É um exército especial,
também de moribundos, mas que não dançam nem foram ainda para a cova. Saem das
páginas de jornal, aos magotes, invadem nossas casas através dos aparelhos de
TV, vemo-los nas ruas, nas praças, naquelas caixas obsoletas com rodas a que chamam
de transporte público, e muitas vezes não os podemos ver porque estão numa UTI,
dentro de ambulâncias ou nem foram notícia, mas até estes que sabemos existir,
são moribundos e fazem parte do incrível exercito, cuja mascote é um enorme
gato pingado sem cor por questões do “politicamente correto”, de olhos
amarelos, inquisidor. Não é a mascote que traz o azar, nem este existe: A
desgraça é um dos efeitos de uma causa que tem origem no tempo em que as múmias
eram apreciadas, cuidadas e ainda não tinham ido para museus nem assustavam as
platéias dos cinemas nem dos leitores de gibis: A forma de governar!
Tal como o “soldado
desconhecido” ninguém sabe quem foi o primeiro grande herói deste incrível
exército, mas já foi há muito tempo. Não tem estátua, ninguém lhe leva flores,
não há carpideiras em seu túmulo, até porque nem se sabe onde estará enterrado,
se seus ossos foram preservados, ou se jazem em alguma gaveta de arqueólogo, com
um número impresso para posterior estudo. Talvez tenha sido Esaú, que a mãe
enganou mandando o filho mais amado, Jacó, levar um prato de carneiro ao pai, que
por cego de verdade, não percebeu que era o filho imberbe, coberto por pele de
animal, que lhe levava o prato preparado pela mãe e lhe deu a
primogenitura. Esaú morreu também para a
história. Jacó não: Foi o preferido da comunidade e ficou muito bem, de bela
imagem na história. Não se sabe muito bem que conclusão tirar deste fato que se
diz histórico. Uns pensam de um modo, outros acham que tirar vantagem é
primordial. Ainda há quem diga que o pai era machista e que a mãe corrigiu o
que deveria ter sido corrigido. O judeu errante já não é apenas judeu. Há
errantes por toda a parte deste planeta e de todas as raças, idades, gêneros.
Há muitas mulheres neste
exército. Uma jovem de 25 anos estava chegando em casa, de carro e um bandido
atirou nela com um revólver para lhe roubar uma bolsa que acabou sendo
abandonada na calçada ao lado do carro. Levou um tiro na cabeça e está em coma,
na UTI, passando muito mal. Estava grávida de nove meses e a criança foi salva
pela equipe médica. Dizem á boca pequena que a culpa é dos bandidos, mas
esquecem, tanto as bocas grandes quanto as pequenas, que é o sistema que produz
esses indivíduos. A educação em casa e nas escolas é fundamental, mas os
governos nunca deram importância nem para a educação nas escolas nem em casa:
os filhos pequenos têm que trabalhar para ajudar financeiramente em casa e não
têm tempo para ir à escola, nem dinheiro para comprar livros e outros
apetrechos. Os pais não podem ajudar na educação porque a falta de tudo os faz
reclamar todos os dias da desgraça de vida que levam.
Uma senhora aposentada, com
quase setenta anos, teve um ataque cardíaco e passa muito mal. Ganhando apenas
dois salários por mês, morando sozinha, não sobra dinheiro para nada porque
gasta quase tudo em remédios, os alimentos aumentaram de preço
assustadoramente. Para se distrair, usava um modem que seu filho lhe tinha dado,
com um computador velho, para acessar a Internet, mas o ataque cardíaco surgiu
quando a luz mais uma vez se foi. A distribuidora de energia elétrica costumava
falhar mais de três vezes por semana, todas as semanas, e os períodos sem
energia não raro passavam das 48 horas. O sinal da distribuidora de sinal para
a Internet, a que forneceu o modem, sempre apresentava períodos de baixo sinal,
interrompendo os textos da senhora justamente quando ia dar um “enter” para
postar nas redes sociais. Naquele dia passou oito horas para conseguir mandar
um e-mail por deficiência de sinal, a comida estragou na geladeira por falta de
energia elétrica, e a água da caixa acabou por falta de água da fornecedora de
água. Quarenta e oito horas sem energia elétrica, os remédios estragados na
geladeira, a comida estragada e sem dinheiro para comprar mais naquele mês –
detestava pedir dinheiro ao filho que também vivia apertado – sem água para
tomar banho, o coração da senhora não agüentou. Dois amigos seus já tinham
falecido na fila de consultas em hospitais do Estado, uma menina, filha de uma
amiga sua, morreu porque o médico de plantão faltou como todos costumam faltar
porque têm dois empregos e há quem “segure as pontas” no emprego do Estado,
porque nestes empregos do Estado, onde se fazem as maracutaias, todo mundo tem
o rabo preso e por isso cada um se acha no direito de tirar o maior proveito, e
não há moral para a “chefia”, normalmente de uma quadrilha, para os chamar à
atenção...
Jovem, ainda com 45 anos,
naquele ano foi para o hospital e faleceu. Mas enquanto vivo, fez parte do
incrível exército dos moribundos. O ataque foi fulminante naquele dia fatídico
e não foi por acaso. Foi causa. Aconteceu quando apareceu a fiscalização dos
órgãos públicos que já o vinham assediando. Ele não tinha dinheiro e já
caminhava com dificuldade por causa de problemas no coração. Era a fiscalização
da Prefeitura, de uma APA, de Órgão Ambiental. Embora o loteamento fosse legal
para todos os efeitos – a Prefeitura aprovava projetos e recolhia impostos e
taxas – os órgãos do ambiente não o reconheciam como tal por falta de trâmites
legais que aquela deveria ter tomado. Nem CEP existia e os correios não
entregavam correspondência. Nem a câmara de vereadores resolvera esse problema
do CEP. O coração do jovem batia mais forte, descompassado, toda vez que algum
veículo de órgão público aparecia. Aos fiscais não importava o coração do jovem
que providenciava a documentação que podia. Não havia prazos para a
Fiscalização e embargaram a obra. Naquele dia, não apareceu um veículo apenas.
Vieram os três veículos das três entidades fiscalizadoras e o coração não
agüentou perante o panorama exposto pelos fiscais. Morreu nesse mesmo dia.
O incrível exército dos
moribundos é enorme. Corresponde a mais de 20 por cento da população mundial.
Nele existem doentes de todos os tipos que morrem por falta de remédios; por
balas perdidas; por falta de atendimento médico; por falta de ambulâncias; por
injeções de leite na veia, e até mesmo sopa na veia, ou ácidos; por falta de
equipamento e programas de segurança em obras; em acidentes nas estradas porque
são de traçado antigo, cheias de buracos e irregularidades e com poucas pistas
para trânsito tão grande; por doenças provocadas por enfermidades adquiridas em locais com esgoto a céu aberto, e são
muitos estes locais; por aprovações indevidas de projetos em locais de
alagamentos como Xerém e Teresópolis, muitas vezes a troco de propinas; índios
e mendigos queimados com álcool em praças públicas; ônibus incendiados; ordenam-se
mortes por celular de dentro de presídios de segurança máxima ... O caos impera
e não há centuriões que imponham a ordem, juízes que moralizem e ordenem este
caos. Há, mas muito poucos.
E não só destas enfermidades
administrativas, porque muitos estão moribundos por faltas que não teriam se
houvesse mais moral e ética na administração pública.
Entretanto, governos
estaduais, municipais e federal continuam fazendo propagandas sobre seus
governos e programas, exaltando obras que apenas servem para empresas e
distração pública – no sentido de dispersar o pensamento, alienar da realidade
- sem que exijam a essas empresas que
parte dos lucros seja aplicada na manutenção de sistemas de atendimento a toda
a população.
Somos todos brasileiros, mas
uns se refestelam nas arquibancadas da arena do Planalto ou dos governos
estaduais, como o Genoíno, que condenado pela justiça assume como deputado “despistado”,
enquanto outros trabalham sem parar para tapar os buracos financeiros criados
no seio do governo.
Outros, uma enorme e cada
vez mais crescente parte, milita no incrível exército dos moribundos rezando a
Deus – cada um tem o seu – para que o manto da ética e da moral se estenda pelo
planeta. Sabe-se que as verbas são atribuídas aos órgãos de governo, mas não se
vê melhorar nada. Pelo contrário, tudo piora. Em algum lugar elas se escondem,
e nem os tribunais de contas conseguem deslindar onde... É bem possível que nem
saibam que as verbas se escondem.
Será Deus cego e surdo, que
pelo menos mudo Ele é, ou teremos que ser nós, os que se preparam para entrar
no incrível exército dos moribundos a mudar este estado de coisas?
A banda do incrível exército dos moribundos – os que vão morrer te saúdam, César – não toca hinos militares. Tocam apenas uma canção:
... Tristeza... Por favor,
vai embora... Minha alma que chora...
No verso seguinte o exército
em coro estufa o peito e não chora: Range os dentes, franze o sobrolho e irrita-se!
A cada dia que passa o
incrível exército dos moribundos aumenta o efetivo!
Rui Rodrigues.
PS- A moça sofreu parada cerebral pela tarde de 10 de janeiro de 2013. Seus órgãos foram doados. A filhinha passa bem. Os dois bandidos ainda não foram presos, e certamente se o forem não ficarão na prisão por muito tempo. Voltarão a matar! As prisões não fazem santos.
PS- A moça sofreu parada cerebral pela tarde de 10 de janeiro de 2013. Seus órgãos foram doados. A filhinha passa bem. Os dois bandidos ainda não foram presos, e certamente se o forem não ficarão na prisão por muito tempo. Voltarão a matar! As prisões não fazem santos.
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