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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O incrível exército dos moribundos



Thriller de Michael Jackson? Não! 

É um exército especial, também de moribundos, mas que não dançam nem foram ainda para a cova. Saem das páginas de jornal, aos magotes, invadem nossas casas através dos aparelhos de TV, vemo-los nas ruas, nas praças, naquelas caixas obsoletas com rodas a que chamam de transporte público, e muitas vezes não os podemos ver porque estão numa UTI, dentro de ambulâncias ou nem foram notícia, mas até estes que sabemos existir, são moribundos e fazem parte do incrível exercito, cuja mascote é um enorme gato pingado sem cor por questões do “politicamente correto”, de olhos amarelos, inquisidor. Não é a mascote que traz o azar, nem este existe: A desgraça é um dos efeitos de uma causa que tem origem no tempo em que as múmias eram apreciadas, cuidadas e ainda não tinham ido para museus nem assustavam as platéias dos cinemas nem dos leitores de gibis: A forma de governar!

Tal como o “soldado desconhecido” ninguém sabe quem foi o primeiro grande herói deste incrível exército, mas já foi há muito tempo. Não tem estátua, ninguém lhe leva flores, não há carpideiras em seu túmulo, até porque nem se sabe onde estará enterrado, se seus ossos foram preservados, ou se jazem em alguma gaveta de arqueólogo, com um número impresso para posterior estudo. Talvez tenha sido Esaú, que a mãe enganou mandando o filho mais amado, Jacó, levar um prato de carneiro ao pai, que por cego de verdade, não percebeu que era o filho imberbe, coberto por pele de animal, que lhe levava o prato preparado pela mãe e lhe deu a primogenitura.  Esaú morreu também para a história. Jacó não: Foi o preferido da comunidade e ficou muito bem, de bela imagem na história. Não se sabe muito bem que conclusão tirar deste fato que se diz histórico. Uns pensam de um modo, outros acham que tirar vantagem é primordial. Ainda há quem diga que o pai era machista e que a mãe corrigiu o que deveria ter sido corrigido. O judeu errante já não é apenas judeu. Há errantes por toda a parte deste planeta e de todas as raças, idades, gêneros.

Há muitas mulheres neste exército. Uma jovem de 25 anos estava chegando em casa, de carro e um bandido atirou nela com um revólver para lhe roubar uma bolsa que acabou sendo abandonada na calçada ao lado do carro. Levou um tiro na cabeça e está em coma, na UTI, passando muito mal. Estava grávida de nove meses e a criança foi salva pela equipe médica. Dizem á boca pequena que a culpa é dos bandidos, mas esquecem, tanto as bocas grandes quanto as pequenas, que é o sistema que produz esses indivíduos. A educação em casa e nas escolas é fundamental, mas os governos nunca deram importância nem para a educação nas escolas nem em casa: os filhos pequenos têm que trabalhar para ajudar financeiramente em casa e não têm tempo para ir à escola, nem dinheiro para comprar livros e outros apetrechos. Os pais não podem ajudar na educação porque a falta de tudo os faz reclamar todos os dias da desgraça de vida que levam.

Uma senhora aposentada, com quase setenta anos, teve um ataque cardíaco e passa muito mal. Ganhando apenas dois salários por mês, morando sozinha, não sobra dinheiro para nada porque gasta quase tudo em remédios, os alimentos aumentaram de preço assustadoramente. Para se distrair, usava um modem que seu filho lhe tinha dado, com um computador velho, para acessar a Internet, mas o ataque cardíaco surgiu quando a luz mais uma vez se foi. A distribuidora de energia elétrica costumava falhar mais de três vezes por semana, todas as semanas, e os períodos sem energia não raro passavam das 48 horas. O sinal da distribuidora de sinal para a Internet, a que forneceu o modem, sempre apresentava períodos de baixo sinal, interrompendo os textos da senhora justamente quando ia dar um “enter” para postar nas redes sociais. Naquele dia passou oito horas para conseguir mandar um e-mail por deficiência de sinal, a comida estragou na geladeira por falta de energia elétrica, e a água da caixa acabou por falta de água da fornecedora de água. Quarenta e oito horas sem energia elétrica, os remédios estragados na geladeira, a comida estragada e sem dinheiro para comprar mais naquele mês – detestava pedir dinheiro ao filho que também vivia apertado – sem água para tomar banho, o coração da senhora não agüentou. Dois amigos seus já tinham falecido na fila de consultas em hospitais do Estado, uma menina, filha de uma amiga sua, morreu porque o médico de plantão faltou como todos costumam faltar porque têm dois empregos e há quem “segure as pontas” no emprego do Estado, porque nestes empregos do Estado, onde se fazem as maracutaias, todo mundo tem o rabo preso e por isso cada um se acha no direito de tirar o maior proveito, e não há moral para a “chefia”, normalmente de uma quadrilha, para os chamar à atenção...

Jovem, ainda com 45 anos, naquele ano foi para o hospital e faleceu. Mas enquanto vivo, fez parte do incrível exército dos moribundos. O ataque foi fulminante naquele dia fatídico e não foi por acaso. Foi causa. Aconteceu quando apareceu a fiscalização dos órgãos públicos que já o vinham assediando. Ele não tinha dinheiro e já caminhava com dificuldade por causa de problemas no coração. Era a fiscalização da Prefeitura, de uma APA, de Órgão Ambiental. Embora o loteamento fosse legal para todos os efeitos – a Prefeitura aprovava projetos e recolhia impostos e taxas – os órgãos do ambiente não o reconheciam como tal por falta de trâmites legais que aquela deveria ter tomado. Nem CEP existia e os correios não entregavam correspondência. Nem a câmara de vereadores resolvera esse problema do CEP. O coração do jovem batia mais forte, descompassado, toda vez que algum veículo de órgão público aparecia. Aos fiscais não importava o coração do jovem que providenciava a documentação que podia. Não havia prazos para a Fiscalização e embargaram a obra. Naquele dia, não apareceu um veículo apenas. Vieram os três veículos das três entidades fiscalizadoras e o coração não agüentou perante o panorama exposto pelos fiscais. Morreu nesse mesmo dia.

O incrível exército dos moribundos é enorme. Corresponde a mais de 20 por cento da população mundial. Nele existem doentes de todos os tipos que morrem por falta de remédios; por balas perdidas; por falta de atendimento médico; por falta de ambulâncias; por injeções de leite na veia, e até mesmo sopa na veia, ou ácidos; por falta de equipamento e programas de segurança em obras; em acidentes nas estradas porque são de traçado antigo, cheias de buracos e irregularidades e com poucas pistas para trânsito tão grande; por doenças provocadas por enfermidades adquiridas  em locais com esgoto a céu aberto, e são muitos estes locais; por aprovações indevidas de projetos em locais de alagamentos como Xerém e Teresópolis, muitas vezes a troco de propinas; índios e mendigos queimados com álcool em praças públicas; ônibus incendiados; ordenam-se mortes por celular de dentro de presídios de segurança máxima ... O caos impera e não há centuriões que imponham a ordem, juízes que moralizem e ordenem este caos. Há, mas muito poucos.

E não só destas enfermidades administrativas, porque muitos estão moribundos por faltas que não teriam se houvesse mais moral e ética na administração pública.

Entretanto, governos estaduais, municipais e federal continuam fazendo propagandas sobre seus governos e programas, exaltando obras que apenas servem para empresas e distração pública – no sentido de dispersar o pensamento, alienar da realidade -  sem que exijam a essas empresas que parte dos lucros seja aplicada na manutenção de sistemas de atendimento a toda a população.

Somos todos brasileiros, mas uns se refestelam nas arquibancadas da arena do Planalto ou dos governos estaduais, como o Genoíno, que condenado pela justiça assume como deputado “despistado”, enquanto outros trabalham sem parar para tapar os buracos financeiros criados no seio do governo.

Outros, uma enorme e cada vez mais crescente parte, milita no incrível exército dos moribundos rezando a Deus – cada um tem o seu – para que o manto da ética e da moral se estenda pelo planeta. Sabe-se que as verbas são atribuídas aos órgãos de governo, mas não se vê melhorar nada. Pelo contrário, tudo piora. Em algum lugar elas se escondem, e nem os tribunais de contas conseguem deslindar onde... É bem possível que nem saibam que as verbas se escondem.

Será Deus cego e surdo, que pelo menos mudo Ele é, ou teremos que ser nós, os que se preparam para entrar no incrível exército dos moribundos a mudar este estado de coisas?

A banda do incrível exército dos moribundos – os que vão morrer te saúdam, César – não toca hinos militares. Tocam apenas uma canção:

... Tristeza... Por favor, vai embora... Minha alma que chora...

No verso seguinte o exército em coro estufa o peito e não chora: Range os dentes, franze o sobrolho e irrita-se!

A cada dia que passa o incrível exército dos moribundos aumenta o efetivo!


Rui Rodrigues.

PS- A moça sofreu parada cerebral pela tarde de 10 de janeiro de 2013. Seus órgãos foram doados. A filhinha passa bem. Os dois bandidos ainda não foram presos, e certamente se o forem não ficarão na prisão por muito tempo. Voltarão a matar! As prisões não fazem santos.  




     

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