Montei
um posto de observação da vida. Nela já fui desde “aprendiz” a “professor” e
agora apenas a observo entre pinturas, fazer um móvel ou outro, cumprir
compromissos inadiáveis e até dificilmente pagáveis, escrever, curtir a família
quando é possível, cuidar de minhas galinhas que parecem falar, curtir a
natureza. Afinal fiz por merecer. Dinheiro é o mínimo, mas pensando bem, como o
usaria agora? Já conheço meio mundo, e pensar supre tudo. Em nossos pensamentos
viaja-se ao passado, percorre-se o presente, desvenda-se alguma coisa da
infinidade dos possíveis futuros, e até há tempo para qualquer coisa que se
possa imaginar. Sou um grande domador de tempos, desde quando tive que
programar as obras que eu mesmo iría gerenciar. Nunca falharam o prazo, nem a
qualidade, e isto, dito assim, soa como prosápia, como gozação. Meus amigos
sabem que é verdade. Criava-se motivação nas equipes, e que equipes que
trabalharam comigo, ou das quais fiz parte, ou para as quais trabalhei... Mas
não é o tema desta crônica que só foi crônica até este ponto. A partir deste
parágrafo é outra coisa.
Percorremos
a história universal, e o que vemos em termos de governos? Quem foram os “líderes”
[1]
que estiveram á frente de seus povos assumindo a responsabilidade de governar?
Os melhores cientistas? Os mais filósofos? Os mais inteligentes? Os mais
espertos? Os mais religiosos? Os mais artistas? Os
melhores cantores? Podemos ler a história de qualquer país e veremos que se
misturarmos todos estes ingredientes poderemos contar pelos dedos os que
assumiram governos sendo filósofos, artistas, cantores, cientistas... Se é que
houve algum. Vamos encontrar governantes entre os até inteligentes, mais entre
os espertos, muitos religiosos, mas destes últimos só no passado e agora alguns
poucos. No Vaticano há um que parece ser um bom sujeito; Muitos eram generais e
ainda os há. O que podemos esperar deste mundo se são sempre estes que nos
governam? Não podemos esperar muita coisa enquanto o permitirmos. A tal "Pátria Educadora" de hoje, é o Livro vermelho de Mao de ontem. Aliás, já foi até abolido. Sobram cópias em sebos da China. Mas a que
propósito vem isto?
Vem
da finalidade de nossa “luta” diária para tentar impor ou convencer quem nos
cerca que nossa linha de pensamento é a “melhor”, porque achamos que “pensamos”
muito bem e que devemos ter crédito entre aqueles com os quais convivemos.
Aliás, foi por aí que comecei, lá em cima, quando disse que uma das atividades
de minha preferência é a de pensar. Tive uma gata, a saudosa Sarkye, um
cachorro que morreu de câncer, o Oréba, e algumas árvores. Nenhum deles precisa
convencer ninguém de nada, viveram e vivem bem, o mundo para eles é um paraíso
e nem lhes perguntem pelo inferno. Simplesmente não existe nada disso para
eles. Simplesmente vivem. Bicam-se por comida, mas dormem juntos para se aquecerem.
Árvores nem disso precisam. Mas então que trabalho é esse nosso de tentar
convencer os outros de que nossos pensamentos são os melhores? A resposta pode
estar num passeio á praia na maré baixa. Hoje voltei lá porque há dois dias
tinha apanhado três grandes conchas vivas, para comer, dessas enterradas na
areia e que mal cabem na mão (minha mão não é pequena). Como-as com arroz como se
fosse um arroz de frango, mas com temperos adequados aos frutos do mar, ou cruas
depois de limpas (estão sempre limpas. Basta tirar-lhes o bisso [2]).
A melhor forma, porém, é numa panela alta colocar as conchas limpas com
manteiga e alho cortado, um pouco de sal, sem água, e dar-lhes uma leve
cozedura para não ficarem duras. Na medida em que for cozinhando (uns cinco
minutos) deve sacudir-se a panela para que o molho envolva as conchas.
Naturalmente elas se abrem durante o cozimento. Pode colocar ervas a seu gosto.
Assim ao natural, na manteiga, parecem-me mais saborosas. Junto-lhes umas gotas
de limão.
Hoje
não encontrei nenhuma concha em meu pequeno passeio. Perguntei-me porque razão
e comecei de cabeça a fazer as contas. Imagine-se que todo o dia fosse á praia
e trouxe-se de lá três conchas, percorrendo cerca de 700 metros, numa faixa de
areia na maré vazante, de cerca de 30 metros (que é a faixa viável para
encontrá-las sem ter que mergulhar. São 21.000 metros quadrados e não conheço a
faixa de habitat delas que pode até entrar mar adentro). Ao final de um mês, eu
teria retirado 90 conchas daquele tamanho. Elas levam de seis a dez anos para
crescer tanto. Nota-se pela cor dos anéis que as formam, de diversas
colorações, muito provavelmente em função da quantidade de alimentos
disponíveis e de sua composição. Feitas as contas com mais calma, já em casa,
conclui que apenas eu, coletando 90 conchas por metro quadrado por mês, poderia
acabar com a espécie em meia dúzia de anos. Não acabaria, porque sempre
sobrariam alguns ovos e de tão pequenas nem as perceberia. Continuariam
procriando, mas durante seis a dez anos não se encontraria nenhuma daquele
tamanho.
Então
agora já me pareceu que estaria a ponto de saber porque razão, ou razões,
sempre desejamos que as demais pessoas com as quais nos relacionamos pensem de
forma parecida á nossa. É uma questão de sobrevivência. Assim no “tu para tu”,
caro leitor, se pensares como eu e comigo te identificares posso pedir-te um
favor, ordenar-te que faças algo, e vice-versa, mas como há sutis diferenças na
nossa forma de pensar, logo um estará “mandando” e o outro se enchendo de ser
mandado por não entender que haja “compensação”. Assim como a praia e suas
disponibilidades estabelecem e determinam quantas conchas podem existir por
metro quadrado sem disputarem alimento [3]
assim também entre nós, neste planeta cheio de quilômetros quadrados se estabelece
quantos de nós podemos existir sem ser “lado a lado”, disputando cargos,
mercados, comida, espaço, dinheiro. Dizem alguns comunistas que dinheiro não é
necessário. Certo. Que não seja então, mas mesmo sem a existência do dinheiro as disputas continuam por um favor a
mais ou a menos, um cargo no governo, uma fatia de mercado negro, seja o que
for.
Não há sensíveis diferenças entra a esquerda do PT e a do PMDB ou PSDB.
Lá
em casa, durante a minha fase de aprendizado, antes de me soltar para o mundo,
era costume dizerem-me: “Quanto maior a nau, maior a tormenta”. É verdade. Nada
deve ser tão pequeno que não permita o crescimento, nem tão grande que o
sufoque. Nossa Terra, nosso planeta, é do tamanho certo. Nós é que crescemos
muito, talvez porque em dado momento histórico, resolvemos ser mais
cooperativos, mais democráticos, mais compreensivos, mais “idênticos”. Isso
ainda é muito bom, mas os movimentos que se vêm pelo mundo nos mostram que há
forças crescentes que visam a diminuição da população. O processo como um todo,
pode ser atribuído a grupos, nações, intolerância, e uma porção de nomes que
vão desde o mais calão e falta de bom-senso, até o mais impregnado de
filosofia, mas para mim, que andei lendo algumas coisas por aí, fica-me a
sensação de que são apenas efeitos da natureza. Não apenas da “natureza” de que
somos feitos, mas da natureza como um todo. A natureza é sempre equilibrada.
Nós, Homo Sapiens, somos o fator de desequilíbrio da natureza. Puxamos para um
lado e ela para o outro. Por falta de predadores nos depredamos.
Precisamos
nos sintonizar de forma racional antes que o inconsciente coletivo nos faça
destruir-nos uns aos outros para restabelecer o equilíbrio. É o emocional que nos faz produzir lindas obras e depois destruí-las, sempre por amor. Temos fartos históricos
disso que não acontecem aleatoriamente, mas quando as “necessidades” da
natureza se fazem imperar. Podemos até nos perguntar qual a razão de em Academias de Letras os Acadêmicos usarem um fardão com bainha, espada e talabarte, se a Academia é de letras e não de artes marciais.
®
Rui Rodrigues
[1] Não gosto desta palavra "líder"...
Na maioria das vezes é bajulação para conseguir alguma coisa com eles, ou para
não destoar do meio em que se circula pela vida tentando sobreviver ou viver
melhor.
[2] Filamentos que nas conchas
bivalves servem para fixação nas rochas, parecendo uma raiz. Estas conchas da
areia, no entanto, também possuem bisso. É possível que estejam em processo de
evolução: Ou abandonaram seu habitat em rochas, ou recentemente criaram bisso
para se adaptarem ás rochas. Darwin me negaria, ao não aceitar a “intenção de”
no processo evolucionário. Eu acredito na memória e inteligência genéticas. Não
sei o que pensaria Jay Gould.
[3] Nunca vi uma concha brigar
com a outra por causa de alimento. Elas “sabem” quantas cabem por metro
quadrado, ou como parece comprovado, os predadores controlam a “criação” de
conchas. Muitas conchas, muitos predadores, Muitos predadores menos conchas,
menos conchas, menos predadores,