, ou quem sabe, Itália, da Grécia. Talvez até de Istambul, Moscou ou ainda mais longe, Pequim. Mas de Pequim não. Os rostos não eram orientais, e a estação era do tipo art-nouveau. Talvez não fosse. Temos a tendência de achar que todas as estações com cobertura em finas vigas metálicas entrançadas são art-nouveau. Quanto ao Hotel Bristol, tudo indicava que a estação ficava em alguma cidade ocidental. O que estaria errado? Como aquele homem ferido na cabeça e carregando uma moça tinha podido subir no trem segurando-se apenas com uma mão no balaústre dos dois degraus do vagão? E que coincidência da coruja entrar juntamente com eles. Estaria seguindo-os? Mas como saber, se eu não estava realmente ali?

3.  O Túnel fumarento sem fim.



As luzes dos vagões costumam acender-se quando os trens entram em túneis. Naquela oportunidade não. Permaneceram apagadas. Alguém pegou uma caixa daquelas modernas de Allumettes, riscou um palito na caixa e acendeu. No primeiro brilho, naquele lusco-fusco, tudo parecia normal, apesar da fumaça que conseguia penetrar no vagão. 


Quando o fósforo bruxuleou e se apagou, viram-se os dois olhos brilhantes da coruja que descansava sobre uma pata, no encosto da ultima poltrona.
Depois foi aquele brilho intenso, e numa fração de segundo o som arrasador e o calor. Todos devem ter ficado carbonizados. Logo a luz sumiu. O trem não parou. Tinha uma grande inércia e continuou se movimentando por uns bons duzentos metros até parar resfolegando. Tinha chegado ao final do túnel e a luz então invadiu o vagão. Havia pedaços de corpos por todos os lados, sangue estorricado, o trem ainda ardia, um olho escorregava pela janela mais perto que podia ver. Lá atrás, assustados, estava o casal incólume e uma coruja impávida que ainda olhava de um lado para o outro como que tentando entender o que se passava.
Nem meia hora se passara desde que o trem saíra da estação. E eu não sabia absolutamente nada do que se passava. Nem o motivo da explosão, nem o lugar ou nome da estação, o país, o nome das pessoas, que tropa era aquela, porque o túnel havia explodido. Nem sequer estava no trem. Porque era eu tão ignorante do que me parecia ser tão mais importante? 




Mas uma coisa eu sabia e nem sabia porque sabia: A Oktoberfest em 1910 completava 100 anos, e consumira 120.000 litros de cerveja, o que era um Record para a época. Mas eu preferia vinho e não havia uma festa dessas para o vinho. Este mundo parece feito de um monte de interrogações.Quanta coisa dele não se sabe e nem precisamos saber?

  


1.  Um casal sem uma coruja



Uma ave é como uma pipa, pandorga... Abre as asas sempre contra o vento para poder planar, suster-se no ar. Alivia-lhe os músculos. Poupa energia. Corujas não costumam planar como gaivotas porque seus hábitos são os de caçadora. Preferem usar a força da gravidade e o vento a favor, na direção do movimento, para mergulharem sobre suas presas. Pessoas são diferentes. Ora caçam, ora são caçadas. Quando caçam mostram-se fortes, inflam o peito, enrijecem os músculos. Quando caçadas, choram, adotam atitudes de presa fácil. O casal era uma presa fácil e a coruja pousara sobre uma pedra a pouca distância do casal. Estava inquieta e parecia que a qualquer momento alçaria vôo.
À volta do casal havia mais de vinte soldados. Um deles, munido de rádio de campanha rodou a manivela e pegou o fone. Comunicou: Só há um moribundo sobrevivente de nosso ataque e uma mulher que tinha sido ferida e que veio a falecer. São  gente pobre a julgar pelas roupas. Nem sombras da princesa Anastásia. Não estava neste trem.
Esperou mais uns dois segundos, desligou o radio, pegou seu  revólver e atirou no rapaz que carregara a moça para o trem na estação.

A tropa abalou dali largando a mulher á beira dos trilhos. A coruja ficou por ali por mais uns minutos. Então viu a moça abrir os olhos, levantar-se com dificuldade, olhar para se certificar que os soldados já estavam longe, e cambaleante beijou o rapaz que lhe salvara a vida e se afastou dali em direção contrária. Certamente desistira de ser princesa. Talvez até de sua identidade. A coruja e eu desaparecemos. Que importa quem eram os mortos do vagão, quem era o comandante da cavalaria que invadiu a estação, e se o hotel Bristol ainda da época da Rússia livre, antes da revolução bolchevique ainda existe? Anastásia sumiu. Desapareceu. Por um breve momento histórico,foi assunto popular porque era um mistério. O mundo gosta de mistérios mas os esquece rapidamente. É muita informação que não cabe num cérebro humano de forma instantânea. Nem no de uma pequena coruja de olhos grandes. A experiência histórica é sempre solapada pela fé e esperança de que, mesmo se sabendo que tudo é impossível, continuar tentando. É tempo perdido. A experiência dos desastres históricos é mais forte. Tudo o que se fizer para copiar o passado derrotado é arremedo.

Já não há lugar para Czares nem para comunistas. 

® Rui Rodrigues 


 [1] Para os psicólogos de plantão, a mente não está completamente desbloqueada. Ou melhor, até está, mas há um público a atender. Escolhem-se caminhos na história de uma infinidade de opções.