Corrida de camelos no Pólo Norte
- Comandante... Venho
comunicar que não há água neste front para fazer café!
Impávido, o comandante
retorquio sem deixar de ler o seu boletim diário:
- Façam chá!
Esta era a situação do
pelotão 356 da quarta companhia do terceiro exército que lutava no Saara contra
as forças do Eixo. Quando mais tarde, já no Pólo Norte o mesmo soldado foi
comunicar ao mesmo comandante que não havia papel higiênico, ele respondeu
impávido sem deixar de ler o seu boletim diário:
- E não olhe para o meu
boletim... Seus dedos podem ser usados de forma mais eficiente!
Era esta a situação geral:
Nunca havia nada do que deveria haver. Consumiam demasiado e o papel nunca era
suficiente. Estavam perto do Pólo Norte para uma missão de resgate a ser levada
a cabo na Noruega dominada pelos alemães. Iam pelo Pólo por ser a rota mais
improvável para a inteligência alemã. Aníbal já fizera algo parecido com Roma,
desembarcando suas tropas na Península Ibérica e caminhando pelos Alpes com pesados
elefantes até Roma. Agora o seu comando levava camelos trazidos do Saara. Se
vistos por algum comando avançado alemão, diriam que era miragem e ninguém
absolutamente normal acreditaria que alguém tivesse visto camelos caminhando na
neve. Camelos como sabemos têm as patas enormes e bom pêlo que serve de abrigo
para o frio e podem passar dias e dias sem comer e sem beber água. Para se
adaptarem melhor ao frio, os camelos participaram de um seminário numa câmara
frigorífica para peixe no Cairo, antes da partida. O comandante não era burro
de todo. Mas ninguém sabia para que serviria o urubu que o comandante treinava
todo o dia.
A viagem até à fronteira decorreu tão tranqüila que os soldados, uma meia dúzia de vinte e um tiveram tempo para aprender alemão - montados nas corcovas dos camelos - mas era tudo tão monótono que tiveram de fazer o resto do percurso a pé, porque os soldados embalados pelo sacolejante caminhar dos animais patudos, adormeciam e tombavam no gelo ártico. Três tinham quebrado o braço, dois a cabeça, e um deles não conseguia se lembrar do que estava fazendo ali, nem do nome dos pais. A operação parecia apontar para o desastre. O comandante caminhava meditabundo...
- E então, comandante? Quem
vamos resgatar, onde e como será? Perguntou um soldado barbudo, com olhar
debochado assim como querendo puxar conversa.
- Vem cá!... Você é da nossa
companhia ou um espião?
-Ora comandante? Que é isso?
Não está me reconhecendo? Sou o Broncas! Aquele que reclama de tudo...
-Ah! Sim... Mas com essa
barba nem reconheci você. Não! Por questões de segurança, só seremos
informados dos detalhes quando estivermos no Ponto Certo. Quando chegarmos lá,
aviso! Deeeeessssbandaaaar!
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No norte da Noruega, na
fronteira entre o gelo e o gelo, havia um posto avançado alemão, com telhados
brancos, soldados vestidos de branco, tudo branco. Tão branco que uma coluna
avançada inimiga meio que distraída poderia passar por cima sem se dar conta.
Fritz Merkel, que nesse dia estava de vigia numa torre junto ao arame farpado também pintado de branco, gritou sem largar os binóculos e sem olhar para trás na
direção do posto avançado:
- Atenção comando: Tropa
montada em camelos com um urubu se aproximando!
Os binóculos foram-lhe
arrancados tempestivamente pelo tenente alemão que surgiu inesperadamente por
detrás de Fritz Merkel. Olhou... Franziu o sobrolho e viu realmente uma tropa
de camelos, mas raciocinou imediatamente que não podia haver camelos nos pólos.
Era apenas uma miragem!... Sorriu desdenhosamente e desceu as escadas da torre
de vigia. Fritz Merkel ouviu as risadas lá atrás. Certamente estariam rindo
dele. Não era só dessa vez que riam dele. Parecia-lhe sempre que que toda a Europa e continentes adjacentes riam dele.
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De repente o comandante da
tropa gritou: Parem! E olhou atentamente para o urubu. A ave estava inquieta,
queria alçar vôo. Então o comandante quebrou o silêncio do rádio e transmitiu repetidamente
a única frase que sabia em alemão e que tinha decorado extensivamente:
- Heil Hitler, heil Hitler!... Heil Hitler, heil Hitler!
Em menos de vinte segundos
escutou também em alemão:
- Heil, heil, heil!
Era o sinal. Do lado de lá tinham entendido direitinho. Então soltou o urubu que voou numa direção bem em frente a eles e contou os minutos. A tropa tirou lençóis imaculadamente brancos das mochilas, e cobriram-se a si mesmos e aos camelos que agora descansavam deitados sobre o gelo. Haviam desaparecido na paisagem. O soldado agora sabia que tinham chegado ao Ponto Certo e em breve saberia o que iriam resgatar. Só ainda não entendia a função do urubu que o comandante agora mesmo havia soltado. Durante toda a viagem lhe tinham dado ração de salsichas velhas, mas há dois dias que não lhe tinham dado nenhuma. O urubu estava magro.
Era o sinal. Do lado de lá tinham entendido direitinho. Então soltou o urubu que voou numa direção bem em frente a eles e contou os minutos. A tropa tirou lençóis imaculadamente brancos das mochilas, e cobriram-se a si mesmos e aos camelos que agora descansavam deitados sobre o gelo. Haviam desaparecido na paisagem. O soldado agora sabia que tinham chegado ao Ponto Certo e em breve saberia o que iriam resgatar. Só ainda não entendia a função do urubu que o comandante agora mesmo havia soltado. Durante toda a viagem lhe tinham dado ração de salsichas velhas, mas há dois dias que não lhe tinham dado nenhuma. O urubu estava magro.
O comandante disse: -
Preparem-se! Em dez minutos atacamos! O
primeiro a chegar onde eu disser, ganha umas férias no Rio de Janeiro, tudo
pago! Prêmios para os primeiros cinco a chegarem lá.
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No posto alemão, toda a
tropa fazia fila para subir na torre, pegar os binóculos de Fritz Merkel e
olhar para o deserto de neve. Todos riam e gargalhavam, esquecidos do almoço
que ficara sobre as mesas do refeitório. Era um momento de relaxamento. Não era
todo dia que tinham oportunidade para rir. O que viam era aquela paisagem
estéril branca, tão branca, que até a noção de distância se perdia. Quando o
ultimo acabou de olhar e desceu as escadas rindo, Fritz Merkel voltou a pegar
nos seus binóculos, deu-lhes uma limpada com o cotovelo para não pegar conjuntivite
e voltou a olhar em frente. Desta vez voltou a ver os camelos. Ia gritar quando
ouviu uma algazarra lá em baixo, perto da messe. Voltou-se e viu os soldados
espantando um urubu de cima da mesa onde tinham deixado a comida para ver a
cáfila em pleno deserto de neve e gelo. Gritou lá de cima rindo a bandeiras
despregadas:
- Cambada de idiotas...
Hahahaha... E isso o que é? Uma coruja do Ártico camuflada?
- Atenção! Burros idiotas!
Os camelos vão atacar...
Houve uma pequena discussão
entre os soldados, o vigia Fritz Merkel, e o comandante querendo impor ordem
que não durou mais do que um minuto. Mas já era tarde. As metralhadoras
pipocavam vindas de fora do acampamento e um Messerchmidt alemão
tomado pelas forças aliadas da Luftwaffe, agora a serviço dos aliados, aparecera
de repente e bombardeava o acampamento alemão.
O Urubu escapou ileso, mas
não conseguiu voar. Estava com a barriga cheia de salsichas enlatadas. Nem
ligou muito quando ouviu o zunido das balas. Já estava habituado. Quem ganhou o
prêmio para passar as férias no Rio de Janeiro, foi o soldado de primeiríssima
classe, Cameron que aproveitou e devolveu o urubu à torcida do Flamengo logo
que chegou de férias ao Rio de Janeiro. Os outros quatro que chegaram primeiro ao acampamento
alemão, ganharam um curso para pilotagem de camelos na cidade de Ouagadougou que naquele tempo pertencia à Alemanha
como capital do Alto Volta. Eles tinham aprendido alemão e fariam um serviço
extra de espionagem.
O resgate era de títulos do
tesouro alemão que valeriam muito no futuro, quando a Alemanha se associasse aos banqueiros.
Rui Rodrigues
Moral da história: Todo mundo é esperto, mas uns mais que os outros, ainda que pareçam bobos. O capital é amoral e só se exige moralidade da "tropa".
Moral da história: Todo mundo é esperto, mas uns mais que os outros, ainda que pareçam bobos. O capital é amoral e só se exige moralidade da "tropa".