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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Crônicas da Praia do Peró: O mundo e as conchas.


Montei um posto de observação da vida. Nela já fui desde “aprendiz” a “professor” e agora apenas a observo entre pinturas, fazer um móvel ou outro, cumprir compromissos inadiáveis e até dificilmente pagáveis, escrever, curtir a família quando é possível, cuidar de minhas galinhas que parecem falar, curtir a natureza. Afinal fiz por merecer. Dinheiro é o mínimo, mas pensando bem, como o usaria agora? Já conheço meio mundo, e pensar supre tudo. Em nossos pensamentos viaja-se ao passado, percorre-se o presente, desvenda-se alguma coisa da infinidade dos possíveis futuros, e até há tempo para qualquer coisa que se possa imaginar. Sou um grande domador de tempos, desde quando tive que programar as obras que eu mesmo iría gerenciar. Nunca falharam o prazo, nem a qualidade, e isto, dito assim, soa como prosápia, como gozação. Meus amigos sabem que é verdade. Criava-se motivação nas equipes, e que equipes que trabalharam comigo, ou das quais fiz parte, ou para as quais trabalhei... Mas não é o tema desta crônica que só foi crônica até este ponto. A partir deste parágrafo é outra coisa.

Percorremos a história universal, e o que vemos em termos de governos? Quem foram os “líderes” [1] que estiveram á frente de seus povos assumindo a responsabilidade de governar? Os melhores cientistas? Os mais filósofos? Os mais inteligentes? Os mais espertos? Os mais religiosos? Os mais artistas? Os melhores cantores? Podemos ler a história de qualquer país e veremos que se misturarmos todos estes ingredientes poderemos contar pelos dedos os que assumiram governos sendo filósofos, artistas, cantores, cientistas... Se é que houve algum. Vamos encontrar governantes entre os até inteligentes, mais entre os espertos, muitos religiosos, mas destes últimos só no passado e agora alguns poucos. No Vaticano há um que parece ser um bom sujeito; Muitos eram generais e ainda os há. O que podemos esperar deste mundo se são sempre estes que nos governam? Não podemos esperar muita coisa enquanto o permitirmos. A tal "Pátria Educadora" de hoje, é o Livro vermelho de Mao de ontem. Aliás, já foi até abolido. Sobram cópias em sebos da China. Mas a que propósito vem isto?


Vem da finalidade de nossa “luta” diária para tentar impor ou convencer quem nos cerca que nossa linha de pensamento é a “melhor”, porque achamos que “pensamos” muito bem e que devemos ter crédito entre aqueles com os quais convivemos. Aliás, foi por aí que comecei, lá em cima, quando disse que uma das atividades de minha preferência é a de pensar. Tive uma gata, a saudosa Sarkye, um cachorro que morreu de câncer, o Oréba, e algumas árvores. Nenhum deles precisa convencer ninguém de nada, viveram e vivem bem, o mundo para eles é um paraíso e nem lhes perguntem pelo inferno. Simplesmente não existe nada disso para eles. Simplesmente vivem. Bicam-se por comida, mas dormem juntos para se aquecerem. Árvores nem disso precisam. Mas então que trabalho é esse nosso de tentar convencer os outros de que nossos pensamentos são os melhores? A resposta pode estar num passeio á praia na maré baixa. Hoje voltei lá porque há dois dias tinha apanhado três grandes conchas vivas, para comer, dessas enterradas na areia e que mal cabem na mão (minha mão não é pequena). Como-as com arroz como se fosse um arroz de frango, mas com temperos adequados aos frutos do mar, ou cruas depois de limpas (estão sempre limpas. Basta tirar-lhes o bisso [2]). A melhor forma, porém, é numa panela alta colocar as conchas limpas com manteiga e alho cortado, um pouco de sal, sem água, e dar-lhes uma leve cozedura para não ficarem duras. Na medida em que for cozinhando (uns cinco minutos) deve sacudir-se a panela para que o molho envolva as conchas. Naturalmente elas se abrem durante o cozimento. Pode colocar ervas a seu gosto. Assim ao natural, na manteiga, parecem-me mais saborosas. Junto-lhes umas gotas de limão.

Hoje não encontrei nenhuma concha em meu pequeno passeio. Perguntei-me porque razão e comecei de cabeça a fazer as contas. Imagine-se que todo o dia fosse á praia e trouxe-se de lá três conchas, percorrendo cerca de 700 metros, numa faixa de areia na maré vazante, de cerca de 30 metros (que é a faixa viável para encontrá-las sem ter que mergulhar. São 21.000 metros quadrados e não conheço a faixa de habitat delas que pode até entrar mar adentro). Ao final de um mês, eu teria retirado 90 conchas daquele tamanho. Elas levam de seis a dez anos para crescer tanto. Nota-se pela cor dos anéis que as formam, de diversas colorações, muito provavelmente em função da quantidade de alimentos disponíveis e de sua composição. Feitas as contas com mais calma, já em casa, conclui que apenas eu, coletando 90 conchas por metro quadrado por mês, poderia acabar com a espécie em meia dúzia de anos. Não acabaria, porque sempre sobrariam alguns ovos e de tão pequenas nem as perceberia. Continuariam procriando, mas durante seis a dez anos não se encontraria nenhuma daquele tamanho.


Então agora já me pareceu que estaria a ponto de saber porque razão, ou razões, sempre desejamos que as demais pessoas com as quais nos relacionamos pensem de forma parecida á nossa. É uma questão de sobrevivência. Assim no “tu para tu”, caro leitor, se pensares como eu e comigo te identificares posso pedir-te um favor, ordenar-te que faças algo, e vice-versa, mas como há sutis diferenças na nossa forma de pensar, logo um estará “mandando” e o outro se enchendo de ser mandado por não entender que haja “compensação”. Assim como a praia e suas disponibilidades estabelecem e determinam quantas conchas podem existir por metro quadrado sem disputarem   alimento [3] assim também entre nós, neste planeta cheio de quilômetros quadrados se estabelece quantos de nós podemos existir sem ser “lado a lado”, disputando cargos, mercados, comida, espaço, dinheiro. Dizem alguns comunistas que dinheiro não é necessário. Certo. Que não seja então, mas mesmo sem a existência do dinheiro as disputas continuam por um favor a mais ou a menos, um cargo no governo, uma fatia de mercado negro, seja o que for.

Não há sensíveis diferenças entra a esquerda do PT e a do PMDB ou PSDB.

Lá em casa, durante a minha fase de aprendizado, antes de me soltar para o mundo, era costume dizerem-me: “Quanto maior a nau, maior a tormenta”. É verdade. Nada deve ser tão pequeno que não permita o crescimento, nem tão grande que o sufoque. Nossa Terra, nosso planeta, é do tamanho certo. Nós é que crescemos muito, talvez porque em dado momento histórico, resolvemos ser mais cooperativos, mais democráticos, mais compreensivos, mais “idênticos”. Isso ainda é muito bom, mas os movimentos que se vêm pelo mundo nos mostram que há forças crescentes que visam a diminuição da população. O processo como um todo, pode ser atribuído a grupos, nações, intolerância, e uma porção de nomes que vão desde o mais calão e falta de bom-senso, até o mais impregnado de filosofia, mas para mim, que andei lendo algumas coisas por aí, fica-me a sensação de que são apenas efeitos da natureza. Não apenas da “natureza” de que somos feitos, mas da natureza como um todo. A natureza é sempre equilibrada. Nós, Homo Sapiens, somos o fator de desequilíbrio da natureza. Puxamos para um lado e ela para o outro. Por falta de predadores nos depredamos.


Precisamos nos sintonizar de forma racional antes que o inconsciente coletivo nos faça destruir-nos uns aos outros para restabelecer o equilíbrio. É o emocional que nos faz produzir lindas obras e depois destruí-las, sempre por amor. Temos fartos históricos disso que não acontecem aleatoriamente, mas quando as “necessidades” da natureza se fazem imperar. Podemos até nos perguntar qual a razão de em Academias de Letras os Acadêmicos usarem um fardão com bainha, espada e talabarte, se a Academia é de letras e não de artes marciais.  

® Rui Rodrigues  





[1] Não gosto desta palavra "líder"... Na maioria das vezes é bajulação para conseguir alguma coisa com eles, ou para não destoar do meio em que se circula pela vida tentando sobreviver ou viver melhor.
[2] Filamentos que nas conchas bivalves servem para fixação nas rochas, parecendo uma raiz. Estas conchas da areia, no entanto, também possuem bisso. É possível que estejam em processo de evolução: Ou abandonaram seu habitat em rochas, ou recentemente criaram bisso para se adaptarem ás rochas. Darwin me negaria, ao não aceitar a “intenção de” no processo evolucionário. Eu acredito na memória e inteligência genéticas. Não sei  o que pensaria Jay Gould.
[3] Nunca vi uma concha brigar com a outra por causa de alimento. Elas “sabem” quantas cabem por metro quadrado, ou como parece comprovado, os predadores controlam a “criação” de conchas. Muitas conchas, muitos predadores, Muitos predadores menos conchas, menos conchas, menos predadores, 

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